Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
11465/17.1T8PRT-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LEONEL SERÔDIO
Descritores: APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS
PRAZO
MOMENTO DA CONTAGEM
Nº do Documento: RP2018111511465/17.1T8PRT-B.P1
Data do Acordão: 11/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 154, FLS 20-22)
Área Temática: .
Sumário: O prazo limite para a apresentação de documentos (bem como o da alteração do rol de testemunhas) tem por referência não a data inicialmente designada para a audiência final mas a data da efetiva realização da audiência, quer haja adiamento ou continuação da audiência.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 11465/17.1T8PRT-B.P1
Relator – Leonel Serôdio (707)
Adjuntos – Amaral Ferreira
- Deolinda Varão

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Na presente ação declarativa com processo comum que B... e C... intentam contra D..., E... e F..., Lda, vieram os AA interpor recurso do despacho de 04.07.2018, que indeferiu a junção de documentos por eles apresentados em 04.06.2018.

Terminaram as suas alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem:
“1. Vem o presente recurso na sequência do requerimento apresentado em 14 de Junho de 2018, ou seja, 20 dias antes da continuação da audiência de julgamento, no sentido de junção, no dia 18.6.2018, de vários documentos aos autos.
2. Sobre mesmo recaiu o seguinte despacho que ora se recorre (…)
3. Entendemos que carece de total razão os argumentos aduzidos e que sustentam o referido indeferimento.
4. Salvo o devido respeito, o julgador da 1ª instância carece de razão.
5. Com efeito, como se tem defendido na jurisprudência, o prazo de 20 dias previsto no artigo 423.º n.º2 do CPC, deve ser contado tendo em conta como referência a realização da audiência e o uso daquela faculdade cabe tanto quando ocorre um adiamento, como uma repetição apenas se impondo que seja observado o prazo de “20 dias antes da data em que se realize a audiência final”.
6. Tal entendimento, vai ao encontro da letra do n.º2 do mencionado artigo, pois que da sua ratio emerge a necessidade de evitar o adiamento das audiências, que no código de 1961, as partes facilmente conseguiam, apresentando nelas, ou num dia próximo da respetiva realização, um documento, quanto qual tinha que ser concedido á outra parte um prazo para se pronunciar, o que, em regra, levava a que a audiência tivesse que ser adiada.
7. Ora, no caso que agora nos ocupa e preocupa, quando em 14 de Junho de 2018 foi apresentado nos autos o requerimento de junção de documentos, estava-se ainda antes dos 20 dias, mencionados no n.º2 do artigo 423.º naturalmente reportados ao dia 04 de Julho de 2018 data da continuação da audiência.
8. Em suma, quando os recorrentes requereram a junção aos autos dos referidos documentos que apresentaram com o requerimento de 14 de Junho de 2018 encontrava-se dentro dos 20 dias que precediam a data designada para a continuação, por interrupção, atinente a causa imputável ao adiantado da hora, ou seja, por razões obvias mas não imputáveis ás partes, pelo que era então livre de requererem a junção dos aludidos documentos, sujeitando-se no entanto, ao pagamento de uma multa nos termos do artigo 423.º n.º2 do CPC e 27º do Regulamento das Custas Processuais.
9. Assim, e mais uma vez estamos convictos que essa possibilidade, ancorada na ratio legis da norma, se pode concretizar e tem acolhimento legal em casos não só de suspensão (como parece ser entendimento do despacho em crise), mas também de adiamento, interrupção ou uma repetição de audiência.
10. Por ultimo, não podemos deixar de referir que a marcação de uma continuação da audiência de discussão pressupõe a interrupção da mesma.
11. É precisamente esta orientação que encontramos não só no desenvolvimento da apreciação do objeto do recurso como claramente no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto no âmbito do processo 143/14.3T8PFR-C.P1 DA 3º secção (decisão singular nos termos do disposto no artigo 656.º do CPC) em que foi relator Paulo Dias da Silva, que passamos a transcrever:
“Quando a parte não junta o documento com o articulado respetivo, a par da alegação do facto probando, e só mais tarde o faz, sujeita-se às condições estabelecidas na lei, a saber: até ao vigésimo dia que antecede a data da realização da audiência final, pode juntar o documento livremente, sujeitando-se ao pagamento de uma multa, a não ser que demonstre não ter podido oferecer o documento com o articulado; depois desse marco temporal, é necessário demonstrar a impossibilidade da apresentação até então ou que a apresentação se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior.
O prazo de 20 dias antes da realização da audiência final previsto no artigo 423, n.º2 do CPC para a junção de documentos após os articulados, deve ser contado tendo como referencia a realização da audiência e o uso daquela faculdade cabe tanto quando ocorre um adiamento, uma interrupção ou uma repetição de audiência”.
12. A decisão recorrida violou, por erro de interpretação, o disposto no artigo 423, nº 2 do CPC.”
A final pede se revogue o despacho recorrido, substituindo-se por outro que admita a junção dos documentos.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Fundamentação

A questão a decidir é saber se os documentos foram apresentados ou não dentro do prazo fixado no n.º 2 do art. 423º do CPC.

É o seguinte o teor do despacho recorrido.
“A audiência de julgamento iniciou-se a 13 de Junho de 2018, pelo que, atento o disposto no art.º 423.º do CPC, o prazo normal para apresentação de documentos como meio de prova há muito que decorreu (salvo melhor opinião, a data limite a este propósito constante do referido artigo apenas se pode considerar como referida ao inicio da audiência de julgamento, que é no fundo o que foi decidido pelo Tribunal da Relação do Porto no âmbito do processo referido a fls. 736 – não ocorreu adiamento, interrupção ou adiamento da audiência de discussão e julgamento, mas antes a sua simples suspensão (art.º 3 do artigo 606º do Código de processo Civil).
Logo, a apresentação de documentos como meio de prova neste momento apenas será possível se a parte alegar e demonstrar que não teve oportunidade de os apresentar antes.
O que não sucede.
Logo, não se admitem os documentos apresentados a fls.738 a 871.”

O citado art. 423º (Momento da apresentação), estipula:
“1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3 – Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.

A questão está, pois, em saber se os documentos têm de ser apresentados 20 dias antes da data designada para o início da audiência de julgamento ou nos casos em que audiência seja interrompida e a sua continuação designada para 20 dias depois, as partes podem ainda apresentar documentos, nos termos do n.º 2 do citado artigo 423º.

O artigo 523º n.º 2 do CPC na redação anterior à reforma da Lei 41/2013, que corresponde com alterações ao n.º 2 do atual art. 423º permitia a apresentação até ao encerramento da audiência da discussão de julgamento.

Com o atual o n.º 2 do art. 423º o legislador fixou um regime idêntico ao já consagrado para a alteração do rol de testemunhas (anterior art. 512º-A e atual art.º 598º - o rol de testemunhas poder ser aditado ou alterado até 20 dias antes de data em que se realize a audiência final).

A questão do termo do prazo de 20 dias quando a audiência de julgamento não terminava no dia em que se iniciava, já se colocava, quanto ao momento do aditamento ou alteração do rol de testemunhas, nos termos do art. 512º -A n.º 2 do CPC que corresponde ao atual art. 598ºn.º 2, tendo a esmagadora maioria dos acórdãos publicados, antes e depois da reforma do CPC de 2013, decidido que a antecedência de 20 dias se reportava à realização efetiva da audiência final e não à simples abertura.

Neste sentido Ac. desta Relação do Porto de 20.10.2009, processo 2172/04.6TBVFR.P1, relator Vieira e Cunha, com o sumário: “III - O prazo do art° 512°-A conta-se da data da audiência aprazada para a audição da testemunha ou daqueloutra data para que a audição haja sido adiada.”. Acórdão de 11.12.2008, da Relação de Guimarães, processo n.º 1903/08-1, relatora Isabel Rocha, com o sumário: “I - De acordo com o disposto no artº 512º-A do Código de Processo Civil, o rol de testemunhas pode ser alterado ou aditado até 20 dias antes da data em que se realize efectivamente o julgamento, ainda que, anteriormente, tenha ocorrido abertura da audiência logo seguida de adiamento.”
E ainda o Ac. TRL de 03/05/2001, Proc. 0008432 (Rel. Proença Fouto), com o sumário: «I - Prevendo o artº 512º do CPC que o rol de testemunhas pode ser alterado ou adiado até vinte dias antes da data em que se realize a audiência de julgamento, refere-se o texto legal à realização efectiva da audiência. Assim, uma vez adiada nos termos do artº 651º do mesmo código ou anulada, será tempestivo tal adiamento ou alteração se ocorrer até vinte dias antes da sua efectiva realização na nava data designada para o início do julgamento». E os Acs. TRP, de 24/01/2000, Proc. 9951224 (Rel. Aníbal Jerónimo), com o sumário: «Os róis de testemunhas podem ser alterados ou adicionados as vezes que se tornem necessárias, desde que apresentados até vinte dias antes da data da efectiva realização do julgamento»; de 20/03/2000, Proc. 9951480 (Rel. Fernandes do Vale), com o sumário: «I - O prazo de vinte dias - previsto no artigo 512-A do Código de Processo Civil - para aditamento ou alteração do rol de testemunhas - deve ser contado tendo como referência a realização da audiência e não a simples abertura desta, seguida logo de adiamento»; de 08/03/1999, Proc. 9950075 (Rel. Marques Peixoto), com o sumário: “I - O artigo 512-A n.1 do Código de Processo Civil, quando refere que o rol de testemunhas pode ser alterado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência de julgamento, reporta-se, não à data para que a audiência foi designada, mas àquela em que efectivamente se realiza.”, todos em www.dgsi.pt.”
Na vigência do atual CPC, o acórdão da Relação de Guimarães de 17.12.2015, processo 3070/09.2TJVNF-B.G1, relatora Maria Amália Santos, com o sumário: “I- Prevendo o art. 598º nº 2 do CPC que o rol de testemunhas pode ser alterado ou aditado até vinte dias antes da data em que se realize a audiência de julgamento, refere-se o texto legal à realização efectiva da audiência. II - Assim, uma vez adiada a mesma, será tempestivo tal aditamento se ocorrer até vinte dias antes da sua efectiva realização na nova data designada para o início do julgamento.” Acórdão da Relação de Coimbra, de 08.09.2015,processo 2035/09.9TBPMS-A.C1, relatora Isabel Silva, com o sumário: “O prazo de 20 dias a que alude o art. 598º, nº 2 do CPC refere-se à data da efetiva realização da audiência de discussão e julgamento, pelo que a possibilidade de alteração ou aditamento do rol de testemunhas como que se “renova” relativamente a cada uma das novas marcações que venham a ter lugar.”
Ainda a decisão sumária de 14.12.2016, proferida no processo n.º 3669/14.5T8VIS.C1, da Relação de Coimbra, relator Vítor Amaral, com o sumário: “O prazo de vinte dias, previsto no art.º 598.º, n.º 2, do NCPCiv., para aditamento ao rol de testemunhas tem como referência a efetiva realização do julgamento, ainda que, anteriormente, tenha ocorrido abertura da audiência final, com tentativa de conciliação, seguida de suspensão, sem produção de quaisquer provas, para conclusão das negociações entre as partes e designação de nova data para realização da audiência.”

Em sentido contrário, o Ac. desta Relação de 12.05.2015, processo n.º 7724/10.2TBMTS-B.P1, relator Henrique Araújo, com o sumário: “O rol de testemunhas pode ser aditado ou alterado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final sendo a data a considerar a que designa dia para julgamento, independentemente de este se realizar ou não e de terem sido agendadas mais sessões em função do volume de prova a produzir.” Tem um voto de vencido.

Concretamente quanto à junção dos documentos no referido prazo de 20 dias antes da realização da audiência final, o Ac. de 17.12.2014, desta Relação do Porto, processo n.º 436/13.7TTVNG-A.P1, relatora Maria José Costa Pinto, decidiu: “O prazo de 20 dias antes da realização da audiência previsto no artigo 423.º, n.º 2 do CPC para a junção de documentos após os articulados, deve ser contado tendo como referência a realização da audiência e o uso daquela faculdade cabe tanto quando ocorre um adiamento (ainda que verificado logo após a sua abertura) como uma repetição da audiência, vg. por se verificar a nulidade da primeira, ou para ampliação da matéria de facto.” (cf. ainda a decisão sumária citada pelos Apelantes, do nosso colega de secção Paulo Dias da Silva)
Em sentido contrário, decidiu o Ac. da Relação de Coimbra de 06.06.2017, processo n.º
2890/13.8TBPRD-A.C1, relator Arlindo Oliveira, com o sumário: “1. Perante a anulação da sentença proferida nos autos principais apenas e tão só para ser reinquirida uma testemunha, dada a inaudibilidade da gravação do depoimento por ela prestado, não estamos em face da realização ab initio da audiência de julgamento mas somente perante a repetição de um concreto acto que dela faz parte – a inquirição de uma testemunha. 2. Dado que a audiência de discussão e julgamento já tinha tido lugar e a autora poderia ter requerido a junção dos documentos que agora pretendeu fazer, desde que apresentados até 20 dias antes da data em que se realizou, atento o disposto no n.º 2 do artigo 423.º do CPC, já não é admissível a pretendida junção de documentos.”
A posição dos que defendem que o prazo de 20 dias tem sempre por referência o inicio da audiência de julgamento, independentemente de adiamento ou continuação, assenta na teleologia do preceito “ que visa evitar a perturbação resultante da apresentação de documentos” (cf. CPC Anotado, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, vol. I, pág. 499)
No entanto, não concordamos com este entendimento.
Em primeiro lugar, a letra do preceito “data em que se realize a audiência” não permite a interpretação literal que se está a reportar ao início da audiência.
Por outro lado, o legislador que teve por finalidade impedir que fossem apresentados documentos imediatamente antes do encerramento da audiência de julgamento, como era permitido no regime anterior, por razões de lealdade e para evitar que a audiência de prolongasse, impôs que os documentos sejam entregues até 20 dias antes da data em que se realize a audiência.
Contudo não se se vislumbra que quando a audiência não é contínua haja especial perturbação com a apresentação dos documentos, desde que entregues até 20 dias antes da data designada para a continuação da audiência.
Note-se que a fixação do prazo de 20 dias, antes da data designada para a realização ou continuação da audiência de julgamento, possibilita desde logo que a parte contrária (obrigatoriamente notificada pelo apresentante nos termos do art. 427º do CPC) se pronuncie sobre a sua admissibilidade e ainda impugne os documentos apresentados, nos termos do art. 444º do CPC, no prazo de 10 dias, expressamente fixado neste normativo, ou seja, necessariamente antes da continuação da audiência, não havendo, por isso, em regra, perturbação para o decurso da audiência.
Por outro lado, se as circunstâncias o exigirem, a parte contrária, passa a ter a possibilidade legal, nos termos do art. 423º n.º 3, parte final do CPC de apresentar documentos para contrariar os apresentados, sem multa.
Não há, pois, qualquer violação do princípio da igualdade das partes, que inclui o do contraditório, em interpretar o art. 423º n.º 2, de forma a contabilizar o prazo nele fixado tendo por referência a data da efetiva realização da audiência e não a data do seu início.

De resto, como resulta do preambulo da Lei n.º 41/2013, que aprovou o atual CPC, uma das principais finalidades do legislador, foi evitar que formalismos processuais impeçam a descoberta da verdade material e, por isso, as normas que fixam preclusões processuais têm de ser interpretadas em consonância com o princípio da prevalência do mérito, evitando que formalismos processuais obstem à descoberta da verdade.
Entendemos, pois, que o prazo limite para a apresentação dos documentos (bem como o da alteração do rol de testemunhas) tem por referência não a data inicialmente designada para a audiência final, mas a data da efetiva realização da audiência, quer haja adiamento ou continuação da audiência (cf. neste sentido Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, vol. II, 3ª edição, pág.s 241 e 675/676).

Assim, tendo os documentos sido apresentados em 14.06.2018 e estando a continuação da audiência de julgamento designada para o dia 4.07.2018, os AA apresentaram os documentos dentro do prazo previsto no n.º 2 do art. 423º do CPC e, por isso, devem ser admitidos, ainda que com condenação em multa pela tardia junção.

Decisão

Julga-se a apelação procedente e revoga-se o despacho recorrido de 04.07.2018, admitindo-se a junção dos documentos, sem prejuízo da condenação em multa pela tardia apresentação a aplicar na 1ª instância.

Custas desta apelação pelo vencido a final.

Porto, 15-11-2018
Leonel Serôdio
Amaral Ferreira
Deolinda Varão