Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
7751/16.6T8VNG.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA TENREIRO
Descritores: PROCURADOR
ABUSO DE REPRESENTAÇÃO
SIMULAÇÃO
LEGITIMIDADE PARA ARGUIR A SIMULAÇÃO
Nº do Documento: RP202001147751/16.6T8VNG.P2
Data do Acordão: 01/14/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Tendo o representante actuado dentro dos limites formais dos poderes conferidos pelo representado, mas de forma contrária à finalidade da representação ou às indicações deste último, verifica-se abuso de representação, e em consequência dessa situação, os efeitos do negócio são ineficazes em relação ao representado.
II - É considerado terceiro, no negócio simulado, aquele que não interveio no acordo simulatório, nem representa, por sucessão, quem aí participou, podendo figurar como parte supostamente representada no negócio simulado.
III - No caso sub judice a autora, por ter sido abusivamente representada por procuradora no contrato - promessa de compra e venda absolutamente simulado, é terceiro por não ter participado no acordo simulatório e o prejuízo ou a afectação da sua posição jurídica decorreu, não só do registo do contrato - promessa de compra e venda que a impediu de vender duas das fracções aí identificadas, como também por ter ficado vinculada ao cumprimento de um contrato inexistente e às consequências advenientes do seu incumprimento, ou seja, a uma eventual exigência da devolução do sinal (não pago) em dobro.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 7.751/16.2T8VFR.P1
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Relatora : Anabela Tenreiro
Adjunta : Lina Castro Baptista
Adjunta : Alexandra Pelayo
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Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I - RELATÓRIO
“B…, Unipessoal, Lda.” intentou a presente acção declarativa, com processo comum, contra C… e D… pedindo que seja declarado nulo o contrato - promessa de compra e venda supostamente celebrado em 23-03-2016, entre a 1.ª Ré, em nome da Autora, e o 2.º Réu, e os Réus condenados solidariamente ao pagamento da quantia de 14.000,00€ (catorze mil euros) à Autora, a título de danos sofridos em virtude de a mesma se encontrar impossibilitada de cumprir os seus impostos juntos da Autoridade Tributária e Aduaneira, acrescida de juros a taxa legal desde a citação até integral e efectivo pagamento.
Em alternativa, caso não seja declarada a nulidade do contrato - promessa de compra e venda, requereu que a 1.ª Ré proceda a apresentação de contas referente à quantia de 400,000.00€ (quatrocentos mil euros) que supostamente recebeu a título de sinal do 2.º Réu e uma vez aprovadas as contas, seja condenada no pagamento da referida quantia acrescida dos respectivos juros.
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Na contestação, os Réus deduziram reconvenção pedindo que seja declarada a resolução do contrato - promessa de compra e venda outorgado entre a A. e o 2º R., por incumprimento definitivo imputável à A. e condenando-se esta a restituir ao 2º R., o sinal em dobro, no montante de 1.080.000€, acrescido de juros legais desde a citação até integral pagamento.
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Proferiu-se sentença que decidiu julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, declarou nulo o contrato - promessa de compra e venda supostamente celebrado em 23-03-2016, entre a 1.ª Ré, em nome da Autora, e o 2.º Réu e absolveu os Réus do demais peticionado. Julgou ainda totalmente improcedente o pedido reconvencional, e em consequência, absolveu a Autora do pedido. Condenou os Réus como litigantes de má fé, e em consequência, a pagar à A., indemnização no montante 20 UCs e bem como na multa no valor de 20 UCs.
Interposto recurso interlocutório, quanto à admissão de documentos no decurso da audiência final, e de notificação de testemunha, foi pelo Tribunal da Relação do Porto proferido acórdão, nos seguintes termos:
“(…) julgar parcialmente procedente o recurso da Recorrente/Réu e, em consequência, anula-se a sentença proferida nos autos e determina-se a reabertura da audiência de julgamento com vista a proceder-se à inquirição da testemunha arrolada pelos Réus E… e à produção de novas alegações orais para possibilitar às partes pronunciarem-se sobre o teor de tal depoimento e sobre o teor e relevância do documento agora determinado juntar aos autos, constante de folhas 91 ss. deste apenso de recurso, elaborando-se, depois, nova sentença final, atendendo – para além dos meios de prova já produzidos – a estes novos elementos de prova.”
Após cumprimento do Acórdão do Tribunal da Relação, proferiu-se sentença com a mesma decisão.
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Inconformados com a sentença, os 1.º e 2.º Réus interpuseram recurso, finalizando (após convite para procederem ao cumprimento da lei no que respeita à forma sintética a que devem obedecer as conclusões) nos seguintes termos:
CONCLUSÕES:
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Pelos motivos aduzidos, decide-se alterar a decisão somente no que respeita aos factos inseridos nas alíneas ff), gg) e tt) nos termos acima expostos.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
FACTOS PROVADOS
1) A ora A. dedica-se à mediação e angariação imobiliária.
2) Por seu lado, a 1.ª R. foi advogada e procuradora da A..
3) A A., em Fevereiro de 2016, iniciou negociações com a F…, S.A., que visavam a aquisição de 5 (cinco) fracções autónomas, sitas na cidade de Vila Nova de Gaia, pelo preço global de 605.000,00€ (seiscentos e cinco mil euros).
4) A A. não detinha capital suficiente para efectuar a referida aquisição.
5) Em 23-03-2016, foi outorgada a escritura de compra e venda entre a A. e a F…, S.A., na qual a 1.ª R. interveio na qualidade de procuradora da A..
6) No dia da outorga da escritura de compra e venda, 23-03-2016, a A. procedeu ao depósito para a conta bancária da 1.ª R. da quantia de 95.000,00€ (noventa e cinco mil euros).
7) A A. revendeu 3 (três) das fracções autónomas adquiridas na referida escritura de compra e venda.
8) A 1.ª Ré sempre teve conhecimento de todos os trâmites das negociações referentes à revenda das fracções, sendo a própria, inclusivamente, quem redigia os contratos-promessa de compra e venda.
9) Após tais factos, a A. propôs à 1.ª R., como forma de terminar com a querela existente, a entrega da quantia de 225.000,00€ (duzentos e vinte e cinco mil euros), acrescida da entrega das fracções autónomas que ainda não tinha sido revendidas.
10) A 1.ª R. não aceitou tal proposta.
11) Após o malogrado acordo, a A. encetou vários contactos com potenciais clientes para a revenda das fracções autónomas que ainda não tinham sido vendidas.
12) A A. soube que a 1.ª R. outorgou em seu nome, na qualidade de procuradora da A., um contrato promessa de compra e venda entre a A. e o 2.º R., no qual prometeu, em nome da A., vender 4 (quatro) das fracções autónomas constantes na escritura de compra e venda outorgada entre a A. e a F…, S.A., em 23-03-2016, pelo preço total de 540.000,00€ (quinhentos e quarenta mil euros), tendo recebido a título de sinal a quantia de 400.000,00€ (quatrocentos mil euros) e dado a correspondente quitação. Colocou no referido contrato promessa de compra e venda, a data de 23-03-2016, como sendo o dia da sua outorga. Na Cláusula Quarta, está previsto o dia 30 de Setembro de 2016, como sendo a data limite para a celebração da escritura pública de compra e venda. Estipula a cláusula sétima, de que a A. tinha perfeito conhecimento: “1. O não cumprimento definitivo por qualquer das partes de alguma das obrigações decorrentes do presente contrato confere à outra o direito à resolução do contrato ou, alternativamente, o direito da Parte não faltosa, à execução especifica do contrato, nos termos do art. 830º do Código Civil. 2. Entende-se verificado o não cumprimento definitivo, com as consequências do número anterior se ocorrer, designadamente, uma das seguintes situações: a) uma vez notificada para o efeito, a promitente vendedora não compareça à escritura de compra e venda; b) o promitente comprador não faça o pagamento da parte do preço ainda não paga, no acto da celebração da aludida escritura. 3. No caso de se verificar a resolução do contrato por não cumprimento definitivo tem a promitente vendedora direito a fazer suas as quantias recebidas a título de sinal, se o incumprimento for imputável ao promitente comprador e este, por sua vez, tem o direito à restituição do sinal em dobro, se o incumprimento for imputável à promitente vendedora”. O 2.º R., enquanto promitente comprador nada pretendeu comprar e nada pagou à A. na pessoa da 1.ª R..
13) E efectuou o competente registo do contrato-promessa de compra e venda na Conservatória do Registo Predial de Barcelos, no dia 18-05-2016.
14) A 1.ª R. nunca comunicou à A. a celebração do mesmo, nunca lhe entregou qualquer quantia que alegadamente recebeu a título de sinal, bem como, a A. desconhecia por completo até essa data a pessoa do 2.º R..
15) A A. revogou de imediato a procuração, a 14-06-2016, que outorgou a favor da 1.ª Ré, na qual lhe mandatou poderes para a representar e celebrar contratos em seu nome.
16) A 1.ª R. contactou os novos proprietários das fracções autónomas já revendidas a amedrontá-los, referindo-lhes que iriam perder às referidas fracções, alegando que as mesmas eram da sua propriedade e que estes haviam sido enganados pela A..
17) A 1.ª R. sempre teve conhecimento das negociações que a A. mantinha com os seus clientes relativamente à venda das fracções autónomas.
18) Mesmo com esse conhecimento, a 1.ª Ré outorgou, na qualidade procuradora, o contrato - promessa de compra em venda mencionado em 12).
19) O mencionado em 16) originou problemas à A., uma vez que os proprietários das fracções autónomas entraram de imediato em contacto esta, a solicitar esclarecimentos, acabando por ficar até à data de hoje, um clima de desconfiança entre a A. e os seus clientes.
20) A 1.ª R. em 22-09-2016 efectuou à A. a comunicação do dia, hora e local para celebração da escritura pública de compra definitiva, através de carta registada e de correio electrónico.
Da contestação
21) Em final de Fevereiro de 2016, G…, legal representante da A., deslocou-se a casa da 1ª R., C…, sua vizinha e amiga, para lhe propor um negócio.
22) No dia 11 de Março de 2016, a F…, S.A., outorgou contrato - promessa de compra e venda das supra descritas fracções com a A., B… - Unipessoal, S.A., representada pela 1ª R. e na presença do único sócio e gerente da A., G….
23) Tendo para o efeito, a 1ª R. pago o sinal no valor de 35.000€.
24) Em 22 de Março de 2016, a A., B… - Unipessoal, Lda, representada pelo seu único sócio e gerente, G…, outorgou uma procuração a favor da 1ª R., nos termos da qual lhe confere, entre outros, poderes para individualmente, comprar, vender, permutar, bem como prometer comprar, prometer vender e prometer permutar as supra descritas fracções, estipulando as cláusulas e condições que entender convenientes, e, bem assim, receber as respectivas importâncias, em dinheiro ou tituladas por cheque bancário, que pertençam à sociedade, por qualquer via ou título, passando recibos e dando quitação.
25) No dia 23 de Março de 2016, no Cartório Notarial da Drª I…, sito na Av. …, nº …, …, sala …, em Vila Nova de Gaia, a F…, S.A. outorgou a escritura de compra e venda, com a A., B… - Unipessoal, Lda, representada pela aqui 1ª R. e na presença do único sócio e gerente da A., G…, referente às fracções autónomas supra descritas, com exclusão daquelas que já tinham entretanto sido vendidas pela F… (“K” e “Y”), sendo descontado o respectivo valor no preço global (175.000€ e 165.000€).
26) Nessa altura, foi pago à F…, o preço ainda em débito no montante de 605.000€ (910.000€ menos 175.000€ da venda da fracção K menos 165.000€ da venda da fracção Y), entregando um cheque bancário no valor de 569.000€.
27) A 1ª R. pagou todas as despesas relativas à aquisição das supra descritas fracções, designadamente a escritura de compra e venda, os registos, o IMT, o Imposto de Selo e a autenticação da procuração a seu favor.
28) A 1ª R. mantinha com o G… uma relação pessoal, inter familiar e profissional, há vários anos.
29) A 1ª R. apresentou queixa - crime contra o G… pelos crimes de burla qualificada, abuso de confiança, falsificação de documentos e ainda de extorsão.
30) Foi apresentada queixa crime contra J…, porque quando questionada pela 1ª R., C…, sobre quando iria devolver o dinheiro e entregar as fracções que não eram suas, desferiu duas bofetadas à 1ª R. e o G…, deu dois socos ao marido da 1ª R. que teve de ser suturado com sete pontos.
31) J…, vive com o G…, há mais de 14 anos, em comunhão de mesa e habitação e em economia comum, tendo dois filhos em conjunto de 14 e 8 anos respectivamente.
32) Da conta bancária de J… saiu 95.000€, por cheque que foi depositado na conta da 1ª R., no dia da assinatura da escritura de compra e venda outorgada entre a A., B… e a F….
33) Foi a A. notificada, por carta registada com aviso de recepção, datada de 22.09.2016, para outorgar as respectivas escrituras de compra e venda, não compareceu no dia, hora e local designado.
34) O G… tem penhorada a única quota no valor de 1.000€ que detém na A..
35) O G…, em nome da A., revogou em 14.06.2016, a procuração passada a favor da 1ª R..
36) Pelo Certificado emitido em 31 de Setembro de 2016, pela Dr. K…, consta: “Que a fracção “O” está registada a favor de L… e a fracção “Q” está registada a favor de M…, por compra efectuada aquela sociedade, o primeiro no dia onze de Maio deste ano e o segundo no dia treze de Maio do mesmo ano. … Mais certifico que feita a chamada na hora marcada, verifiquei somente a comparência do promitente comprador, apresentando o respectivo documento de identificação, bem como a documentação para a realização da referida escritura. … Que ambas as partes assinaram o competente contrato promessa de compra e venda das fracções em causa no passado dia vinte e três de Março de dois mil e dezasseis, pelo qual acordaram a realização da escritura até ao dia trinta de Setembro deste ano, que me foi exibido pelo referido promitente - comprador. Que a sociedade promitente vendedora foi convocada para esta escritura por carta registada, enviada no passado dia vinte e dois de Setembro findo, com aviso de receção com o número de registo …………., documentos que me foram exibidos pelo promitente - comprador e ainda por correio electrónico do mesmo dia. Que a sociedade promitente vendedora não compareceu nem se fez representar neste Cartório, na hora marcada, nem nos sessenta minutos seguintes, não tendo também apresentado quaisquer documentos que lhe competiam.
37) A 1.ª R. descobriu, através da consulta das certidões permanentes, a venda das fracções “BN”, “O” e “Q”, de imediato abordou o G…, para indagar o sucedido, tendo este respondido que nada tinha a informar porque as fracções eram da sua empresa, aqui A..
38) E quando lhe solicitou que pelo menos lhe entregasse os respectivos preços e as fracções ainda não vendidas, o G… e a A. recusaram alegando que as fracções eram suas.
39) O G… e a A. só não lograram vender as fracções “V” e “Z” porque entretanto a 1ª R. procedeu ao registo do contrato - promessa de compra e venda a favor do 2º R..
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Factos não Provados
a) Por referência ao facto provado em 4) que a A. outorgou um contrato de mútuo junto de um suposto cliente da 1.ª Ré.
b) Contrato este apenas formalizado verbalmente.
c) No qual a 1.ª Ré interveio supostamente na qualidade de advogada do referido cliente e na qualidade de procuradora e advogada da Autora.
d) Cliente este que por sua vez a Autora nunca conheceu, quer seja quanto a sua identificação, quer mesmo pessoalmente.
e) O referido contrato de mútuo foi outorgado pelo valor de 540.000,00€ (quinhentos e quarenta mil euros).
f) No referido contrato de mútuo ficou acordado a entrega da quantia mutuada, acrescida da quantia de 40.000,00€ (quarenta mil euros) como retribuição do mútuo celebrado.
g) Montante este que seria entregue após a revenda de todas fracções adquiridas.
h) Por referência ao facto provado em 6) que a A. abateu à quantia mutuada a quantia de 95.000,00€ (noventa e cinco mil euros), através de depósito para a conta bancária da 1.ª R..
i) Em meados de Maio do corrente ano, sem que nada o fizesse prever, a 1.ª R. exigiu à A. a entrega do capital mutuado, a entrega de todos os lucros realizados com a revenda das fracções autónomas entretanto vendidas, bem como, a entrega das 2 (duas) fracções autónomas que ainda não tinham sido revendidas, alegando que a A. se encontrava a enganá-la.
j) Por referência ao ponto 9) que entre A. e a 1.ª R., como forma de terminar com a querela existente, acordaram a entrega da quantia de 225.000,00€ (duzentos e vinte e cinco mil euros), acrescida da entrega das fracções autónomas que ainda não tinha sido revendidas.
k) Contudo, a 1.ª R. voltou com a sua palavra atrás e não concretizou o acordo com a A..
l) Por referência ao facto provado em 11) que foi com o objectivo de liquidar o contrato de mútuo celebrado com a 1.ª R..
m) Por referência ao facto 12) que após a A. ter alcançado um cliente para às referidas fracções autónomas, ao reunir os documentos necessários para outorgar o contrato promessa de compra e venda, descobriu que a existência do apontado contrato promessa de compra e venda.
n) Por referência ao facto provado em 15) que a partir desse facto, a 1.ª R. nunca mais deu notícias à A..
o) A A. contactou com a 1.ª R. no sentido de tentar alcançar um acordo via extrajudicial.
p) Porém, apesar de a A. ter alcançado mais duas vezes o almejado acordo, o certo é que a 1.ª R. sempre voltou com a sua palavra atrás.
q) As assinaturas do 2.º R., apostas no contrato promessa de compra e venda e na comunicação do dia, hora e local para celebração da escritura pública de compra definitiva, são completamente dissemelhantes.
r) Que com toda esta confusão provocada pela 1.ª R., está a causar problemas financeiros à A..
s) Uma vez que a 1.ª Ré, sem o seu consentimento, prometeu vender ao 2.º Réu as referidas fracções, a A. não consegue realizar capital suficiente para cumprir com o contrato de mútuo que celebrou com a 1.ª R..
t) A A. encontra-se impedida de liquidar vários impostos junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, sendo que nesta data já se encontra em incumprimento a quantia de 14.000,00€ (catorze mil euros).
u) Em Fevereiro de 2016, a A. limitava-se a vender as fracções pertencentes à F…, sitas na cidade de Vila Nova de Gaia e ganhar uma comissão de 5%.
v) Por referência ao facto provado em 21) que foi a título pessoal.
w) O G… tem uma empresa de mediação imobiliária que trabalhava na altura para a F… - Empreendimentos Imobiliários, S.A., com sede social na Rua …, nº .., …, …. - … Lisboa. Procedendo à venda de vários apartamentos sitos na Rua …, nºs …, …, …, … e Rua …, nº .., ..., .., .., .., ..., .., .., .. e Travessa …, nº … bem como Rua …, união de freguesias de … e …, concelho de Vila Nova de Gaia, pertencentes à F….
x) Propôs o G… que a 1ª R. adquirisse para si ou para um terceiro, à F…, sete fracções autónomas destinadas a habitação, correspondentes a sete T4 designados pelas letras “K”, “O”, “Q”, “V”, “Y”, “Z” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, nºs …, …, …, …, …, …, … e na Rua …, nº .., .., .., .., .., .., freguesia de … e …, concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº 1941/19990705 e inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o artigo 6643; e ainda a fracção designada pela letra “BN” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, nºs …, …, … e …, Rua …, nºs .., .., .., .., .., ..., .., .., .. e .. e Travessa …, nº …, freguesia de …, concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº 1940/19990705 e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 6580, pelo preço unitário de 135.000€ cada fracção, sendo o preço global de 945.000€, para depois revender.
y) Mais referiu o G… à 1ª R. ser um excelente negócio, já que quatro das supra referidas fracções, nomeadamente as designadas pelas letras “K”, “Y”, “Z” e “BN” já tinham contratos - promessa de compra e venda com a F… (cfr. cláusula segunda do Doc. 1), estando os respectivos empréstimos em fase de aprovação, sendo que as respectivas escrituras de compra e venda seriam outorgadas no máximo até fins de Março de 2016.
z) E relativamente às restantes fracções, o G… assegurou à 1ª R. que conseguiria compradores para as mesmas e que no máximo até meados de Abril de 2016 tudo estaria vendido.
aa) Para o efeito, sugeriu o G… que fosse usada a sua empresa B… – Unipessoal, Lda, com sede na Rua …, nº .., …. - … Vila Nova de Gaia, aqui A., já que a mesma tem como objecto social a compra e venda de imóveis e as referidas fracções eram para revenda, com vantagens fiscais.
bb) Ficou acordado entre a 1ª R. e o G…, que este receberia como contrapartida dos seus serviços de revenda das fracções e para pagar as mais-valias a que essas revendas dessem azo na sua empresa, a quantia de 90.000€, sendo pagos 40.000€ na altura da escritura com a F… e os restantes 50.000€ seriam pagos aquando da venda da fracção “BN”.
cc) Por referência ao facto provado em 26) que foi a 1.ª que efectuou o pagamento de tal quantia.
dd) Ainda nesse mesmo dia, 23.03.2016, e para garantia do acordado, com o conhecimento do G… e da A., a 1ª R., C…, na qualidade de procuradora da A., B…, prometeu vender a D…, aqui 2º R., ou a quem ele indicasse as fracções “O”, “Q”, “V” e “Z”, tendo ficado a fracção “BN” para ser revendida ao titular do contrato-promessa que já existia com a F…, pelo preço de 225.000€.
ee) Acontece que o G…, procedeu através da A., B…, sem o conhecimento ou consentimento da 1ª R., nem do promitente comprador supra referido, aqui 2º R., à venda a terceiros das aludidas fracções, outorgou as respectivas escrituras e embolsou o preço correspondente, bem sabendo que as fracções não eram suas.
hh) Teve entretanto, a 1ª R. conhecimento de que o G… já havia anteriormente falsificado um contrato promessa de compra e venda sem a fracção “BN”, assinando em nome do procurador da F…, promitente vendedora, designadamente N….
ii) Com o propósito e a astúcia de dissimular a fracção “BN”, enganando a 1ª R. ou o seu investidor, com o objectivo de se apropriar da mesma, bem sabendo que esta não lhe pertencia.
jj) De igual modo, teve a 1ª R. conhecimento de que o G… já anteriormente falsificou também um contrato promessa de compra e venda da fracção “Z”, assinando em nome da 1ª R..
kk) Quando confrontado com todos estes factos, o G… e a A. fizeram chantagem com a 1ª R. alegando que esta havia “emprestado” à sua empresa B… a quantia de 610.000€, que esta lhe iria devolver mediante o depósito realizado no dia 23.03.16 da quantia de 95.000€ e a transferência bancária de 225.000€ a realizar de imediato e a entrega já feita de 2 habitações T4 referentes às fracções “V” e “Z”, no valor de 145.000€ cada, o que perfaz 290.000€.
ll) Ao que a 1ª R. lhes retorquiu que não havia emprestado nada à A., B…, antes comprado e pago directamente as aludidas fracções autónomas à F…, com vista à sua revenda imediata, através da B…, tendo-lhe pago antecipadamente 40.000€ dos respectivos serviços.
mm) E rasgou a minuta do acordo.
nn) O G… e a A. agiram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as fracções não lhe pertenciam e mesmo assim procederam à sua venda a terceiros, sem o conhecimento e consentimento da 1ª R., nem do promitente comprador supra referido, aqui 2º R., e embolsaram em proveito próprio os respectivos preços, na ordem de várias centenas de milhares de euros, pelo menos os valores declarados nas respectivas escrituras de compra e venda - 210.000€ da fracção “BN”, 150.000€ da fracção “O” e 162.500€ da fracção “Q”, desconhecendo a 1ª R. o valor real das aludidas vendas, com intenção de causar prejuízo aos RR. de igual valor e de obter para si um benefício ilegítimo no mesmo montante.
oo) Não se coibindo ainda, depois de ter vendido fracções que sabiam ser alheias, de valor consideravelmente elevado, de fazer chantagem com a 1ª R. no sentido de lhe restituir apenas uma parte, se esta assinasse um documento que justificasse o seu comportamento criminoso, assumindo que tinha emprestado 610.000€ à sua empresa.
pp) O G… e a A. agiram com o propósito de obter para si um enriquecimento ilegítimo e causar prejuízo aos RR., nomeadamente à 1ª Ré, bem sabendo que ao actuar da forma acima descrita a constrangiam, causando-lhe receio de que algo de mal lhe poderia acontecer e bem sabendo que a sua conduta era adequada a causar tal receio e constrangimento na mesma e que dessa forma coagiam a 1ª R. a dispor dos seus bens patrimoniais, procedendo como pretendiam.
qq) Tendo inclusive o G… e a A. referido que a B… poderia facilmente ter várias penhoras, ou até abrir insolvência, vendo assim os RR. esfumar-se qualquer possibilidade de reaver dinheiro e fracções.
rr) A J… tinha conhecimento de todos os actos praticados pelo G… e A., agindo em comunhão de esforços e intentos com estes no sentido de enganar e prejudicar os RR..
ss) Por referência o ponto 32) dos factos provados que era para alegadamente comprar a fracção “BN”, embora não exista qualquer contrato nesse sentido.
uu) A A. não tem quaisquer outros bens em seu nome, desconhecendo-se o paradeiro do dinheiro recebido da venda das 3 fracções autónomas.
vv) A A. tem dívidas às Finanças em valor superior a 14.000€.
ww) Vai inventando diversas versões dos factos pessoais, de si bem conhecidos, contraditórias entre si, com intuito meramente dilatório, acabando por assumir que nada pretende entregar, nem dinheiro, nem fracções, como aliás tem feito até agora, ao longo de seis meses, em que tem usufruído a seu belo prazer do dinheiro e fracções que sabe não lhe pertencerem.
xx) O G… já ameaçou inclusive, por diversas vezes, que ia abrir insolvência da A. ou arranjar dividas e penhoras para que os RR. jamais recuperem nem dinheiro nem fracções.
yy) A J… fez questão de dizer à 1ª R., no dia em que esta e o seu marido foram agredidos, que se chamassem a polícia, jamais veriam nem dinheiro nem fracções.
zz) O G… e a A. apesar de terem recebido o dinheiro da venda das fracções que não lhe pertenciam, não têm intenção de o entregar aos RR. nem as fracções;
aaa) Por referência ao facto provado em 35) que foi com efeitos reportados a 17.03.2014, para assim a impedir de poder vender as fracções que sabe serem dos RR..
bbb) Como é do conhecimento da A., o sinal recebido do 2º R. foi utilizado para a compra das fracções à F….
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IV - DIREITO
A Autora pretende que seja declarado nulo o contrato - promessa de compra e venda celebrado entre a 1.ª Ré, no qual figurava como sua procuradora, e o 2.º Réu, alegando que a 1.ª Ré prometeu vender a este último, sem o seu conhecimento e autorização, quatro fracções, sendo que, duas delas, já tinham sido revendidas pela Autora, o que era do seu conhecimento.
Acrescentou que teve conhecimento do referido contrato - promessa de compra e venda após ter sido registado pela 1.ª Ré, descobrindo essa situação na sequência de diligências efectuadas para obtenção dos documentos necessários para outorgar o contrato - promessa com um cliente que pretendia comprar as fracções que ainda não tinham sido revendidas.
Na sentença, o contrato - promessa de compra e venda foi declarado nulo, por simulação, por ter ficado demonstrado que os contraentes não tiveram real vontade de prometer vender e de comprar as fracções em causa.
A causa de pedir, face ao alegado pela Autora, alicerçou-se na celebração de um contrato - promessa de compra e venda, por parte da 1.ª Ré, em seu nome, sem lhe ter concedido poderes para esse efeito uma vez que já tinham sido vendidas duas fracções e a Autora estava a diligenciar para vender as que faltavam, o que era do conhecimento da representante, aqui 1.ª Ré. Ou seja, a procuração outorgada pela Autora à 1.ª Ré, na versão daquela, não teve como finalidade a celebração do contrato - promessa de compra e venda aqui em discussão mas sim a concretização de outros negócios.
A simulação do negócio resulta da tese sustentada pelos Réus no sentido de que o contrato - promessa de compra e venda celebrado com o 2.º Réu representa ou titula uma garantia do acordado entre a 1.ª Ré e a Autora pois foi aquela quem comprou as fracções directamente à “F…” para a Autora revender, ficando esta de receber, pelos seus serviços, a quantia de 90.000€.
A nulidade do negócio simulado pode ser invocada por qualquer interessado e declarada oficiosamente pelo tribunal (cfr. arts. 286.º e 242, n.º 1 do CC).
Estruturado o objecto da acção nos termos descritos pela Autora na petição, a questão jurídica central que cumpre, em primeira linha resolver, é se efectivamente a 1.ª Ré excedeu os poderes que lhe foram conferidos pela Autora, na referida procuração, outorgada com o objectivo de lhe permitir celebrar, em nome da Autora, negócios relativos às fracções que haviam sido compradas à “F…” pela Autora.
Ou seja, importa averiguar se a 1.ª Ré tinha poderes para, em nome da Autora, celebrar o contrato - promessa de compra e venda com o 2.º Réu.
Na representação voluntária, utiliza-se a procuração para atribuir a outrem poderes representativos, que deverá revestir a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar (cfr. art. 262.º, n.º 1 e 2 do C.Civil).
Dentro dos limites atribuídos por esse acto, o representante pode realizar negócios jurídicos, em nome do representado, cujos efeitos se produzem na esfera jurídica deste último (cfr. art. 258.º do C.Civil.)
Na representação voluntária, como elucidava Carlos Mota Pinto[1], os poderes do representante e a respectiva extensão provêm da vontade do representado, manifestada na procuração; se for especial só abrange os actos nela referidos e os necessários à sua execução.
E acrescenta, com interesse para o caso em análise, que deve existir, por parte do representante, legitimação representativa, que pode ser originária, isto é, já existente ao tempo do negócio representativo, ou conferida, posteriormente, através de uma ratificação do negócio (legitimação representativa subsequente).[2]
Nesta conformidade, e segundo o art. 268.º, n.º 1 do C.Civil, o acto praticado por um representante, sem ter poderes para o efeito nomeadamente por ter excedido os limites atribuídos pela procuração, é ineficaz em relação à pessoa em nome da qual se fez o negócio, salvo se for por esta ratificado posteriormente.[3]
Na hipótese de o representante actuar dentro dos limites formais dos poderes conferidos, mas de forma contrária à finalidade da representação ou às indicações do representado, verifica-se abuso de representação, sendo igualmente ineficaz em relação a este último, se a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso (cfr. art. 269.º do CCivil).
Perante o quadro factual provado, iremos apreciar se o contrato - promessa de compra e venda, no qual a 1.ª Ré interveio (munida de uma procuração com poderes para o acto) na qualidade de representante da promitente - vendedora, aqui Autora, é eficaz em relação a esta última, ou seja, se foi celebrado no âmbito dos poderes representativos que lhe foram atribuídos pela representada.
Está provado que, em 22 de Março de 2016, a A., representada pelo seu único sócio e gerente, G…, outorgou uma procuração a favor da 1ª R., nos termos da qual lhe conferiu, entre outros, poderes para individualmente, comprar, vender, permutar, bem como prometer comprar, prometer vender e prometer permutar as fracções aí identificadas, estipulando as cláusulas e condições que entender convenientes, e, bem assim, receber as respectivas importâncias, em dinheiro ou tituladas por cheque bancário, que pertençam à sociedade, por qualquer via ou título, passando recibos e dando quitação.
No dia 23 de Março de 2016, a sociedade “F…, S.A.” outorgou a escritura de compra e venda com a Autora, representada pela aqui 1ª R. e na presença do único sócio e gerente da A., G…, referente às cinco fracções autónomas supra descritas.
Posteriormente, a Autora revendeu três das fracções autónomas por si adquiridas na referida escritura de compra e venda.
A 1.ª Ré sempre teve conhecimento de todos os trâmites das negociações referentes à revenda das fracções, sendo a própria, inclusivamente, quem redigia os contratos - promessa de compra e venda.
A Autora encetou vários contactos com potenciais clientes para a revenda das fracções autónomas que ainda não tinham sido vendidas e entretanto soube que a 1.ª R. outorgou em seu nome, actuando como procuradora, um contrato - promessa de compra e venda no qual prometeu, em nome da Autora, vender ao 2.º Réu quatro das referidas fracções autónomas, adquiridas na escritura de compra e venda outorgada entre a Autora e a “F…, S.A.”.
Na qualidade de representante da Autora, a 1.ª Ré declarou que esta já tinha recebido do 2.º Réu, a título de sinal, a quantia de 400.000,00€ e dado a correspondente quitação.
No referido contrato - promessa de compra e venda, colocou a data de 23 de Março de 2016, como sendo o dia da sua outorga, e estabeleceu o dia 30 de Setembro de 2016 como sendo a data limite para a celebração da escritura pública de compra e venda.
No entanto, o 2.º Réu, enquanto promitente comprador nada quis verdadeiramente comprar à Autora e, consequentemente, nada pagou à Autora, na pessoa da 1.ª Ré.
A 1.ª Ré nunca comunicou à Autora a celebração do contrato - promessa celebrado, em seu nome, com o 2.º Réu, nem lhe entregou qualquer quantia que alegadamente havia recebido, a título de sinal, sendo que a Autora desconhecia por completo, até essa data, a pessoa do 2.º Réu.
A 1.ª Ré sempre teve conhecimento das negociações que a Autora mantinha com os seus clientes relativamente à venda das fracções autónomas.
E, mesmo com esse conhecimento, a 1.ª Ré outorgou, na qualidade procuradora da Autora, o contrato - promessa de compra e venda de quatro fracções autónomas com o 2.º Réu.
Como sabemos, ficou demonstrado que os intervenientes nesse acordo não tiveram qualquer intenção de prometer vender ou de comprar as ditas fracções e que o registo desse contrato - promessa efectuado pela 1.ª Ré a favor do 2.º Réu, em 18 de Maio de 2016, impediu a Autora de vender as restantes fracções “V” e “Z”.
No mês seguinte, e após ter tido conhecimento da existência do contrato - promessa em apreciação, a Autora revogou a procuração que outorgou a favor da 1.ª Ré, na qual lhe mandatou poderes para a representar e celebrar contratos em seu nome.
Em resumo, a 1.ª Ré prometeu vender ficticiamente ao 2.º Réu, em nome da Autora, quatro fracções autónomas, sem dar conhecimento à sua representada, aqui Autora, sendo que duas dessas fracções já tinham sido revendidas pela Autora; e, ao efectuar o registo na Conservatória do Registo Predial desse falso contrato - promessa, impediu a Autora de revender as duas restantes.
Na linha de raciocínio do Acórdão do STJ de 29/05/2007[4], deve a Autora ser considerada terceiro à luz do artigo 259.º do CCivil porquanto a 1.ª Ré, abusivamente e contra a vontade daquela, fingiu um pseudo negócio de promessa de compra e venda, com vista a enganar e a prejudicar a Autora.
Explicita-se ainda, nesse douto aresto, no sentido de que quando assim se procede, embora, formalmente, aparente agir como representante, excede realmente os limites dos poderes que lhe competem, não podendo, por isso, tal negócio produzir os efeitos na esfera do representado nos termos do art. 258.º do CC.
Consequentemente, podemos seguramente concluir que a 1.ª Ré exorbitou os poderes representativos conferidos pela Autora na procuração outorgada no dia anterior à compra das ditas fracções pela Autora à sociedade “F…, S.A.” ao celebrar um negócio com o 2.º Réu absolutamente simulado, sem lhe dar conhecimento, pois não tinha intenção de prometer vender, como representante da Autora nem em nome próprio, e este último também não tinha a mínima intenção de prometer comprar as referidas fracções.
Esta intervenção da 1.ª Ré no contrato - promessa de compra e venda, aparentando actuar em representação da Autora, excedeu os limites dos poderes que lhe tinham sido conferidos pela representada, com a outorga da procuração, razão pela qual os efeitos desse negócio são ineficazes em relação a esta última.
Para além de estarmos perante um abuso de representação, também é evidente que o negócio é nulo, por simulação, como foi declarado na sentença.
Com efeito, segundo o art. 240.º, n.º 1 do C.Civil “Se, por acordo entre o declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.”
O conceito de terceiros é definido de forma a abranger quaisquer pessoas, titulares de uma relação, jurídica ou praticamente afectada pelo negócio simulado e que não sejam os próprios simuladores ou os seus herdeiros.[5]
A aplicação do regime simulatório não fica dependente, como explica Menezes Cordeiro[6], da demonstração de um prejuízo ou sequer de uma intenção de o causar, basta que a sua posição jurídica tenha sido afectada de qualquer forma.
E acrescenta, com o apoio da jurisprudência, que o terceiro pode não ser necessariamente estranho ao negócio simulado, como é o caso que estamos a analisar neste processo: o procurador que celebra um contrato simulado com outrem com o intuito de enganar o representado.
Neste sentido, o Acórdão do STJ de 27/06/2000[7] refere que o “terceiro”, no tocante ao negócio simulado, e para efeitos da arguição da respectiva nulidade, é aquele que não interveio no acordo simulatório, nem representa por sucessão quem aí participou, embora possa figurar como parte representada no negócio simulado.
Ora, no caso sub judice o prejuízo ou a afectação da posição jurídica da Autora resulta, desde logo, da 1.ª Ré ter impedido, com o registo do contrato - promessa de compra e venda, a venda, por aquela, das fracções restantes.
Ademais comprometeu, desta forma, a Autora ao cumprimento de um contrato - promessa inexistente e às consequências advenientes do seu incumprimento: exigência da devolução do sinal em dobro, no valor total de €800.000,00, aliás como foi pedido por via reconvencional.
A decisão do tribunal, ao declarar a nulidade do contrato - promessa de compra e venda, por ser absolutamente simulado, mostra-se, por todos estes motivos, totalmente acertada atendendo ao quadro factual que foi apurado no processo.
A última questão que cumpre decidir, neste recurso, consiste em saber se a decisão referente à condenação dos Réus como litigantes de má fé se justifica.
O art. 542.º, n.º 2 do C.P.Civil define a noção de má-fé nos seguintes termos:
“Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar”;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.
Como se esclarece no Acórdão do STJ, de 18/02/2015,[8] litiga de má fé quem deduz, com intencionalidade, oposição cuja falta de fundamentação não podia deixar de conhecer, assim integrando o estatuído nas als. a) e b) do n.º 2 do actual artigo 542.º do C.P.Civil.
Sobre as questões relacionadas com a litigância de má - fé, Alberto dos Reis[9] ensinava que as alíneas a) e b) correspondem à modalidade do dolo substancial, por estar em causa a relação jurídica material, a lide substancial. O litigante sabia que não tinha razão e, apesar disso, litigou. E concluiu, da sua análise, que esta era a figura nítida do litigante de má - fé.
A condenação como litigante de má - fé pressupõe um juízo de censura perante um comportamento da parte, que não pode ser aceite, por violar gravemente o dever de colaboração processual para a justa composição do litígio.
Na verdade, quando a parte deduz uma pretensão ou oposição sabendo, de antemão, que não corresponde à realidade, não tendo, por isso, fundamento para tal, deve ser responsabilizada pelo tribunal.
Perante o quadro factual descrito, o tribunal considerou que os Réus alteraram, dolosamente, a verdade dos factos como omitiram factos relevantes para a decisão da causa explicando que tal conclusão resulta de se terem sustentado na existência de um contrato promessa de compra e venda que sabiam que não correspondia à realidade plasmada nele, e ainda assim na presente demanda vieram sustentar o seu contrário.
Pese embora a 1.ª Ré ter defendido, na contestação, que o contrato - promessa de compra e venda constituiu uma mera garantia de um acordo celebrado com a Autora, ficou claramente demonstrado que esta última não tinha conhecimento desse contrato, o qual foi celebrado ficticiamente por aquela (como representante da Autora) com o 2.º Réu, através da utilização de uma procuração que tinha sido conferida para outros efeitos, e registado na Conservatória do Registo Predial para impedir a venda de duas fracções pela Autora.
Por seu turno, o 2.º Réu aceitou intervir nesse contrato simulado, como suposto promitente - comprador das fracções, não tendo qualquer propósito de se vincular, futuramente, à compra das mesmas.
E, mesmo sabendo que não tinha pago à Autora qualquer quantia monetária, a título de sinal, deduziu pedido reconvencional, com fundamento no incumprimento definitivo desse contrato - promessa inválido, exigindo da Autora a devolução do sinal em dobro no montante de 1.080.000€.
Face ao circunstancialismo demonstrado nos autos e posição que os Réus assumiram na contestação, a decisão de condenação como litigantes de má - fé, obedeceu ao disposto no referido art. 542.º, n.º 2, als. a) e b) do CPCivil, razão pela qual deve ser mantida.
*
V - DECISÃO
Pelo exposto, acordam as Juízas que constituem este Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, confirmam a sentença.
Custas pelos Recorrentes.
Notifique.
*
Porto, 14 de Janeiro de 2020
Anabela Tenreiro
Lina Baptista
Alexandra Pelayo
______________
[1] Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição, pág. 542.
[2] Ob. cit., pág. 548.
[3] Neste sentido, v. ob. cit., pág. 549.
[4] V. no mesmo sentido Acs. STJ de 27/06/2000 e 03/02/2009 disponíveis em www.dgsi.pt; cita-se no Ac.STJ de 29/05/2007 a doutrina de Almeida Costa, Bol. 127-155: “O dominus ao conceder poderes representativos tem em vista que o representante se determine com uma vontade incólume: só se apropria previamente dos efeitos do negócio jurídico que resulte de uma vontade efectiva e livre do seu representante.”
[5] Cfr. ob. cit., pág. 477.
[6] Da Simulação no Direito Civil, Almedina, 2.ª edição, pág. 73.
[7] Disponível em www.dgsi.pt.
[8] Disponível em www.dgsi.pt.
[9] CPC Anotado, II, págs. 262 e 263.