Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | CARLOS GIL | ||
Descritores: | NULIDADE PROCESSUAL PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO CONTRATO DE COMPRA E VENDA RESPONSABILIDADE POR DEFEITOS EXCEÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO DO CONTRATO | ||
Nº do Documento: | RP2024030452177/21.5YIPRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 03/04/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGAÇÃO PARCIAL | ||
Indicações Eventuais: | 5. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - O meio próprio de reação contra a prática de nulidades processuais atípicas é a reclamação para o órgão que praticou ou omitiu o ato contrário à lei e não o recurso. II - Só assim não será quando o vício esteja explicitamente ou implicitamente coberto por uma decisão judicial III - A nomeação de técnico nos termos previstos no nº 1 do artigo 601º do Código de Processo Civil é uma faculdade do julgador que deve ser usada sempre que o mesmo se não julgue habilitado com conhecimentos especiais necessários à compreensão e interpretação da factualidade controvertida entre as partes. IV - Apesar de se tratar de uma faculdade do tribunal, tendo em conta o princípio da cooperação, nada obsta a que uma ou ambas as partes sugiram ao tribunal a designação de técnico para o assistir na audiência final. V - A ampliação da decisão da matéria de facto só deve ter lugar quando se conclua que a matéria dela objeto é indispensável para o conhecimento das diversas questões suscitadas pelas partes e à luz das diversas soluções plausíveis das questões de direito em aberto. VI - Ainda que se conclua pela necessidade de ampliação da decisão da matéria de facto, isso não determina obrigatoriamente a anulação da decisão recorrida, pois que, sempre que estejam ao dispor da segunda instância todos os elementos do processo que permitam a necessária ampliação, pressupondo que sobre a matéria em causa foi produzida prova, com a devida observância do contraditório, deve a ampliação da decisão da matéria de facto processar-se na segunda instância. VII - A vendedora dos produtos, não obstante não ser a fabricante de tais produtos, responde pelos defeitos que os mesmos venham a apresentar, podendo em via de regresso fazer repercutir no fabricante a responsabilidade que lhe venha a ser assacada. VIII - A exceção de não cumprimento do contrato é invocável também nos casos de incumprimento parcial, desde que não esteja em causa um incumprimento de escassa importância (veja-se o nº 2 do artigo 802º do Código Civil) e bem assim nos casos de incumprimento defeituoso. IX - A exceção de não cumprimento do contrato está subordinada ao requisito da proporcionalidade no seu uso quando esteja em causa um incumprimento parcial ou um cumprimento defeituoso. (Sumário da responsabilidade do relator) | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 52177/21.5YIPRT.P1
Sumário do acórdão proferido no processo nº 52177/21.5YIPRT.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil: ………………………….. ………………………….. ………………………….. *** * *** Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:
1. Relatório[1] Em 27 de maio de 2021, no Balcão Nacional de Injunções, A..., Lda. intentou procedimento de injunção contra B..., Unipessoal, Lda. pedindo a condenação da requerida ao pagamento da quantia de € 5.293,72 a título de capital, acrescida dos juros de mora vencidos no montante de € 412,33, contados à taxa comercial desde as datas de vencimento de cada uma das faturas apresentadas, e dos vincendos até efetivo e integral pagamento, bem como € 200,00, a título de despesas suportadas com a cobrança extrajudicial do crédito e € 102,00, a título de taxa de justiça. Para fundamentar as suas pretensões alegou no requerimento de injunção o seguinte: “A requerente dedica-se à reparação e manutenção bem como à comercialização de equipamentos e acessórios para as embarcações. No âmbito da sua atividade comercial forneceu à requerida, a pedido desta, as mercadorias identificadas em termos de designação, quantidades e preço indicados nas faturas abaixo discriminada: - nº FA2 2020/121 emitida e com vencimento em 14/04/2020 no valor de € 529,54; - nº FA2 2020/122 emitida e com vencimento em 14/04/2020 no valor de € 4.488,73; - nº FA2 2020/133 emitida e com vencimento em 21/04/2020 no valor de € 119,97; - nº FA2 2020/146 emitida e com vencimento em 27/04/2020 no valor de € 270,98; - nº FA2 2020/224 emitida e com vencimento em 23/06/2020 no valor de € 170,24; e - nº FA2 2020/251 emitida e com vencimento em 15/07/2020 no valor de € 155,48 Tudo no valor de € 5734,94. As mercadorias foram entregues à requerida não tendo havido reclamação nem quanto aos valores ou quantidades nem quanto aos produtos/materiais fornecidos. Interpelada para efetuar o pagamento em débito em 04/08/2020 (através de carta registada com AR) a requerida pagou em 13/11/2020 as faturas FA2 2020/146 e FA2 2020/224 acima melhor identificadas e reclamou do indicador de nível peça constante da FA2 2020/121 com a designação “Painel Controle Aguas Residuais 12/24V”, ao que a requerente assumiu a substituição do equipamento em garantia, pois tratava-se de uma anomalia e em Novembro de 2020, foi comunicado à B... que a peça estava disponível para levantamento nas instalações da A.... Contudo, até ao momento a peça ainda não foi levantada pela requerida nas instalações da requerente. Deve assim a requerida à requerente a quantia de € 5.293,72(cinco mil duzentos e noventa e três euros e setenta e dois cêntimos) acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor para juros de natureza comercial desde o vencimento das faturas até à presente data e que ate ao momento ascendem á quantia de € 412,33. Devem ainda acrescer os juros vincendos até efetivo e integral pagamento. Além disse deve a requerida ser condenada a pagar a quantia de €102,00 devida a título de taxa de justiça e € 200,00 a título de despesas havidas com a cobrança extrajudicial do presente credito (correio registado, diversos contactos telefónicos, reuniões e deslocações) previstas no art. 7º do DL 62/2013 de 10 de Maio.”
Notificada do requerimento de injunção, a ré requereu a prorrogação do prazo para deduzir oposição por trinta dias, alegando pretender peticionar em sede de reconvenção o ressarcimento dos prejuízos sofridos com o incumprimento de prazos estipulados e o funcionamento defeituoso dos equipamentos, encontrando-se dependente da conclusão de testes à embarcação. Por despacho datado de 06/07/2021, foi concedida a prorrogação do prazo de oposição por quinze dias. A ré deduziu oposição, alegando, em sede de impugnação, que o contrato celebrado entre as partes é um contrato de fornecimento e não apenas um contrato de compra e venda de equipamentos, excecionou a exceção de não cumprimento do contrato e deduziu reconvenção pedindo, em consequência: “a) Reconhecer-se o incumprimento do contrato de fornecimento; b) Condenando-se a Requerente a: i. Reparar o tanque de águas sujas; ii. Reparar o ruído do gerador; iii. Trocar as hélices fornecidas pelas hélices adequadas segundo o estudo previamente realizado; iv. Trocar os impulsores por impulsores com capacidade adequada para mover a embarcação; v. Substituir os suportes dos motores; vi. Substituir os componentes do gerador oxidados, nomeadamente nos apoios e caixa; vii. Substituir as bombas hidráulicas de apoio à direcção dos lemes; viii. Reparar o ruído da caixa de velocidades do motor de EB; ix. Substituir os passas cascos de entrada de água para os motores de propulsão, o gerador e de saída de água dos tanques que apresentam elevado estado de oxidação; x. Substituir as tampas de inspeção dos tanques de água e gasóleo que apresentam um elevado grau de degradação por corrosão; xi. Substituir os extratores de gases da casa das máquinas. c) Condenando-se a Requerente a: i. Indemnizar a Requerida pelos danos patrimoniais já sofridos com o atraso na construção da embarcação e sua imobilização, bem como os danos que vier a sofrer pela imobilização necessária à realização das reparações peticionadas em b), a liquidar em execução de sentença, acrescidos de juros de mora à taxa legal comercial em vigor, contados desde a data da notificação da presente reconvenção até ao seu pagamento efectivo; e ii. Indemnizar a Requerida pelos danos não patrimoniais sofridos, no valor de 20.000,00€, acrescidos de juros de mora à taxa legal comercial em vigor, contados desde a data da notificação da presente reconvenção até ao seu pagamento efectivo.” Para fundamentar as suas pretensões reconvencionais, a requerida alegou, em síntese, que em janeiro de 2018 o Estaleiro C... iniciou a construção de uma embarcação de fibra de vidro, de tipo catamarã, com dezasseis metros de comprimento, a qual designou por “DC Cat 16”; o referido Estaleiro procurou diversos fornecedores de material náutico que lhe pudessem entregar todo o equipamento necessário à construção da referida embarcação e que lhe pudessem prestar os serviços de aconselhamento na escolha e instalação dos equipamentos, bem como lhe pudessem prestar serviços de manutenção dos mesmos; após contactar com a requerente, verificou que esta era representante da marca D... que dispõe de um vasto catálogo de equipamentos náuticos, tendo a requerente assegurado não só a entrega dos equipamentos necessários, como afirmou poder centralizar numa só entidade questões relacionadas com encomendas, entregas, assessoria técnica, garantias, etc.; em março de 2018, após proposta da requerente foi então acordado que esta entregaria ao referido Estaleiro todos os equipamentos do catálogo D... necessários à construção da embarcação; obrigou-se ainda a requerente a prestar os necessários serviços de aconselhamento na escolha e montagem de equipamentos, bem como de assistência técnica; foi acordado que os bens fornecidos teriam uma garantia de três anos; em conformidade com o acordado, em março de 2018 o Estaleiro encomendou uma série de equipamentos para a embarcação, nomeadamente motores, escape, tanques, gerador, mangas para os veios das hélices, hélices, etc…; em 30 de julho de 2020, a requerida adquiriu ao Estaleiro a suprarreferida embarcação que este havia construído; com tal aquisição pretendeu a requerida prosseguir com o referido projeto de construir embarcações para clientes e/ou proceder ao aluguer da embarcação a terceiros; juntamente com a venda da embarcação, o Estaleiro cedeu à requerida todos os direitos decorrentes da construção da embarcação, nomeadamente todos os direitos decorrentes da relação do estaleiro com a requerente; cada um dos dois motores encomendados em março de 2018 destinava-se a ser instalado em cada um dos cascos da embarcação, debaixo do convés; o gerador encomendado na mesma altura destinava-se também a ser instalado debaixo do convés; foi acordado que os motores seriam entregues em 30 dias e com base nesse acordo o Estaleiro tinha programado a instalação dos motores em julho de 2018; na data acordada a requerente não entregou os motores e mesmo sem a entrega dos motores, a requerente faturou ao Estaleiro os motores e o gerador no dia 30 de julho de 2018; a entrega dos motores era essencial para o progresso dos trabalhos de construção, pois a presença física dos motores é essencial para fixar e laminar os suportes do motor, construir as anteparas de suporte, fazer os alinhamentos do veio das hélices, passagem de cabos nas anteparas, fechar o convés e outros trabalhos; através de contactos pessoais, contactos telefónicos e e-mails o Estaleiro interpelou a requerente para proceder à entrega dos motores, tendo-a informado concretamente do atraso que a falta dos motores provocava na construção, devido à impossibilidade de terminar o convés da embarcação; os referidos motores apenas foram entregues em dezembro de 2018; o atraso de mais de seis meses na entrega dos motores terá provocado atrasos de pelo menos três meses na conclusão da construção da embarcação; aquando da encomenda dos motores, por recomendação da requerente, foi encomendado o motor bem como todos os acessórios de alimentação do motor, nomeadamente tanques de combustível, pré-filtros e mangueiras de alimentação; estes equipamentos são instalados, um em cada casco da embarcação, ligando, com uma das referidas mangueiras o tanque de combustível ao pré-filtro e com outra o pré-filtro a cada um dos motores; é pressuposto que os cones de ligação das entradas e saídas destes equipamentos tenham todos as mesmas dimensões, sob pena de não ser possível usar as mangueiras; no caso concreto era suposto que todas as entradas e saídas estivessem adaptadas a mangueiras de 10mm; no entanto, verificou-se que a saída do tanque de combustível era de 8mm, pelo que era impossível ligar as mangueiras entregues; quando confrontada com tal facto a requerente não só disse ao Estaleiro que este teria que procurar uma solução, como não aceitou a devolução das referidas mangueiras; face à posição da requerente não só o Estaleiro teve que construir dois adaptadores de 8mm para os pré-filtros, como teve que comprar mangueiras novas, as quais tiveram um custo de cerca de € 700,00; estes factos acarretaram um atraso na construção de dezasseis horas de trabalho; em março de 2018 o Estaleiro encomendou à requerente duas mangas de poliéster D... BG40/0500c/casquilho de borracha, peças que fazem a passagem dos veios das hélices pelo casco, permitindo que estes rodem sem entrar água para o casco e evitando vibrações; em fevereiro de 2019 a requerente entregou ao Estaleiro duas mangas em bronze; as mangas de bronze são muito mais difíceis de laminar no casco de fibra de vidro, já que a resina de poliéster não adere ao bronze; face às múltiplas reclamações do Estaleiro, a requerente comprometeu-se a entregar as mangas na última semana de julho de 2019; em setembro de 2019, a requerente disse que não conseguiria entregar as mangas encomendadas pelo Estaleiro e que este teria que proceder à instalação das referidas mangas de bronze; esta actuação da requerente atrasou a construção da embarcação, na medida em que, sem as referidas mangas, não era possível proceder ao alinhamento dos motores, não era possível proceder à laminação das mangas, não era possível proceder à pintura final da embarcação, bem como aplicar o tratamento anti-osmose; a aplicação das mangas de bronze implicou fazer um tratamento com jato de areia e um tratamento químico às mangas de bronze para que as mesmas pudessem aderir à resina de poliéster do casco; tais factos implicaram um trabalho acrescido, de cerca de quarenta horas de trabalho; no âmbito do contrato suprarreferido o Estaleiro encomendou à requerente um tanque de águas sujas para a embarcação; este tanque é em plástico, é instalado no casco de estibordo e através de uma bomba e de um nível eletrónico aí instalados, faz a gestão das águas residuais da embarcação; este equipamento é vendido já montado e como uma unidade; após entrar em funcionamento, verificou-se que o referido tanque não funcionava, não permitindo a gestão automática das águas residuais, levando a que durante a utilização o nível dos tanques tenha que ser constantemente monitorizado, sob pena de as águas residuais saírem pelas sanitas; a requerida comunicou tal facto à requerente tendo esta trocado o referido nível; tendo-se voltado a verificar a avaria, o referido nível, por instrução da requerente, foi trocado pela sociedade E...; no entanto, o referido nível nunca funcionou; conforme a requerente refere no requerimento de injunção, esta encomendou a peça de substituição, mas recusou-se a instalá-la no referido tanque de águas sujas, razão pela qual não foi “levantada” até ao momento; as válvulas e tubagens instaladas no referido tanque apresentam fugas, o que, quando os tanques estão a cerca de 90% da sua capacidade, leva a que haja fugas de águas residuais para os cascos, provocando mau cheiro que se espalha a toda a embarcação; aquando da celebração do contrato de fornecimento foi acordado que a requerente faria o “arranque dos motores” e o “arranque do gerador”; aquando do lançamento da embarcação, o Estaleiro informou a requerente de tal facto; este procedimento normalmente consiste em colocar os motores em funcionamento com a embarcação ainda em seco, a fim de verificar o correto funcionamento dos sistemas de propulsão; a requerente entendeu não fazer tal procedimento em seco, mas sim após o lançamento da embarcação à água; no dia 29 de abril de 2020 a embarcação foi lançada à água; quando a requerente procedeu ao arranque dos motores, estes trabalhavam, mas entravam em “modo de segurança” e não permitiam engatar o motor nem avante nem à ré, pelo que não era possível deslocar a embarcação pelos próprios meios; tal facto levou a que a embarcação tivesse de ficar ancorada na marina da Associação Náutica ...; a requerente, não arranjou qualquer solução para o problema, nem disponibilizou qualquer técnico capaz de resolver o problema; um mês e meio após o lançamento da embarcação, um técnico contactado pela requerida constatou que os cabos que ligavam os motores à centralina, fornecidos pela requerente, não eram os cabos adequados aos motores, o que fazia com que a mesma não tivesse toda a informação necessária e os motores não funcionassem devidamente; estes factos levaram a que a embarcação estivesse parada durante dois meses sem que pudesse realizar os testes necessários para a sua entrada em funcionamento; após a solução do referido problema, durante os testes da embarcação verificou-se que os motores, ainda que a baixa rotação entravam em sobrecarga e desligavam-se ou entravam em “modo de segurança”; mais uma vez a requerente não arranjou qualquer solução para o problema relatado; foi mais uma vez o Estaleiro que indicou a sociedade E... para realizar os testes necessários; após testes, a referida E... verificou que as válvulas dos turbos instalados nos motores não funcionavam, o que levava a que estes nunca entrassem em funcionamento gerando o problema supra relatado: os referidos turbos apenas foram então trocados em 20 de julho de 2020; até esta data os motores não funcionaram em pleno, com a consequente falta de uso pleno da embarcação; quando a embarcação foi lançada à água no final de abril de 2020, verificou-se que soava o alarme pouco depois de o gerador entrar em funcionamento e no seu display apareciam informações sobre erros que não correspondiam a qualquer dos erros enumerados no manual de instruções; a requerida de imediato reportou este defeito à requerente; após quatro meses de testes, a requerente chegou à conclusão que o sensor de temperatura do escape do gerador estava avariado e provocava o referido mau funcionamento; durante todo este período, não tendo a embarcação ainda instalados painéis solares, não pôde funcionar devidamente, pois o gerador era a única forma de carregar as baterias; tal facto levou a que a requerida tivesse que reduzir ao mínimo indispensável a utilização da embarcação e que proceder ao carregamento das baterias através de geradores externos que trazia até ao cais, mas que não eram adequados para manter a embarcação em funcionamento; além disso, o gerador apresenta um ruído muito superior aos sessenta e cinco decibéis anunciados no catálogo da marca; ao abrigo do suprarreferido contrato de fornecimento, foi acordado que seria a requerente a calcular qual o tipo de hélices adequadas para a embarcação; após várias reuniões e duas visitas ao estaleiro para análise da embarcação, a requerente enviou para o Estaleiro uma ficha para que este a preenchesse com as informações necessárias aos cálculos; face a tais informações, a requerente calculou que as hélices adequadas para a embarcação seriam hélices de quinhentos e sessenta milímetros de diâmetro, tendo o Estaleiro nessa sequência feito o alinhamento dos motores para aquele tipo de hélice; no momento da entrega verificou-se que as hélices entregues não eram as hélices acordadas, mas sim hélices de uma dimensão inferior; após reclamação por parte do Estaleiro, a requerente disse que o diâmetro das hélices tinha sido compensado no passo e que deveriam ser instaladas as hélices entregues; após a embarcação entrar em funcionamento verificou-se que a hélices eram demasiado pequenas e não têm dimensão suficiente para impulsionar a embarcação devidamente, pois que a embarcação não consegue alcançar a velocidade projetada de dezassete nós e apenas chega a catorze nós; após reclamação da requerida a requerente propôs fazer um desconto nas hélices de substituição; no âmbito do contrato suprarreferido a requerente entendeu que para a embarcação eram adequados impulsores de proa e ré de 75Kgf; após entrar em funcionamento verificou-se que os impulsores não têm uma potência adequada pois com vento moderado, não têm força suficiente para mover a proa nem a ré da embarcação; para além disto, os referidos impulsores apresentam-se oxidados; em final de dezembro de 2020, a embarcação foi colocada em seco para substituição de janelas; a embarcação foi novamente para a água no dia 24 de maio de 2021 e após vários testes, para além dos defeitos suprarreferidos e que não foram solucionados pela requerente, verificou-se oxidação acentuada nos suportes do motor e em vários componentes do gerador, nomeadamente nos apoios e caixa, as bombas hidráulicas de apoio à direção dos lemes não funcionam corretamente; a caixa de velocidades do motor de estibordo faz ruído/embate quando o motor é engrenado avante, os passa-cascos de entrada de água para os motores de propulsão, o gerador e de saída de água dos tanques, apresentam elevado estado de oxidação, o que poderá pôr em causa a estanquicidade da embarcação, as tampas de inspeção dos tanques de água e gasóleo apresentam um elevado grau de corrosão e os extratores de gases da casa das máquinas deixaram de funcionar; a requerida reportou tais factos, tendo a requerente alegado que era normal aquele grau de corrosão e recusou-se a substituir os equipamentos; a conduta da requerente levou a um atraso de cerca de seis meses na conclusão e entrada em funcionamento em pleno da embarcação; a embarcação da requerida foi licenciada para a atividade marítimo-turística, tendo em julho de 2021 iniciado um contrato de exploração da mesma com a sociedade F...; o custo de aluguer de uma embarcação do tipo da requerida ronda entre € 1 000,00 e € 2 000,00 diários; o facto de ter estado parada durante vários meses sem que tenha entrado em funcionamento começou a gerar rumores na região que não andava porque “metia água”; o gerente da requerida e o Estaleiro foram abordados por várias pessoas que os questionavam se era esse o problema da embarcação; face a tais vozes públicas, vários clientes que mostraram interesse inicial na construção de embarcações semelhantes deixaram de inquirir a requerida e nunca avançaram com propostas de construção; tais vozes públicas geraram danos para a reputação da requerida. Por despacho[2] proferido em 21 de setembro de 2021 as partes foram convidadas para, querendo, se pronunciarem sobre a admissibilidade da reconvenção. A requerente respondeu à oposição, suscitando a sua intempestividade e impugnando a generalidade da factualidade alegada pela requerida em sede reconvencional e pugnou pela sua inadmissibilidade legal em virtude de não ser consequência dos fornecimentos efetuados pela requerente. A requerida pronunciou-se no sentido da admissibilidade da reconvenção. Em 18 de novembro de 2021 foi proferido despacho julgando tempestiva a oposição da requerida, fixou-se o valor da causa no montante de € 35.906,06, determinou-se que os autos seguissem a forma de processo comum, sendo a autora notificada para, querendo, em dez dias, “aperfeiçoar a sua petição inicial e, após notificação, conceder igual prazo à ré para aperfeiçoar a sua contestação”, admitindo-se a reconvenção deduzida pela requerida. Em 02 de dezembro de 2021, a requerente ofereceu petição inicial que qualificou de “aperfeiçoada”, reiterando o petitório final feito no requerimento de injunção e pedindo ainda a condenação da requerida ao pagamento de juros de mora “desde a citação e até efetivo e integral pagamento.” Em 13 de dezembro de 2021, a requerida ofereceu contestação aperfeiçoada, reiterando, no essencial, a oposição já oferecida e remetendo para os documentos já oferecidos com tal articulado. Em 07 de janeiro de 2022 a requerente respondeu à contestação aperfeiçoada, suscitando a sua intempestividade, impugnando a generalidade da factualidade alegada pela requerida em sede reconvencional e pugnou pela sua inadmissibilidade legal em virtude de não ser consequência dos fornecimentos efetuados pela requerente. Por despacho proferido em 23 de fevereiro de 2022 foi dispensada a audiência prévia, proferiu-se despacho saneador tabelar, identificou-se o objeto do litígio, enunciaram-se os temas da prova, admitiram-se os meios de prova oferecidos pelas partes, relegando-se para final a pronúncia sobre a inspeção judicial requerida na contestação aperfeiçoada e designou-se dia para realização da audiência final. A audiência final realizou-se em cinco sessões, a última das quais realizada em 12 de julho de 2022 com decisão sobre a inspeção judicial requerida pela ré e com produção de alegações por ambas as partes. Em 20 de abril de 2023, foi proferida sentença[3] que terminou com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto: A. Julgo a presente ação totalmente procedente e, em consequência, decido condenar a ré B..., Unipessoal, Lda. a pagar à autora A..., Lda. a quantia de 5.293,72€ (cinco mil, duzentos e noventa e três euros e setenta e dois cêntimos), acrescida dos respetivos juros de mora vencidos, à taxa comercial, contados desde as datas de vencimento de cada uma das faturas referidas no facto provado n.º21, alíneas a), b), c), f), e dos vincendos, até efetivo e integral pagamento; B. Julgo a demanda reconvencional totalmente improcedente e, em consequência, decido absolver a autora A..., Lda. de tudo o contra si peticionado. Custas pela ré. Registe e notifique.” Em 02 de maio de 2023, pelas 12h23, via correio eletrónico, tendo como remetente ..., endereçado a “AVEIRO – Tribunal Judical Ílhavo”, com referência ao processo nº 52177/215YIPRT, do Juízo de Competência Genérica, Juiz 1, foi solicitado o envio de toda a prova gravada referente ao aludido processo. Em papel registado nestes autos em 11 de maio de 2023, B..., Unipessoal, Lda. veio requerer que lhe seja remetida toda a prova gravada, anexando CD, constando no mesmo dia informação da secretaria judicial de que em envelope selado cedido pelo Sr. Advogado que patrocina a ré foi remetido “CD devidamente gravado, como solicitado.” Em 17 de maio de 2023, B..., Unipessoal, Lda. veio requerer a prorrogação do prazo para interpor recurso por prazo não inferior a quinze dias, com o fundamento de que tendo requerido a prova gravada em 02 de maio de 2023, na data deste requerimento ainda não havia tido acesso à referida prova. Em 29 de maio de 2023 foi proferido o seguinte despacho[4]: “Conforme consta da cota apresentada sob a refª. eletrónica n.º 127343337, a cópia da prova gravada foi remetida ao ilustre mandatário requerente, através do envelope por este remetido a esta secção, devidamente endereçado, sendo, nessa medida, alheio a este tribunal o seu efetivo destino. Razão pela qual, indefiro a prorrogação do prazo requerida. Notifique, sendo com urgência e pela forma mais expedita.”
Em 09 de junho de 2023, inconformada com a sentença, B..., Unipessoal, Lda. interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: (…) A..., Lda. ofereceu contra-alegações pugnando pela total improcedência do recurso interposto pela parte contrária. Colhidos os vistos dos restantes membros do coletivo, cumpre agora apreciar e decidir. 2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil 2.1 Da nulidade processual decorrente do atraso na entrega da gravação da prova produzida na audiência final; 2.2 Da violação do princípio da adequação formal; 2.3 Da ampliação da decisão da matéria de facto por falta de pronúncia sobre factos essenciais; 2.4 Da impugnação dos factos provados sob os nºs 8, 11, 33, 34, 39 e alínea d) dos factos não provados; 2.5 Do contrato de fornecimento; 2.6 Da responsabilidade da autora; 2.7 Da exceção de não cumprimento; 2.8 Dos pedidos reconvencionais de substituição, reparação e de indemnização. 3. Fundamentos 3.1 Da nulidade processual decorrente do atraso na entrega da gravação da prova produzida na audiência final A recorrente suscita a nulidade processual decorrente da violação do dever de cooperação por parte da secretaria ao não proceder à entrega à recorrente da gravação da prova nos cinco dias subsequentes ao seu requerimento de 02 de maio de 2023 para o efeito formulado por correio eletrónico, nem ter tido o cuidado de informar a recorrente o mais rapidamente possível do procedimento que a recorrente deveria adotar para obter as gravações. A recorrida nas suas contra-alegações de recurso pugna pela improcedência desta arguição referindo que a arguição da nulidade é intempestiva. Cumpre apreciar e decidir. Nos termos do disposto no artigo 195º, nº 1, do Código de Processo Civil, não sendo caso de nulidade legalmente tipificada (nos artigos anteriores ao artigo 195º ou em disposição avulsa que comine tal vício à infração em causa), a prática de ato que a lei não admita, bem como a omissão de ato ou formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. Não estando em causa nenhuma das nulidades previstas nos artigos 186º, 187º, na segunda parte do nº 2 do artigo 191º e nos artigos 193º e 194º, todos do Código de Processo Civil, ou em que a lei permita o seu conhecimento oficioso, o tribunal apenas poderá conhecer de um tal vício após reclamação do interessado (artigo 196º do Código de Processo Civil). As nulidades que não sejam de conhecimento oficioso devem ser apreciadas logo que reclamadas (artigo 200º, nº 3, do Código de Processo Civil). O prazo para a dedução de reclamação contra eventual nulidade que não seja de conhecimento oficioso é de dez dias, sempre que a parte não esteja presente, por si ou por mandatário, no momento em que é cometida (artigos 199º, nº 1, 2ª parte e 149º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil), sendo o termo inicial de tal prazo o dia em que depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele mas, neste último caso, só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência. Nesta eventualidade, sendo o processo expedido em recurso antes de findar o prazo para a dedução da reclamação, a arguição da nulidade pode ser feita perante o tribunal superior, contando-se o prazo desde a distribuição (artigo 199º, nº 3, do Código de Processo Civil). As disposições legais que se têm vindo a citar permitem concluir, com toda a segurança, que o meio próprio de reação contra a prática de nulidades processuais atípicas é a reclamação para o órgão que praticou ou omitiu o ato contrário à lei e não o recurso. Só assim não será quando o vício esteja explicitamente ou implicitamente coberto por uma decisão judicial[5]. Daí que seja corrente a afirmação de que “dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”[6]. De acordo com o disposto no nº 1 do artigo 155º do Código de Processo Civil, além do mais, a audiência final de ações é sempre gravada, devendo a gravação ser disponibilizada às partes no prazo de dois dias, a contar do ato a que respeita a gravação (artigo 155º, nº 3, do Código de Processo Civil). Esta disponibilização distingue-se da entrega, significando que nos dois dias subsequentes ao ato gravado a secretaria judicial tem que estar em condições de entregar a gravação do referido ato a quem quer que se apreste a solicitá-lo. O prazo apertado de disponibilização da gravação de cada ato relaciona-se com o ónus que impende sobre as partes de no prazo de dez dias arguirem a falta ou deficiência da gravação que lhes foi disponibilizada (artigo 155º, nº 4 do Código de Processo Civil). A lei adjetiva vigente nada refere sobre a forma como é feita a entrega da gravação às partes. Só recentemente (a partir de 11 de julho de 2023), em data posterior ao termo do prazo para impugnar a sentença recorrida, o sistema Citius veio facultar o acesso aos mandatários das partes às gravações dos atos processuais. No domínio do anterior Código de Processo Civil, essa matéria era regulamentada com alguma minúcia no decreto-lei nº 39/95 de 15 de fevereiro, diploma que tinha em vista um sistema mais arcaico de gravação do que o que é atualmente utilizado e que era a gravação em fitas magnéticas. O decreto-lei nº 39/95 de 15 de fevereiro não foi revogado expressamente pelo vigente Código de Processo Civil, pelo que é de questionar se se mantém em vigor na sua totalidade ou em parte. A nosso ver, da conjugação dos números 1 a 4 do artigo 155º do Código de Processo Civil, bem como do artigo 422º do mesmo código, devem-se ter por tacitamente revogados os artigos 6º, nº 1, 7º, nº 2 e 9º, todos do decreto-lei nº 39/95, de 15 de fevereiro. Porém, afigura-se-nos que se mantém em vigor o nº 3 do artigo 7º do decreto-lei nº 39/95 de 15 de fevereiro e de acordo com o qual a parte ou o mandatário que pretendem uma cópia da gravação deverão facultar as fitas magnéticas necessárias, ou seja, dada a forma como a gravação atualmente se processa, um disco virgem, vulgo CD, com capacidade suficiente para conter a gravação copiada. Tanto quanto sabemos, a prática corrente dos tribunais no que respeita à disponibilização das gravações tem sido no sentido de exigir às partes o suporte físico necessário para que se proceda à cópia da gravação. A disponibilização das gravações através do envio das cópias da gravação via internet suscita questões de segurança e, dada a sensibilidade dos dados em causa e a multiplicidade dos sujeitos envolvidos, deve considerar-se vedada. No caso dos autos, volvida uma semana sobre a data em que se considerou notificada da sentença recorrida[7], a recorrente enviou uma mensagem eletrónica[8] ao tribunal a quo, solicitando a cópia das gravações. Afirma a recorrente que até 10 de maio de 2023 nenhuma resposta recebeu da secretaria, o que determinou um contacto telefónico com esta a fim de determinar as razões do atraso no envio das gravações da audiência, sendo então esclarecida da necessidade de envio de um CD para nele serem copiadas as gravações pretendidas. No processo não consta qualquer cota que dê conta de um contacto ou tentativa de contacto com o Sr. Advogado que patrocina a recorrente no período compreendido entre 02 de maio e 10 de maio de 2023. Não se sabe se houve algum contacto ou tentativa de contacto da secretaria por alguma via que não está documentada no processo nesse lapso temporal. Em 11 de maio de 2023 deu entrada no processo um requerimento[9] da recorrente endereçado à Sra. Juíza a quo, solicitando o envio da “gravação de toda a prova gravada” e afirmando juntar CD. Nesse mesmo dia 11 de maio de 2023, foi lavrada cota com o seguinte teor: - “Em 11/05/2023, remeti pelo correio em envelope selado cedido pelo mandatário abaixo indicado, CD devidamente gravado, conforme solicitado.” Afirma a recorrente que apenas recebeu o CD contendo a gravação das diversas sessões da audiência final no dia 22 de maio de 2023[10]. Antes disso, em 17 de maio de 2023, face à demora na entrega das gravações solicitadas, a ora recorrente requereu ao tribunal a quo a prorrogação do prazo para alegar por um prazo não inferior a quinze dias, pretensão que por despacho de 29 de maio de 2023 foi indeferida, não tendo este despacho sido objeto de impugnação por parte da recorrente. Neste contexto que se acaba de descrever, pode afirmar-se ter sido cometida alguma nulidade processual decorrente, na perspetiva do recorrente, da violação do princípio da cooperação[11]? Não o cremos e ainda que assim se pudesse concluir, e tal violação pudesse integrar uma nulidade processual, há já muito teria precludido o direito de arguir tal patologia, a qual, em todo o caso, sempre deveria ter sido suscitada perante o tribunal recorrido por meio de reclamação (segunda parte do artigo 196º do Código de Processo Civil). De facto, a ter havido violação do dever de cooperação, a recorrente teve disso conhecimento, fazendo fé na sua versão, em 10 de maio de 2023, pelo que o prazo para arguir essa alegada nulidade processual expirou em 22 de maio de 2023 (artigo 149º, nº 1, do Código de Processo Civil), podendo ainda ser arguida mediante o pagamento de multa até 25 de maio de 2023. Atente-se que na data em que expirou a alegada nulidade processual, ainda não havia terminado o prazo para interposição de recurso da sentença recorrida, pelo que não é aplicável o regime previsto no nº 3 do artigo 199º do Código de Processo Civil. Tanto basta para concluir que esta alegada nulidade processual não é passível de ser conhecida em via de recurso e, a ter existido, há muito precludiu o direito de a invocar (artigo 139º, nº 3 do Código de Processo Civil), o que inviabiliza qualquer possibilidade de convolação para o meio próprio (artigo 193º, nº 3, do Código de Processo Civil). Assim, pelos fundamentos antes enunciados, não se conhece desta questão recursória. 3.2 Da violação do princípio da adequação formal A recorrente alega ter sido cometida nulidade processual pelo tribunal recorrido ao não se ter feito assessorar de técnico habilitado em construção naval, inviabilizando a compreensão dos diversos problemas de facto e consequentemente o julgamento da matéria de facto, violando-se deste modo o princípio da adequação formal. Nas contra-alegações a recorrida sustenta que não ocorreu qualquer violação do princípio da adequação formal, pois foram ouvidas na audiência final pessoas com experiência e conhecimentos suficientes que esclareceram a Sra. Juíza a quo, não resultando da decisão recorrida que a Sra. Juíza a quo tenha tido dúvidas ou dificuldades técnicas que carecessem de esclarecimentos adicionais. Cumpre apreciar e decidir. Nos termos do nº 1 do artigo 601º do Código de Processo Civil, “[q]uando a matéria de facto suscite dificuldades de natureza técnica cuja solução dependa de conhecimentos especiais que o tribunal não possua, pode o juiz designar pessoa competente que assista à audiência final e aí preste os esclarecimentos necessários, bem como, em qualquer estado da causa, requisitar os pareceres técnicos indispensáveis ao apuramento da verdade dos factos.” À semelhança do que está previsto para o julgador, “[q]uando no processo se suscitem questões de natureza técnica para as quais não tenha a necessária preparação, pode o advogado fazer-se assistir, durante a produção de prova e a discussão da causa, de pessoa dotada de competência especializada para se ocupar das questões suscitadas” (artigo 50º, nº 1, do Código de Processo Civil). Finalmente, nos termos do disposto no artigo 547º do Código de Processo Civil, o “juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo.” A nomeação de técnico nos termos previstos no nº 1 do artigo 601º do Código de Processo Civil é uma faculdade do julgador que deve ser usada sempre que o mesmo se não julgue habilitado com conhecimentos especiais necessários à compreensão e interpretação da factualidade controvertida entre as partes. Apesar de se tratar de uma faculdade do tribunal[12], afigura-se-nos que tendo em conta o princípio da cooperação, nada obsta a que uma ou ambas as partes sugiram ao tribunal a designação de técnico para o assistir na audiência final. Ao contrário do que é afirmado pela recorrente, a intervenção do técnico cinge-se à audiência final[13], não estando prevista a sua intervenção para acompanhar a elaboração da sentença por parte do julgador. A designação de técnico para assistir à audiência não envolve adaptação ou alteração da tramitação processual ou do conteúdo e forma dos atos processuais, razão pela qual não contende com o princípio da adequação processual. No caso dos autos é inquestionável que o objeto do processo tal como ficou configurado com a reconvenção deduzida pela ora recorrente envolve termos e aspetos técnicos que não são do conhecimento comum das pessoas. No entanto, na atualidade existem plúrimas fontes de informação que adequadamente cruzadas dão algumas garantias de acesso a um conhecimento suficiente para uma correta averiguação e interpretação dos factos. Não obstante a especificidade da matéria controvertida, a recorrente requereu a realização de inspeção judicial à sua embarcação e relativamente à qual são invocadas variadas patologias, nada referindo então sobre a necessidade de acompanhamento técnico para proficiente averiguação e interpretação da factualidade probanda. Ora, como é sabido, a inspeção judicial pressupõe que, com ressalva da intimidade da vida privada e familiar e da dignidade humana, o julgador tem a possibilidade de por si próprio percecionar factos que interessem para a boa decisão da causa pois se assim não for, o meio próprio de percecionar tal factualidade é a prova pericial. Parece assim que a ora recorrente ao não requerer a produção de prova pericial e ao requerer a realização de inspeção judicial sem sugerir a nomeação de técnico para acompanhar o julgador entendia que apesar da especificidade da matéria controvertida entre as partes não era necessária a intervenção de técnico com conhecimentos em matéria de construção naval na audiência final para assessorar o tribunal. A suscitação desta questão apenas em via de recurso é, além de tardia, contraditória com a conduta processual que a ora recorrente adotou em sede de instrução da causa e bem assim na produção da prova pessoal nas diversas sessões da audiência final. Ora, excetuando o caso da verificação de nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia (artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil), da existência de questão de conhecimento oficioso (artigos 608º, nº 2, 2ª parte e 663º, nº 2, ambos do Código de Processo Civil), da alteração do pedido, em segunda instância, por acordo das partes (artigo 264º do Código de Processo Civil) ou da mera qualificação jurídica diversa da factualidade articulada (artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil), os recursos destinam-se à reponderação de questões que hajam sido colocadas e apreciadas pelo tribunal recorrido, não se destinando ao conhecimento de questões novas[14]. Por isso, no que respeita este segmento das conclusões do recurso da recorrente, por constituir uma questão nova, este tribunal abstem-se de conhecer este fundamento do recurso. 3.3 Da ampliação da decisão da matéria de facto por falta de pronúncia sobre factos essenciais A recorrente requer a anulação da sentença recorrida para ampliação da decisão da matéria de facto porque, na sua perspetiva, a sentença impugnada não contemplou variada factualidade seja em sede de factos provados, seja em sede de factos não provados e que qualifica de essencial, como sucede, na sua perspetiva, com a matéria vertida nos artigos 20 e 21 da contestação[15], 41 a 48 da contestação[16], 52 a 61 da contestação[17], 62 a 76 da contestação[18], 88 a 93 da contestação[19], 94 a 102 da contestação[20], 100 a 108 da contestação[21], 112 a 114 da contestação[22] e parte do artigo 117º da contestação[23]. Por seu turno, nas suas contra-alegações a recorrida pugna pela improcedência da pretensão de ampliação da decisão da matéria de facto, sustentando para o efeito o seguinte: - no que respeita ao contrato de fornecimento, o tribunal recorrido apreciou tal factualidade nos pontos 5, 6 e 12 dos factos provados e nas alíneas a) e c) dos factos não provados; - no que respeita à alimentação e aos pré-filtros essa matéria foi apreciada no ponto 26 dos factos provados e na alínea e) dos factos não provados; - quanto às mangas das hélices essa matéria foi conhecida nos pontos 8 e 9 dos factos provados; - relativamente ao tanque das águas sujas essa matéria foi apreciada na factualidade dada como provada nos pontos 23, 24 e 25 dos factos provados; - quanto aos turbos do motores, essa matéria está contemplada na factualidade dada como provada nos pontos 28 a 31 dos factos provados e nas alíneas a) e c) dos factos não provados; - no que respeita aos defeitos do gerador, tal matéria está contemplada na factualidade dada como provada nos pontos 27, 33 e 34 dos factos provados e nas alíneas d) e f) da factualidade não provada; - quanto às hélices essa matéria foi conhecida nos pontos 8, 9 e 10 dos factos provados; - no que tange aos impulsores essa matéria foi conhecida nos pontos 10 e 11 dos factos provados; - no que respeita aos defeitos e reparações essa matéria foi apreciada na alínea d) dos factos não provados. Cumpre apreciar e decidir. Nos termos do disposto na alínea c) do nº 2 do artigo 662º do Código de Processo Civil, a Relação deve, ainda, mesmo oficiosamente anular a decisão proferida na 1ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta. Deste modo, o tribunal ad quem apenas deve proceder à ampliação da matéria de facto sempre que conclua que, à luz das diversas soluções plausíveis das questões decidendas, existe matéria de facto alegada que não foi conhecida pelo tribunal recorrido, emitindo um juízo de provado ou não provado e isso desde que se trate de matéria indispensável à dilucidação das aludidas soluções plausíveis. A ampliação da decisão da matéria de facto, quando necessária, processar-se-á no tribunal ad quem, desde que para tanto constem do processo todos os elementos que permitam essa ampliação, pressupondo que sobre a matéria em causa foi produzida prova, com a devida observância do contraditório [24]. Vejamos então, antes de mais, se no caso em apreço se verifica a referida indispensabilidade de ampliação da decisão da matéria de facto, iniciando o nosso labor sobre a matéria vertida nos artigos 20 e 21 da contestação, aferindo se a mesma é indispensável à boa decisão da causa, atentas as soluções plausíveis das diversas questões de direito e, sendo-o, se foi conhecida pelo tribunal recorrido julgando-a provada e ou não provada. A matéria vertida no artigo 20º da contestação respeita à assunção pela agora recorrida da prestação de serviços de aconselhamento na escolha e montagem de equipamento, bem como de assistência técnica. Estão em causa obrigações imprescindíveis para a satisfação do interesse da ora recorrente de conseguir a montagem de uma embarcação que satisfaça as suas necessidades e que corresponda às suas aspirações. Nesta medida, afigura-se-nos que está em causa matéria indispensável para a boa decisão da causa porquanto releva para a aferição do cumprimento ou não dos deveres que a autora alegadamente assumiu perante a ré. No entanto, é lícito afirmar, como afirma a recorrida, que essa matéria foi já conhecida nos pontos 5, 6 e 12 dos factos provados e nas alíneas a) e c) dos factos não provados? Os pontos 5, 6 e 12 dos factos provados têm o seguinte teor: - No âmbito da sua atividade comercial, a autora e o estaleiro C... acordaram que a primeira forneceria ao segundo diversos equipamentos, que se destinavam à construção de uma embarcação, mediante a respetiva encomenda e pagamento do preço (ponto 5 dos factos provados); - A 13 de março de 2018, a autora elaborou e entregou ao estaleiro C... um orçamento, com a designação Proposta/ Offer n.º 135/2018, de onde constavam os seguintes produtos: CATAMARAN DE 15 Mts MOTORES PROPULSORES MARÍTIMOS: - Motor Propulsor D... VD4.120 + ZF45A – 244:1; Motor com caixa ZF45A, saída inclinada; Painel de instrumentos MPA34BS2, pág.103; 4 apoios flexíveis LMX140, pág. 49 FILTRO SEPARADOR DE GASÓLEO: - Filtro separador água-gasóleo D... 330VTEB COMANDO E CABOS: - Comando duplo inox D... RCTOP5G, montagem superior - Cabos baixa fricção D... CABLF75 de 7,5mts ALIMENTAÇÃO DE ÁGUA: - Tomada de água WCAP11/2 - Válvula M/E inox D... BV11/2 - Ponte escarvada D... SLP11/238 - Ponte escarvada D... SLP11/432 - Filtro de água D... FTR470/38 - Tubo de ligação D... DWHOSE38A - Tubo de ligação D... DWHOSE32A SISTEMA DE ESCAPE: - Panela de escape D... MGP102102 - Saída de escape D... TC100 - Tubo escape D... SLANG100 LINHA DE VEIOS: - Veio propulsor inox D... 40x1000, SA40/1000M com porca - Suplemento de veio D... 40x500, SA40/+ - Manga de poliéster D... BG40/0500 c/casquilho de borracha - Casquilho de bronze-borracha para a aranha D... RL4055 40X55X160 - Bucim D... ZWB40i - Acoplamento flexível D... BULFL1240, para veio 40 - Hélice D... P4E, 4 pás 22” - Kit de refrigeração linha de veios 40 D... WCAPS1/2 (ponto 6 dos factos provados); - Informalmente, o Estaleiro C... e a ré comunicavam à autora a urgência na receção dos equipamentos encomendados, sem, contudo, procederem à entrega de um plano escrito de execução (ponto 12 dos factos provados); - Foi acordado entre as partes que os motores seriam entregues em trinta dias, uma vez que existiam em stock na empresa D... (alínea a) dos factos não provados) - A autora não entregou os motores na data acordada (alínea c) dos factos não provados). Lendo e relendo a factualidade provada e não provada que a recorrida afirma conter a cognição da matéria vertida no artigo 20 da contestação, pela nossa parte concluímos em sentido oposto. Na realidade, da referida matéria, bem como de toda a factualidade provada e não provada não resulta qualquer tomada de posição expressa por parte do tribunal recorrido quanto à assunção pela recorrida de deveres de aconselhamento na escolha e montagem de equipamentos, bem como de assistência técnica. Tendo em conta a defesa por exceção e a reconvenção deduzidas pela ré, essa matéria de facto é essencial para se poder concluir ou não pela sua procedência, razão pela qual deveria o tribunal recorrido procedido à sua cognição julgando-a provada ou não provada. Debrucemo-nos agora sobre a matéria vertida no artigo 21 da contestação da ora recorrente e que se refere ao acordo das partes no sentido do material fornecido beneficiar de uma garantia trienal. Lendo e relendo a matéria de facto provada e não provada, apenas no ponto 23 dos factos provados se alude ao período de garantia, não se cuidando da sua delimitação temporal. Ora, a duração da garantia alegadamente acordada entre as partes é um elemento de facto relevante para determinar a exercitabilidade dos direitos invocados pela ora recorrente contra a recorrida, razão pela qual o tribunal recorrido devia ter conhecido desta matéria julgando-a provada ou não provada. Vejamos agora a indispensabilidade da matéria vertida nos artigos 44 a 51 da contestação e se, como afirma a recorrida, a mesma foi objeto de cognição pelo tribunal recorrido no ponto 26 dos factos provados e na alínea e) dos factos não provados. Recorde-se que no ponto 26 dos factos provados ficou a constar o seguinte: - A ré não adquiriu à autora mangueiras de alimentação de combustível. Por outro lado, o conteúdo da alínea e) dos factos não provados é o seguinte: - e) A ré adquiriu dois adaptadores de 8mm e mangueiras novas, que tiveram um custo de cerca de € 700,00, o que implicou um atraso em 16 horas de trabalho. O ponto 26 dos factos provados contém uma resposta negativa à parte final da matéria vertida no artigo 44º da contestação, ou seja, no que tange à aquisição de mangueiras de alimentação à autora. Por outro lado, a alínea e) contém o essencial da factualidade vertida nos artigos 50 e 51 da contestação. Assim, no que esta matéria respeita, o problema não é de eventual ampliação da decisão da matéria de facto mas sim de necessária impugnação da decisão da matéria de facto, razão pela qual, nesta parte, é de indeferir a requerida ampliação da decisão da matéria de facto. Debrucemo-nos agora sobre a indispensabilidade de inclusão nos fundamentos de facto da matéria vertida nos artigos 52 a 61 da contestação. Para tanto vejamos se, como afirma a recorrida, essa matéria foi conhecida nos pontos 8 e 9 dos factos provados. Os pontos 8 e 9 dos factos provados têm o seguinte teor: - Foi acordado que seria a ré [ou a autora?] a calcular qual o tipo de hélices adequadas para a embarcação, através do preenchimento de uma ficha com os elementos necessários (ponto 8 dos factos provados); - Então, calculou que as hélices adequadas para a embarcação seriam hélices de 560mm de diâmetro (ponto 9 dos factos provados). Como é bom de ver, esta factualidade provada é de todo alheia à matéria das mangas de hélice, matéria que, no essencial, se respiga nos pontos 17 e 18 dos factos provados. Por isso, à semelhança do que se concluiu relativamente à matéria vertida nos artigos 44 a 51 da contestação, o problema não é de eventual ampliação da decisão da matéria de facto mas sim de necessária impugnação da decisão da matéria de facto, razão pela qual, nesta parte, é de indeferir a requerida ampliação da decisão da matéria de facto. Ajuizemos agora da indispensabilidade de ampliação da decisão da matéria de facto com inclusão da factualidade vertida nos artigos 62 a 76 da contestação. Para tanto vejamos se, como afirma a recorrida, essa matéria foi conhecida nos pontos 23, 24 e 25 dos factos provados. Nestes pontos dos factos provados ficou a constar o seguinte: - A ré reclamou junto da autora acerca do deficiente funcionamento do painel de controlo de águas residuais, vertido na fatura referida em 21), alínea a), tendo a autora comunicado à marca D..., que assumiu a substituição de tal equipamento no período de garantia (ponto 23 dos factos provados); - Devido a esta anomalia, ocorre ocasionalmente a passagem de águas residuais para os cascos e consequente mau cheiro (ponto 24 dos factos provados); - Em novembro de 2020, foi comunicado à ré que a peça estava disponível para levantamento nas instalações da autora, contudo, a ré não o fez, defendendo que a autora deve proceder à sua instalação (ponto 25 dos factos provados). Assim, também no que respeita à matéria vertida nos artigos 62 a 76 da contestação e vista factualidade provada nos pontos 23 a 25 dos respetivos factos, à semelhança do que se concluiu relativamente à matéria vertida nos artigos 44 a 51 da contestação, o problema não é de eventual ampliação da decisão da matéria de facto mas sim de necessária impugnação da decisão da matéria de facto, razão pela qual, nesta parte, é de indeferir a requerida ampliação da decisão da matéria de facto. Debrucemo-nos agora sobre a necessidade de ampliação da decisão da matéria de facto com a factualidade alegada nos artigos 88 a 93 da contestação. Para tanto, antes de mais, importa aferir se, como alega a recorrida, essa matéria está contemplada na factualidade dada como provada nos pontos 28 a 31 dos factos provados e nas alíneas a) e c) dos factos não provados. Os pontos 28 a 31 dos factos provados e as alíneas a) e c) dos factos não provados têm o seguinte teor: - Quando a ré procedeu ao arranque dos motores, estes trabalhavam, mas entravam em modo de segurança e não permitiam engatar o motor nem avante nem à ré, não sendo possível iniciar uma marcha autónoma (ponto 28 dos factos provados); - Nesse dia, esteve presente um representante da marca D..., AA, que abandonou o local sem apontar qualquer solução para a avaria (ponto 29 dos factos provados); - Posteriormente, a embarcação foi rebocada e ficou ancorada no [?] na marina da Associação Náutica ... (ponto 30 dos factos provados); - Após cerca de dois meses de paragem, a empresa E..., contratada pela marca D..., constatou que os cabos que ligavam os motores à centralina, fornecidos pela autora, não eram adequados aos motores, o que fazia com que não tivesse toda a informação necessária e os motores não funcionassem devidamente (ponto 31 dos factos provados); - Verificou ainda que as válvulas dos turbos instalados nos motores não funcionavam (ponto 32 dos factos provados); - Foi acordado entre as partes que os motores seriam entregues em trinta dias, uma vez que existiam em stock na empresa D... (alínea a) dos factos não provados); - A autora não entregou os motores na data acordada (alínea c) dos factos não provados). Como se vê da reprodução da matéria que a recorrida afirma contemplar a factualidade alegada pela ora recorrente nos artigos 88 a 93 da contestação, apenas o ponto 32 dos factos provados diz respeito aos turbos dos motores, ponto este que contempla parte da matéria vertida no artigo 91 da contestação. Não se divisa na factualidade provada e não provada matéria que se refira ao que foi articulado no artigo 88, na parte final do artigo 91 e no artigo 92, sendo todos os artigos da contestação da recorrente, matéria que releva para o efeito da pretensão da recorrente de condenação da recorrida em indemnização a liquidar em ulterior momento. O artigo 93 da contestação tem natureza meramente conclusiva e por isso não deve constituir objeto de ampliação da decisão da matéria de facto. Neste contexto, deve ser admitida a ampliação da decisão da matéria de facto no que respeita ao alegado no artigo 88, na parte final do artigo 91 e no artigo 92, todos da contestação. Vejamos agora da indispensabilidade de ampliação da decisão da matéria de facto com inclusão na mesma da factualidade vertida nos artigos 94 a 102 da contestação e, designadamente, se como refere a recorrida, esta matéria está já contemplada nos pontos 27, 33 e 34 dos factos provados e nas alíneas d) e f) da factualidade não provada. Os pontos 27, 33 e 34 dos factos provados e as alíneas d) e f) dos factos não provados têm o seguinte conteúdo: - A 29 de abril de 2020 foi efetuado o arranque dos motores em água, conforme sugerido pela autora (ponto 27 dos factos provados); - A embarcação apresenta oxidação nos suportes do motor e em componentes do gerador (ponto 33 dos factos provados); - Os passas cascos de entrada de água para os motores de propulsão, o gerador e de saída de água dos tanques, estão oxidados, assim como as tampas de inspeção dos tanques de água e gasóleo (ponto 34 dos factos provados); - O referido em 33) e 34) deveu-se à má qualidade dos equipamentos entregues pela autora (alínea d) dos factos não provados); - O gerador apresenta ruído superior aos decibéis anunciados pela marca, apesar de estar devidamente isolado (alínea f) dos factos não provados). O ponto 27 dos factos provados contempla apenas a primeira parte do artigo 94 da contestação, os pontos 33 e 34 dos factos provados e a alínea d) dos factos não provados não contêm qualquer matéria que esteja contida nos artigos 94 a 102 da contestação. Já a alínea f) dos factos não provados respeita aos artigos 101 e 102 da contestação pelo que, nesta parte, não há lugar à ampliação da decisão da matéria de facto, sendo, ao invés e se for caso disso, um caso de impugnação da decisão da matéria de facto. Porém, a segunda parte do artigo 94 da contestação, por ser genérico, não tem os atributos necessários para integrar os fundamentos de facto. Também o artigo 99 da contestação, na parte em que se refere ao funcionamento devido da embarcação, tem natureza conclusiva e por isso, nessa parte, não tem os necessários atributos para integrar os fundamentos de facto. Igualmente o artigo 100 da contestação tem natureza conclusiva e por isso não deve integrar os fundamentos de facto. Deste modo, vista a pretensão de indemnização ilíquida deduzida pela ora recorrente, a matéria vertida nos artigos 95, 96, 97, 98 e 99, na parte não conclusiva, sendo todos os artigos da contestação, é indispensável à boa decisão da causa, procedendo, nesta parte a pretensão da recorrente de ampliação da decisão da matéria de facto. Vejamos agora da indispensabilidade de ampliação da decisão da matéria de facto com inclusão na mesma da factualidade vertida nos artigos 103 a 111 da contestação e, designadamente, se como refere a recorrida, esta matéria está já contemplada nos pontos 8, 9 e 10 dos factos provados. Estes pontos dos factos provados têm o seguinte conteúdo: - Foi acordado que seria a ré [ou a autora?[25]] a calcular qual o tipo de hélices adequadas para a embarcação, através do preenchimento de uma ficha com os elementos necessários (ponto 8 dos factos provados); - Então, calculou que as hélices adequadas para a embarcação seriam hélices de 560mm de diâmetro (ponto 9 dos factos provados); - A 14 de março de 2018, a autora, através do endereço de correio eletrónico ..., remeteu para o endereço ... o seguinte email: (…) Relativamente ao hélice estou a propor o hélice maior recomendado para este motor de 4 pás que mesmo assim se torna mais pequeno que o hélice de 3 pás, esta parte depois tem que se ver. Relativamente aos impulsores o técnico da D... Holanda recomenda somente a montagem de 2 unidades em proa, segundo ele é mais eficiente porque a ré podes controlá-la com os motores propulsores. Os fluxos de água têm de ser direcionados de acordo com o esquema em anexo.
(ponto 10 dos factos provados). Confrontando estes pontos dos factos provados com os artigos 103 a 111 da contestação, verifica-se que os mesmos apenas contemplam a matéria vertida nos artigos 103 a 105 da contestação. A matéria alegada nos artigos 106 a 111 da contestação não está abarcada na referida factualidade e releva para efeitos de apreciação da pretensão deduzida em reconvenção de substituição das hélices. Nesta medida, a matéria alegada nos artigos 106 a 111 da contestação deve ser objeto de cognição em sede de ampliação da decisão da matéria de facto por ser necessária para apreciação da aludida pretensão reconvencional. Vejamos agora da indispensabilidade de ampliação da decisão da matéria de facto com inclusão na mesma da factualidade vertida nos artigos 112 a 114 da contestação e, designadamente, se como refere a recorrida, esta matéria foi conhecida nos pontos 10 e 11 dos factos provados. Os pontos 10 e 11 dos factos provados, recorde-se, têm o seguinte teor: - A 14 de março de 2018, a autora, através do endereço de correio eletrónico ..., remeteu para o endereço ... o seguinte email: (…) Relativamente ao hélice estou a propor o hélice maior recomendado para este motor de 4 pás que mesmo assim se torna mais pequeno que o hélice de 3 pás, esta parte depois tem que se ver. Relativamente aos impulsores o técnico da D... Holanda recomenda somente a montagem de 2 unidades em proa, segundo ele é mais eficiente porque a ré podes controlá-la com os motores propulsores. Os fluxos de água têm de ser direcionados de acordo com o esquema em anexo.
(ponto 10 dos factos provados); - A ré não procedeu à instalação dos impulsores conforme descrito em 10) (ponto 11 dos factos provados). A matéria vertida nos artigos 112 e 113 da contestação não está contemplada nos pontos 10 e 11 dos factos provados. Porém, nestes pontos de facto está vertida matéria de facto incompatível com o conteúdo dos aludidos artigos da contestação já que deles resulta que o construtor da embarcação não seguiu as indicações técnicas que lhe foram transmitidas. Por isso, nesta parte, não se coloca um problema de ampliação da decisão da matéria de facto mas sim de impugnação da factualidade provada nos pontos 10 e 11 dos factos provados. Já no que respeita à alegada oxidação dos impulsores, alegada no artigo 114º da contestação, verifica-se que não está contemplada nos artigos 33 e 34 dos factos provados e vista a pretensão reconvencional de substituição formulada pela ora recorrente, deve nesta parte proceder a ampliação da decisão da matéria de facto. Debrucemo-nos agora sobre a parte do artigo 117 da contestação que a recorrente pretende seja objeto de ampliação e, designadamente, se como refere a recorrida, esta matéria foi conhecida na alínea d) dos factos não provados. A parte do artigo 117 da contestação que a recorrente pretende seja objeto de ampliação é a seguinte: “• As bombas hidráulicas de apoio à direcção dos lemes não funcionam corretamente; • Caixa de velocidades do motor de EB que apresenta ruído/embate quando o motor é engrenado avante; • Os Extractores de gases das casas das máquinas deixaram de funcionar.” Na alínea d) dos factos não provados consignou-se o seguinte: - O referido em 33) e 34) deveu-se à má qualidade dos equipamentos entregues pela autora (alínea d) dos factos não provados). Ora, os artigos 33 e 34 dos factos provados têm o seguinte conteúdo: - A embarcação apresenta oxidação nos suportes do motor e em componentes do gerador (ponto 33 dos factos provados); - Os passas cascos de entrada de água para os motores de propulsão, o gerador e de saída de água dos tanques, estão oxidados, assim como as tampas de inspeção dos tanques de água e gasóleo (ponto 34 dos factos provados). Como bem se vê, os pontos 33 e 34 dos factos provados não respeitam aos segmentos do artigo 117º da contestação que a recorrente sustenta deverem ser objeto de ampliação. No que respeita aos extratores de gases, às bombas hidráulicas de apoio aos lemes e à caixa de velocidade do motor EB, visto o pedido reconvencional de substituição e reparação deduzidos no artigo 121 da contestação, deve, em princípio, essa matéria ser objeto de ampliação por ser necessária para se poder conhecer dessas pretensões reconvencionais. Contudo, relativamente às bombas hidráulicas de apoio aos lemes, a ora recorrente limitou-se a alegar conclusivamente na sua contestação que tal equipamento não funciona corretamente, abstendo-se de especificar concretamente como devem funcionar essas bombas e o que concretamente se verifica no que respeita esse equipamento. Por isso, esta matéria, dada a sua natureza conclusiva, não tem idoneidade para poder ser objeto de prova e especialmente quando nem sequer foi oportunamente requerida prova pericial. Assim, atento tudo quanto precede, a ampliação deverá cingir-se aos seguintes segmentos do artigo 117º da contestação: - “Caixa de velocidades do motor de EB que apresenta ruído/embate quando o motor é engrenado avante; -Os extratores de gases da casa das máquinas deixaram de funcionar”. Face ao que precede, a ampliação da decisão da matéria de facto cingir-se-á matéria vertida nos artigos 20, 21, 88, parte final do artigo 91, 92, 95, 96, 97, 98 e 99, 106 a 111, 114 e os segmentos do artigo 117º antes identificado, sendo todos os artigos da contestação. Procedeu-se à análise crítica da prova documental oferecida pela ré com a sua oposição[26], pela autora com a resposta à contestação oferecida em 11 de outubro de 2021[27], pela autora com o seu requerimento de 22 de abril de 2022[28], pela ré com o seu requerimento de 04 de maio de 2022[29] e procedeu-se à audição da prova pessoal produzida em quatro sessões da audiência final. Apesar das difíceis condições de audibilidade de alguns segmentos da prova pessoal, especialmente a produzida nas duas primeiras sessões da audiência final, foi possível ter uma perceção do essencial que foi sendo declarado. Ponderaram-se as condições particulares em que a generalidade dos depoimentos foram produzidos, especialmente quando conduzidos pelo Sr. Advogado da recorrente que persistentemente foi induzindo os depoentes dando como assentes factos que importava apurar e valendo-se de arrogados conhecimentos da matéria e também do caso concreto[30], o que aliás não se questiona já que pelo menos desde 08 de julho de 2019 há notícia nos autos de correspondência eletrónica trocada entre as partes de que o mesmo teve conhecimento. A prova documental foi apreciada livremente, salvo quando a mesma tem inequivocamente natureza confessória, como adiante se verá a propósito da garantia. No mais, estando em causa documentos particulares não assinados contendo declarações favoráveis aos interesses do declarante, a sua não impugnação não lhes confere força probatória plena. Iniciando o nosso labor pelo artigo 20 da contestação, face ao depoimento da testemunha BB[31] conjugado com a mensagem de correio eletrónico de 12 de março de 2018, pelas 20h30, com as mensagens eletrónicas trocadas no dia 14 de março de 2018, pelas 17h39 e 21h39[32] e com a mensagem eletrónica de 07 de outubro de 2021, pelas 11h41, esta última numa altura em que estes autos já pendiam, resulta evidente que a autora assumiu a obrigação de aconselhamento na escolha dos equipamentos e na transmissão das indicações técnicas do fabricante para a montagem dos equipamentos, não tendo sido produzida prova de que a autora assumiu a obrigação de assistência técnica e, pelo contrário, resultou da prova produzida que a autora não tinha meios próprios para prestar tais serviços. Embora tenha sido produzida prova de que a autora procurou auxiliar a ré na resolução de alguns problemas que foram surgindo em alguns equipamentos fornecidos, fê-lo sempre com ligação ao fabricante dos mesmos e ao seu representante em Portugal. Neste quadro probatório, deve ampliar-se a factualidade provada aditando à mesma o seguinte: - a autora assumiu a obrigação de aconselhamento na escolha dos equipamentos e na transmissão das indicações técnicas do fabricante para a montagem dos equipamentos. Por outro lado, deve passar a constar dos factos não provados o seguinte: - a autora assumiu a obrigação de assistência técnica. Vejamos agora o artigo 21 da contestação. No que respeita esta matéria, atento o conteúdo da mensagem de correio eletrónico de 29 de março de 2018, pelas 16 horas, da autoria da testemunha BB, na qualidade de empregado da autora, deve acrescentar-se à factualidade provada o seguinte: - foi acordado que os bens fornecidos teriam uma garantia de três anos contra defeitos de fabrico. Debrucemo-nos agora sobre a ampliação da decisão da matéria de facto com a matéria vertida no artigo 88, na parte final do artigo 91 e no artigo 92, sendo todos os artigos da contestação. Sobre esta matéria foram particularmente relevantes os depoimentos das testemunhas BB e de CC[33], ambas a referirem a substituição dos turbos por se acharem avariados. Deste modo, atenta esta prova pessoal deve aditar-se à factualidade provada a seguinte matéria de facto: - durante os testes da embarcação, ainda que a baixa rotação, os motores entravam em sobrecarga e desligavam-se ou entravam em modo de segurança; - o não funcionamento das válvulas dos turbos levava a que estes não entrassem em funcionamento, entrando os motores em sobrecarga, desligando-se ou entrando em modo de segurança; - os referidos turbos foram substituídos após o lançamento da embarcação à agua, em data que não se conseguiu precisar. Apreciemos agora a ampliação da decisão da matéria de facto com inclusão na mesma da factualidade vertida nos artigos 95, 96, 97, 98 e 99, este último na parte não conclusiva, sendo todos os artigos da contestação. No que respeita esta matéria foi especialmente relevante o depoimento da testemunha BB e toda a correspondência eletrónica que trocou entre 03 de agosto de 2020 e 06 de agosto de 2020, quer com o legal representante da ré, o Sr. DD, quer com o representante da D..., Sr. AA[34]. A inexistência de qualquer correspondência anterior a 03 de agosto de 2020 sobre esta problemática não permite a formação de uma convicção positiva deste tribunal quanto à demora da ré na identificação do problema no gerador. Assim, neste circunstancialismo probatório deve aditar-se à factualidade provada a seguinte matéria: - depois de o gerador entrar em funcionamento, soava o alarme e no seu display apareciam mensagens de erros que não correspondiam aos que estavam enumerados no manual de instruções; - a ré comunicou à autora que depois de o gerador entrar em funcionamento, soava o alarme e no seu display apareciam mensagens de erros que não correspondiam aos que estavam enumerados no manual de instruções; - após o decurso de um tempo não precisamente determinado, concluiu-se que o sensor da temperatura do escape do gerador estava avariado e provocava o disparo do alarme. Deve passar para a factualidade não provada a seguinte matéria: - decorreram quatro meses até que a autora concluísse que o sensor da temperatura do escape do gerador estava avariado e provocava o disparo do alarme. Debrucemo-nos agora sobre a ampliação da matéria vertida nos artigos 106 a 111 da contestação. No que respeita esta matéria a prova pessoal produzida na audiência final foi contraditória, asseverando a testemunha BB que a dimensão das hélices foi calculada pelo representante da D... de acordo com os dados que lhe foram transmitidos pelo construtor do barco, enquanto o legal representante da ré, Sr. DD, EE, irmão do legal representante da ré e FF, pai do legal representante da ré e da testemunha EE, construtor da embarcação prestaram depoimentos corroborando no essencial a factualidade alegada pela ré na sua contestação. Porém, a testemunha CC referiu que nada se notou de anormal nas hélices da embarcação e que esta ficou a atingir uma velocidade próxima da que estava prevista. A prova documental oferecida pela ré e pela autora no que respeita ao preenchimento dos dados necessários para o cálculo das hélices é contraditória pois que cada uma das partes apresenta o mesmo formulário preenchido com letras diferente e com conteúdos parcialmente díspares. De todo o modo, relativamente ao tamanho das hélices, em ambos os formulários são indicadas as medidas de 550mm para a largura do plano côncavo em que se insere a hélice, razão pela qual a hélice nunca poderia ter a medida de 560 milímetros de diâmetro[35], matéria que contudo foi dada como provada no ponto 9 dos factos provados, em consonância com o que aparentemente resulta da proposta da autora nº 135/2018 de 13 de março de 2018. Finalmente, a correspondência eletrónica trocada entre o legal representante da ré e a testemunha BB entre 28 de outubro de 2020 e 12 de fevereiro de 2021 apenas revela a intenção de trocar de hélices mas não a assunção de um erro da autora no cálculo das suas dimensões. Numa das mensagens (mensagem de 25 de janeiro de 2021, pelas 21h53, o legal representante da ré questiona a testemunha BB sobre a possibilidade de ter ocorrido um erro no cálculo da dimensão das hélices mas não chega a imputar essa conduta à autora. A referência à possibilidade de uma “atenção comercial” por parte da D..., como se refere na mensagem de 28 de janeiro de 2021, pelas 10h07, também não basta para concluir por uma assunção de erro no cálculo da hélices pois é inquestionável que já tinham ocorrido diversos incidentes no relacionamento negocial entre as partes e que numa política de bom relacionamento comercial podem justificar a referida “atenção comercial” que não foi sequer quantificada. Não foi produzida qualquer prova pericial que com um mínimo de segurança permita aferir da existência de erro no cálculo da dimensão das hélices face aos dados facultados à autora e apesar de o construtor da embarcação e seus filhos falarem por diversas vezes no plano de construção da embarcação, não se mostra junto aos autos qualquer documento que corresponda ao referido plano[36]. Repare-se que em rigor não está sequer demonstrado o diâmetro das hélices montadas no barco, pois nenhuma prova fiável foi produzida de tal factualidade. Acresce ainda que nem sequer se sabe se a embarcação corresponde verdadeiramente aos dados constantes dos aludidos formulários, que aliás é especialmente talhado para uma embarcação monocasco e não para um catamarã, como é o caso da embarcação da ré. A afirmação de que as hélices montadas na embarcação não têm dimensão suficiente para a impulsionar, afigura-se-nos destituída de credibilidade pois que assim fosse, não se crê que fosse viável o seu licenciamento para o exercício da atividade marítimo-turística. Assim, tudo sopesado, ponderando a existência de um lapso ostensivo na referência à ré no artigo 108 da contestação, oficiosamente corrigível, amplia-se a decisão de facto com a seguinte factualidade não provada contida nos artigos 106 a 111 da contestação: - face a tal informação o Estaleiro fez o alinhamento dos motores para aquele tipo de hélice; - no momento da entrega verificou-se que as hélices entregues não eram as hélices acordadas, mas sim hélices de uma dimensão inferior; - após reclamação por parte do Estaleiro a autora disse que o diâmetro das hélices tinha sido compensado no passo e que deveriam ser instaladas as hélices entregues; - após a embarcação entrar em funcionamento verificou-se que as hélices eram demasiado pequenas e não têm dimensão suficiente para impulsionar a embarcação; - nomeadamente a embarcação não consegue alcançar a velocidade projetada de 17knt e apenas chega a 14knt; - após reclamação da ré a autora propôs fazer um desconto nas hélices de substituição. Debrucemo-nos agora sobre a ampliação da decisão da matéria de facto com a matéria contida no artigo 114º da contestação. Embora admitindo que algumas das fotografias oferecidas pela ré com a sua oposição possa retratar algum ou ambos os impulsores[37], por falta de adequada legendagem bem como de referenciação na produção de prova pessoal na audiência final, este tribunal não está em condições de formar conscienciosamente uma convicção positiva da realidade factual vertida no artigo 114º da contestação pelo que a decisão da matéria de facto deve passar a conter nos factos não provados o conteúdo do citado artigo, com supressão da adjetivação e do juízo valorativo constante da parte final do mesmo artigo. Deste modo deverá passar a constar dos factos não provados o seguinte: - os impulsores estão oxidados. Finalmente, analisemos agora a pretendida ampliação da decisão da matéria de facto no que respeita ao alegado ruído da caixa redutora do motor de estibordo e ao não funcionamento dos extratores de gases na casa das máquinas constante do artigo 117º da contestação. No que respeita a matéria do ruído na caixa redutora o legal representante da ré e a testemunha FF referiram a existência de um ruído na caixa redutora do motor de estibordo. Porém, numa relação negocial recheada de comunicações escritas entre as partes, as únicas mensagens que se referem a um ruído no motor aludem ao motor de bombordo (vejam-se as mensagens de correio eletrónico de 28 de outubro de 2020, pelas 21h54 e de 02 de novembro de 2020, pelas 11h45). Neste circunstancialismo probatório, este tribunal não pode formar uma convicção positiva quanto à realidade do facto em apreciação, tanto mais que os aludidos depoentes de forma direta, o primeiro e indireta, o segundo, têm interesse na causa. Quanto aos extratores de gases, a testemunha BB declarou que foram substituídos, declarações corroboradas pela correspondência trocada entre esta testemunha e o legal representante da autora, no período compreendido entre 09 de setembro de 2021 e 27 de setembro de 2021, pelo que deve julgar-se não provada esta factualidade. Assim, ampliando-se a matéria de facto deve passar para a factualidade não provada a matéria referente ao alegado ruído da caixa redutora do motor de estibordo e ao não funcionamento dos extratores de gases da casa das máquinas. Pelo exposto, procede parcialmente a requerida ampliação da decisão da matéria de facto nos termos que antes se expuseram. Importa ainda ajuizar da necessidade de ampliação oficiosa da decisão da matéria de facto com a apreciação da factualidade que é possível extrair dos artigos 63 a 65 da réplica e referente às causas da oxidação de diversos materiais de que se queixa a recorrente. A recorrente não fez uso da faculdade que lhe assistia de se pronunciar sobre esta matéria, tal como previsto no nº 4 do artigo 3º do Código de Processo Civil. No que respeita esta matéria resultou da prova produzida, consonante com as regras da experiência comum, que a embarcação da ré é usada em ambiente salino[38], mesmo quando usada no Douro dada a influência das marés e a mistura da água salgada com a água doce, como foi referido pela testemunha GG, ao arrepio do que o Sr. Advogado da recorrente foi tentando fazer passar nas diversas sessões da audiência final. A maior parte dos componentes cuja oxidação a recorrente suscita situam-se numa casa de máquina de dimensões exíguas (1,3 metros de largura por 1,6 metros de altura, com referido pela testemunha FF), com respiradores laterais que permitem a entrada de ar salino, sendo visíveis gotículas de água em várias das fotografias oferecidas pela recorrente que tanto podem provir do exterior como resultar de condensação. As próprias fotografias oferecidas pela recorrente evidenciam que as oxidações são pontuais e não generalizadas, ocorrendo essencialmente em parafusos, porcas e anilhas, tudo peças que foram manipuladas no processo de montagem dos equipamentos, processo ao qual é alheia a recorrida. Apenas na vigésima segunda das fotografias oferecidas pela recorrente com a sua oposição se nota a existência de material isolante em porcas e num parafuso, sendo do conhecimento comum que a conservação de metais em zonas marítimas ou saturadas de sal requer cuidados especiais de lubrificação e isolamento. Assim, ponderando tudo quanto se acaba de expor, deve aditar-se à factualidade provada a seguinte matéria: - a oxidação verificada nalguns pontos dos materiais fornecidos pela autora resulta do contacto com ar salino e com a entrada de água salgada nos compartimentos dos motores. 3.4 Da impugnação dos factos provados sob os nºs 8, 11, 33, 34, 39 e alínea d) dos factos não provados A recorrente impugna os pontos 8, 11, 33, 34 e 39 dos factos provados e a alínea d) dos factos não provados. Afirma a recorrente que o ponto 8 dos factos provados contém um erro de escrita quando refere a ré em vez de referir autora e, assim não se entendendo, enferma de erro de julgamento, sendo contraditório com os factos 9 e 10 dos factos provados, foi confessado pela autora na réplica e resulta de prova documental que a recorrente identifica. Vejamos. Existe de facto um erro de escrita no ponto 8 dos factos provados, erro resultante da própria alegação da recorrente na sua oposição e replicada na contestação (veja-se o artigo 100 da oposição e o artigo 103 da contestação) e cuja retificação nunca antes requereu. Anote-se que o mesmo erro foi cometido no artigo 101 da oposição e no artigo 104 da contestação. Esse erro ressalta da prova documental oferecida pela recorrente para instruir essas alegações e da imputação à autora de erro no dimensionamento da hélice. Porém, não é lícito afirmar, como faz a recorrente, que a recorrida confessou ter acordado que seria ela a calcular qual o tipo de hélices adequadas para a embarcação, através do preenchimento de uma ficha com os elementos necessários. De facto, o que a recorrida alegou nos artigos 53 e 54 da sua réplica é que o estudo e o cálculo das hélices é feito pela D... e com base nas informações prestadas pelo construtor da embarcação num formulário da D.... E a prova pessoal produzida na audiência final, seja com base no depoimento do representante legal da autora, Sr. HH, seja da testemunha BB, seja ainda com base no depoimento da testemunha AA corrobora a alegação da recorrida, razão pela qual o ponto 8 dos factos provados deve passar a ter a seguinte redação: - Foi acordado que seria a D... a calcular qual o tipo de hélices adequadas para a embarcação, através do preenchimento de uma ficha com os elementos necessários. No que respeita ao ponto 11 dos factos provados, a recorrente afirma que quanto à forma de montagem dos impulsores alegada na réplica, não teve oportunidade de responder[39], aduzindo factualidade que considera relevante e que, na sua perspetiva, além do mais resultou provada na audiência final com base em diversa prova pessoal que identifica. Como é sabido, um dos ónus que impende sobre o recorrente que impugna a decisão da matéria de facto é o de indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes. Este ónus visa o exercício de um contraditório esclarecido pela parte contrária e um controlo mais expedito da veracidade das alegações do recorrente por parte do tribunal. Ora, no caso em apreço, o recorrente limita-se a remeter em bloco para a totalidade dos depoimentos que invoca em abono da sua pretensão recursória sem cuidar de localizar na gravação os excertos que transcreve. Sublinhe-se que o depoimento da testemunha FF dura mais de duas horas, que o depoimento da testemunha EE dura uma hora e cinquenta minutos, que o depoimento da testemunha CC, que se divide em duas partes, tem a duração total de cerca de uma hora e cinco minutos e que o depoimento da testemunha GG tem a duração de quarenta e cinco minutos e trinta segundos. Neste contexto, com depoimentos muitos extensos[40] mais se impõe o escrupuloso cumprimento do ónus previsto na alínea a) do nº 2 do artigo 640º do Código de Processo Civil. Assim, visto o disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 640º do Código de Processo Civil rejeita-se a impugnação do ponto 11 dos factos provados. Vejamos agora a impugnação dos pontos 33 e 34 dos factos provados que a recorrente fundamenta, além do mais, em prova pessoal, limitando-se uma vez mais a remeter em bloco para a totalidade dos depoimentos que invoca em abono da sua pretensão recursória sem cuidar de localizar na gravação os excertos que transcreve. A recorrente pretende a introdução de adjetivos e advérbios nos factos dados como provados e relativamente a matéria que normalmente imporia a produção de prova pericial a fim de determinar o grau de oxidação e também, de forma inequívoca, as causas desse fenómeno químico. A nosso ver, à semelhança do que se concluiu relativamente ao ponto 11 dos factos provados a recorrente não observa o ónus previsto na alínea a) do nº 2 do artigo 640º do Código de Processo Civil. Assim, visto o disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 640º do Código de Processo Civil rejeita-se a impugnação dos pontos 33 e 34 dos factos provados. Ajuizemos agora a impugnação do ponto 39 dos factos provados. No que respeita este ponto de facto a recorrente pretende a sua alteração com base no depoimento da testemunha BB, limitando-se uma vez mais a remeter em bloco para a totalidade do depoimento que invoca em abono da sua pretensão recursória, sem cuidar de localizar na gravação os excertos que transcreve. A nosso ver, à semelhança do que se concluiu relativamente aos pontos 11, 33 e 34 dos factos provados, a recorrente não observa o ónus previsto na alínea a) do nº 2 do artigo 640º do Código de Processo Civil. Assim, visto o disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 640º do Código de Processo Civil rejeita-se a impugnação do ponto 39 dos factos provados. Ajuizemos agora a impugnação da alínea d) dos factos não provados. No que respeita esta matéria, a recorrente refere que não foi alegada pelas partes, que contém um juízo conclusivo e que, de todo o modo, inverte o ónus da prova no que respeita a causa dos alegados defeitos. Que dizer? A recorrente tem razão quer quanto à não alegação da matéria em causa, quer quanto à sua natureza valorativa e muito embora relativamente a um facto não provado tudo se passe como se não tivesse sido alegado, deve a mesma extirpar-se da factualidade não provada. Assim, em conclusão, procede parcialmente a impugnação da decisão da matéria de facto nos termos que precedem, rejeitando-se a impugnação dos pontos 11, 33, 34 e 39 dos factos provados por inobservância do ónus previsto na alínea a) do nº 2 do artigo 640º do Código de Processo Civil. 3.5 Fundamentos de facto decorrentes da ampliação da decisão da matéria de facto e bem assim da impugnação da mesma decisão nos termos expostos nos precedentes pontos deste acórdão 3.5.1 Factos provados 3.5.1.1 A autora A..., Lda. é uma sociedade comercial que se dedica à comercialização de equipamentos industriais e marítimos. 3.5.1.2 No âmbito dessa atividade, a autora procede à comercialização de equipamentos da marca D... e não dispõe de mão de obra para instalar tais produtos. 3.5.1.3 A ré B..., Unipessoal, Lda. é uma sociedade comercial que se dedica à reparação e alteração de embarcações, aluguer de embarcações incluindo embarcações de recreio, prestação de serviços de animação turística e marítimo-turística, transporte marítimo, de passageiros em zonas costeiras e não costeiras, organização de eventos culturais e desportivos associados a atividades recreativas, lazer e de teambuilding, desenvolvimento de atividades relacionadas com passeios e alojamento turísticos, fornecimento de alimentação associado aos serviços prestados, assessoria e consultoria em turismo e desporto náutico e outras atividades culturais e desportivas. 3.5.1.4 Entre 2017 e o início de 2018, o estaleiro C... iniciou a construção do protótipo de uma embarcação de fibra de vidro, de tipo catamarã, e investigou empresas que pudessem encomendar e entregar os equipamentos necessários, tendo verificado que a autora era, à data, comercializadora de equipamentos da marca D..., e, por isso, decidiu adquirir-lhe determinados equipamentos. 3.5.1.5 No âmbito da sua atividade comercial, a autora e o estaleiro C... acordaram que a primeira forneceria ao segundo diversos equipamentos, que se destinavam à construção de uma embarcação, mediante a respetiva encomenda e pagamento do preço. 3.5.1.6 A autora assumiu a obrigação de aconselhamento na escolha dos equipamentos e na transmissão das indicações técnicas do fabricante para a montagem dos equipamentos, tendo sido acordado que os bens fornecidos teriam uma garantia de três anos contra defeitos de fabrico. 3.5.1.7 A 13 de março de 2018, a autora elaborou e entregou ao estaleiro C... um orçamento, com a designação Proposta/ Offer n.º 135/2018, de onde constavam os seguintes produtos: CATAMARAN DE 15 Mts MOTORES PROPULSORES MARÍTIMOS: - Motor Propulsor D... VD4.120 + ZF45A – 244:1; Motor com caixa ZF45A, saída inclinada; Painel de instrumentos MPA34BS2, pág.103; 4 apoios flexíveis LMX140, pág. 49 FILTRO SEPARADOR DE GASÓLEO: - Filtro separador água-gasóleo D... 330VTEB COMANDO E CABOS: - Comando duplo inox D... RCTOP5G, montagem superior - Cabos baixa fricção D... CABLF75 de 7,5mts ALIMENTAÇÃO DE ÁGUA: - Tomada de água WCAP11/2 - Válvula M/E inox D... BV11/2 - Ponte escarvada D... SLP11/238 - Ponte escarvada D... SLP11/432 - Filtro de água D... FTR470/38 - Tubo de ligação D... DWHOSE38A - Tubo de ligação D... DWHOSE32A SISTEMA DE ESCAPE: - Panela de escape D... MGP102102 - Saída de escape D... TC100 - Tubo escape D... SLANG100 LINHA DE VEIOS: - Veio propulsor inox D... 40x1000, SA40/1000M com porca - Suplemento de veio D... 40x500, SA40/+ - Manga de poliéster D... BG40/0500 c/casquilho de borracha - Casquilho de bronze-borracha para a aranha D... RL4055 40X55X160 - Bucim D... ZWB40i - Acoplamento flexível D... BULFL1240, para veio 40 - Hélice D... P4E, 4 pás 22”[41] - Kit de refrigeração linha de veios 40 D... WCAPS1/2 3.5.1.8 A 16 de março de 2018, o estaleiro C... encomendou à autora os seguintes artigos, melhor descritos no escrito com a designação Proposta/ Offer n.º 143/2018: - Gerador: Gerador D... 14KVAS a 1500rpm ref. GLX14SIC, com caixa de insonorização. Tensão de 230V, monofásico, 50HZ. Inclui: painel local, painel de controlo remoto, cabo de interligação de 6mts, filtro de água, bomba de esgoto de cárter, kit de instalação de alimentação de água salgada e sistema de escape. - HÉLICE DE PROA: - Hélice de proa D... 75Kgf 24V; BOW7524D; Diâmetro do túnel: 185mm; peso: 30 kg; consumo em amperes: 280; tempo de operação em contínuo: 3 minutos; bateria recomendada: 2x150A - Painel D... c/ alavanca para hélice de proa com temporizador incorporado BPJE2 - Tubo de fibra de vidro D... 185x1500mm BP185G15 - Porta fusível D... ZEHC100 - Fusível D... 200A ZE200 - Interruptor de baterias 250 A D... BATSW250 - BATERIAS: SERVIÇO: - Bateria marítima D... 12V 200A VESMF200 ARRANQUE MOTORES PROPULSORES: - Bateria marítima D... 12V 105A VESMF105 ARRANQUE GERADOR: - Bateria marítima D... 12V 70A VESMF70 GUINCHO E ÂNCORA - Guincho de âncora D... RC12-11 de 1200W 90TDC CW, misto para corrente de 10mm e cabo de 16mm P104916 - Kit D... de 10mts de corrente de 10mm + 50m de cabo entrançado 16mm SP - Âncora MAXSET 25kg galvanizada P10504 DEPÓSITOS DE COMBUSTÍVEL: - Depósito Diesel D... 335 Lts ATANK335 - Depósito Diesel D... 390 Lts ATANK390 Nota: não inclui kit de montagem 3.5.1.9 Foi acordado que seria a D... a calcular qual o tipo de hélices adequadas para a embarcação, através do preenchimento de uma ficha com os elementos necessários. 3.5.1.10 Então, calculou que as hélices adequadas para a embarcação seriam hélices de 560mm de diâmetro. 3.5.1.11 A 14 de março de 2018, a autora, através do endereço de correio eletrónico ..., remeteu para o endereço ... o seguinte email: (…) Relativamente ao hélice estou a propor o hélice maior recomendado para este motor de 4 pás que mesmo assim se torna mais pequeno que o hélice de 3 pás, esta parte depois tem que se ver. Relativamente aos impulsores o técnico da D... Holanda recomenda somente a montagem de 2 unidades em proa, segundo ele é mais eficiente porque a ré podes controlá-la com os motores propulsores. Os fluxos de água têm de ser direcionados de acordo com o esquema em anexo.
3.5.1.12 A ré não procedeu à instalação dos impulsores conforme descrito em 10) [3.5.1.11]. 3.5.1.13 Informalmente, o Estaleiro C... e a ré comunicavam à autora a urgência na receção dos equipamentos encomendados, sem, contudo, procederem à entrega de um plano escrito de execução. 3.5.1.14 A 30/07/2018, foi emitida a fatura n.º FA2 2018/153, relativa aos motores propulsores marítimos, no valor de € 16 509,06, já com incidência de IVA, com o seguinte descritivo: valor de confirmação de 30% de € 44 740,00. 3.5.1.15 Por cheque datado de 27/08/2018, o Estaleiro C... efetuou o pagamento do valor descrito em 13) [3.5.1.14]. 3.5.1.16 A autora comunicou ao Estaleiro C... que os motores se encontravam disponíveis para levantamento nas suas instalações a 24/10/2018. 3.5.1.17 A 21/11/2018, a autora emitiu a fatura n.º 2018/218, referente ao remanescente do preço acordado dos motores, data em que o Estaleiro C... procedeu ao levantamento dos motores. 3.5.1.18 Apesar de a ré ter encomendado à autora o artigo manga de poliéster D... BG40/0500 c/casquilho de borracha, verificaram-se erros e atrasos na entrega do produto. 3.5.1.19 Depois de algumas tentativas de obtenção das mangas hélices inicialmente encomendadas, e devido à demora na sua aquisição, autora e ré acordaram que esta iria aplicar as mangas em bronze, o que exigiu o seu tratamento químico de modo a permitir uma correta adesão ao casco da embarcação. 3.5.1.20 Só após a integração dos motores no casco é possível, de modo mais eficiente, realizar todos os trabalhos necessários ao fecho do casco e, consequentemente, avançar com as obras assentes acima do convés. 3.5.1.21 Do documento escrito denominado Cessão de créditos e direitos, datado de 1 de agosto de 2020, consta o seguinte: II – Pressupostos d) A embarcação (…) foi vendida à Terceira Contratante (B... Unipessoal, Lda.) no dia 30/07/2020 pelo preço de € 179 046,00, ao qual acresceu o devido IVA, no montante de € 41 180,58, num valor global de € 220 226,58. III – Cláusulas Cláusula Primeira: (…) O Primeiro Contratante (FF) e o Segundo Contratante (DD) cedem gratuitamente à Terceira Contratante (B... Unipessoal, Lda.) todos os créditos e direitos decorrentes da compra e venda dos equipamentos instalados na embarcação referida no pressuposto b) do presente contrato. 3.5.1.22 Por conta do referido em 5) [3.5.1.5], a autora emitiu as seguintes faturas: a. Fatura n.º FA2 2020/121, emitida a 14/04/2020 e com vencimento na mesma data, no valor de € 529,54, já com incidência de IVA, referente aos seguintes produtos: adaptador para bomba; Racord curva D...; Painel controlo Águas residuais[42]; tomada água para veios; b. Fatura n.º FA2 2020/122, emitida a 14/04/2020 e com vencimento na mesma data, no valor de € 4 488,73, já com incidência de IVA, referente aos seguintes produtos: bateria marítima; bateria marítima; bateria; roda de leme; Passa-cascos[43]; Adaptador tubo; Válvula; Racord Curvo; c. Fatura n.º FA2 2020/133, emitida a 21/04/2020 e com vencimento na mesma data, no valor de € 119,97, já com incidência de IVA, referente aos seguintes produtos: Ponta escarvada; Ponta escarvada; Redução Bronze; Redução Bronze; Portes; d. Fatura n.º FA2 2020/146 emitida a 27/04/2020 e com vencimento na mesma data, no valor de € 270,98, já com incidência de IVA; e. Fatura n.º FA2 2020/224, emitida a 23/06/2020 e com vencimento na mesma data, no valor de € 170,24; f. Fatura n.º FA2 2020/251, emitida a 15/07/2020 e com vencimento na mesma data, no valor de € 155,48, referente aos seguintes produtos: Porta escova; Escova/pastilha de carvão) (descrição: Ponta escarvada; Ponta escarvada; Redução Bronze; Redução Bronze; Portes. 3.5.1.23 A ré procedeu ao pagamento das faturas referidas em 21) [3.5.1.22], alíneas d) e e). 3.5.1.24 A ré reclamou junto da autora acerca do deficiente funcionamento do painel de controlo de águas residuais, vertido na fatura referida em 21) [3.5.1.22], alínea a), tendo a autora comunicado à marca D..., que assumiu a substituição de tal equipamento no período de garantia. 3.5.1.25 Devido a esta anomalia, ocorre ocasionalmente a passagem de águas residuais para os cascos e consequente mau cheiro. 3.5.1.26 Em novembro de 2020, foi comunicado à ré que a peça estava disponível para levantamento nas instalações da autora, contudo, a ré não o fez, defendendo que a autora deve proceder à sua instalação. 3.5.1.27 A ré não adquiriu à autora mangueiras de alimentação de combustível. 3.5.1.28 A 29 de abril de 2020 foi efetuado o arranque dos motores em água, conforme sugerido pela autora. 3.5.1.29 Quando a ré procedeu ao arranque dos motores, estes trabalhavam, mas entravam em modo de segurança e não permitiam engatar o motor nem avante nem à ré, não sendo possível iniciar uma marcha autónoma. 3.5.1.30 Nesse dia, esteve presente um representante da marca D..., AA, que abandonou o local sem apontar qualquer solução para a avaria. 3.5.1.31 Posteriormente, a embarcação foi rebocada e ficou ancorada na marina da Associação Náutica .... 3.5.1.32 Após cerca de dois meses de paragem, a empresa E..., contratada pela marca D..., constatou que os cabos que ligavam os motores à centralina, fornecidos pela autora, não eram adequados aos motores, o que fazia com que não tivesse toda a informação necessária e os motores não funcionassem devidamente. 3.5.1.33 Verificou ainda que as válvulas dos turbos instalados nos motores não funcionavam. 3.5.1.34 Durante os testes da embarcação, ainda que a baixa rotação, os motores entravam em sobrecarga e desligavam-se ou entravam em modo de segurança. 3.5.1.35 O não funcionamento das válvulas dos turbos levava a que estes não entrassem em funcionamento, entrando os motores em sobrecarga, desligando-se ou entrando em modo de segurança. 3.5.1.36 Os referidos turbos foram substituídos após o lançamento da embarcação à água, em data que não se conseguiu precisar. 3.5.1.37 Depois de o gerador entrar em funcionamento, soava o alarme e no seu display apareciam mensagens de erros que não correspondiam aos que estavam enumerados no manual de instruções. 3.5.1.38 A ré comunicou à autora que depois de o gerador entrar em funcionamento, soava o alarme e no seu display apareciam mensagens de erros que não correspondiam aos que estavam enumerados no manual de instruções. 3.5.1.39 Após o decurso de um tempo não precisamente determinado, concluiu-se que o sensor da temperatura do escape do gerador estava avariado e provocava o disparo do alarme. 3.5.1.40 A embarcação apresenta oxidação nos suportes do motor e em componentes do gerador. 3.5.1.41 Os passa-cascos de entrada de água para os motores de propulsão, o gerador e de saída de água dos tanques, estão oxidados, assim como as tampas de inspeção dos tanques de água e gasóleo. 3.5.1.42 A oxidação verificada nalguns pontos dos materiais fornecidos pela autora resulta do contacto com ar salino e com a entrada de água salgada nos compartimentos dos motores. 3.5.1.43 As grelhas de ventilação instaladas na embarcação não foram encomendadas à autora. 3.5.1.44 A ré celebrou um contrato de exploração da embarcação com a empresa F... em julho de 2021. 3.5.1.45 O custo de aluguer diário deste tipo de embarcações situa-se entre os € 1 000,00 e os € 2 000,00. 3.5.1.46 O facto de a embarcação ter estado vários meses sem poder navegar foi motivo de comentários públicos. 3.5.1.47 No documento n.º 1 junto com o requerimento da autora de 22/04/2022, com a denominação “Fatura FA2 2019/90” foram apostas inscrições manuscritas, em data não concretamente apurada, mas depois da entrega da fatura original à ré, e por pessoa não concretamente apurada. 3.5.2 Factos não provados 3.5.2.1 A autora assumiu a obrigação de assistência técnica. 3.5.2.2 Foi acordado entre as partes que os motores seriam entregues em trinta dias, uma vez que existiam em stock na empresa D.... 3.5.2.3 O Estaleiro C... programou a instalação dos motores para julho de 2018, e informou a autora de tal prazo. 3.5.2.4 A autora não entregou os motores na data acordada. 3.5.2.5 A ré adquiriu dois adaptadores de 8mm e mangueiras novas, que tiveram um custo de cerca de € 700,00, o que implicou um atraso em 16 horas de trabalho. 3.5.2.6 Decorreram quatro meses até que a autora concluísse que o sensor da temperatura do escape do gerador estava avariado e provocava o disparo do alarme. 3.5.2.7 O gerador apresenta ruído superior aos decibéis anunciados pela marca, apesar de estar devidamente isolado. 3.5.2.8 Face a tal informação [ponto 3.5.1.10] o Estaleiro fez o alinhamento dos motores para aquele tipo de hélice. 3.5.2.9 No momento da entrega verificou-se que as hélices entregues não eram as hélices acordadas, mas sim hélices de uma dimensão inferior. 3.5.2.10 Após reclamação por parte do Estaleiro a autora disse que o diâmetro das hélices tinha sido compensado no passo e que deveriam ser instaladas as hélices entregues. 3.5.2.11 Após a embarcação entrar em funcionamento verificou-se que as hélices eram demasiado pequenas e não têm dimensão suficiente para impulsionar a embarcação. 3.5.2.12 Nomeadamente a embarcação não consegue alcançar a velocidade projetada de 17knt e apenas chega a 14knt. 3.5.2.13 Após reclamação da ré a autora propôs fazer um desconto nas hélices de substituição. 3.5.2.14 Os impulsores estão oxidados. 3.5.2.15 A caixa redutora do motor de estibordo faz ruído quando o motor é engrenado avante. 3.5.2.16 Os extratores de gases da casa das máquinas deixaram de funcionar. 3.5.2.17 Vários clientes que mostraram interesse inicial na construção de embarcações semelhantes nunca avançaram com propostas de construção por conta da atuação da autora. 4. Fundamentos de direito 4.1 Do contrato de fornecimento A recorrente pugna pela qualificação jurídica da relação estabelecida entre a autora e a ré como um contrato de fornecimento e não como uma multiplicidade de compras e vendas, como se concluiu na sentença recorrida. Na perspetiva da recorrente esta qualificação resultaria de a autora se ter vinculado a obrigações que vão para além da entrega de determinados bens contra o seu pagamento e da existência de uma finalidade unitária na prestação principal assumida pela autora face à antecessora da ré. Cumpre apreciar e decidir A compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa ou outro direito, mediante um preço (artigo 874º do Código Civil). Nesta fisionomia singela, o contrato de compra e venda é um contrato de execução instantânea. Ao invés, o contrato de fornecimento, apenas tipificado como tal no artigo 230º, 2º, do Código Comercial, assume a natureza de contrato de execução continuada[44]. No caso dos autos provou-se o seguinte: - No âmbito da sua atividade comercial, a autora e o estaleiro C... acordaram que a primeira forneceria ao segundo diversos equipamentos, que se destinavam à construção de uma embarcação, mediante a respetiva encomenda e pagamento do preço (ponto 3.5.1.5 dos factos provados); - A autora assumiu a obrigação de aconselhamento na escolha dos equipamentos e na transmissão das indicações técnicas do fabricante para a montagem dos equipamentos, tendo sido acordado que os bens fornecidos teriam uma garantia de três anos contra defeitos de fabrico (ponto 3.5.1.6 dos factos provados). Será esta factualidade bastante, como pretende a recorrente, para qualificar a relação negocial estabelecida entre as partes como um contrato de fornecimento? Não o cremos. Na realidade, dada a especificidade dos equipamentos fornecidos pela autora à antecessora da ré, os deveres de aconselhamento na escolha dos equipamentos e de transmissão das indicações técnicas do fabricante para a montagem dos equipamentos devem considerar-se deveres laterais emergentes do contrato celebrado entre as partes e, ainda que não tivessem sido expressamente clausulados, sempre se deveriam considerar decorrer das exigências do princípio da boa-fé (artigo 762º, nº 2, do Código Civil). Deste modo, a nosso ver, estes deveres em nada relevam para a qualificação jurídica do contrato como contrato de fornecimento. Decorre da factualidade provada que foram apresentadas duas propostas de venda e que dessas propostas a recorrente não adquiriu todos os bens aí orçamentados, aquisição que se foi sucedendo no tempo, certamente à medida da evolução da construção da embarcação, aquisições que foram sendo faturadas em função das diversas aquisições ocorridas e, nalguns casos, como sucedeu com os motores, com condições especiais de pagamento do preço e de entrega dos mesmos (vejam-se os factos provados em 3.5.1.14 e 3.5.1.17). Neste enquadramento factual, afigura-se-nos que a relação negocial estabelecida entre a autora e a antecessora da ré e com esta também deve ser qualificada como compra e venda, havendo tantas compras e vendas quantas as sucessivas entregas de equipamentos que se processaram ao longo do tempo. Não tem assim fundamento jurídico a pretensão da recorrente de que a referida relação negocial seja qualificada como um só contrato de fornecimento e, ao invés, deve manter-se a qualificação jurídica da sentença recorrida no sentido de ter sido celebrada uma pluralidade de compras e vendas. 4.2 Da responsabilidade da autora A recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida na parte em que descartou a responsabilidade da autora por variados defeitos em bens por si vendidos em virtude de, alegadamente, ser uma mera intermediária na aquisição dos equipamentos ao fabricante. Na sentença recorrida, sobre esta problemática escreveu-se, no essencial, o seguinte: “Compulsada a factualidade provada, concluímos que, apesar de resultar patente a existência de defeitos/ incorreções nos produtos (tanque de águas sujas; ruído do gerador; hélices subdimensionadas; oxidações), não resultou demonstrada qualquer conduta ilícita da autora na venda dos produtos. (…) No caso concreto, não se infere da factualidade assente que incumbe à autora o ressarcimento pelos eventuais prejuízos suportados pela ré, porquanto a autora é uma intermediária na aquisição dos equipamentos à marca fabricante, devendo a ré seguir as instruções de montagem desta (sendo a autora totalmente alheia a questões técnicas). Por isso, não é possível à ré opor à autora a exceção do não cumprimento do contrato e assim, recusar o pagamento das faturas em questão. Ainda no âmbito da demanda reconvencional, a ré peticiona a condenação da autora no ressarcimento dos danos patrimoniais já sofridos com o atraso na construção da embarcação e sua imobilização, bem como os danos que vier a sofrer pela imobilização necessária à realização das reparações descritas, a liquidar em execução de sentença, acrescidos de juros de mora à taxa legal comercial em vigor, vencidos e vincendos e danos não patrimoniais sofridos, que cifra em 20.000,00€, acrescidos de juros de mora à taxa legal comercial em vigor. Em face do raciocínio probatório supra expendido, inexiste um qualquer facto provado que permita concluir pela responsabilidade da autora, com a consequente imposição do pagamento de qualquer quantia pecuniária, a título compensatório, por ressarcimento de danos não patrimoniais, desde logo porque não poderá ser assacada à autora a responsabilidade pela causação de qualquer defeito. Nesta medida, falece integralmente o pedido reconvencional deduzido contra a autora.” Cumpre apreciar e decidir. Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 913º do Código Civil, “[s]e a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes.” “Quando do contrato não resulte o fim não resulte o fim a que a coisa vendida se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria” (nº 2 do artigo 913º do Código Civil). “O comprador tem o direito de exigir do vendedor a reparação da coisa ou, se for necessário e este tiver natureza fungível, a substituição dela; mas esta obrigação não existe, se o vendedor desconhecia sem culpa o vício ou a falta de qualidade de que a coisa padece” (artigo 914º do Código Civil). A nosso ver, a autora foi a vendedora dos produtos e, não obstante não ser a fabricante de tais produtos, responde pelos defeitos que os mesmos venham a apresentar, podendo em via de regresso fazer repercutir no fabricante a responsabilidade que lhe venha a ser assacada tendo ao seu dispor para tanto, ao nível adjetivo, o incidente de intervenção de terceiros regulado nos artigos 321º a 324º do Código de Processo Civil[45]. Deste modo, a circunstância de a autora estar a comercializar equipamentos que não são por si fabricados (vejam-se os factos provados sob os nºs 3.5.1.2 e 3.5.1.4 ), não lhe retira a qualidade de vendedora dos mesmos, nem a exonera da responsabilidade pelas eventuais patologias que se venham a manifestar em tais negócios e pelas quais o vendedor deva responder. Neste ponto, diverge-se da sentença recorrida, cumprindo prosseguir na análise do caso, aferindo do preenchimento dos pressupostos da exceção material dilatória de não cumprimento do contrato e bem assim conhecendo das pretensões reconvencionais formuladas pela recorrente. 4.3 Da exceção de não cumprimento A recorrente pugna pela revogação da sentença recorrida na parte em que julgou improcedente a exceção de não cumprimento do contrato e pela consequente improcedência total da ação pois que resulta da factualidade provada que os bens vendidos pela recorrida não têm as qualidades necessárias ao fim a que se destinam (remete para os pontos 23, 24, 33 e 34 dos factos provados que correspondem aos fundamentos de facto deste acórdão com os nºs 3.5.1.24, 3.5.1.25, 3.5.1.40 e 3.5.1.41), recusando-se a recorrida a proceder à reparação ou substituição dos mesmos. Cumpre apreciar e decidir. De acordo com o disposto no nº 1 do artigo 428º do Código Civil, se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efetuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo. Trata-se de um instrumento que visa a preservação do sinalagma contratual, ainda que isso não seja tão evidente nos casos de incumprimento defeituoso. Tem-se entendido que a exceção de não cumprimento do contrato é invocável também nos casos de incumprimento parcial, desde que não esteja em causa um incumprimento de escassa importância (veja-se o nº 2 do artigo 802º do Código Civil) e bem assim nos casos de incumprimento defeituoso[46]. A regra da boa-fé rege a conduta negocial dos contraentes (artigo 762º, º 2, do Código Civil) e, além do mais, envolve uma ideia de proporcionalidade no uso dos meios de tutela. Também a exceção de não cumprimento do contrato está subordinada ao requisito da proporcionalidade no seu uso quando esteja em causa um incumprimento parcial ou um cumprimento defeituoso[47], como alegadamente se verifica no caso dos autos. Na hipótese em apreço, no que respeita a patologias dos bens vendidos pela autora à ré provou-se o seguinte: - A ré reclamou junto da autora acerca do deficiente funcionamento do painel de controlo de águas residuais[48], vertido na fatura referida em 21) [3.5.1.22], alínea a), tendo a autora comunicado à marca D..., que assumiu a substituição de tal equipamento no período de garantia (ponto 3.5.1.24 dos factos provados); - Devido a esta anomalia, ocorre ocasionalmente a passagem de águas residuais para os cascos e consequente mau cheiro (ponto 3.5.1.25 dos factos provados); - Em novembro de 2020, foi comunicado à ré que a peça estava disponível para levantamento nas instalações da autora, contudo, a ré não o fez, defendendo que a autora deve proceder à sua instalação (ponto 3.5.1.26 dos factos provados); - A embarcação apresenta oxidação nos suportes do motor e em componentes do gerador (ponto 3.5.1.40 dos factos provados); - Os passa-cascos de entrada de água para os motores de propulsão, o gerador e de saída de água dos tanques, estão oxidados, assim como as tampas de inspeção dos tanques de água e gasóleo (ponto 3.5.1.41 dos factos provados); - A oxidação verificada nalguns pontos dos materiais fornecidos pela autora resulta do contacto com ar salino e com a entrada de água salgada nos compartimentos dos motores (ponto 3.5.1.42 dos factos provados). Dada a qualificação da relação negocial estabelecida entre as partes como uma pluralidade de compras e vendas, cremos que a exceção de não cumprimento apenas poderá operar relativamente a cada uma das compras e venda em que ocorreu a entrega de bem que possa ser qualificado como defeituoso[49]. Atenta a factualidade provada, no que respeita ao painel de controlo das águas residuais, vistas as consequências do seu “funcionamento”, pode concluir-se que o painel vendido pela autora à ré não obedece àquilo que se espera de um tal artefacto, pois que, ainda que pontualmente, permite a passagem de águas residuais para o casco da embarcação, provocando maus cheiros, devendo por isso considerar-se uma coisa defeituosa. Este equipamento foi incluído na Fatura n.º FA2 2020/121, emitida a 14 de abril de 2020 e com vencimento na mesma data, no valor de € 529,54, já com incidência de IVA, referente aos seguintes produtos: adaptador para bomba; Racord curva D...; Painel controlo Águas residuais[50]; tomada água para veios. Por força da regra da proporcionalidade no exercício da exceção de não cumprimento, afigura-se-nos que a mesma só poderia operar relativamente ao custo do equipamento defeituoso, com IVA incluído, ou seja, relativamente ao montante de € € 276,75. Porém, provou-se que: - Em novembro de 2020, foi comunicado à ré que a peça estava disponível para levantamento nas instalações da autora, contudo, a ré não o fez, defendendo que a autora deve proceder à sua instalação (ponto 3.5.1.26 dos factos provados). A nosso ver, tendo a autora colocado à disposição da ré um painel de controlo de águas residuais para substituição do que está instalado na embarcação da ré, não competindo à autora, no quadro de um contrato de compra e venda, a instalação de equipamentos vendidos e não sendo suscitada a questão do lugar de cumprimento da obrigação, conclui-se que a ré se constituiu em mora ao não ir receber a peça de substituição, não podendo por isso recusar-se a cumprir pois que lhe foi oferecido o cumprimento pela parte contrária. Vejamos agora a possibilidade de invocação da exceção de não cumprimento relativamente aos bens que se apresentam oxidados. Analisando a factualidade provada constata-se que dos bens cujo pagamento do preço foi nestes autos exigido pela autora e que a ré se recusa a pagar apenas os passa-cascos[51] vêm referenciados na Fatura n.º FA2 2020/122, emitida a 14/04/2020 e com vencimento na mesma data, no valor de € 4 488,73, já com incidência de IVA. Nessa fatura, referem-se quatro passa-cascos, ao preço unitário de € 32,32 e no valor global de € 129,28, sem IVA e de € 159,01, IVA incluído. Porém, provou-se que a oxidação verificada nalguns pontos dos materiais fornecidos pela autora resulta do contacto com ar salino e da entrada de água salgada nos compartimentos dos motores (ponto 3.5.1.42 dos factos provados). Significa isto que os aludidos passa-cascos não se devem considerar defeituosos pois a oxidação é um processo natural e particularmente acelerado em zonas próximas do mar se não forem tomadas as necessárias medidas de proteção? A nosso ver, para uma resposta ponderada a esta questão há que ter em atenção, em primeiro lugar, qual é a função concreta desempenhada pelo referido elemento que manifesta oxidação. Ora, no que respeita esta função provou-se que os aludidos passa-cascos servem de entrada de água para os motores de propulsão, o gerador e de saída de água dos tanques. Assim, estando os passa-cascos em contacto direto com a água devem ter uma particular resistência química a tal elemento, sob pena de não poderem desempenhar eficazmente a sua função normal (veja-se o nº 2 do artigo 913º do Código Civil). No caso, importa ainda relevar que são peças que foram fornecidas em 14 de abril de 2020, pouco mais de um ano antes da propositura da ação. Assim, tudo sopesado, os quatro passa-cascos referenciados na Fatura n.º FA2 2020/122, emitida a 14/04/2020 e com vencimento na mesma data, ao preço unitário de € 32,32 e no valor global de € 129,28, sem IVA e de € 159,01, IVA incluído, devem qualificar-se como coisas defeituosas. Por isso, assiste à recorrente o direito a recusar-se a pagar à autora o montante de € 159,01 da aludida fatura e até que os referidos quatro passa-cascos sejam substituídos pela vendedora. A questão que agora se coloca é a de saber qual é a repercussão concreta da procedência parcial da exceção dilatória de não cumprimento na decisão condenatória da ré B..., Unipessoal, Lda. a pagar à autora A..., Lda. a quantia de € 5.293,72 (cinco mil, duzentos e noventa e três euros e setenta e dois cents), acrescida dos respetivos juros de mora vencidos, à taxa comercial, contados desde as datas de vencimento de cada uma das faturas referidas no facto provado n.º21, alíneas a), b), c), f), e dos vincendos, até efetivo e integral pagamento. Deve a ré ser absolvida do pedido no que respeita ao montante do preço dos quatro passa-cascos ou, pelo contrário, deve manter-se a condenação da ré deduzida do montante do referido preço e deve a ré ser condenada a pagar o preço dos quatro passa-cascos logo que a vendedora substitua as referidas peças? A nosso ver, admitir uma condenação como aquela que se acaba de enunciar é admitir uma sentença condicional, de eficácia meramente eventual e que só aparentemente resolve um problema, porquanto, em bom rigor, nos casos em que uma tal decisão condicional venha a ser dada à execução, ao menos nos casos de incumprimentos defeituosos de extensão apreciável, é grande a probabilidade do litígio entre as partes se reacender, em sede de embargos à ação executiva. Não se desconhece a distinção doutrinal entre a “sentença de condenação condicional, em que condicionado é o direito reconhecido na sentença, com as sentenças condicionais em que a incerteza recai sobre o sentido da própria decisão e que, em princípio, não são admitidas no nosso sistema”[52]. Para admitir a prolação de sentença de condenação condicional em que é o direito reconhecido na sentença que é condicionado invocava-se o disposto no artigo 662º do anterior Código de Processo Civil, a que corresponde, atualmente, sem outras alterações que não as derivadas do novo acordo ortográfico, o artigo 610º do vigente Código de Processo Civil, aplicável diretamente, por identidade de razão, ou por analogia[53]. Porém, salvo melhor opinião, cremos que o preceito processual citado não pode servir de arrimo às referidas posições doutrinais. Embora o normativo se refira à inexigibilidade da obrigação, a situação nele contemplada respeita à inexigibilidade decorrente da falta de vencimento da obrigação. Assim, está em causa o decurso do tempo que é algo de verificável objetivamente, ao contrário da inexigibilidade decorrente da invocação da exceção de não cumprimento por força de um cumprimento defeituoso. A fase de eliminação dos defeitos invocados é ela própria uma fase potencialmente litigiosa, pelo que não se apresenta com a certeza inerente ao decurso do tempo ou à interpelação e que justificam o regime excecional do artigo 662º do anterior Código de Processo Civil, atualmente, do artigo 610º do Código de Processo Civil. Pela nossa parte, doutrinalmente, na senda de A. Von Thur[54], de Alberto dos Reis[55] e de Miguel Mesquita[56] e jurisprudencialmente apoiados nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de março de 2006, proferido no processo nº 06A415 e no acórdão de 31 de janeiro de 2007, proferido no processo nº 06A4145, ambos acessíveis no site da DGSI, afigura-se-nos que o artigo 610º do Código de Processo Civil não é aplicável, nem sequer por analogia, pelas razões acima enunciadas, pelo que a procedência da exceção de não cumprimento do contrato conduz a uma absolvição do pedido, embora essa absolvição tenha uma projeção restrita, na medida em que superado o obstáculo que determinou a procedência da exceção, poderá o titular do crédito cujo exercício foi paralisado obter a satisfação do mesmo, se necessário, por via coerciva, usando para tanto os meios declarativos. Pelas razões que se acabam de enunciar, a procedência parcial da exceção dilatória de não cumprimento deduzida pela recorrente determina a improcedência parcial da ação e, em consequência, deve a recorrente ser condenada a pagar à recorrida a quantia global de € 5 134,72, acrescida dos juros vencidos e vincendos contados à taxa supletiva para os créditos comerciais sobre o montante de € 4 859,26 desde 14 de abril de 2020 até 21 de abril de 2020, sobre o montante de € 4 979,23 desde 22 de abril de 2020 até 15 de julho de 2020 e sobre o montante de € 5 134,72 desde 16 de julho de 2020 até efetivo e integral pagamento. 4.4 Dos pedidos reconvencionais de substituição, reparação e de indemnização A recorrente pugna pela revogação da sentença recorrida na parte em que julgou totalmente improcedente a reconvenção por si deduzida, seja com base nos factos já dados como provados, seja ainda com base na procedência da impugnação da decisão da matéria de facto por si deduzida. Recorde-se que em sede reconvencional a ora recorrente formulou os seguintes pedidos: “a) Reconhecer-se o incumprimento do contrato de fornecimento; b) Condenando-se a Requerente a: i. Reparar o tanque de águas sujas; ii. Reparar o ruído do gerador; iii. Trocar as hélices fornecidas pelas hélices adequadas segundo o estudo previamente realizado; iv. Trocar os impulsores por impulsores com capacidade adequada para mover a embarcação; v. Substituir os suportes dos motores; vi. Substituir os componentes do gerador oxidados, nomeadamente nos apoios e caixa; vii. Substituir as bombas hidráulicas de apoio à direcção dos lemes; viii. Reparar o ruído da caixa de velocidades do motor de EB; ix. Substituir os passas cascos de entrada de água para os motores de propulsão, o gerador e de saída de água dos tanques que apresentam elevado estado de oxidação; x. Substituir as tampas de inspeção dos tanques de água e gasóleo que apresentam um elevado grau de degradação por corrosão; xi. Substituir os extratores de gases da casa das máquinas. c) Condenando-se a Requerente a: i. Indemnizar a Requerida pelos danos patrimoniais já sofridos com o atraso na construção da embarcação e sua imobilização, bem como os danos que vier a sofrer pela imobilização necessária à realização das reparações peticionadas em b), a liquidar em execução de sentença, acrescidos de juros de mora à taxa legal comercial em vigor, contados desde a data da notificação da presente reconvenção até ao seu pagamento efectivo; e ii. Indemnizar a Requerida pelos danos não patrimoniais sofridos, no valor de 20.000,00€, acrescidos de juros de mora à taxa legal comercial em vigor, contados desde a data da notificação da presente reconvenção até ao seu pagamento efectivo.” Na decisão recorrida julgou-se totalmente improcedente o pedido reconvencional pelas mesmas razões por que se julgou improcedente a exceção de não cumprimento do contrato. Cumpre apreciar e decidir. A pretensão reconvencional de reparação e substituição deduzida pela recorrente tem por pressuposto da prova das diversas patologias que invocou para fundamentar tais pedidos. Ora, relativamente ao tanque de águas sujas, quando se analisou a exceção de não cumprimento do contrato, concluiu-se que tendo a autora colocado à disposição da ré um painel de controlo de águas residuais para substituição do que está instalado na embarcação da ré, não competindo à autora, no quadro de um contrato de compra e venda, a instalação de equipamentos vendidos e não sendo suscitada a questão do lugar de cumprimento da obrigação, conclui-se que a ré se constituiu em mora ao não ir receber a peça de substituição, não podendo por isso recusar-se a cumprir pois que lhe foi oferecido o cumprimento pela parte contrária. Neste contexto, não tem a recorrente direito a obter a condenação da autora à reparação do tanque de águas sujas, pois do que se trata é da substituição do painel de controlo de águas residuais, painel que a recorrida colocou a disposição da ora recorrente e que esta não levantou por entender que deve ser a parte contrária à proceder à sua aplicação. Ora, estando em causa a substituição de um equipamento que foi vendido pela recorrida e montado pela recorrente, é a esta que compete a montagem do equipamento oferecido pela vendedora em substituição do que se achava avariado. Pelo exposto, improcede este pedido reconvencional. No que respeita ao ruído do gerador, atenta a factualidade não provada constante do ponto 3.5.2.7 dos factos não provados, esta patologia não se provou pelo que também nesta parte improcede este segmento do pedido reconvencional. Quanto aos pedidos de substituição das hélices e dos impulsores, atenta a factualidade provada constante dos pontos 3.5.1.10 e 3.5.1.11 e não provada constante dos pontos 3.5.2.8 a 3.5.2.14, estas patologias não se provaram, provando-se pelo contrário, relativamente aos impulsores, que foram montados pela recorrente com desrespeito das instruções de montagem do fabricante, pelo que também nestes segmentos improcede o pedido reconvencional. Vejamos agora os pedidos relativos à substituição dos suportes do motor, dos componentes do gerador oxidados e das tampas de inspeção dos tanques de água e de gasóleo (pretensões reconvencionais deduzidas em quinto, sexto e décimo lugar). Atenta a factualidade provada nos pontos 3.5.1.40 a 3.5.1.42, conclui-se que as oxidações verificadas nesses equipamentos têm causa num indevido acondicionamento dos mesmos, pois que, no espaço em que se acham, estão sujeitos à entrada da água salgada nos compartimentos dos motores. Pelo exposto, improcedem estas pretensões reconvencionais. Vejamos agora a pretensão reconvencional deduzida pela recorrente em sétimo lugar. Quando se procedeu ao conhecimento da pretensão recursória de ampliação da decisão da matéria de facto, no que respeita à problemática que motiva este pedido reconvencional, escreveu-se que relativamente às bombas hidráulicas de apoio aos lemes, a ora recorrente limitou-se a alegar conclusivamente na sua contestação que tal equipamento não funciona corretamente, abstendo-se de especificar concretamente como devem funcionar essas bombas e o que concretamente se verifica no que respeita esse equipamento em desvio ao funcionamento correto e que por isso, essa matéria, dada a sua natureza conclusiva, não tinha idoneidade para poder ser objeto de prova e especialmente quando nem sequer foi oportunamente requerida prova pericial. Neste contexto fáctico em que nada se provou relativamente às bombas hidráulicas de apoio aos lemes, forçosa é a conclusão de improcedência da pretensão reconvencional deduzida pela recorrente em sétimo lugar. Apreciemos agora o pedido reconvencional deduzido em oitavo lugar. No que respeita esta pretensão, vista a factualidade não provada constante do ponto 3.5.2.15, forçosa é a conclusão que a mesma improcede. Debrucemo-nos agora sobre o pedido reconvencional deduzido em nono lugar e referente aos passa-cascos. Quanto a esta pretensão reconvencional de substituição dos passa-cascos, atendendo aos fundamentos aduzidos para sustentar a procedência da exceção de não cumprimento do contrato relativamente a tais peças, é forçosa a conclusão de que a ora recorrente tem o direito subjetivo a exigir da recorrida a sua substituição, estando obrigada ao pagamento desses bens logo que ocorra essa substituição, pois que nesse momento deixa de ser lícita a recusa do pagamento do preço desses artigos. Pelo exposto, procede a nona pretensão reconvencional. Vejamos agora a décima primeira pretensão reconvencional relativa à substituição dos extratores de gases na casa das máquinas. Face à factualidade não provada constante do ponto 3.5.2.16 dos fundamentos de facto deste acórdão, esta pretensão reconvencional improcede. Resta apreciar as pretensões indemnizatórias a título de danos não patrimoniais e não patrimoniais formulados pela ora recorrente. A pretensão indemnizatória por danos não patrimoniais assenta nos prejuízos “já sofridos com o atraso na construção da embarcação e sua imobilização, bem como os danos que vier a sofrer pela imobilização necessária à realização das reparações peticionadas em b), a liquidar em execução de sentença”. No que respeita aos danos patrimoniais a liquidar ulteriormente e derivados da imobilização da embarcação para realização das reparações antes peticionadas, apenas procedeu o pedido de substituição dos passa-cascos, não havendo qualquer factualidade provada que indique o tempo necessário a tal operação e bem assim se a mesma implica necessariamente a imobilização da embarcação. Por isso, a pretensão reconvencional indemnizatória ilíquida improcede. Vejamos agora a pretensão indemnizatória da recorrente pelos atrasos na construção da embarcação decorrentes da conduta da autora. Da factualidade provada não resulta que tenham sido acordados prazos entre as partes para entrega dos diversos equipamentos e pelo contrário provou-se que informalmente, o Estaleiro C... e a ré comunicavam à autora a urgência na receção dos equipamentos encomendados, sem, contudo, procederem à entrega de um plano escrito de execução (ponto 3.5.1.13 dos factos provados). Além do não estabelecimento de prazos, não existe sequer uma interpelação formal da autora por parte da ré no sentido de abreviar as entregas. Importa ainda ponderar que a embarcação da ré era um protótipo (ponto 3.5.1.4 dos factos provados), razão pela qual certamente haveria alguma margem de incerteza quanto ao tempo necessário para a sua execução. Neste contexto factual, improcede necessariamente esta pretensão indemnizatória pois nem sequer existe uma conduta ilícita da autora já que as suas obrigações eram puras, não lhe podendo ser por isso assacada qualquer responsabilidade pelo alegado atraso na conclusão da construção da embarcação. Finalmente, debrucemo-nos sobre a pretensão reconvencional da recorrente de condenação da autora ao pagamento de uma compensação por danos não patrimoniais. No que respeita esta pretensão e com atinência à mesma apenas se provou que o facto de a embarcação ter estado vários meses sem poder navegar foi motivo de comentários públicos (ponto 3.5.1.46 dos factos provados). Será isto bastante para concluir que a recorrente sofreu danos não patrimoniais, nomeadamente na sua reputação? Além disso, como se referiu a propósito dos danos patrimoniais, não existe sequer uma conduta ilícita da recorrida pois não foi estabelecido qualquer prazo para entrega dos equipamentos e nem a autora foi interpelada para o fazer em prazo certo. Esta omissão de fixação de prazo não será certamente alheia ao facto de as entregas de equipamentos pela autora estar na dependência da prévia entrega dos mesmos bens pela D..., facto que era do conhecimento do construtor da embarcação (ponto 3.5.1.4 dos factos provados). Assim, face ao exposto, improcede também esta pretensão de compensação por danos não patrimoniais formulada pela recorrente. Pelo exposto, o recurso procede parcialmente, sendo as custas do recurso e da ação a cargo de cada uma das partes, na exata proporção do decaimento, pois que ambas decaíram, fixando-se a proporção do decaimento da ré e recorrente em 99,5% e da autora e recorrida em 0,5%.
5. Dispositivo Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto por B..., Unipessoal, Lda. ampliando-se a decisão da matéria de factos nos termos antes enunciados e, na revogação parcial da sentença recorrida proferida em 20 de abril de 2023, nos segmentos impugnados, decidem o seguinte: a) julgar parcialmente procedente a exceção material dilatória de não cumprimento do contrato deduzida pela recorrente no que respeita aos quatro passa-cascos no valor de cento e cinquenta e nove euros e um cent e, consequentemente, julgar lícita a recusa de pagamento da aludida quantia incluída na Fatura n.º FA2 2020/122 de 14 de abril de 2020, emitida por A..., Lda., enquanto não forem entregues outros tantos passa-cascos em substituição dos que foram faturados e entregues; b) julgar parcialmente procedente a ação e, em consequência, condenar B..., Unipessoal, Lda. a pagar à A..., Lda. a quantia global de cinco mil cento e trinta e quatro euros e setenta e dois cents, acrescida dos juros vencidos e vincendos contados à taxa supletiva para os créditos comerciais sobre o montante de quatro mil oitocentos e cinquenta e nove euros e vinte e seis cents desde 14 de abril de 2020 até 21 de abril de 2020, sobre o montante de quatro mil novecentos e setenta e nove euros e vinte e três cents desde 22 de abril de 2020 até 15 de julho de 2020 e sobre o montante de cinco mil cento e trinta e quatro euros e setenta e dois cents desde 16 de julho de 2020 até efetivo e integral pagamento, absolvendo-se a B..., Unipessoal, Lda. do pedido relativamente ao demais peticionado pela A..., Lda.; c) julgar parcialmente procedente por provada a reconvenção deduzida por B..., Unipessoal, Lda. e, em consequência, condena-se a ré A..., Lda. a entregar à B..., Unipessoal, Lda. quatro passa-cascos em substituição dos quatro passa-cascos D... Bronze G11/2 THRUB11/2 referenciados na Fatura n.º FA2 2020/122 de 14 de abril de 2020, absolvendo-se a A..., Lda. dos demais pedidos reconvencionais formulados por B..., Unipessoal, Lda.; d) Custas do recurso e da ação a cargo de B..., Unipessoal, Lda. e de A..., Lda., na exata proporção do decaimento, fixando-se a proporção do decaimento de B..., Unipessoal, Lda em 99,5% e da A... em 0,5%, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso. *** O presente acórdão compõe-se de noventa e duas páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário. 2 Porto, 04 de março de 2023 Carlos Gil Miguel Baldaia de Morais Eugénia Cunha _________________________ [1] Segue-se, com alterações, o relatório da decisão recorrida. [2] Notificado mediante expediente eletrónico elaborado em 28 de setembro de 2021. [3] Notificada às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 21 de abril de 2023. [4] Notificado mediante expediente eletrónico elaborado em 30 de maio de 2023. [5] O Sr. Juiz Conselheiro António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina 2017-4ª Edição, páginas 24 a 26, criticava a corrente que admitia a arguição de nulidade em via de recurso em casos de alegada decisão implícita por ser um critério rodeado de excessiva incerteza na definição dos exatos contornos da figura, optando antes por enquadrar tais casos na figura da nulidade da decisão por omissão de pronúncia. [6] A este propósito veja-se o Comentário ao Código de Processo Civil do Sr. Professor José Alberto dos Reis, Volume 2º, Coimbra Editora 1945, página 507. [7] Procedendo deste modo, a recorrente desperdiçou logo uma semana. [8] Repare-se que não foi feito qualquer requerimento ao processo através do sistema Citius, o que é compreensível porque não estava em causa qualquer solicitação que implicasse a prolação de despacho judicial. [9] Desconhece-se se este requerimento foi entregue em mão ou se chegou por via postal. [10] Ao optar pela remessa por via postal em vez de procurar obter as gravações em mão, a recorrente sujeitou-se às contingências do serviço postal, nomeadamente a demora na entrega ou até o extravio. [11] Princípio consagrado no artigo 7º do Código de Processo Civil e que, literalmente, não abarca os oficiais de justiça. [12] Entendendo-se que está em causa um poder discricionário (assim veja-se Código de Processo Civil Anotado, 3ª Edição, Volume 3º, Almedina 2022, José Lebre de Freitas, Armando [aliás Armindo] Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, páginas 41 e 42, anotação 4 ao artigo 630º do Código de Processo Civil), a decisão que o tribunal tome na sequência da sugestão que a parte formule no sentido da conveniência de o julgador ser assistido por técnico na audiência final poderá ainda assim ser sindicável com fundamento em uso ilegal desse poder discricionário. [13] No caso de se realizar inspeção judicial, o tribunal pode fazer-se acompanhar de pessoa que tenha competência para o elucidar sobre a averiguação e interpretação dos factos que se propõe observar (veja-se o nº 1 do artigo 492º do Código de Processo Civil). [14] Sobre esta matéria vejam-se, Recursos em Processo Civil, 7ª Edição Atualizada, Almedina 2022, António Santos Abrantes Geraldes, páginas 139 a 142, anotação 5 ao artigo 635º do Código de Processo Civil; Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª edição, Almedina 2009, Fernando Amâncio Ferreira, páginas 153 a 158. [15] O conteúdo destes artigos da contestação aperfeiçoada é o seguinte: “20º. Obrigou-se ainda a Autora a prestar os necessários serviços de aconselhamento na escolha e montagem de equipamentos, bem como de assistência técnica.”; “21º. Foi acordado que os bens fornecidos teriam uma garantia de três anos, conforme doc. 1 junto”. [16] A recorrente ora se refere à oposição, ora alude à contestação, não atentando que a numeração destes dois articulados não é igual. O conteúdo destes artigos, alegadamente da contestação, são de facto da oposição e correspondem aos artigos 44 a 51 da contestação com o seguinte teor: “44º. Aquando da encomenda dos motores, por recomendação da Autora, foi encomendado o motor bem como todos os acessórios de alimentação do motor, nomeadamente tanques de combustível, pré-filtros e mangueiras de alimentação, conforme doc. 2 e 3 juntos.”; “45º. Estes equipamentos são instalados, um em cada casco da embarcação, ligando, com uma das referidas mangueiras o tanque de combustível ao pré-filtro e com outra o pré-filtro a cada um dos motores.”; “46º. Ora, é pressuposto que os cones de ligação das entradas e saídas destes equipamentos tenham todos as mesmas dimensões, sob pena de não ser possível usar as mangueiras.”; “47º. No caso concreto era suposto que todas as entradas e saídas estivessem adaptadas a mangueiras de 10mm.”; “48º. No entanto, verificou-se que a saída do tanque de combustível era de 8mm, pelo que era impossível ligar as mangueiras entregues.”; “49º. Ora quando confrontada com tal facto a Autora não só disse ao Estaleiro que este teria que procurar uma solução, como não aceitou a devolução das referidas mangueiras.”; “50º. Face à posição da Autora não só o Estaleiro teve que construir dois adaptadores de 8mm para o pré-filtros, como teve que comprar mangueiras novas, as quais tiveram um custo de cerca de 700,00€.”; “51º. Ora, estes factos acarretaram um atraso na construção que se estima em 16h de trabalho.” [17] O conteúdo destes artigos da contestação aperfeiçoada é o seguinte: “52º. Em Março de 2018 o Estaleiro encomendou à Autora duas mangas de poliéster D... BG40/0500c/casquilho de borracha, conforme docs. 2 e 3 juntos.”; “53º. Estas mangas são as peças que fazem a passagem dos veios das hélices pelo casco, permitindo que estes rodem sem entrar água para o casco e evitando vibrações.”; “54º. Em Fevereiro de 2019 a Ré entregou ao Estaleiro duas mangas, que não correspondiam às mangas encomendadas porquanto, em vez poliéster, as referidas mangas eram de bronze.”; “55º. Ora, as mangas entregues não eram adequadas ao fim visado, dado que era muito mais difícil laminá-las no casco de fibra de vidro, porquanto a resina de poliéster não adere ao bronze.”; “56º. Face às múltiplas reclamações do Estaleiro, a Autora comprometeu-se a entregar as mangas na última semana de Julho de 2019, conforme doc. 9 que se junta e se dá como reproduzido”; “57º. No dia 29/07/2019, o Estaleiro interpelou a Autora por carta para entregar as referidas mangas, conforme doc. 10 que se junta e se dá como reproduzido.”; “58º. Em Setembro de 2019 a Autora disse que não conseguiria entregar as mangas encomendadas pelo Estaleiro e que este teria que proceder à instalação das referidas mangas de bronze.”; “59º. Ora, esta actuação da Autora atrasou a construção da embarcação, na medida em que, sem as referidas mangas, não era possível proceder ao alinhamento dos motores, não era possível proceder à laminação das mangas, não era possível proceder à pintura final da embarcação, bem como a aplicação do tratamento anti osmose.”; “60º. A isto acresce que a aplicação das mangas de bronze implicou fazer um tratamento com jato de areia e um tratamento químico às mangas de bronze para poder aderir as mangas à resina de poliéster do casco.”; “61º. Tais factos implicaram um trabalho acrescido, o qual, não sendo extactamente determinável, se estima em cerca de 40h de trabalho.” [18] O conteúdo destes artigos da contestação aperfeiçoada é o seguinte: “62º. No âmbito do contrato suprarreferido o Estaleiro encomendou à Autora um tanque de águas sujas para a embarcação, conforme docs. 2 e 3 juntos”; “63º. Este tanque é um tanque em plástico que é instalado no casco de estibordo e que, através de uma bomba e de um nível eletrónico aí instalados, faz a gestão das águas residuais da embarcação.”; “64º. Este equipamento é vendido já montado e como uma unidade.”; “65º. Após entrar em funcionamento, verificou-se que o referido tanque não funcionava.”; “66º. Esta avaria não permitia a gestão automática das águas residuais, levando a que durante a utilização o nível dos tanques tenha que ser constantemente monitorizado sob pena de as águas residuais saírem pelas sanitas.”; “67º. A Ré comunicou tal facto à Autora tendo esta trocado o referido nível.”; “68º. Tendo-se voltado a verificar a avaria, o referido nível, por instrução da Autora, foi trocado pela sociedade E....”; “73º. Verificou-se ainda que as válvulas e tubagens instaladas no referido tanque apresentam fugas, o que, quando os tanques estão a cerca de 90% da sua capacidade, leva a que haja fugas de águas residuais para os cascos.”; “74º. Ora, estas águas provocam um terrível mau cheiro que se espalha a toda a embarcação.” [19] O conteúdo destes artigos da contestação aperfeiçoada é o seguinte: “88º. Após a solução do problema referido no ponto anterior, durante os testes da embarcação verificou-se que os motores, ainda que a baixa rotação entravam em sobrecarga e desligavam-se ou entravam em “modo de segurança”.”; “89º. Mais uma vez a Autora não arranjou qualquer solução para o problema relatado.”; “90º. Foi mais uma vez o Estaleiro que indicou a sociedade E... para realizar os testes necessários.”; “91º. Após testes, a referida E... verificou que as válvulas dos turbos instalados nos motores não funcionavam, o que levava a que estes nunca entrassem em funcionamento gerando o problema supra relatado.”; “92º. Os referidos turbos apenas foram então trocados em 20/07/2020.”; “93º. No entanto, até esta data os motores não funcionaram em pleno, com a consequente falta de uso pleno da embarcação.” [20] Estes artigos da contestação têm o seguinte teor: “94º. Quando a embarcação foi lançada à água no final de Abril de 2020, verificou-se que o gerador não funcionava devidamente.”; “95º. Nomeadamente, pouco depois de entrar em funcionamento, soava o alarme e no seu display apareciam informações sobre erros.”; “96º. No entanto, estes erros não correspondiam a qualquer dos erros enumerados no manual de instruções.”; “97º. A Ré de imediato reportou este defeito à Autora.”; “98º. Após quatro meses de testes, a Autora chegou à conclusão que o sensor de temperatura do escape do gerador estava avariado e provocava o referido mau funcionamento.”; “99º. Ora, durante todo este período, não tendo a embarcação ainda instalados painéis solares, não pôde funcionar devidamente, pois o gerador era a única forma de carregar as baterias.”; “100º. Tal facto levou a que a Autora tivesse que reduzir ao mínimo indispensável a utilização da embarcação e que proceder ao carregamento das baterias através de geradores externos que trazia até ao cais, mas que não eram de todo adequados para manter a embarcação em funcionamento.”; “101º. A tudo isto acresce o facto de o gerador apresentar um ruído muito superior aos 65db anunciados no catálogo da marca, conforme doc. 13 que se junta e se dá como reproduzido.”; “102º. Apesar de reportado, até ao momento a Ré nada fez para detetar a origem do referido ruído.” [21] Na realidade, estes artigos são da oposição, sendo os artigos correspondentes da contestação os artigos 103 a 111. A recorrente referindo-se sempre à contestação, por vezes, como já antes se viu, tem em vista os artigos da oposição, criando assim uma dificuldade suplementar na identificação expedita dos pontos de facto que tem em vista. Os artigos 103 a 111 da contestação têm o seguinte conteúdo: “103º. A abrigo do suprarreferido contrato de fornecimento, foi acordado que seria a Ré a calcular qual o tipo de hélices adequadas para a embarcação.”; “104º. Após várias reuniões e após duas visitas ao estaleiro para análise da embarcação, a Ré enviou para o Estaleiro uma ficha para que este preenchesse com as informações necessárias aos cálculos, conforme doc. 14 que se junta e se dá como reproduzido.”; “105º. Nomeadamente, calculou que as hélices adequadas para a embarcação seriam hélices de 560mm de diâmetro.”; “106º. Face a tal informação o Estaleiro fez o alinhamento dos motores para aquele tipo de hélice.”; “107º. No momento da entrega verificou-se que as hélices entregues não eram as hélices acordadas, mas sim hélices de uma dimensão inferior.”; “108º. Após reclamação por parte do Estaleiro a Ré [autora?] disse que o diâmetro das hélices tinha sido compensado no passo e que deveriam ser instaladas as hélices entregues.”; “109º. Após a embarcação entrar em funcionamento verificou-se que a hélices eram demasiado pequenas e não têm dimensão suficiente para impulsionar a embarcação devidamente.”; “110º. Nomeadamente, a embarcação não consegue alcançar a velocidade projectada de 17knt e apenas chega a 14knt.”; “111º. Após reclamação da Ré a Autora propôs fazer um desconto nas hélices de substituição, conforme doc. 11 junto e doc. 15 que se junta e se dá como reproduzido.” [22] O conteúdo destes artigos da contestação é o seguinte: “112º. No âmbito do contrato suprarreferido a Autora entendeu que era adequado para a embarcação impulsores de proa e ré de 75Kgf, conforme doc. 16 que se junta e se dá como reproduzido.”; “113º. Ora, após entrar em funcionamento verificou-se que os impulsores não têm uma potência adequada porquanto os impulsores, com vento moderado, não têm força suficiente para mover a proa nem a ré da embarcação.”; “114º. Para além disto, os referidos impulsores apresentam um grave estado de oxidação o que é sinal de falta de robustez.” [23] O conteúdo do artigo 117 da contestação é o seguinte: “117º. Nomeadamente: • Oxidação acentuada nos suportes do motor; • Oxidação acentuada em vários componentes do gerador, nomeadamente nos apoios e caixa; • As bombas hidráulicas de apoio à direcção dos lemes não funcionam correctamente; • Caixa de velocidades do motor de EB com ruído/embate quando motor é engrenado avante; • Os passas cascos de entrada de água para os motores de propulsão, o gerador e de saída de água dos tanques, apresentam elevado estado de oxidação, o que poderá pôr em causa a estanquicidade da embarcação; • As tampas de inspeção dos tanques de água e gasóleo apresentam um elevado grau de degradação por corrosão; • Os extratores de gases da casa das máquinas deixaram de funcionar.” [37] De todo o modo, pelo que resultou da prova pessoal, os impulsores estão submersos, artefactos que para prevenção da oxidação deve ter a chamada proteção catódica. |