Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2184/15.4T8MAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: CATEGORIA PROFISSIONAL
CONTÍNUO
MOTORISTA
Nº do Documento: RP201703022184/15.4T8MAI.P1
Data do Acordão: 03/02/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTO N.º253, FLS.203-219)
Área Temática: .
Sumário: I - A qualificação correcta na categoria assume-se como um direito do trabalhador, na medida em que lhe fixa direitos, nomeadamente, integrando-o numa determinada carreira e sendo o factor de referência para a determinação da retribuição devida em contrapartida da prestação da sua actividade.
II - Contudo, poderá acontecer não ser viável o enquadramento pleno em determinado descritivo. Mas se assim for, então a categoria profissional deve corresponder ao núcleo essencial das funções a que o trabalhador se vinculou legal ou contratualmente, não sendo necessário que exerça todas as funções que a essa categoria correspondem.
III - O conjunto de tarefas desempenhadas pelo A. excedem as que se encontram previstas na definição da categoria de contínuo, mas o seu núcleo essencial reconduz-se ao essencial do descritivo funcional para essa categoria, designadamente à “recolha, distribuição e entrega de correspondência, (..) serviço de estafeta e ou outros análogos, (..)”.
IV - É certo que o autor conduz um veículo e carrega-o com o tem que levar para entregar aos clientes, mas nem estas tarefas são o núcleo essencial da actividade que presta, nem as mesmas, pelas razões apontadas, dependem em exclusivo do uso de automóvel para serem executadas, nem tão pouco lhe cabe assegurar o “bom funcionamento do veículo que lhe está distribuído ou de que se utilize, procedendo à sua limpeza e zelando pela sua manutenção”. Por isso, não pode dizer-se que o núcleo essencial das suas funções se reconduza às previstas para a categoria de motorista.
V - Sendo uma súmula dos fundamentos invocados para sustentar o recurso, as conclusões não podem extravasar o que foi feito constar nas alegações. Assim, quando o recorrente faça constar nas conclusões matéria que não faz parte das alegações, essas conclusões devem considerar-se como não escritas.
VI - Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais (artigos 627.º 1 e 639.º 1), através dos quais se visa reapreciar e modificar decisões e não criá-las sobre matéria nova, salvo quanto às questões de conhecimento oficioso.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 2184/15.4T8MAI.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I.RELATÓRIO
I.1 No Tribunal da Comarca do Porto – Maia - Inst. Central - B…, intentou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra C..., S.A., pedindo a condenação da Ré no seguinte:
a) A reconhecer ao autor a categoria profissional de Motorista;
b) Em consequência deve ser a ré condenada a pagar-lhe as diferenças salariais, no valor de €5.046,00 (Cinco mil e quarenta e seis euros), acrescido de juros vencidos, já calculados à taxa de juro legal desde a data de vencimento de cada uma das prestações até Dezembro de 2014, perfazendo o montante de €1.277,04 (Mil duzentos e setenta e sete euros e quatro cêntimos), e ainda os juros vincendos até efetivo e integral pagamento;
c) A pagar-lhe o acréscimo de despesas que teve com a sua transferência de … para …, no valor diário de €15,12, com o seu transporte próprio, num total de €10.175,66 (Dez mil cento e setenta e cinco euros e sessenta e seis cêntimos), acrescido de juros vencidos, calculados à taxa de juro legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações até Dezembro de 2014, perfazendo o montante de €800,75 (Oitocentos euros e setenta e cinco cêntimos) e ainda os juros vincendos até efetivo e integral pagamento;
d) Ou pelo menos, o valor dos transportes públicos, €89,60 (Oitenta e nove euros e sessenta cêntimos) mensais, desde Março de 2012, num total de €2.867,20 (Dois mil oitocentos e sessenta e sete euros e vinte cêntimos) até Dezembro de 2014, bem como os valores vencidos desde Janeiro de 2015 e os que se vençam enquanto se mantiver a situação;
e) A pagar-lhe o Trabalho Suplementar realizado no período de 2009 a 2012, no montante de €5.863,93 (Cinco mil oitocentos e sessenta e três euros e noventa e três cêntimos), acrescido de juros vencidos, calculados à taxa de juros legal, calculados à taxa de juro legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações até Dezembro de 2014, perfazendo o montante de €991,71 (Novecentos e setenta e um euros e setenta e um cêntimos), e juros vincendos até efetivo e integral pagamento;
f) A pagar-lhe o Prémio de Incentivo que deixou de lhe pagar desde Março de 2013, no valor mensal de €210,00 mensais, perfazendo, desde Abril de 2013 a Dezembro de 2014, o montante de €4.410,00 (Quatro mil quatrocentos e dez euros), acrescido de juros vencidos, calculados à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações até Dezembro de 2014, perfazendo o montante de €252,00 (Duzentos e cinquenta e dois euros), e ainda os juros vincendos até efectivo e integral pagamento;
g) A pagar as custas e demais despesas com o processo.
Alegou, em suma, que a ré atribuiu-lhe a categoria profissional de Contínuo de 2ª, mas que as suas concretas funções se enquadram na categoria profissional de motorista, pelo que lhe são devidas as diferenças salariais.
Sempre prestou seu trabalho nas instalações da ré em … até 28/2/2012, data em que as mesmas se transferiram para …, altura em que a ré lhe retirou a viatura que sempre na qual o autor se transportava para casa no fim do dia e com ele regressava no dia seguinte, passando a ter de utilizar transporte público ou veículo próprio; que prestou trabalho suplementar que nunca foi pago pela ré; que em Março de 2013 a ré cortou os incentivos financeiros aos trabalhadores que não acordaram numa mudança do CCT aplicável, sendo certo que até então tinha atribuído tal incentivo a todos os seus trabalhadores.
Realizada a audiência de partes, e frustrada que se mostrou a conciliação, foi designada data para a realização da audiência de julgamento e notificada a ré para contestar.
A ré contestou no prazo legal, contrapondo, também no essencial, que as funções que o autor exerce enquadram-se na categoria profissional que lhe está atribuída. A transferência a que o autor se refere não pode ser considerada como tal, já que as novas instalações se situam na mesma localidade e distam uma da outra 3 km e inexistem quaisquer acréscimos de custos para o autor. O uso do veículo da empresa para as deslocações de e para sua casa ocorreu apenas por o autor ter aceite executar tarefas adicionais às suas funções e quando estas cessaram deixou de se justificar tal utilização do veículo. O trabalho suplementar foi já todo pago e o plano de incentivos estava relacionado com a disponibilidade de alargamento da cargo horária diária, cujo acordo dos trabalhadores se viram forçados a fazer constar de documento por estes assinado, o que o autor se recusou.
Foi proferido despacho saneador no qual se afirmou a validade e regularidade da instância. Foi dispensada a fixação do objecto do litígio e dos temas de prova. Procedeu-se à fixação do valor da causa em €28.817,09.
I.2 Realizada a audiência de julgamento, subsequentemente foi proferida sentença, fixando a matéria de facto provada e aplicando o direito aos factos, concluída com o dispositivo seguinte:
-«Nestes termos, e com fundamento no exposto, julgo improcedentes os pedidos formulado nos autos, pelo que deles absolvo a ré.
Custas a cargo do autor, sem prejuízo da isenção de que beneficia.
Notifique.
Registe.
(..)».
I.3 Inconformado com a sentença o Autor apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram sintetizadas nas conclusões seguintes.
1. Face aos depoimentos supra identificados devem ser acrescidos como provados os pontos que a seguir se sugerem:
a) “O prémio de incentivos tinha a ver com a actividade diária do trabalhador que cumprindo os requisitos determinados a ele tinham direito.”
b) “A empresa R. decidiu retirar unilateralmente aos trabalhadores que não assinaram o Aditamento de aumento do horário de trabalho esse prémio de incentivo.”
c) “Aos trabalhadores que assinaram este aditamento passaram a receber mais €60,00 mensais para compensar esta possibilidade, mantendo-lhe o pagamento do prémio de incentivos e pagamento dos pacotes de horas …. e ….”.
2. O recorrente não faz serviços gerais no interior da empresa, distribuindo aí correspondência, dando apoio ao arquivo, numerando as cartas, efectuando serviços de estafeta e ou outros análogos, usando máquinas de fotocopiar, etc., conforme o descrito no CCT.
3. Antes conduz viaturas, procede à sua carga com vista à distribuição dos objectos que transporta para distribuir, descarrega-as nos clientes, onde carrega, por sua vez aquelas que o cliente tenha para despachar, encarregando-se da parte burocrática de todos estes procedimentos dado que trabalha sozinho, controlando as revisões do veículo que conduz, preenchendo os documentos respectivos a essa condução ou revisão.
4. Manifestamente estamos perante um núcleo de funções típicas de um Motorista que evidentemente tem a flexibilidade de praticar outras a estas conexas.
5. Razões pelas quais deve a Douta Sentença ser alterada por uma decisão que condene a Recorrida a reconhecer a categoria de Motorista ao Recorrente e a remunera-lo como tal.
6. O Recorrente desde a sua entrada para o serviço da Recorrida sempre utilizou uma viatura dela para se deslocar de sua casa para o trabalho e vice-versa.
7. Ao alterar o local de trabalho a Recorrida retirou essa possibilidade ao recorrente que passou a ter que se deslocar no seu carro ou quando muito de transportes públicos passando a ser ele a custear essas despesas, com o correspondente decréscimo salarial.
8. Sendo que a Recorrida continuou a permitir o uso da viatura da empresa ou, em alternativa, a custear os transportes discriminando dessa forma o Recorrente.
9. Deve, assim, a Douta Sentença em crise ser alterada neste ponto determinando-se a obrigação da Recorrida em pagar ao Recorrente o acréscimo que este passou a ter com os transportes para o novo posto de trabalho em igualdade com outros trabalhadores em igualdade de circunstâncias.
10. Como alterada também deve ser na parte em que absolveu a Recorrida do pedido de ser condenada a pagar ao Recorrente o prémio de incentivos por produtividade.
11. O referido prémio tem a ver com a forma como o trabalhador desempenha a sua actividade diária, cumprindo os requisitos determinados pela Recorrida.
12. Nada tendo a ver com a possibilidade dos trabalhadores aumentarem o seu horário de trabalho para as 40 horas semanais porquanto a compensação deste acréscimo passou a ser remunerada por um aumento salarial de €60,00 mensais.
13. Mantendo a Recorrida o pagamento dos pacotes de horas para qualquer acréscimo de trabalho extraordinário que o trabalhador tenha que prestar.
14. Por estas razões deve ser revogada a Douta Sentença e substituída por outar em que se condene a Recorrida como pedido na Petição inicial quanto aos pedidos supramencionados.
Termos em que se deve dar provimento ao presente Recurso, alterando-se a matéria de facto provada em Audiência de Julgamento e revogar-se a Douta Sentença em crise, substituindo-a por outra em que se condene a Recorrida como pedido.
I.4 A Recorrida apresentou contra alegações, finalizadas com as conclusões que seguem:
A. Nenhuma razão assiste ao A./Recorrente no recurso por si interposto, não sendo a sentença recorrida passível de qualquer juízo de censura.
B. A actividade da R./Recorrida não consiste no transporte de mercadorias e objectos, ao contrário do que sustenta o A./Recorrente, mas antes na prestação de serviços postais não reservados e não abrangidos no âmbito do serviço universal em território nacional, em particular a prestação de serviços de entrega rápida de encomendas postais no território nacional.
C. As funções desempenhadas pelo A./Recorrente (bem como pelos restantes trabalhadores da R./Recorrida classificados como “Contínuos” e internamente denominados Couriers/Estafetas) não se reconduzem, nem de perto nem de longe, às funções previstas no CCT APAT para a categoria profissional de “Motorista” e que correspondem à condução de viaturas automóveis, assumindo o exercício da actividade de condução um carácter nevrálgico em tais funções.
D. O A./Recorrente, bem como os restantes “Contínuos” da R./Recorrida têm funções eminentemente de distribuição postal (recolha, entrega, bem como cobrança e apoio ao cliente) e a actividade de condução automóvel é meramente acessória daquela actividade principal, ou seja, tais trabalhadores (como sucede com o A./Recorrente) têm que exercer uma série de outras funções – que vão muito para além da condução de veículos e que não são “meramente acessórias”, ao contrário do que sustenta o A./Recorrente -, designadamente relacionadas com os serviços de entrega e recolha de envios postais (entrega e recolha porta-a-porta).
E. O A./Recorrente, bem como os restantes trabalhadores da R./Recorrida com a categoria de “Contínuo” passam uma parte significativa do seu tempo não a conduzir, mas antes a prestar outros serviços directamente relacionados para os clientes da R./Recorrida, sendo que uma parte do dia nem sequer é passada na chamada “volta”, mas antes do Terminal (base operacional).
F. O veículo que o A./Recorrente utiliza é apenas um meio para o transportar entre os vários clientes, onde efectivamente exerce a sua real actividade de “Contínuo” (Estafeta/Courier). De facto, enquanto que o “Motorista” tem como actividade principal a condução e tem na viatura o seu local de trabalho, o A./Recorrente, como “Contínuo”, utiliza a viatura de forma acessória, não sendo aí o seu local de trabalho.
G. Aliás, não só em muitos locais os “Contínuos” (Estafetas/Couriers) estacionam a sua viatura e deslocam-se a pé aos clientes da R./Recorrida, como já foram utilizados ou está a ser equacionada a utilização de outros meios de transporte alternativos à viatura automóvel.
H. Atendendo às funções exercidas pelo A./Recorrente, facilmente se conclui que, entre outras, o mesmo realiza tarefas de “recolha, distribuição e entrega de correspondência”, “efectua serviço de estafeta”, efectuando ainda “serviços de cobrador”, todas estas funções expressamente compreendidas no descritivo funcional de “Contínuo” previsto no CCT APAT.
I. Por outro lado, e como bem decidiu o Tribunal a quo, a condução de uma viatura automóvel – ao contrário do que sucede com os “Motoristas” - não é essencial na actividade desenvolvida pelo A./Recorrente, sendo tal viatura – ou qualquer outro meio de transporte – “apenas um instrumento para a finalidade dessa distribuição ou recolha – chegar junto dos clientes da ré”.
J. Perante as funções desempenhadas pelo A./Recorrente é mister concluir que o mesmo exerce se não todas, pelo menos a grande maioria das funções descritas no CCT APAT a respeito da categoria de “Contínuo”, não exercendo, pelo contrário, qualquer das funções descritas na categoria de “Motorista”.
K. Tomando, pois, em consideração o princípio da essencialidade quanto às funções exercidas pelo A./Recorrente, facilmente se conclui que o conjunto central de funções adstritas ao A./Recorrente e por si desempenhadas se reconduzem às funções constantes do descritivo funcional de “Contínuo” constante do CCT APAT e não ao de “Motorista”.
L. Quanto ao pagamento do suposto acréscimo de custos de deslocação decorrente da alegada transferência de local de trabalho do A./Recorrente, chama-se à colação o que já foi decidido pelo douto Tribunal ad quem, por acórdão de 07/04/2016, processo n.º 2750/14.5T8MAI.P1, Relator Jorge Manuel Loureiro, disponível em www.dgsi.pt, numa situação em tudo idêntica à dos presentes autos.
M. A mudança do Terminal de … para o Terminal do Aeroporto (…) da R./Recorrida não consubstanciou uma verdadeira transferência definitiva do local de trabalho do A./Recorrente.
N. Nos termos do n.º 4 da cláusula 16.ª do CCT APAT, apenas se considera transferência a mudança de local de trabalho que ocorra (i) por um prazo de tempo superior a três meses e (ii) para uma localidade diversa daquela em que se situa o estabelecimento em que o trabalhador presta serviço, sendo que a mudança de local de trabalho do Terminal de … para o Terminal do Aeroporto não determinou qualquer transferência para outro local de trabalho, já que ambos os Terminais se localizam na mesma localidade – na … -, distando entre si cerca de 3 quilómetros e estando ambos localizados na área do mesmo código postal (…. …)
O. Inexistindo uma transferência de local de trabalho, não estava a R./Recorrida obrigada, nos termos a contrario dos n.os 3 e 4 da cláusula 16.ª do CCT aplicável, a suportar eventuais despesas do A./Recorrente decorrentes da suposta “transferência”. Aliás, a distância entre a residência do A./Recorrente, em Vila Nova de Gaia, e o Terminal do Aeroporto (…) é, inclusivamente, menor (21 quilómetros) do que aquela que distava da sua residência para o Terminal de … (25 quilómetros), não sendo também por este motivo possível haver qualquer suposto acréscimo de custos de deslocação decorrente da alegada “transferência de local de trabalho”.
P. Até à mudança para o Terminal do Aeroporto (…), o A./Recorrente utilizou, de facto, viatura automóvel cedida pela R./Recorrida, de modo a facilitar o exercício da sua prestação de trabalho, encontrando-se tal atribuição associada ao desempenho de determinadas funções por parte do A./Recorrente.
Q. Até à referida mudança alguns “Contínuos”, como era o caso do A./Recorrente, estavam adstritos às denominadas “escalas” diárias e deslocavam-se de manhã e ao final do dia ao Aeroporto para recolher e entregar o material que chegava e partia no avião do Grupo C… que dali parte diariamente, fazendo a ligação entre o Terminal do Aeroporto e o Terminal de …, local onde o material era separado por “voltas”, podendo, por uma questão de economia e de optimização de recursos, estacionar a viatura de serviço junto à sua residência no final do dia.
R. Com a criação do novo Terminal do Aeroporto e com a desnecessidade de ligação com o Terminal de …, deixaram de existir as “escalas”, tendo a R./Recorrida deixado de permitir que o A./Recorrente – e bem assim, todos os restantes “Contínuos” que efectuavam tais “escalas” – levassem a viatura automóvel de serviço ao final do dia para casa e a trouxessem no dia seguinte.
S. Não resulta dos factos assentes que a R./Recorrida alguma vez tenha assumido – contratualmente ou de qualquer outra forma – perante o A./Recorrente ou os restantes “Contínuos” que efectuavam as ditas “escalas” a obrigação de custear as deslocações – em transporte público ou em viatura de serviço ou própria – de e para o seu local de trabalho.
T. Não tendo sido demonstrada nos autos pelo A./Recorrente a impraticabilidade de utilização dos transportes públicos na deslocação casa-trabalho-casa – antes pelo contrário –, deverão improceder as suas pretensões. De facto, quanto aos transportes públicos, ficou provado que o A./Recorrente pode fazer a ligação entre a sua residência e o local de trabalho, ou seja, o Terminal do Aeroporto, de metro e de autocarro.
U. A doutrina e jurisprudência nacionais têm vindo a entender que, no caso de transferência definitiva de local de trabalho, o empregador apenas tem que suportar as despesas resultantes do acréscimo de custos de deslocação, mas o critério a utilizar na escolha do meio de transporte deve ser o do bom pai de família, que escolheria o mais económico, para o percurso mais curto (Cfr. neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de Dezembro de 2006, disponível em www.dgsi.pt, e acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 12 de Abril de 1999, Colectânea de Jurisprudência, 1999, Tomo III, p. 251, e de 9 de Julho de 2014, disponível em www.dgsi.pt).
V. Assim, para além de – nos termos da lei e do CCT APAT - nem sequer ter existido qualquer transferência de local de trabalho, tendo sido feita prova da existência de transportes públicos que servem o novo local de trabalho do A./Recorrente, desde logo cai pela base a tese do A./Recorrente de que a R./Recorrida deveria suportar os alegados custos de deslocação na sua viatura própria.
W. Quanto ao denominado “plano de incentivos C…”, entende a R./Recorrida que não assiste qualquer razão ao A./Recorrente, quer quanto ao aditamento e pontos à matéria de facto assente, quer quanto às conclusões jurídicas a que aquele pretende chegar.
X. Todas as testemunhas, indistintamente, confirmaram que o chamado “plano de incentivos C…” estava intimamente ligado – e visava compensar – a possibilidade de ampliação do período normal de trabalho.
Y. Como items de avaliação do cumprimento do “plano de incentivos” constavam, entre outros, a chamada “participação no …/…” e o “…/…”, que correspondiam, no fundo, a trabalho efectuado pelos “Contínuos” da R./Recorrida (entre eles, o A./Recorrente) antes das 9h e após as 18h, respectivamente as horas de entrada e saída. Z. A R./Recorrida, perante a recusa de alguns “Contínuos” (entre eles o A./Recorrente) em assinar o “Acordo de Alteração da Organização do Tempo de Trabalho”, que, pura e simplesmente, se limitava a formalizar – por escrito e no seguimento daquilo que foram as directrizes emanadas da Unidade Local do Porto da Autoridade para as Condições do Trabalho – a possibilidade de flexibilização de horário de trabalho, ao abrigo da cláusula 28.ª n.º 6 do CCT APAT, decidiu que os mesmos deixariam de estar abrangidos pelo “plano de incentivos C…”, uma vez que tal “plano de incentivos C…” constituía, nos termos da alínea c) do n.º 8 da mencionada cláusula 28.ª do CCT APAT, a contrapartida da possibilidade de flexibilização do horário de trabalho,
AA. Sendo que os “Contínuos” que, de livre vontade, assinaram tal “Acordo” continuaram a beneficiar do “plano de incentivos”, cujo prémio máximo era – e continuou a ser – de €210,00 mensais.
BB. Não é verdade que esses “Contínuos” tenham, para além dos aludidos €210,00 (valor máximo), passado a receber €60,00, bem como os denominados “pacotes de horas … e …”. Por exemplo, quanto aos “pacotes de horas … e …”, os mesmos – que já nem sequer existem - destinavam-se a pagar trabalho suplementar prestado ao sábado pelos “Contínuos”, isto é, contrariamente ao “plano de incentivos C…”, não visavam – nem de perto nem de longe – compensar os “Contínuos” pela possibilidade de flexibilização – até 1 hora por dia – do seu horário de trabalho.
CC. Da factualidade assente apenas pode resultar uma conclusão: a de que a exclusão do A./Recorrente do “plano de incentivos C…” foi objectivamente fundada e, portanto, lícita.
DD. Como bem decidiu o Tribunal a quo, o “plano de incentivos” tinha uma componente de retribuição pelo trabalho suplementar e de prémio de produtividade, tendo sido apenas nesta parte que o A./Recorrente – fruto de uma decisão sua, a de não subscrever o já referido “Acordo de Alteração da Organização do Tempo de Trabalho” – foi excluído,
EE. E, como decorria de tal “Acordo”, o seu pressuposto base, isto é, o pressuposto essencial para que os “Contínuos” estivessem abrangidos pelo “plano de incentivos C…” era o de, nos termos da alínea c) do n.º 8 da cláusula 28.ª do CCT APAT, aceitarem – por acordo escrito, exigência manifestada pela Autoridade para as Condições do Trabalho do Porto – a possibilidade de flexibilizar o seu período normal de trabalho diário e semanal.
FF. Não houve, da parte da R./Recorrida, “dois pesos e duas medidas”, apenas um tratamento diferente daquilo que eram, de facto, situações distintas.
GG. A saber: os “Contínuos” que assinaram o “Acordo de Alteração da Organização do Tempo de Trabalho” continuaram a beneficiar do “plano de incentivos C…”, ou seja, o cumprimento de um horário alargado (desde que não excedesse 1 hora por dia) permite-lhes beneficiar de um prémio mensal que pode, no máximo, atingir os €210,00, sendo certo que, caso trabalhem mais do que a referida 1 hora por dia, tal é remunerado, como não poderia deixar de ser, como trabalho suplementar.
HH. Pelo contrário, os “Contínuos” – como o A./Recorrente – que não assinaram o aludido “Acordo” e que, portanto, não se manifestaram disponíveis para alargar o seu período normal de trabalho diário e semanal, deixaram de ser elegíveis para o “plano de incentivos C…”, deixando, igualmente, de poder auferir o respectivo prémio, sendo certo também que, caso laborem mais do que as 7 horas diárias ou as 35 semanais, esse trabalho será pago como trabalho suplementar.
II. Assim, tendo a R./Recorrida e a grande maioria dos “Contínuos” encontrado uma forma de, por comum acordo e interesse, compensar a possibilidade de alargamento do período normal de trabalho diário e semanal, maxime através do “plano de incentivos C…”, e tendo o A./Recorrente (e um número reduzido de “Contínuos”) recusado formalizar tal “Acordo” e, portanto, recusado disponibilizar-se para essa possibilidade de alargamento, não se encontra a R./Recorrida obrigada a mantê-los dentro do aludido “plano de incentivos”.
JJ. Nestes termos, deve ser negado provimento ao Recurso de Apelação interposto pelo A./Recorrente, mantendo-se, na íntegra, a sentença recorrida.
I.5 O Digno Procurador da República Adjunto junto desta Relação emitiu o parecer a que alude o art.º 87.º3, do CPT, pronunciando-se no sentido da rejeição do recurso, na consideração de que o recorrente não cumpriu o disposto no art.º 640º.º n.º 1 al. a), do CPC, que exige a indicação nas conclusões dos concretos pontos de facto que impugna e a decisão alternativa.
I.5.1 Respondeu o recorrente defendendo ter cumprido com o disposto no art.º 640.º n.º 1 al. a), do CPC.
I.6 Procedeu-se ao envio do projecto de acórdão, bem como do histórico digital do processo, aos Exmos adjuntos, e determinou-se que o processo fosse inscrito para ser submetido a julgamento em conferência.
I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do NCPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] as questões suscitadas pela recorrente para apreciação consistem em saber se o tribunal a quo errou o julgamento quanto ao seguinte:
i) Na apreciação da prova e fixação dos factos;
ii) Na aplicação do direito aos factos ao não condenar a recorrida no seguinte:
a) A reconhecer-lhe a categoria de Motorista e a remunerá-lo como tal (concl. 5);
b)A pagar-lhe o acréscimo que este passou a ter com os transportes para o novo posto de trabalho em igualdade com outros trabalhadores em igualdade de circunstâncias (conclusão 9);
c) A pagar-lhe o prémio de incentivos por produtividade (concl. 10).
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal a quo fixou os factos provados e não provados seguintes:
Factos provados:
1. Autor e ré celebraram, entre si, um contrato de trabalho que teve o seu início em 01.Out.1997.
2. Esse contrato, que inicialmente era a termo certo, transformou-se em contrato sem termo pelo decurso do tempo e suas constantes renovações.
3. Por esse contrato comprometeu-se o autor a prestar à ré, sob a sua vigilância, controle e instrução, as suas funções, pelo período de 35 horas semanais.
4. Em contrapartida a ré remunera o autor à razão de €633,00 ilíquidos mensais.
5. A ré atribuiu ao autor, a profissão de Contínuo de 2º., tendo entretanto sido promovido a Contínuo de 1ª, categoria, que detém actualmente.
6. Para o exercício das suas funções o autor conduz um veículo automóvel da ré, que carrega nos seus armazéns, transportando essa carga para os clientes, a quem as entrega após a descarga, como também as recolhe.
7. De acordo com o Contrato Colectivo de Trabalho (CCT) entre a APAT – Associação dos Transitários de Portugal e a FETESE – Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços, publicado no Boletim de Trabalho e Emprego (BTE) nº 1 de 8/1/2005 e depois no BTE n.º 29/5/2009, a evolução dos salários para a categoria profissional de motorista tem sido a seguinte:
- ano de 2005: €579,00
- ano de 2006: €606,00,
- ano de 2007: €622,00;
- ano de 2008: €638,00;
- ano de 2009 a 2014: €652,00.
8. De acordo com o mesmo CCT, a evolução dos salários para a categoria profissional de contínuo tem sido a seguinte:
- ano de 2005: €533,00 nos meses de Janeiro a Março e €547,00 nos restantes meses desse ano;
- ano de 2006: €547,00 nos meses de Janeiro a Março e €560,00 nos restantes meses desse ano;
- ano de 2007: €560,00 nos meses de Janeiro a Março e €574,00 nos restantes meses desse ano;
- ano de 2008: €574,00 nos meses de Janeiro a Março e €589,00 nos restantes meses desse ano;
- ano de 2009: €589,00 nos meses de Janeiro a Março e €604,00 nos restantes meses desse ano;
- ano de 2010: €604,00 nos meses de Janeiro a Março e €618,00 nos restantes meses desse ano;
- ano de 2011: €618,00 nos meses de Janeiro a Março e €627,00 nos restantes meses desse ano;
- ano de 2012: €627,00 nos meses de Janeiro a Março e €633,00 nos restantes meses desse ano;
- ano de 2013 e 2014: €633,00.
9. O autor prestou até 28 de Fevereiro de 2012 as suas funções em …, tendo a partir de 1.Mar.2012 a ré determinado que passava a cumpri-las em ….
10. O autor reside em Vila Nova de Gaia, que distava do seu inicial local de trabalho 25 quilómetros.
11. Para …, por detrás do Aeroporto, distam 21 quilómetros.
12. Para se deslocar entre sua casa e o local de trabalho o autor tem de utilizar transportes públicos ou o seu automóvel particular.
13. Pelo menos por vezes e desde Abril de 2010 que o autor presta trabalho para além de seu horário de trabalho, o qual é de Segunda a Sexta-feira das 9h00 às 12h00 e das 14h00 às 18h00.
14. O registo desses tempos constavam do livrete individual que o autor e todos os colegas com a mesa função que a sua tinham até Setembro de 2013, passando a partir de então o autor a preencher uma folha para o efeito.
15. A ré tinha instituído um regime de incentivos aos seus trabalhadores, nomeadamente aqueles cujo plano consta de fls. 33 e referente à produtividade.
16. O prémio máximo desse incentivo ascendia a €210,00 mensais.
17. Até ao ano de 2014, o plano de incentivos era o seguinte:
Periodicidade Mensal – Prémio Máximo - €210,00
1. Produtividade – subdivide-se em 5 pontos
1.1 Stop’s (…) – Cada “rota” (zona geográfica de cada estafeta), tem um número mínimo de Stop’s paragens que corresponde a um determinado número de visitas a clientes efectuadas pelos trabalhadores, sendo que o objectivo alcançado dependia do grupo onde cada trabalhador estava inserido (5 estafetas)
Atingindo 65% dos clientes (número determinado pela C…) até às 13H00, era considerado como cumprido o … – … – …
1.2 Stop’s (…) – Eram os objetivos, mas apenas, individuais - 1.3 / 1.4 Fim do Dia – Prémio Individual / Grupo - Era feita a correcção da hora da entrega/recolha efectiva e aquela em que a mensagem era transmitida, caso chegassem após as 18H45 retiravam o incentivo individual (1.3)
1.5 Total das entregas (Individual) – Até às 13H00 - Das entregas do dia tinha que entregar 95% até às 13H00.
2. Participação no …/… (tarefas para além do horário normal de trabalho).
… – Entrada de mercadorias para distribuir – As mercadorias eram levantadas no avião e agrupadas para entrega … – Recolha de mercadorias dos clientes – As mercadorias eram levantados nos clientes durante o dia, era pesada, etiquetada e colocada num contentor (de acordo com os destinos) e transportada para o aeroporto.
2. Penalizações
… - Não entrega da mercadoria da responsabilidade do estafeta –
Dedução de €15,00 – Máximo diário €45,00
Falha de … - por recolha não efectuada a horas ou não informação do ….
Recebiam no laser (aparelho) a indicação da hora a que estava pronta uma recolha num cliente e a hora limite da recolha.
- Cada zona tinha uma hora limite para recolha que permitisse o regresso, caso não fosse possível teriam que informar o … (colega que estava na gestão deste serviço) que não podiam chegar à hora marcada.
… - Códigos errados de destino – Dos aeroportos ou cidades para onde iam.
… – Quando as ordens vinham atrasadas - A informação quando chegava ao sistema não era na hora real.
18. Após o ano de 2014, o plano de incentivos é o seguinte:
1. … (…) – Folhas diárias para preenchimento do Estafeta
Cada “ rota ” tem um mínimo de paragens entre entregas e recolhas. No final do mês é feita uma média.
… – 6,5 … por hora
… – O que está pré determinado pelo superior para a “ Rota “.
2. … – (Cartão dos objectivos)
2.1 … (Terminal) - Atraso na origem
2.2 … (Terminal) - Atraso no destino – A mercadoria tem de chegar à base até às 19H00
2.3 … – Mercadorias oriundas fora da Comunidade Europeia (…) – Entrega até às 12H00 ou é penalizado.
3. … / … – relativo à disponibilidade fora do horário normal de trabalho.
4. … – é a percentagem que excede a previsibilidade da Empresa em que concerne o volume / facturação.
Penalizações.
… - Não entrega da mercadoria da responsabilidade do estafeta – Dedução de €15,00 – Máximo diário €45,00.
Falha de … – por recolha não efetuada a horas ou não informação do ….
… - Códigos errados de destino – Dos aeroportos ou cidades para onde iam.
Falhas de entrega dos envios …
Envios comunitários ou domésticos que têm de ser entregues até às 12H00 dos intercomunitários e às 13H00 os domésticos.
18. Tendo instituído esse direito desde o início da relação laboral entre autor e a ré, em 1997, retirou-o aos seus trabalhadores, que não assinaram o documento que intitulou de “Aditamento ao contrato de trabalho – Acordo de Alteração da Organização do Tempo de Trabalho”, desde Março de 2013.
19. A ré tem como actividade o trânsito, transporte, armazenagem, carga, descarga, depósito, conservação, custódia, manipulação, embalagem, recolha, distribuição, seguro e despacho e toda a espécie de mercadorias e produtos por via área, marítima, fluvial e terrestre, no país ou no estrangeiro, bem como, por exemplo, a prestação de serviços postais e de serviços de transporte, nacional e internacional, de toda a espécie de mercadorias, seja em carga fraccionada seja em carga completa, e produtos por via área, marítima, fluvial e terrestre, ou quaisquer outras vias, bem como as actividades com esta relacionadas, tal como a armazenagem carga, descarga, depósito, conservação, custódia, manipulação, embalagem, recolha, distribuição, seguro e despacho.
20. A actividade da ré compreende a prestação de serviços de entrega rápida de encomendas postais no território nacional, com prazos de entrega que rondam as 24 horas entre a hora da recolha e a hora efectiva da entrega no destinatário.
21. A ré é uma empresa cuja actividade principal é a prestação de serviços postais não reservados e não abrangidos no âmbito do serviço universal em território nacional, estando para tal autorizada pelo ICP – Instituto das Comunicações de Portugal (actual ANACOM – Autoridade Nacional de Comunicações).
22. Os trabalhadores da ré que exercem as mesmas funções do autor e que, tal como ao autor a ré atribuí a categoria profissional de “Contínuos” (internamente denominados Estafetas ou Couriers), utilizam uma viatura ligeira de mercadorias cuja tara não ultrapassa os 3.500kg.
23. Na estrutura interna da ré não existe nenhum trabalhador que detenha a categoria profissional de “Motorista”.
24. Existem “Motoristas C…” nas ligações internacionais de longo curso, efectuadas por camião e que trazem e levam mercadorias consolidadas de outros países, mas esses profissionais são geridos pela entidade internacional C… NETWORK e não pela aqui ré.
25. As principais funções do autor, bem como dos trabalhadores da ré com a categoria de “Contínuo”, são:
a) verificar o material/envios dos Clientes, aquando da recolha dos mesmos (Cfr. Responsabilidades – OPS Chegada/Importação e Saída/Exportação, constantes do Job
Description/Role Profile de “Contínuo”;
b) Recolher e entregar todos os envios respeitando as normas de segurança e os procedimentos operacionais em vigor;
c) Utilizar eficazmente a pistolas laser (…);
d) Preencher correctamente as folhas de entrega;
e) Garantir os melhores níveis de atendimento aos clientes, aquando das recolhas ou entregas de envios;
f) Apoiar as operações de … e … nos Terminais e …, sempre que solicitado.
26. Em termos operacionais, o autor e os restantes trabalhadores da ré com a categoria profissional de “Contínuo” (Estafeta/Courier) desempenham as seguintes funções:
a) No acto da recolha: ajudar os Clientes a preparar os envios e a documentação de suporte, eventualmente esclarecendo-os sobre o melhor serviço a optar (normal, pré-09h, pré-12h); propor e vender opções de seguro; confirmar a embalagem ou fornecimento de embalagem C… apropriada; recolher e validar o paperwork; efectuar inspecção de segurança ao conteúdo do envio, segundo as regras de segurança da IATA e a legislação para envios perigosos; validar que o envio pode ser aceite no destino, segundo a política de … C… e a legislação aduaneira do país de destino.
b) No acto da entrega: confirmar a integridade do envio e da documentação de suporte para a entrega; identificar o receptor do envio e recolher a sua assinatura digitalizada; identificar o receptor do envio e recolher a sua assinatura digitalizada, Cobrar valores aos Clientes sem conta de crédito (envios cash) e passando os respectivos recibos.
c) Ao chegar à base operacional C… (…): efectuar a tarefa de …, prestando contas sobre a actividade, os envios recolhidos e entregues, documentação de suporte, dinheiros recebidos e todas as informações necessárias sobre os envios recolhidos e entregues durante o dia; e tirar fotocópias, preencher e controlar documentos anexos aos envios dos clientes (…), por exemplo facturas e outros documentos para fins aduaneiros.
27. Existem locais (em regra, cidades ou vilas de maior densidade populacional) em que o referido veículo pode ser estacionado e, a partir daí, o “Contínuo” (Estafeta/Courier) desloca-se a pé até aos clientes que se encontram localizados nessa mesma área geográfica, se necessário utilizando um carrinho de transporte de pequenos volumes.
28. Durante vários anos, alguns “Contínuos” (Estafetas/Couriers) que laboravam em áreas geográficas de difícil acesso em viatura automóvel ou com poucos locais de estacionamento, como, por exemplo, a Baixa, em Lisboa e no Porto, utilizaram como meio de transporte a motorizada;
29. A ré encontra-se neste momento a equacionar o regresso à utilização de motorizadas pelos seus “Contínuos” (Estafetas/Couriers).
30. Os funcionários da ré com a categoria de “Contínuos” (Estafetas/Couriers) não são responsáveis pela limpeza ou manutenção do veículo (que são, antes, efectuadas pelo Departamento de Gestão de Frota da ré e por empresas de serviços de manutenção para esse efeito contratadas por esta) apenas necessitando de possuir carta de condução de veículos ligeiros.
31. Aquando da sua admissão (a 01/10/1997), o autor foi contratado pela ré para, sob a sua autoridade, direcção e fiscalização, exercer as funções de 2.º Contínuo nas instalações da R. sitas na Rua …, n.º … - …, …. ….
32. Tendo o autor, em 2004, mudado de local de trabalho para as instalações localizadas na Rua …, n.º …, …, ….-… … (o denominado Terminal de …).
33. Por missiva datada de 22 de Fevereiro de 2012, a ré comunicou ao autor a mudança da morada do seu local de trabalho, tendo afirmado que:
Na sequência do já verbalmente comunicado, cumpre-nos informar V. Exa. que por motivos de mudança da Operação de transporte por via área (…) para o novo Terminal nas imediações do aeroporto …, a C… Express vem pela presente informar V. Exa. que, a partir de 27 de Fevereiro de 2012, passará a exercer as suas funções no novo estabelecimento Operacional da C… Express …, sito em: Aeroporto …, Lote …, Aeroporto …, …, Portugal, …..”
34. O Terminal de … e o Terminal do Aeroporto localizam-se na mesma localidade – na … –, distando entre si cerca de 3 quilómetros e estando ambos localizados na área do mesmo código postal (… …).
35. A ré permitiu ao autor a utilização de viatura de serviço enquanto o mesmo desempenhou funções no Terminal de ….
36. Até à criação do Terminal do Aeroporto e por inexistência de condições ideais de operação por parte da ré, alguns “Contínuos” (Estafetas/Couriers), como o autor, efectuavam “escalas” diárias e deslocavam-se de manhã e ao final do dia ao aeroporto … para recolher/entregar o respectivo material que chegava/partia no avião do Grupo C… que todos os dias ali chega/parte,
37. E faziam-no como forma de interligar o aeroporto com o anterior Terminal de … (e vice-versa), terminal esse onde o material era seleccionado e dividido pelas respectivas “voltas”.
38. Razão pela qual a ré autorizava a que o autor (bem como os restantes “Contínuos”), sempre que efectuassem essas “escalas de ligação” entre o Terminal de … e o Aeroporto, levassem a viatura para casa no final do dia,
39. Por uma questão prática, de economia de tempo e de optimização de recursos, o autor estava autorizado a estacionar a viatura (de serviço) junto à sua residência no final do dia, sempre e apenas quando estava incluído nas referidas “escalas”,
40. A utilização de veículo da empresa que a ré chegou a facultar ao autor destinava-se assim a facilitar o exercício da prestação de trabalho do autor, encontrando-se associada ao desempenho de determinadas funções por parte do mesmo.
41. Com a criação do novo Terminal do Aeroporto, com a optimização do processo operacional e com a mudança de local de trabalho do autor para o Aeroporto, deixou de haver necessidade da mencionada ligação diária, já que o Terminal do Aeroporto está situado justamente ao lado do local onde aterra o avião do Grupo C… com o referido material, pelo que deixaram de existir as “escalas”.
42. Em Março de 2014 a ré conseguiu que as entidades que gerem o espaço do Aeroporto …, no qual se localiza o Terminal do Aeroporto, passassem a permitir o acesso a tal Terminal por meio de um portão de acesso a peões do lado … do complexo do Aeroporto.
43. O mencionado portão é contíguo ao Terminal do Aeroporto e a sua abertura acarretou os seguintes benefícios imediatos a quem acede ao Terminal por via pedonal (como é o caso do autor):
- esse portão dá acesso directo a uma zona habitada a povoação de …, o que aumenta as condições de segurança física e psicológica de circulação de peões;
- Existem transportes públicos na povoação a cerca de 1.000m do portão, reduzindo assim, significativamente, a distância até aos transportes públicos pela outra estrada que é de 1.650m;
- Sendo o acesso feito pelam povoação, melhoram as condições de luminosidade e segurança de circulação de peões por esse caminho, o que constitui uma alternativa com significativa melhoria em relação ao único acesso anterior.
44. O mencionado portão encontra-se aberto nos seguintes horários:
- De 2.ª feira a 6.ª feira: entre as 06:00h e as 21:00h;
- Sábados: entre as 08:00h e as 15:00h.
45. O autor pode fazer a ligação entre a sua residência e o local de trabalho de metro e autocarro.
46. O passe mensal de metro Andante Z… teve, em 2012 e 2013, um custo de €47,00 e em 2014 o mesmo passou a custar €47,10.
47. A ligação de autocarro pode ser feita pela empresa D…, S.A., cujo passe mensal da rede geral teve, em 2012 e 2013, um custo de €42,00 e em 2014 de €42,50.
48. Até 2012, em virtude da necessidade de adaptar o modo de organização interna de trabalho e conformar a organização de trabalho e os custos produtivos às exigências de natureza operacional da sua actividade de carácter urgente/expresso, a ré acordava com os seus trabalhadores com a categoria de “Contínuo” (Estafeta/Courier) – e fê-lo também com o autor, desde a sua admissão – uma alteração ao seu período normal de trabalho diário e semanal.
49. Acordando com o autor – e demais trabalhadores com a sua categoria profissional – a possibilidade de ampliação – sempre que necessário - do período de trabalho normal diário e semanal, até ao limite, respectivamente, de 8 horas diárias e 40 horas semanais.
50. O regime de incentivos supra exposto servia também como compensação pela referida possibilidade de ampliação do aludido período normal de trabalho.
51. Em 2013, e na sequência de uma acção inspectiva por parte da ACT do Porto, exigiu esta autoridade inspectiva à ré que formalizasse (por escrito) o acordo anteriormente descrito.
52. Para o efeito, em Março de 2013, a ré apresentou aos seus trabalhadores com a categoria de “Contínuo” (Estafeta/Courier), incluindo ao autor, um “Acordo de Alteração da Organização do Tempo de Trabalho”, para que os mesmos o assinassem.
53. No Service Center … (que abarca o Terminal do Aeroporto), dos 25 “Contínuos” (Estafetas/Couriers), 13 assinaram o referido “Acordo”, a saber:
- E…;
- F…;
- G…;
- H…;
- I…;
- J…;
- K…;
- L…;
- M…;
- N…;
- O…;
- P…;
- Q…,
54. Os restantes 12 “Contínuos” (Estafetas/Couriers), entre eles o autor, se recusaram a assinar tal documento.
55. Face a tal recusa do autor, a ré comunicou -lhe, por carta entregue em mão a 15 de Abril de 2013, que, com efeitos a 1 de Março de 2013, o período normal de trabalho seria apenas de 7 horas diárias e 35 horas semanais, e que por esse motivo, deixaria de estar abrangido pelo plano de “incentivos C…”.
56. E que, por conseguinte, qualquer trabalho prestado pelo autor para além do referido horário de trabalho seria pago como trabalho suplementar, ao abrigo da legislação e do CCT aplicáveis.
57. Na sequência da intervenção da ACT a ré, em Março de 2013, procedeu ao pagamento retroactivo ao autor de alegado “trabalho suplementar”, no montante de €4.719,57 (“Retro. Horas Extra”).
58. A partir de Março de 2013 a ré passou a exigir que os “Contínuos” (Estafetas/Couriers) efectuassem tal registo numa folha de registo própria.
59. A ré é associada da APAT – Associação dos Transitários de Portugal.
60. O autor é sindicalizado no SNTCT – Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações.
61. O documento intitulado “Aditamento ao Contrato de Trabalho”, supra referido em 52. partia dos seguintes pressupostos:
CONSIDERANDO Que:
1. Em 27/O9/0992, as Partes celebraram um contrato de trabalho a termo certo - contrato este que se encontra em execução desde a referida data e que presentemente e sem termo (de ora em diante designado por contrato;
2. Ao abraço do disposto no Contrato, o SEGUNDO CONTRAENTE foi contratado para exercer as funções correspondentes à categoria profissional de 20 Contínuo, detendo presentemente a categoria de 1.º contínuo;
3. À relação laborai estabelecida ente as Partes é aplicável o CCT celebrado entre a APAT - Associação dos Transitários de Portugal e a FETESE – Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços, cuja última alteração salarial e outras e respectivo texto consolidado foram publicados no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 20, de 29/5/2009.
4. Nos termos da Cláusula 28.ª do referido CCT é permitida a ampliação de período normal de trabalho normal diário definido no n.º 1 da referida Cláusula, segundo o definido na mesma;
5. Ao abrigo da faculdade descrita no número anterior, as Partes acordaram expressamente em proceder à alteração do período normal de trabalho que vinha sendo cumprido peio trabalhador - de (sete) horas por dia e de 35 (trinta e cinco) horas por semana, paro 8 horas por dia e 40 por semana, tendo definido que a compensação das horas prestadas para além dos limites previstos no n.º 1 da mencionada Cláusula 28.ª - desde que circunscrita até aos novos limites indicados na presente - seria assegurada, de comum interesse do Segundo Contraente e da Primeira Contraente através do pagamento a favor de SEGUNDO CONTRAENTE de um valor de natureza pecuniária, até agora designado por "incentivos" e acordado desde a admissão do SEGUNDO CONTRAENTE na DIII;
6. Por este meio, as Partes procedem, na presente data, à formalização per escrito do acordo expresso até agora executado por ambas e que fica a fazer parte integrante do contrato de trabalho em vigor, com efeitos a partir da data anteriormente indicada;
62. E concluía com as seguintes disposições:
Nestes termos, é celebrada e reciprocamente aceite„ em conformidade com o disposto no CCT aplicável à presente relação laborai, celebrado entre a APAT – Associação dos Transitários de Portugal e a FETESE - Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços, o presente Aditamento ao Contrato de Trabalho em vigor, do qual os Considerandos supra fazem parte Integrante, o qual se rege pelas seguintes Cláusulas
1.a Cláusula
(Alteração do Período Normal de Trabalho diário e semanal e do horário de trabalho a cumprir pelo SEGUNDO CONTRA ENTE)
Verificando-se a necessidade da Primeira Contraente de adaptar o modo de organização interna de trabalho às exigências de natureza Operacional, com vista a poder conformar a sua organização de trabalho e custos do processo produtivo às exigências de serviço de carácter urgente/expresso, acordaram as Partes na alteração do regime de organização do tempo de trabalho do SEGUNDO CONTRAENTE.



Não se provaram outros factos, nomeadamente:
a) a segunda parte do artigo 7º da petição inicial, para além do que resultou provadosob os pontos 25. a 28. e 30. dos factos provados; os artigos 18º a 21º da petição inicial;
b) que o autor tenha prestado o trabalho suplementar referido no artigo 28º da petição inicial;
c) o alegado nos artigo 30º a 33º da petição inicial para além do que resulta dos factos descritos sob os pontos 50. a 55. dos factos provados;
d) que de 6 em 6 meses os trabalhadores recebiam a média dos incentivos – extra;
e) o número exacto de trabalhadores que a ré tem ao seu serviço;
f) o alegado nos artigos 48º, 105º e 106º da contestação; g)a razão pela qual os 12 funcionários da ré se recusaram a assinar o acordo referido em 51 dos factos provados.
II.2 Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
O recorrente pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, sustentando que devem ser acrescidos como provados os três factos que sugere na conclusão 1.
A recorrida nada faz constar das suas conclusões sobre a impugnação da matéria de facto.
E, o digno magistrado do Ministério Público, no parecer a que alude o art.º 87.º3, do CPT, pronunciou-se no sentido da rejeição da impugnação, por incumprimento do disposto no art.º 640.º n.º1. al. a), do CPC.
Importa, pois, começar por apreciar e decidir se o recorrente observou com a suficiência mínima os ónus de impugnação estabelecidos no ar.º 640.º do CPC.
Conforme decorre do n.º1 do art.º 662.º do NCPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Nas palavras de Abrantes Geraldes, “(..) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância” [Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222].
Contudo, como também observa o mesmo autor, “(..) a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter” [Op. cit., p. 235/236].
Pretendendo a parte impugnar a decisão sobre a matéria de facto deve observar o disposto no art.º 640.º do CPC, sendo-lhe exigível a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º1 e n.º2, enunciando-os na motivação de recurso e sintetizando-os nas conclusões, nomeadamente os seguintes:
- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Vale isto por dizer, que o cumprimento do ónus de impugnação da decisão de facto não se basta com a mera indicação genérica da prova que, na perspectiva do recorrente, justificará uma decisão diversa da impugnada. É necessário que o recorrente concretize não só os pontos da matéria de facto sobre que recai a discordância, mas também que especifique quais as provas produzidas que, por incorrectamente consideradas, deveriam levar a outra decisão. E, para além disso, quando os meios de prova invocados como fundamento da impugnação tenham sido gravados, é também necessário que o recorrente indique “com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição”.
A propósito do que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, é entendimento pacífico na jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal de Justiça, que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações da qual conste necessariamente a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração [cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 23-02-2010, Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, Conselheiro FONSECA RAMOS; de 04/03/2015, Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Conselheiro ANTÓNIO LEONES DANTAS; de 19/02/2015, Proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Conselheiro TOMÉ GOMES; de 12-05-2016, Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, Conselheira ANA LUÍSA GERALDES; de 27/10/2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro RIBEIRO CARDOSO; e, de 03/11/2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1, Conselheiro GONÇALVES ROCHA (todos eles disponíveis em www.dgsi.pt)].
Em suma, como elucida o sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/02/2015 (acima indicado):
1. Para efeitos do disposto nos artigos 640.º, n.º 1 e 2, e 662.º, n.º 1, do CPC, importa distinguir, por um lado, o que constitui requisito formal do ónus de impugnação da decisão de facto, cuja inobservância impede que se entre no conhecimento do objeto do recurso; por outro, o que se inscreve no domínio da reapreciação daquela decisão mediante reavaliação da prova convocada.
2. A exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem impugnar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objeto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto.
3. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados e a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre do preceituado no n.º 1 do artigo 662.º do CPC.
4. É em vista dessa função que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação com a sanção da rejeição imediata do recurso, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, proémio, e n.º 2, alínea a), do CPC.
5. Nessa conformidade, enquanto que a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.
Estes são, pois, os princípios a observar na indagação que cumpre fazer sobre a admissibilidade do recurso na vertente da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Pois bem, cremos que o recorrente não observou, como lhe competia, nomeadamente quanto às conclusões, o ónus de impugnação mínimo.
O recorrente indica concretamente quais os factos que pretende ver provados, mas não nos diz se os mesmos são o contraponto dos factos que o Tribunal a quo menciona não terem resultado provados; ou, diversamente, se são factos que alegou e o Tribunal a quo não lhes faz referência, caso em que deveria indicar precisamente onde se situam; ou, ainda, se são factos que nem foram alegados mas que no seu entender deveriam julgar-se provados, caso em que o deveria justificar.
Ora, salvo o devido respeito, não cabe a este Tribunal ad quem proceder a essa indagação, substituindo-se ao recorrente.
Releva assinalar que, em nosso entender, as conclusões que respeitam à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não admitem que se formule convite ao aperfeiçoamento, dado que o art.º 640.º não prevê a possibilidade de ser proferido esse despacho. Acolhem-se a este propósito as razões apontadas pelo Senhor Conselheiro Abrantes Geraldes, observando que «[A] comparação que necessariamente em que ser feita com o disposto no art.º 639.º e, além disso, a observação dos antecedentes legislativos levam a concluir que não existe, quanto ao recurso da decisão sobre a matéria de facto, despacho de aperfeiçoamento”. A comparação entre os dois artigos, «não deixa margem para dúvidas quanto á intenção do legislador de reservar o convite ao aperfeiçoamento para os recursos das matéria de direito” [Op. cit., p. 127/128].
Nesse sentido pronunciou-se igualmente o STJ, em recente acórdão de 7-07-2016, [Proc.º220/13.8TTBCL.G1.S1, Conselheiro GONÇALVES ROCHA, disponível em www.dgsi.pt], em cujo sumário se fez constar o seguinte:
I - Para que a Relação conheça da impugnação da matéria de facto é imperioso que o recorrente, nas conclusões da sua alegação, indique os concretos pontos de facto incorrectamente julgados, bem como a decisão a proferir sobre aqueles concretos pontos de facto, conforme impõe o artigo 640º, nº 1, alíneas a) e c) do CPC.
II- Não tendo o recorrente cumprido o ónus de indicar a decisão a proferir sobre os concretos pontos de facto impugnados, bem andou a Relação em não conhecer da impugnação da matéria de facto, não sendo de mandar completar as conclusões face à cominação estabelecido naquele nº 1 para quem não os cumpre.
III- A imposição daquele ónus ao recorrente não viola o direito de acesso aos tribunais, não impondo a Constituição da República Portuguesa ao legislador ordinário que garanta aos interessados o acesso ao recurso de forma ilimitada.
Mas ainda que se entendesse o contrário, o certo é que no caso tão pouco estariam reunidas os requisitos necessários para se proceder a convite a aperfeiçoamento. Passamos a explicar a razão desta afirmação.
As conclusões consistem na enunciação de proposições sintéticas que contenham, por súmula, resumidamente, as razões porque se pede o provimento do recurso, devendo ser precisas, claras e concisas de modo a habilitar o Tribunal ad quem a conhecer quais as questões postas e quais os fundamentos invocados. Essa súmula deve resultar necessariamente do que foi alegado, isto é, o conteúdo das conclusões deve ter correspondência na fundamentação que foi levada às alegações.
Ora, no caso em apreço, percorrendo as alegações também não se encontra qualquer afirmação que resolva a dúvida enunciada. Portanto, se nem nas alegações consta essa especificação, jamais poderia ser levada às conclusões.
Concluindo, verificando-se que o recorrente não cumpriu os ónus de impugnação estabelecidos na alínea a) do n.º1, do art.º 640.º do CPC, rejeita-se a apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
II.3 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
Como se mencionou na delimitação do objecto do recurso, no plano da aplicação do direito aos factos o recorrente discorda da sentença por ter julgado improcedentes os pedidos que deduziu de condenação da Ré quanto ao seguinte:
a) A reconhecer-lhe a categoria de Motorista e a remunerá-lo como tal (concl. 5);
b) A pagar-lhe o acréscimo que este passou a ter com os transportes para o novo posto de trabalho em igualdade com outros trabalhadores em igualdade de circunstâncias (conclusão 9);
c) A pagar-lhe o prémio de incentivos por produtividade (concl. 10).
Vejamos se lhe assiste razão.
II.3.1Começando pela última daquelas questões, isso é, a respeitante ao prémio de incentivo por produtividade, como melhor resulta das alegações o recorrente fundamenta a impugnação exclusivamente na pretendida alteração da decisão sobre a matéria de facto, sustentando que “com estes factos poderia a decisão sobre este pedido ser proferida de forma diversa”.
Dito de outro modo, não se encontra um único argumento para sustentar eventual erro de julgamento na determinação, interpretação e aplicação do direito aos factos, quer nas conclusões, nomeadamente, as sob os números 10 a 13, quer nas alegações.
Assim, tendo sido rejeitada a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, necessária e logicamente nesta parte sucumbe o recurso.
II.3.2 Retomando a ordem acima indicada, prosseguimos a apreciação quanto à questão relativa à categoria profissional.
A este propósito, o tribunal a quo exarou na fundamentação o seguinte:
- «A primeira das questões a resolver prende-se com a categoria profissional do autor – defende este que deve ser de motorista e afirma a ré que é de contínuo, como sempre o reconheceu.
No CCT vem definido que Contínuo é “o trabalhador que geralmente efectua na empresa serviços gerais não especializados, tais como a recolha, distribuição e entrega de correspondência, apoio ao serviço de arquivo, numeração de cartas e ofícios, anuncia visitantes, efectua serviço de estafeta e ou outros análogos, trabalha com máquinas de fotocópias, duplicadores, endereçadores e outras similares, pode ainda efectuar serviços de cobrador com carácter não predominante.”
Por sua vez, Motorista é “o profissional que tem a seu cargo a condução de viaturas automóveis, competindo-lhe efectuar a arrumação das mercadorias que transporta bem como a carga e descarga das mesmas, assegura o bom funcionamento do veículo que lhe está distribuído ou de que se utilize, procedendo à sua limpeza e zelando pela sua manutenção”.
Como se refere no acórdão de 9 de Junho de 1998, processo n.º 103/98 (Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano VI, 1998, tomo II, pág. 287), "não é necessário que os autores exerçam rigorosamente todas as tarefas que as definições contêm a título informativo", devendo antes atender-se "às tarefas nucleares de cada uma delas"; que "exercendo os autores diversas actividades subsumíveis a diferentes categorias, a sua categorização deve efectuar-se atendendo à actividade predominante"; que "havendo diversidade equilibrada, deve atender-se à mais favorável aos autores"; e que "em caso de dúvida para determinar qual a categoria profissional dos autores deve lançar-se mão do princípio de direito laboral: o favor laboratoris".
Certo é, assim, que a categoria profissional do trabalhador tem, no essencial, de corresponder às funções que o mesmo desempenha. Da descrição das funções do autor resulta que a actividade principal é a recolha e distribuição das encomendas postais, com todo o serviço burocrático que lhe está associado, quer junto dos clientes, quer junto da própria ré. Na verdade, a utilização de um veículo automóvel é apenas um meio para alcançar o objectivo da distribuição, e essa condução pode ser mais ou menos relevante no exercício da função consoante a zona geográfica em que tal distribuição se processa.
Como resulta da definição de motorista constante do CCT, este não é o trabalhador que conduz um veículo automóvel é antes “o profissional que tem a seu cargo a condução de viaturas automóveis”. Esta referência a profissional, por contraponto à expressão trabalhador constante da definição de outras categorias, põe de forma evidente a tónica no exercício da actividade de condução de forma principal e central. Esta actividade é indissociável da condução de veículos automóveis. Pelo contrário, o contínuo, que faz a recolha, distribuição e entrega de correspondência, não necessita de forma essencial da condução de veículos automóveis para o exercício de suas funções. Este, ou outro veículo, consiste apenas num instrumento para a finalidade dessa distribuição ou recolha – chegar junto dos clientes da ré.
Nestes termos, e com fundamento no exposto, entendo que a categoria profissional de contínuo, atribuída pela ré ao autor, é a que melhor se enquadra nas funções que o mesmo efectiva e principalmente exerce».
Contrapõe o autor que “(..) conduz viaturas, procede à sua carga com vista à distribuição dos objectos que transporta para distribuir, descarrega-as nos clientes, onde carrega, por sua vez aquelas que o cliente tenha para despachar, encarregando-se da parte burocrárica de todos estes procedimentos dado que trabalha sozinho, controlando as revisões do veículo que conduz, preenchendo os documentos respectivos a essa condução ou revisão” [conc.39], para concluir que estamos perante “um núcleo de funções típicas de um motorista” [conc. 4], devendo ser-lhe reconhecida a categoria.
II.3.2.1 A posição do trabalhador na organização em que se integra define-se a partir daquilo que lhe cabe fazer, isto é, pelo conjunto de tarefas serviços e tarefas que formam o objecto da prestação de trabalho, o qual determina-se a partir da actividade contratada com o empregador [art.º 111.º n.º1 /CT 2003 e 115.º n.º 1, do CT 09].
É neste contexto que surgem as referências à categoria do trabalhador e ao seu “direito à categoria”. Contudo, como aponta a doutrina, há que destrinçar entre os vários significados da designação categoria com efeitos juridicamente relevantes [Cfr. Bernardo da Gama Lobo Xavier Iniciação ao Direito do Trabalho, 2.ª Edição, Verbo, Lisboa, 1999, pp. 171].
A definição da actividade contratada, isto é, daquele conjunto de tarefas e serviços que formam o objecto do contrato de trabalho, pode ser feita por remissão para a categoria constante de regulamentação colectiva aplicável ou de regulamento interno da empresa [art.º 111.º n.º 2, CT/2003; e, 118.º n.º2, CT/09]. Neste caso, a categoria representa o objecto da prestação de trabalho. O género de tarefas e serviços a prestar pelo trabalhador são identificados com referência à qualificação de funções de um profissional-tipo.
Pelas palavras de António Monteiro Fernandes (reportando-se ao CT/09, mas com inteira aplicação ao CT/03), “A categoria exprime, assim, um «género» de actividades contratadas - Há-de caber nesse género, pelo menos na sua parte essencial ou característica, a função principal que ao trabalhador está atribuída na organização (art.º 118.º), e que é já uma aplicação ou concretização da «actividade contratada». [Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009, pp. 200].
Mas como elucida Maria do Rosário Palma Ramalho, “A situação jurídica do trabalhador no contrato de trabalho envolve também uma componente vertical, que tem a ver com a posição que ele ocupa no seio da organização do empregador.(..) Por força da componente organizacional do contrato de trabalho, o trabalhador integra-se necessariamente na organização do trabalhador e essa integração tem efeitos na sua situação juslaboral” [Direito do trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 3.ª Edição, Almedina, Coimbra, pp. 459].
Aqui saímos do plano relativo à delimitação das funções que ao trabalhador cabe desempenhar, que dependem do objecto fixado no contrato, isto é da categoria objectiva, para se entender a referência a categoria já como reportada a um certo estatuto, nomeadamente retributivo [cfr. Bernardo da Gama Lobo Xavier, op. cit., pp. 174].
Em suma, consideradas essas diferentes vertentes, pode dizer-se, pelas palavras de Monteiro Fernandes, que “A categoria constitui um fundamental meio de delimitação de direitos e garantias do trabalhador – ou, noutros termos, de caracterização do seu estatuto profissional na empresa. É ela que define o posicionamento do trabalhador na hierarquia salarial, é ela que o situa no sistema de carreiras profissionais, é também ela que funciona como referencia para se saber o que pode e o que não pode a entidade empregadora exigir ao trabalhador” [Op. cit., pp. 200].
Não se esgota aqui o sentido da expressão categoria, mas no caso em apreço não se justifica aprofundar este ponto.
A lei não define categorias profissionais. Mas como decorre do art.º 1º do CT 03, e também do CT 09, “O contrato de trabalho está sujeito, em especial, aos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho (..)”.,
É nesse pressuposto que se compreende que a definição de categorias esteja remetida para a contratação colectiva, no âmbito da qual se estabelecem os quadros de categorias, classes, níveis ou graus profissionais, acompanhados da descrição das funções correspondentes, que se correlacionam com um certo estatuto ou tratamento contratual, desde logo, ao nível remuneratório. A categoria “(..) assume, assim, a natureza de conceito normativo – no sentido de que converte a realidade empírica, a da execução consensual de certos trabalhos, num título de acesso a certos direitos, benefícios e garantias pré-definidas, integradores de um estatuto profissional reivindicável pelo trabalhador” [António Monteiro Fernandes, op. cit, pp. 204]
Justamente por tudo isso, na medida em que reflecte a posição contratual do trabalhador e sinaliza o seu estatuto sócio profissional, a categoria é objecto de protecção legal e convencional que se evidencia, sobretudo, a três níveis: (i) na actividade a desenvolver; (ii) na remuneração devida; (iii) na hierarquização do trabalhador no seio da empresa [Ac. STJ de 12-03-2008, Proc.º n.º 07S4219, Conselheiro Sousa Grandão, disponível em www.dgsi.pt/jstj].
Expressão legal dessa protecção resulta dos disposto no art.º 122.º n.º 1 al. e), do CT/2003 e, nos mesmos termos, no art.º 129.º n.º1, al. e), CT/2009, estabelecendo a lei que o empregador não pode baixar a categoria ao trabalhador, consagrando, assim, o denominado princípio da irreversibilidade da carreira.
Como também elucida Maria do Rosário Palma Ramalho, “O conceito-chave para apreciar os elementos de inserção organizacional no contrato de trabalho na situação jurídica do trabalhador é ainda o conceito de categoria. (..) são relevantes para o recorte da posição do trabalhador na organização empresarial a categoria normativa (ou categoria-estatuto), denominação formal correspondente á função desempenhada pelo trabalhador, dada pelo instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável ou pelo regulamento de empresa em vigor; é a categoria interna à empresa, que define a posição concretamente ocupada pelo trabalhador na hierarquia empresarial” [Op. cit., pp. 459].
Reportando-se igualmente à categoria do trabalhador, no sentido de categoria normativa, Bernardo da Gama Lobo Xavier escreve que “Tratar-se-á da posição em que o prestador de trabalho se encontra por determinação da regulamentação colectiva aplicável, pela correspondência das suas funções ou posto de trabalho a uma dada «categoria» ou «classe», relevante para efeitos de hierarquia salarial e outros. (..) Categoria, nesta acepção, significa, pois, uma designação à qual se reporta um estatuto próprio de acordo com o prescrito por referência aos quadros, descritivos e tabelas dos instrumentos de regulamentação colectiva. Neste sentido se poderá falar de um verdadeiro direito à categoria ou qualificação (..). Estaremos assim em presença de categoria normativa ou estatutária” [op. cit. pp. 172].
A classificação profissional atribuída pelo empregador ao trabalhador, porque “(..) redunda na fixação de direitos e expectativas, está sujeita a controlo externo, nomeadamente judicial, que obedece a um critério único – o de privilegiar a função efectiva sobre a designação categorial com vista à polarização do estatuto do trabalhador em causa” [António Monteiro Fernandes, Op. cit., p. 205].
A qualificação correcta na categoria assume-se como um direito do trabalhador, na medida em que lhe fixa direitos, nomeadamente, integrando-o numa determinada carreira e sendo o factor de referência para a determinação da retribuição devida em contrapartida da prestação da sua actividade.
Contudo, poderá acontecer não ser viável o enquadramento pleno em determinado descritivo.
Mas se assim for, então “(..) deve ser reconhecida a categoria cujo «descritivo» mais se aproxime do tipo de actividade concretamente prestado; se duas categorias parecem igualmente ajustadas, tem de atribuir-se a mais elevada (isto é, a correspondente a funções mais valorizadas, de entre as quês estão cometidas ao trabalhador. Estas directrizes reflectem (..) o primado de um critério normativo de classificação profissional – critério ao qual não pode substituir-se o da entidade empregadora. Convém ter presente, neste ponto, que a categoria significa, para o trabalhador, não só a garantia de um certo estatuto remuneratório, mas também um referencial indispensável à salvaguarda da sua profissionalidade” [António Monteiro Fernandes, Op. cit., p. 211].
Por outras palavras, escreve-se no Acórdão de 12-03-2008, do Supremo Tribunal de Justiça, “(..) a categoria profissional deve corresponder ao núcleo essencial das funções a que o trabalhador se vinculou legal ou contratualmente, não sendo necessário que exerça todas as funções que a essa categoria correspondem. O apelo ao “núcleo essencial” ou à “actividade predominante” constitui o parâmetro atendível quando o trabalhador exerça diversas actividades enquadráveis em diferentes categorias profissionais. Ademais, em caso de dúvida, deve o trabalhador ser classificado na categoria mais elevada que se aproxima das funções efectivamente exercidas”. [Proc.º n.º 07S4219, Conselheiro Sousa Grandão, disponível em www.dgsi.pt].
Este é, desde há muito, o entendimento pacífico e uniforme da jurisprudência dos Tribunais superiores, como o ilustram, entre outros, os Acórdãos do STJ, de 23-05-2001, processo n.º 01S266, Conselheiro Almeida Deveza, e de 23-02-2012, processo n.º 4535/06.3TTLSB.L1.S1, Conselheiro Sampaio Gomes.
II.3.2.2 Revertendo ao caso, importa começar por repor o rigor dos factos, pois, contrariamente ao que afirma o recorrente, não decorre dos factos provados que lhe caiba controlar as revisões do veículo que conduz, nem tão pouco que preencha ao documentos respectivos a essa condução – que nem se percebe quais sejam – ou revisão.
Na verdade, está antes provado que [309 «Os funcionários da ré com a categoria de “Contínuos” (Estafetas/Couriers) não são responsáveis pela limpeza ou manutenção do veículo (que são, antes, efectuadas pelo Departamento de Gestão de Frota da ré e por empresas de serviços de manutenção para esse efeito contratadas por esta) apenas necessitando de possuir carta de condução de veículos ligeiros”, de onde se retira que quem controlará as revisões, na medida em que estas se enquadram na denominada manutenção do veículo, será antes o Departamento de Gestão de Frota da Ré ou empresa de manutenção de veículo contratada, conforme menciona o facto.
Para além disso, importa também assinalar que o Autor limita-se a invocar os factos que no seu entender servem à sua tese, fazendo tábua dos restantes factos provados a este propósito. Assim, para além do facto 39 já referido e transcrito, para este ponto relevam ainda os seguintes:
6. Para o exercício das suas funções o autor conduz um veículo automóvel da ré, que carrega nos seus armazéns, transportando essa carga para os clientes, a quem as entrega após a descarga, como também as recolhe.
22. Os trabalhadores da ré que exercem as mesmas funções do autor e que, tal como ao autor a ré atribuí a categoria profissional de “Contínuos” (internamente denominados Estafetas ou Couriers), utilizam uma viatura ligeira de mercadorias cuja tara não ultrapassa os 3.500kg.
23. Na estrutura interna da ré não existe nenhum trabalhador que detenha a categoria profissional de “Motorista”.
24. Existem “Motoristas C…” nas ligações internacionais de longo curso, efectuadas por camião e que trazem e levam mercadorias consolidadas de outros países, mas esses profissionais são geridos pela entidade internacional C… NETWORK e não pela aqui ré.
25. As principais funções do autor, bem como dos trabalhadores da ré com a categoria de “Contínuo”, são:
a) Verificar o material/envios dos Clientes, aquando da recolha dos mesmos (Cfr. Responsabilidades – ... Chegada/Importação e Saída/Exportação, constantes do …/… de “Contínuo”;
b) Recolher e entregar todos os envios respeitando as normas de segurança e os procedimentos operacionais em vigor;
c) Utilizar eficazmente a pistolas laser (…);
d) Preencher correctamente as folhas de entrega;
e) Garantir os melhores níveis de atendimento aos clientes, aquando das recolhas ou entregas de envios;
f) Apoiar as operações de … e … nos Terminais e …, sempre que solicitado.
26. Em termos operacionais, o autor e os restantes trabalhadores da ré com a categoria profissional de “Contínuo” (Estafeta/Courier) desempenham as seguintes funções:
a) No acto da recolha: ajudar os Clientes a preparar os envios e a documentação de suporte, eventualmente esclarecendo-os sobre o melhor serviço a optar (normal, pré-09h, pré-12h); propor e vender opções de seguro; confirmar a embalagem ou fornecimento de embalagem C… apropriada; recolher e validar o paperwork; efectuar inspecção de segurança ao conteúdo do envio, segundo as regras de segurança da IATA e a legislação para envios perigosos; validar que o envio pode ser aceite no destino, segundo a política de restricted commodities C… e a legislação aduaneira do país de destino.
b) No acto da entrega: confirmar a integridade do envio e da documentação de suporte para a entrega; identificar o receptor do envio e recolher a sua assinatura digitalizada; identificar o receptor do envio e recolher a sua assinatura digitalizada, Cobrar valores aos Clientes sem conta de crédito (envios cash) e passando os respectivos recibos.
c) Ao chegar à base operacional C… (…): efectuar a tarefa de debriefing, prestando contas sobre a actividade, os envios recolhidos e entregues, documentação de suporte, dinheiros recebidos e todas as informações necessárias sobre os envios recolhidos e entregues durante o dia; e tirar fotocópias, preencher e controlar documentos anexos aos envios dos clientes (paperwork), por exemplo facturas e outros documentos para fins aduaneiros.
27. Existem locais (em regra, cidades ou vilas de maior densidade populacional) em que o referido veículo pode ser estacionado e, a partir daí, o “Contínuo” (Estafeta/Courier) desloca-se a pé até aos clientes que se encontram localizados nessa mesma área geográfica, se necessário utilizando um carrinho de transporte de pequenos volumes.
28. Durante vários anos, alguns “Contínuos” (Estafetas/Couriers) que laboravam em áreas geográficas de difícil acesso em viatura automóvel ou com poucos locais de estacionamento, como, por exemplo, a Baixa, em Lisboa e no Porto, utilizaram como meio de transporte a motorizada;
29. A ré encontra-se neste momento a equacionar o regresso à utilização de motorizadas pelos seus “Contínuos” (Estafetas/Couriers).
Constata-se, pois, que o núcleo essencial das funções desempenhadas pelo Autor não abrange simplesmente as que este vem afirmar, estribando-se no facto 6, mas antes o que ai consta acrescido de tudo o mais que também consta nos factos 26 e 26. Conjugando o conteúdo dos três factos retira-se, sem que surja dúvida que as funções exercidas pelo autor, bem como pelos demais trabalhadores com a mesma categoria profissional de contínuo, vão bastante para além da condução de veículo automóvel. No leque de funções desempenhadas pelo autor, a condução de veículo automóvel decorre da utilização desse meio de transporte, o qual desempenha uma função instrumental para se alcançar o objectivo da distribuição.
Mais, se é certo que os trabalhadores que exercem as funções de contínuos “ utilizam uma viatura ligeira de mercadorias” (facto 22), a utilização deste meio de transporte nem sempre é essencial, pois “pode ser estacionado e, a partir daí, o “Contínuo” (Estafeta/Courier) desloca-se a pé até aos clientes que se encontram localizados nessa mesma área geográfica, se necessário utilizando um carrinho de transporte de pequenos volumes (facto 27).
De resto, com também está provado, os trabalhadores com esta categoria que prestavam a sua actividade em “áreas geográficas de difícil acesso em viatura automóvel ou com poucos locais de estacionamento, como, por exemplo, a Baixa, em Lisboa e no Porto, utilizaram como meio de transporte a motorizada” (facto 28), estando a até a Ré neste momento a equacionar o regresso à utilização de motorizadas pelos seus “Contínuos” (Estafetas/Couriers)” (facto 29).
Concluiu-se na sentença, que embora o A. tenha vindo defender a aplicação do CCT celebrado entre a APAT e a FETESE, publicado no BTE nº 1 de 8/1/2005 e depois no BTE n.º 20 de 29/5/2009, enquanto a Ré sustentou ser aplicável o CCT celebrado entre a APAT — Assoc. dos Transitários de Portugal e o SIMAMEVIP — Sind. dos Trabalhadores da Marinha Mercante, Agências de Viagens, Transitários e Pesca, “da Portaria de Extensão publicada no BTE n.º 38 de 15/10/2009, que respeita aos dois CCT referidos, qualquer uma delas é aplicável ao autor já que este não é filiado em qualquer um dos sindicatos outorgantes e a ré é filiada na APAT, sendo ainda certo que as funções do autor estão contempladas nas duas”.
O autor não põe esta consideração em causa, nem nós vimos razões para a questionar.
A categoria “Contínuo(a)”, consta descrita nos termos seguintes: “É o trabalhador que geralmente efectua na empresa serviços gerais não especializados, tais como a recolha, distribuição e entrega de correspondência, apoio ao serviço de arquivo, numeração de cartas e ofícios, anuncia visitantes, efectua serviço de estafeta e ou outros análogos, trabalha com máquinas de fotocópias, duplicadores, endereçadores e outras similares; pode ainda efectuar serviços de cobrador com carácter não predominante”.
E, quanto à categoria de “Motorista”, diz-se que “É o profissional que tem a seu cargo a condução de viaturas automóveis, competindo-lhe efectuar a arrumação das mercadorias que transporta, bem como a carga e descarga das mesmas, assegura o bom funcionamento do veículo que lhe está distribuído ou de que se utilize, procedendo à sua limpeza e zelando pela sua manutenção”.
O conjunto de tarefas desempenhadas pelo A. (cfr. factos 25 e 26) excedem as que se encontram previstas na definição da categoria de contínuo, mas o seu núcleo essencial reconduz-se ao essencial do descritivo funcional para essa categoria, designadamente à “recolha, distribuição e entrega de correspondência, (..) serviço de estafeta e ou outros análogos, (..)”.
Cabe aqui deixar uma breve nota, visto que o recorrente vem dizer que não efectua serviços de estafeta e ou outros análogos, nem usa máquinas de fotocopiar. Porém, não tem razão.
Não resulta do CCT uma definição de estafeta. Todavia, a palavra significa “Indivíduo que leva a correspondência de uma estação para outra. = CORREIO”; “Mensageiro. = CORREIO” [in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (em linha), 2008-2013, https://www.priberam.pt/DLPO/estafeta]. Ora, as tarefas que o Autor executa têm todas elas por base a recolha, entrega e distribuição de correspondência a clientes, que são típicas dos estafetas.
Por outro lado, consta expressamente provado que cabe ao Autor “tirar fotocópias”, o que não significando que essa seja a sua ocupação principal, naturalmente pressupõe trabalhar com máquinas fotocopiadoras sempre que seja necessário fotocopiar documentação, designadamente a utlizada nos registos de entrega e recepção da correspondência aos clientes.
No que respeita à categoria de motorista, tal como descrita pressupõe que a condução de veículos automóveis tem por finalidade o transporte de mercadorias, competindo ao motorista a respectiva arrumação, carga e descarga, bem assim assegurar o “bom funcionamento do veículo que lhe está distribuído ou de que se utilize, procedendo à sua limpeza e zelando pela sua manutenção”.
Sendo de notar, como assinala o tribunal a quo, que “Como resulta da definição de motorista constante do CCT, este não é o trabalhador que conduz um veículo automóvel é antes “o profissional que tem a seu cargo a condução de viaturas automóveis”, para depois se afirmar, em consideração que se acompanha, o seguinte:
-“Esta referência a profissional, por contraponto à expressão trabalhador constante da definição de outras categorias, põe de forma evidente a tónica no exercício da actividade de condução de forma principal e central. Esta actividade é indissociável da condução de veículos automóveis. Pelo contrário, o contínuo, que faz a recolha, distribuição e entrega de correspondência, não necessita de forma essencial da condução de veículos automóveis para o exercício de suas funções. Este, ou outro veículo, consiste apenas num instrumento para a finalidade dessa distribuição ou recolha – chegar junto dos clientes da ré”.
É certo que o autor conduz um veículo e carrega-o com o tem que levar para entregar aos clientes, mas nem estas tarefas são o núcleo essencial da actividade que presta, nem as mesmas, pelas razões apontadas, dependem em exclusivo do uso de automóvel para serem executadas, nem tão pouco lhe cabe assegurar o “bom funcionamento do veículo que lhe está distribuído ou de que se utilize, procedendo à sua limpeza e zelando pela sua manutenção”. Por isso, não pode dizer-se que o núcleo essencial das suas funções se reconduza às previstas para a categoria de motorista.
Por conseguinte, acolhe-se o juízo do Tribunal a quo, crendo-se que o “núcleo essencial” da actividade prestada pelo autor ao serviço da Ré enquadra-se na categoria que lhe está atribuída, ou seja, de “contínuo”, não lhe assistindo fundamento para reclamar a sua qualificação profissional como motorista.
II.3.3 Por último coloca-se a questão de saber se a Ré deveria ter sido condenada a pagar ao autor o acréscimo de despesas que este passou a ter com os transportes para o novo posto de trabalho em igualdade com outros trabalhadores em igualdade de circunstâncias (conclusão 9).
Mais uma vez impõe-se uma nota prévia.
A conclusão 9, na parte final, onde se lê “em igualdade com outros trabalhadores em igualdade de circunstâncias”, conjugada com a conclusão que imediatamente antecedente, onde se diz que “ (..) a Recorrida continuou a permitir o uso da viatura da empresa ou, em alternativa, a custear os transportes discriminando desta forma o Recorrente”, sugerem que o recorrente está a fundar o recurso em alegado tratamento discriminatório relativamente ao que foi dado a outros colegas seus trabalhadores.
Ora, acontece que nada disso consta das alegações.
As conclusões consistem na enunciação de proposições sintéticas que contenham, por súmula, resumidamente, as razões porque se pede o provimento do recurso. Sendo uma súmula dos fundamentos invocados para sustentar o recurso, as conclusões não podem extravasar o que foi feito constar nas alegações. Assim, quando o recorrente faça constar nas conclusões matéria que não faz parte das alegações, essas conclusões devem considerar-se como não escritas.
Acresce que jamais essa questão foi sequer colocada para apreciação pelo tribunal a quo. Com efeito, as alegações para sustentar o pedido em causa encontram-se sob os artigos 11.º a 23.º da PI e em parte alguma dos mesmos há sequer a mínima alusão a situações de outros trabalhadores.
Por conseguinte, ainda que nas alegações o recorrente tivesse feito constar algo que desse suporte ás conclusões, sempre estaríamos perante uma questão nova, que não foi sujeita à apreciação do tribunal de 1ª instância e, por isso, dela não poderia este tribunal de recurso conhecer, como tem sido entendimento corrente da doutrina e da jurisprudência. Apenas nos casos expressamente previstos (cfr. artigo 665º nº 2, 608º, nº 2, in fine, CPC), pode o tribunal superior substituir-se ao tribunal que proferiu a decisão recorrida.
Com efeito, a jurisprudência tem reiteradamente entendido que os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais (artigos 627.º 1 e 639.º 1), através dos quais se visa reapreciar e modificar decisões e não criá-las sobre matéria nova, salvo quanto às questões de conhecimento oficioso [Cfr. Acórdãos do STJ (disponíveis em www.dgsi.pt): de 14-05-2015, proc.º 2428/09.1TTLSB.L1.S1, Conselheiro Melo Lima; de 12-09-2013, proc.º 381/12.3TTLSB.L1.S1 e de 11-05-2011, proc.º786/08.4TTVNG.P1.S1, Conselheiro Pinto Hespanhol].
II.3.3.1Sobre o acréscimo de despesas de deslocação, o tribunal a quo pronunciou-se conforme segue:
-«Pede também o autor a condenação da ré no pagamento do acréscimo nas despesas de deslocação que teve com a sua transferência de … para ….
Sendo certo que … é um lugar da freguesia de …, a questão prende-se com a sua transferência do Terminal que a ré detinha em …, para o Terminal que passou a ter junto do aeroporto, na freguesia de …. Esta transferência coincidiu com o facto da ré ter deixado de autorizar que o autor se deslocasse na carrinha da empresa que conduzia nas deslocações para sua casa e desta para o local de trabalho. Invoca, assim, a simultânea transferência e retirada do veículo.
No que respeita à transferência, de acordo com o n.º 1 da cláusula 16º do CCT, “o empregador só é autorizado a transferir o trabalhador para outro local de trabalho desde que se verifique uma das seguintes condições: a) Acordo escrito do trabalhador; b) Mudança total ou parcial da dependência onde presta serviço, sem prejuízo sério para o trabalhador.”
De acordo com o n.º 4 desta mesma cláusula, “considera-se transferência a mudança de local de trabalho: a) Por um prazo de tempo superior a três meses; b) Para uma localidade diversa daquela onde se situa o estabelecimento onde o trabalhador presta serviço.”
Dos factos apurados resulta que a transferência do autor ocorreu por força da mudança total da dependência onde o autor prestava serviço, e nada permite concluir ter ocorrido qualquer sério prejuízo para o autor (que nem foi invocado nos autos). No entanto, é certo que esta transferência ocorreu dentro da mesma localidade, pelo que não estamos perante uma transferência abrangida por este preceito.
Como tal, assim sendo, não há sequer lugar ao pagamento por parte da entidade patronal de qualquer prejuízo que o trabalhador possa ter com tal alteração do local de trabalho (e que nem resulta ter existido no caso em análise).
Resta, assim, apreciar de esse direito existe pelo facto da ré ter deixado de autorizar que o autor se deslocasse na carrinha da empresa nos trajectos entre sua casa e o local de trabalho.
No que respeita à utilização de veículo da empresa, ponderando as razões pela qual o mesmo foi atribuído ao autor e as razões pelas quais lhe foi depois retirado, e que estão supra descritas nos pontos 35. a 41. dos factos provados, é de considerar que a faculdade que o autor chegou a ter de o utilizar foi justificado por uma circunstância específica – execução de determinadas tarefas – que depois deixou subsistir.
A utilização do veículo ocorreu apenas quando, adicionalmente às funções para que foi contratado, o autor exerceu outras (recolha e entrega do material que chegava e partia do aeroporto) e para facilitar o exercício destas funções. Cessadas tais funções, não existia qualquer obrigação da ré em manter o uso do veículo na disponibilidade do autor.
Em consequência, uma vez que o uso do veículo não constituía qualquer complemento remuneratório do autor, não está a ré obrigada a compensar o seu valor por uma determinada quantia pecuniária.
Improcede, assim, nesta parte o pedido».
Alega o recorrente, como melhor se retira das alegações o seguinte:
- “conforme (…) alegou as despesas acrescidas que passou a ter não se prendem com o aumento da distância entre a sua residência e o novo local de trabalho.
Antes se encontra ligado ao facto de com essa mudança de local de trabalho a recorrida ter passado a obrigar o recorrente a deixar o veículo automóvel que lhe estava distribuído na empresa em vez de o levar para casa como sempre fez desde que trabalha na recorrida.
(..)
Sempre teve o recorrente como certo que os transportes eram por conta da recorrida, sendo uma contrapartida em espécie, sempre cumprida pela recorrida que alterando a forma da prestação de funções do recorrente o passou a obrigar a pagar essa deslocação que já se cifram em milhares de euros, foram essas despesas acrescidas que o recorrente passou a ter sem ser por qualquer acto seu, e que deverão ser compensadas pela recorrida (..)».
Salvo o devido respeito, esta argumentação não pode deixar de nos causar perplexidade.
O recorrente alega como se o tribunal a quo não tivesse tratado a questão na perspectiva de saber se a Ré podia, como o fez, deixar de autorizar o autor a levar o veículo para casa. Em suma, o recorrente não toma em conta o que consta na segunda parte da fundamentação, para a rebater com argumentos jurídicos.
Ora, o direito ao recurso não visa conceder à parte um segundo julgamento da causa, mas apenas permitir a discussão sobre determinados pontos concretos, que na perspectiva do recorrente foram incorrectamente mal julgados, para tanto sendo necessário que se enunciem os fundamentos que sustentam esse entendimento, devendo os mesmos consistir na enunciação de verdadeiras questões de direito, que lhe compete indicar e sustentar, cujas respostas sejam susceptíveis de conduzir à alteração da decisão recorrida. Em poucas palavras, o recorrente deve expor ao tribunal ad quem as razões da sua discordância, procurando convencer da sua pertinência, a fim de que este tribunal se debruce sobre elas e decida se procedem ou não.
Pois bem, acontece que o recorrente não o faz.
Na verdade, ainda que se entendesse que minimamente suscita uma questão de direito quando vem dizer nas alegações, na parte acima transcrita (nas conclusões não consta essa referência) que “teve (..) como certo que os transportes eram por conta da recorrida, sendo uma contrapartida em espécie, sempre cumprida pela recorrida (…)”, nem assim essa alegação lhe pode valer, dado tratar-se também de uma questão que não foi submetida à apreciação do Tribunal a quo.
Com efeito, vistos os mesmos artigos 11.º a 23.º da PI, nos quais constam as alegações que sustentam o pedido em causa, nelas não se encontra a mínima alusão à convicção que o autor agora vem afirmar.
Portanto, tratando-se de uma questão nova, mesmo que se entendesse que estava minimamente alicerçada, pelas razões que acima referimos, nunca poderia este Tribunal ad quem debruçar-se sobre ela.
Assim sendo, sobre este ponto nenhum argumento concreto cumpre apreciar e, logo, também aqui sucumbe a impugnação.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Custas do recurso a cargo do recorrente, atento o decaimento (art.º 527.º 1, do CPC).

Porto, 2 de Março de 2017
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Fernanda Soares
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SUMÁRIO
1. A qualificação correcta na categoria assume-se como um direito do trabalhador, na medida em que lhe fixa direitos, nomeadamente, integrando-o numa determinada carreira e sendo o factor de referência para a determinação da retribuição devida em contrapartida da prestação da sua actividade.
2. Contudo, poderá acontecer não ser viável o enquadramento pleno em determinado descritivo. Mas se assim for, então a categoria profissional deve corresponder ao núcleo essencial das funções a que o trabalhador se vinculou legal ou contratualmente, não sendo necessário que exerça todas as funções que a essa categoria correspondem.
3. O conjunto de tarefas desempenhadas pelo A. excedem as que se encontram previstas na definição da categoria de contínuo, mas o seu núcleo essencial reconduz-se ao essencial do descritivo funcional para essa categoria, designadamente à “recolha, distribuição e entrega de correspondência, (..) serviço de estafeta e ou outros análogos, (..)”.
4. É certo que o autor conduz um veículo e carrega-o com o tem que levar para entregar aos clientes, mas nem estas tarefas são o núcleo essencial da actividade que presta, nem as mesmas, pelas razões apontadas, dependem em exclusivo do uso de automóvel para serem executadas, nem tão pouco lhe cabe assegurar o “bom funcionamento do veículo que lhe está distribuído ou de que se utilize, procedendo à sua limpeza e zelando pela sua manutenção”. Por isso, não pode dizer-se que o núcleo essencial das suas funções se reconduza às previstas para a categoria de motorista.
5. Sendo uma súmula dos fundamentos invocados para sustentar o recurso, as conclusões não podem extravasar o que foi feito constar nas alegações. Assim, quando o recorrente faça constar nas conclusões matéria que não faz parte das alegações, essas conclusões devem considerar-se como não escritas.
6. Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais (artigos 627.º 1 e 639.º 1), através dos quais se visa reapreciar e modificar decisões e não criá-las sobre matéria nova, salvo quanto às questões de conhecimento oficioso.

Jerónimo Freitas