Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
121/09.4TBVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: REGISTO PROVISÓRIO DE AQUISIÇÃO
REGISTO DEFINITIVO
TITULAR INSCRITO
DIREITOS DO FUTURO ADQUIRENTE
Nº do Documento: RP20110201121/09.4TBVNG.P1
Data do Acordão: 02/01/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: A limitação decorrente da existência de um prévio registo provisório de aquisição apenas opera em face de posteriores direitos incompatíveis que assentem em título dispositivo proveniente do titular inscrito, não assegurando portanto o futuro adquirente face a actos legitimamente praticados por terceiros contra o titular do registo definitivo (v.g., arresto, penhora ou apreensão em processo de insolvência).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ● Rec. 121-09.4TBVNG.P1. Relator – Vieira e Cunha. Adjuntos – Desembargadores Maria da Graça Mira (com dispensa de visto) e João Proença Costa.

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto

Os Factos
Recurso de apelação interposto na acção com processo ordinário nº121/09.4TBVNG, da 2ª Vara de Competência Mista da Comarca de Vª Nª de Gaia.
Autores – B… e mulher C….
Réus – D… e mulher E….

Pedido
Que os RR. sejam condenados:
a) a reconhecerem os AA. como donos e legítimos proprietários do imóvel identificado no nº1 da P.I.;
b) a restituírem aos proprietários AA. o referido imóvel, livre e desocupado de pessoas e bens;
c) a se absterem no futuro de praticar quaisquer outros actos que possam perturbar o direito de propriedade dos AA.;
d) a indemnizarem os AA. por todos os danos provocados no imóvel, em montante a liquidar em execução de sentença.
Tese dos Autores
São donos de um prédio urbano, que adquiriram através de venda por negociação particular, em processo de execução fiscal, e fizeram registar a seu favor.
Acontece que os RR. residem no prédio e recusam-se a entregá-lo aos AA., no mesmo prédio tendo efectuado obras vultuosas, à revelia dos mesmos AA.
O filho dos RR., F…, adquiriu o prédio em data posterior à do registo da penhora a favor da Fazenda Pública; sendo a venda efectuada pelos RR. ao filho, em data posterior à do registo da penhora, a mesma é ineficaz relativamente aos AA., violando essa transmissão o disposto no artº 819º C.Civ.
Tese dos Réus
O prédio tem como dono C…, que logrou registar definitivamente o seu direito em 8/2/07, ou seja, mesmo antes da a invocada compra por parte dos AA., em 15/10/07.
As obras referenciadas têm sido executadas pelo legítimo dono do prédio, única pessoa que nele habita.
Sentença
Na sentença proferida em 1ª instância, foram declarados os Autores como titulares do direito de propriedade do prédio urbano destinado à habitação, composto de casa com dois pavimentos, anexos e garagem, sito no …, …, Vª Nª de Gaia, inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artº nº 4298 e descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vª Nª de Gaia sob o nº 1291 e condenados os RR. a reconhecer tal titularidade.
Os RR. foram absolvidos dos demais pedidos, fundamentalmente pelo facto de os AA. não terem logrado demonstrar a detenção, pelos RR., do imóvel em questão.
Conclusões do Recurso de Apelação apresentado pelos Réus (resenha):
1. Foram violadas as normas constantes dos artºs 668º nº1 als. c) e e) C.P.Civ., 92º nºs 2 al.b), 6º nº6 e 7º C.Reg.Pred. e 1316º e 819º C.Civ., discordando-se por igual do sentido e alcance com que tais normas foram aplicadas.
2. O artº 668º nº1 al.e) C.P.Civ. mostra-se violado porque os AA. não peticionaram que se declarasse a titularidade do direito de propriedade, mas antes que os RR. reconhecessem os AA. como donos e legítimos proprietários.
3. O artº 668º nº1 al.c) C.P.Civ. mostra-se violado porque, tendo o Exmº Juiz “a quo” confirmado que “não lograram os AA. demonstrar a detenção por parte dos RR. do imóvel em questão, nem a imputação da autoria das obras efectuadas aos mesmos”, tendo assim absolvido os RR. dos restantes pedidos, não poderia, sob pena de contradição entre os fundamentos e a decisão, condenar no reconhecimento da titularidade do direito de propriedade pelos AA., porquanto o fundamento para tal pedido consistiu na alegação de que os RR. invadiram e ocuparam abusivamente o prédio, bem como iniciaram obras no mesmo prédio, factos que de forma alguma resultaram provados.
4. Nos termos dos artºs 92º nº2 al.b) e 6º C.Reg.Pred., merece a dissidência dos RR. a interpretação dada pelo Mmº Juiz “a quo”, no que se refere à inoponibilidade da aquisição efectuada por parte do filho dos RR., registada em 8/2/07, nos termos dos artºs 829º C.Civ. e 6º C.Reg.Pred., porquanto, dada a extinção da execução que originou a penhora provisória, de 10/11/06, constante da certidão de registo predial junta aos autos, o registo provisório obrigatoriamente caducaria; ora, em 6/11/07, data em que se encontra registada a favor dos AA. a aquisição por venda judicial, não se encontrava registada qualquer renovação do registo provisório, pelo que a aquisição definitiva a favor do adquirente F…, filho dos RR., deverá retroagir os seus efeitos à data da apresentação, em 2/5/06, do registo de aquisição provisória por natureza, nos termos do artº 6º nºs 1 e 2 C.Reg.Pred.

Os AA. não apresentaram contra-alegações.
Factos Apurados
Encontra-se registada em nome dos AA., desde 6/11/2007, a aquisição, por venda judicial, do prédio urbano destinado a habitação, composto de casa com dois pavimentos, anexos e garagem, sito no …, …, Vª Nª de Gaia, inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artº nº 4298 e descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vº Nª de Gaia sob o nº 1291 (A).
Tal venda foi efectuada por escritura pública celebrada em 15/10/07, no âmbito do processo de execução fiscal nº 3581200201517449, que correu termos pelo 3º Serviço de Finanças de Vª Nª de Gaia e no qual os RR. eram Executados, tendo o referido imóvel sido objecto prévio de penhora registada em 10/11/06 (B).
Encontra-se registada em nome de F…, desde 8/2/07, a aquisição por compra do mesmo imóvel (C).
Na sequência da realização desta escritura, os AA. deslocaram-se ao prédio em causa e interpelaram uma pessoa do sexo masculino não identificada para o entregar, o que este recusou efectuar (1º).
Sem o consentimento dos AA., foram efectuadas as seguintes obras, no identificado prédio: retirada de portas e janelas; retirada dos caixilhos das portas e das janelas; retirada das portadas; reformulação da instalação eléctrica; levantamento do soalho; retirada das louças de casa de banho; reboco das paredes; preparação das paredes interiores e exteriores para receber nova pintura; instalação de tectos falsos; assentamento de tijolo e reboco do muro exterior (2º).
Trabalhos esses que provocaram danos no imóvel, de extensão ainda desconhecida para os AA., impedidos que estão de aceder ao seu interior (3º).

Fundamentos
A questões colocadas pelo recurso dos autos podem ser sumariadas nas seguintes:
- Saber se a acção foi erradamente julgada procedente, em parte, porque os AA. não peticionaram que se declarasse a titularidade do direito de propriedade, mas antes que os RR. reconhecessem os AA. como donos e legítimos proprietários, para além de se mostrar violado o disposto no artº 668º nº1 al.e) C.P.Civ.
- Saber se, tendo o Mmº Juiz “a quo” absolvido os RR. dos pedidos relativos à detenção por parte dos RR. do imóvel em questão, não poderia, sob pena de contradição entre os fundamentos e a decisão, condenar no reconhecimento da titularidade do direito de propriedade pelos AA. – artº 668º nº1 al.c) C.P.Civ.
- Saber se o registo de aquisição provisória pelo filho dos RR., a quem estes alienaram posteriormente o prédio, prevalece sobre o registo da penhora efectuada nos autos, posteriormente ao dito registo de aquisição provisória, considerando ainda que a execução fiscal em que o prédio em causa foi objecto de venda judicial foi julgada extinta nos autos de oposição à execução, em 11/12/09, decisão de que se interpôs recurso, embora com efeito meramente devolutivo.
Vejamos então.
I
A primeira questão colocada por esta via recursória prende-se com o facto de o Mmº Julgador ter condenado os RR. a reconhecerem a titularidade de um direito de propriedade, e não, como nos termos do pedido, que os RR. “reconhecessem os AA. como donos e legítimos proprietários”.
Ora, e com o devido respeito pelo inconformismo dos Recorrentes, bem se vê que condenar no reconhecimento de um determinado direito de propriedade ou condenar alguém a reconhecer outrem como proprietário, enquanto titular do mesmo direito de propriedade, é uma e a mesma realidade.
De há muito que a melhor doutrina, na exegese do disposto no artº 661º nº1 C.P.Civ. defende que os limites do petitório não dependem de um exagerado rigorismo formal. Encontra-se apenas em causa a correspondência entre a acção e a sentença (cf. J. Alberto dos Reis, Anotado, V/52).
Por isso, a doutrina afirma que os limites do petitório não dependem de sacralização de palavras e que aquilo que importa para o decisor é o sentido do pedido, mais que o seu literalismo – neste sentido, Ac.S.T.J. 26/4/95 Col.I/155 e 160.
Não existe pois ofensa de qualquer preceito legal neste segmento estipulativo da douta sentença, muito menos a invocada nulidade de condenação em objecto diverso do pedido – artº 668º nº1 al.e) C.P.Civ.
II
A segunda questão colocada prende-se com os efeitos da absolvição dos RR. quanto aos pedidos relativos à detenção do imóvel dos autos – tal absolvição conduziria necessariamente à absolvição do pedido de reconhecimento do direito de propriedade, sob pena de contradição entre os fundamentos e a decisão?
A questão merece conhecimento detalhado.
De um lado, encontramo-nos perante uma acção de reivindicação, que é aquela que é caracterizada por dois momentos, segundo o disposto no artº 1311º C.Civ.: num primeiro momento, o reconhecimento, contra terceiro detentor, do direito de propriedade do autor, num segundo momento, a consequente restituição do bem a quem se arroga a respectiva propriedade.
De acordo com uma posição analítica mais tradicional, a acção de reivindicação pressupõe a necessidade de formulação de dois pedidos principais, um de reconhecimento do direito, outro de entrega do bem – assim. Manuel Gonçalves Salvador, Elementos da Reivindicação, 1958, pg. 16. cit. in S.T.J. 24/1/95 Col.I/38 ou Meneses Cordeiro, Direitos Reais, 1993, pg. 591.
Teríamos assim uma acção mista de simples apreciação e de condenação; nos termos do artº 4º C.P.Civ., as acções declarativas de simples apreciação têm por fim obter unicamente a declaração da existência ou da inexistência de um direito ou de um facto e as de condenação exigir a prestação de uma coisa ou de um facto, pressupondo ou prevendo a violação de um direito.
Mas se assim é, não haveria na acção de reivindicação qualquer diferença relativamente a uma vulgar acção de pura e simples condenação, já que também as acções de condenação, previamente ao pedido substancial de que se ordene ao Réu proceda à realização de uma prestação correspondente à pretensão do autor, pressupõem o reconhecimento da existência do direito de que decorre a pretensão condenatória (neste sentido, veja-se Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e S. e Nora, Manual, 1983, pg. 21).
Por esse motivo, grande parte da doutrina (ex abundanti, P. de Lima e Antunes Varela, Anotado, III, artº 1311º, nota 2) aceita que o pedido de reconhecimento na reivindicação fique implícito.
Da mesma forma, se na acção não existe controvérsia quanto à propriedade do autor, mas apenas controvérsia quanto à detenção ou não detenção por parte do réu, ou sobre a licitude dessa detenção, não existindo uma concretizada lide quanto à questão da apreciação da propriedade, não se antolha razão para a condenação do réu no pedido de reconhecimento da propriedade, mesmo que formulado autonomamente no pedido, posto que esse dito reconhecimento nunca passaria de um mero prius relativamente ao verdadeiro assunto da lide e sobre o mesmo não existe qualquer controvérsia (podendo até tal pedido nem chegar a ser formulado expressamente).
Mas, servindo-nos do generalizado aforismo “cada caso é um caso”, verificamos aqui a singularidade da presente acção de reivindicação: é que os RR., para além de impugnarem a detenção que os AA. invocam que eles RR. vinham efectuando sobre o imóvel reivindicado, não deixam também de impugnar o pedido de simples apreciação de declaração da propriedade dos AA. sobre o imóvel.
Ou seja, o pedido declarativo de simples apreciação assume, nesta concreta acção de reivindicação, verdadeira autonomia face ao pedido de condenação, posto que é contraditado a par do fundamento da detenção ilícita.
E pese embora pudesse tal pedido de simples apreciação ter sido omitido, tendo ele sido expressamente formulado, não existe verdadeira razão para ser ignorado, sob pena de eventualmente se obrigar os AA. à inútil propositura de uma nova acção com o mesmo fundamento.
Decaem os Recorrentes neste segundo segmento recursório, incluindo a invocada nulidade de contradição entre os fundamentos e a decisão.
III
Finalmente, a magna questão de saber se o registo de aquisição provisória pelo filho dos RR., a quem estes alienaram posteriormente o prédio, prevalece sobre o registo da penhora efectuada nos autos, posteriormente ao dito registo de aquisição provisória, exactamente ao contrário do sustentado na douta sentença recorrida e que conduziu à parcial procedência da acção e ao fundamento doutamente invocado para o presente recurso.
Como é sabido, por força do disposto no artº 10º C.Reg.Pred., os efeitos do registo transferem-se mediante novo registo; mediante o artº 6º nº3 C.Reg.Pred., o registo convertido em definitivo conserva a prioridade que tinha como provisório (cita-se este último normativo pela manifesta semelhança com o caso dos autos; na verdade, nos autos deparamo-nos com dois registos provisórios por natureza, de aquisição, o primeiro, de penhora, o segundo, ou seja, registos ambos que poderiam, ou não, ser convertidos em definitivos, designadamente a penhora, nos termos do artº 101º nº1 al.a) C.Reg.Pred.; a não estavam destinados a serem convertidos em definitivos, mas sim a serem sucedidos por outras inscrições, como foi o caso dos autos, não seria o artº 6º nº3 a caracterizar correctamente a retroacção dos efeitos dos registos posteriores).
Significa isto que, examinando a certidão de registo predial junta aos autos, se verificam estes quatro efeitos relevantes, posto que os registos provisórios por natureza (de aquisição provisória e de penhora) não tinham caducado ou sido cancelados – artº 92º nºs 3, 5 e 6 C.Reg.Pred.:
- existe um registo de aquisição provisória, a favor de F…, com data de 2/5/2006;
- existe um registo de penhora, em execução movida pela Fazenda Pública contra os RR. na presente acção, datado de 10/11/2006;
- existe um registo de aquisição, a favor de F…, datado de 8/2/2007;
- e finalmente, em decorrência da penhora e do processo de execução fiscal supra referidos, existe registo da aquisição em venda judicial, a favor dos aqui Autores, datado de 6/11/2007.
A questão, pois, em análise nos autos deverá passar pelo confronto do disposto no artº 5º nº1 C.Reg.Pred., no sentido de que “os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo”, em face do disposto no artº 819º C.Civ., no sentido de que “sem prejuízo das regras de registo, são ineficazes em relação ao exequente os actos de disposição ou oneração dos bens penhorados”, para concluir na resposta à seguinte questão – a regra de registo dos artºs 10º e 6º nº3 C.Reg.Pred. aplica-se à hipótese de uma aquisição provisória, a que se tenha seguido penhora, venda ao adquirente provisório, e, posteriormente, venda judicial, caso em que tal normativo prevalece sobre o citado artº 819º, ou antes será o artº 819º a prevalecer sobre o registo provisório de aquisição, no caso dos autos?
A questão recebeu respostas diversas da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça – no Ac.S.T.J. 15/5/01 in www.dgsi.pt, pº nº 01A918, relator: Ribeiro Coelho, hoje apenas disponível em sumário, pode ler-se: “I – Celebrado o contrato promessa de um imóvel e obtida a inscrição provisória da aquisição, ao abrigo do artº 92º nº1 al.g) C.Reg.Pred., a posterior aquisição por escritura pública, antes da caducidade desse registo, mantém a prioridade que já tinha como provisória, nos termos do artº 6º nº3 do mesmo diploma. II – Assim, mesmo que tenha sido efectuada e registada a penhora desse imóvel, antes da outorga da escritura de compra e venda, mas depois de feita aquela inscrição provisória, nem por isso a venda é ineficaz relativamente ao exequente.”
A mudança de azimute decisório verificou-se logo no Ac.S.T.J. 25/6/02 in www.dgsi.pt, pº nº 01A4305, relator: Alípio Calheiros. Aí se escreveu, com referência mutatis mutandis, não a uma hipótese de registo de penhora, mas a uma hipótese de registo de arresto, que “O artigo 413º nº1 do Código Civil dispõe que à promessa de transmissão ou constituição de direitos reais sobre bens imóveis, ou móveis sujeitos a registo podem as partes atribuir eficácia real, mediante declaração expressa e inscrição no registo.
O número 2 daquele mesmo preceito, por seu lado, determina que deve constar de escritura pública a promessa a que as partes atribuam eficácia real; porém, quando a lei não exija essa forma para o contrato prometido, é bastante documento particular com reconhecimento da assinatura da parte que se vincula ou de ambas, consoante se trate de contrato-promessa unilateral ou bilateral.
Daqui resulta que o contrato-promessa de compra e venda que determinou o registo de aquisição provisória da propriedade de metade indivisa do imóvel em causa não tem eficácia real, quer porque tal efeito não lhe foi atribuído, pelas partes, quer porque só o poderia ter sido através de escritura pública.
Esta consequência não pode ser afastada pelo facto de o artigo 6º nº3 do Código do Registo Predial atribuir ao registo definitivo a prioridade que tinha como provisório. Sem eficácia real do contrato-promessa de compra e venda de imóveis apenas resultam direitos obrigacionais, já que a propriedade apenas se transfere com a celebração da escritura, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 408º nº1, 1316º e 1317º alínea a) do Código Civil.
Daí que o simples registo provisório de aquisição com base em contrato-promessa não possa ter o efeito de fazer retroagir a aquisição da propriedade à do registo provisório. Fá-lo se o direito substantivo o permitir, isto é se do contrato resultar uma garantia ou direito real, não se dele apenas resultarem direitos de natureza obrigacional. Acresce que nos termos do disposto no art.º 622º nº1 do Código Civil os actos de disposição dos bens arrestados são ineficazes em relação ao requerente do arresto, de acordo com as regras próprias da penhora, cujos efeitos são extensivos ao arresto”.
Esta doutrina tinha antecedentes no Ac.R.L. 17/3/94 Bol.435/883, onde se escreveu que “os efeitos de um contrato promessa de compra e venda a que as partes não atribuíram eficácia real têm natureza obrigacional, vinculam somente os respectivos contraentes e são inoponíveis a terceiros detentores de direitos reais incompatíveis, ainda que adquiridos posteriormente”.
O Ac.S.T.J. 20/1/09 in www.dgsi.pt, pº nº 08A3800, relator: Fonseca Ramos, cita o Prof. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 11ª ed., pg. 425 (nota): “A proposição de uma acção e o seu registo nunca modificam a natureza do direito que o autor invoca. De outro modo, criar-se-ia, com inobservância dos requisitos do referido artº 413°, uma segunda via de atribuição de eficácia “erga omnes” ao direito de crédito à realização do contrato prometido, de que é titular o beneficiário da promessa. Nem pode comparar-se a situação à da venda sucessiva da mesma coisa a duas pessoas diferentes, pois tratar-se-á, então, em ambas as alienações de direitos reais (art. 408°)”.
Do mesmo entendimento é Mónica Jardim, Registo Provisório de Aquisição[1], cit. in Ac.R.L. 11/2/10 Col.I/106, quando escreve: “Consideramos que o registo provisório de aquisição se traduz numa reserva de propriedade própria e que o legislador, através dele, permite que o titular registal inscrito, que pretenda alienar o seu direito apenas no futuro, limite a eficácia substantiva de actos posteriores que se revelem incompatíveis com o direito que virá a nascer na esfera jurídica daquele a favor de quem é feita a inscrição provisória, ficando, por isso, desde logo privado dos benefícios inerentes à sua posição registal, em proveito do futuro adquirente”. (…) “Não obstante, tal limitação apenas opera em face de posteriores direitos incompatíveis que assentem em título dispositivo proveniente do titular inscrito, não assegurando portanto o futuro adquirente em face de actos praticados por terceiros contra o titular do registo definitivo (v.g., arresto, penhora ou apreensão em processo de falência), já que não é razoável supor que o legislador tenha pretendido atribuir ao titular registal inscrito a possibilidade de limitar a eficácia substantiva de uma eventual e futura actuação legítima de um terceiro”.
Note-se também que o actual artº 5º nº4 C.Reg.Pred. exclui da protecção conferida pela prioridade registal, por os não considerar terceiros, os adquirentes por causa diversa de um acto dispositivo do titular anterior da inscrição registal.
Em resumo, e no nosso entender, os ora Réus/Recorrentes encontravam-se sujeitos à limitação do artº 819º C.Civ., que tornava ineficazes face ao exequente rectius face ao normal andamento da execução quaisquer actos de disposição definitiva ou oneração dos bens penhorados, posteriores à penhora, e ainda que tivessem por base um anterior registo provisório de aquisição; não goza o respectivo registo de qualquer prioridade face ao registo da penhora sobre o bem, devendo ser considerados os Autores os titulares da propriedade do bem, em função das descrições e inscrições registais.
Neste sentido decidiu também, para além de outros aludidos, o citado aresto Ac.R.L. 11/2/10 Col.I/106.
O conjunto de fundamentos invocados conduz-nos à confirmação da sentença recorrida.

Para resumir a fundamentação:
I – Para efeitos do disposto no artº 661º nº1 C.P.Civ., os limites do petitório não dependem de sacralização de palavras e aquilo que importa para o decisor é o sentido do pedido, mais que o seu literalismo.
II – Constituindo a acção de reivindicação (artº 1311º C.Civ.) acção mista de simples apreciação e de condenação, poderá não haver, na acção de reivindicação, qualquer diferença relativamente a uma vulgar acção de pura e simples condenação, já que também as acções de condenação pressupõem o reconhecimento da existência do direito de que decorre a pretensão condenatória; por esse motivo, grande parte da doutrina aceita que o pedido de reconhecimento na reivindicação fique implícito.
III – Se os RR., para além de impugnarem a detenção que os AA. invocam que eles RR. vinham efectuando sobre o imóvel reivindicado, não deixam também de impugnar o pedido de simples apreciação de declaração da propriedade dos AA. sobre o imóvel, o pedido declarativo de simples apreciação assume autonomia face ao pedido de condenação; embora pudesse tal pedido de simples apreciação ter sido omitido, não existe verdadeira razão para ser ignorado, sob pena de se obrigar os AA. à inútil propositura de uma nova acção com o mesmo fundamento.
IV – Se os Réus/Recorrentes se encontravam sujeitos à limitação do artº 819º C.Civ., não poderiam invocar um anterior registo provisório de aquisição, por alienação deles RR., por, nesse caso, não gozar o invocado registo de qualquer prioridade face ao registo da penhora sobre o bem.
V - A limitação decorrente da existência de um prévio registo provisório de aquisição apenas opera em face de posteriores direitos incompatíveis que assentem em título dispositivo proveniente do titular inscrito, não assegurando portanto o futuro adquirente face a actos legitimamente praticados por terceiros contra o titular do registo definitivo (v.g., arresto, penhora ou apreensão em processo de insolvência).

Com os poderes que lhe são conferidos pelo disposto no artº 202º nº1 da Constituição da República Portuguesa, decide-se neste Tribunal da Relação:
Na improcedência do recurso, confirmar integralmente a douta sentença recorrida.
Custas pelos Apelantes.

Porto, 1/2/2011
José Manuel Cabrita Vieira e Cunha
João Carlos Proença de Oliveira Costa
Maria da Graça Pereira Marques Mira (dispensei o visto)
______________________
[1] Disponível em www.fd.uc.pt/cenor/textos/registoprovisoriodeaquisicao.pdf.