Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
102/19.0PAPVZ-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ PIEDADE
Descritores: CONDENAÇÃO PENAL
TRANSCRIÇÃO NO REGISTO CRIMINAL
FINALIDADE
PRINCÍPIO DA NECESSIDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Nº do Documento: RP20240228102/19.0PAPVZ-A.P1
Data do Acordão: 02/28/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: JULGADO PROCEDENTE O RECURSO DO ARGUIDO/CONDENADO.
Indicações Eventuais: 4. ª SECCÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I – O registo criminal constitui um meio de prova quando se destina às autoridades Judiciais ou Policiais, com vista à Instrução ou Julgamento de processos criminais, sendo um instrumento indispensável ao funcionamento do sistema de Justiça Penal;
II – Assume natureza informativa quando se destina a particulares ou entidades públicas para fins laborais, de emprego, exercício de profissão ou actividade;
III – No respeitante à transcrição de condenação nos certificados de registo criminal emitidos para fins laborais, em que se verifiquem os restantes requisitos, regem – à semelhança das medidas de segurança – os princípios da necessidade e da proporcionalidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. Nº 102/19.0PAPVZ-A.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto, P.Varzim - JL Criminal





Acordam, em Conferência, os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:



No Tribunal Judicial da Comarca do Porto, P.Varzim - JL Criminal, processo supra referido, em que é arguido/condenado AA, em um momento posterior à Sentença condenatória, foi proferido Despacho com o seguinte teor:
“Por requerimento de fls. 581 e verso veio o Arguido AA, requerer a não transcrição da sentença no respetivo registo criminal, alegando, para tanto, que se mostram preenchidos os pressupostos resultantes do art. 13.º, n.º 1, da Lei n.º 37/2015, de 05-05.
O Ministério Público pugnou pelo indeferimento de tal pretensão, porquanto não preenche o primeiro pressuposto legal do citado preceito.
Cumpre apreciar e decidir.
Desde logo, importa salientar que não é possível o cancelamento ou não transcrição de qualquer condenação criminal sofrida por qualquer indivíduo, sendo apenas concebido pela Lei da Identificação Criminal (Lei n.º 37/2015, de 05-05) a não transcrição de tais condenações para efeitos profissionais.
Com efeito, analisando o regime explanado na citada lei, concretamente o disposto no art. 10.º, n.º 5, dispõe que «Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para fins de emprego, público ou privado, ou para o exercício de profissão ou atividade em Portugal, devem conter apenas:
a) As decisões de tribunais portugueses que decretem a demissão da função pública, proíbam o exercício de função pública, profissão ou atividade ou interditem esse exercício;
b) As decisões que sejam consequência, complemento ou execução das indicadas na alínea anterior e não tenham como efeito o cancelamento do registo;
c) As decisões com o conteúdo aludido nas alíneas a) e b) proferidas por tribunais de outro Estado membro ou de Estados terceiros, comunicadas pelas respetivas autoridades centrais, sem as reservas legalmente admissíveis.»
Logo, tendo em conta este preceito, verifica-se que, por regra, e para efeitos laborais, o Certificado do Registo Criminal (CRC) emitido não contém as condenações criminais sofridas pelo respetivo titular de tal documento, exceto nos casos atrás apontados e, bem assim, nos previstos no art. 10.º, n.º 6, da Lei da Identificação Criminal.
Contudo, uma vez que o Arguido, poderá querer eventualmente abraçar uma profissão ou atividade contemplada na previsão legal a que alude o art. 10.º, n.º 6, da Lei de Identificação Criminal, e uma vez que não decorreu ainda o prazo de cancelamento da inscrição em causa no CRC estabelecido no art. 11.º da citada lei, sucede que, em tais circunstâncias, o conteúdo do seu CRC a emitir deve ser integralmente refletido nos seus precisos termos e não com as omissões decorrentes do estabelecido no n.º 5, do mesmo preceito legal, referentes ao pedido de emissão do certificado de registo criminal para efeitos de emprego comum.
Pese embora o que supra se disse, o art. 13.º, n.º 1, da mencionada Lei prevê que os tribunais podem determinar a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º que condenem:
(i) pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior,
(ii) se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e
(iii) sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes
No caso concreto, verifica-se que não se encontra preenchido, desde logo, o primeiro requisito legal plasmado no art. 13.º, n. º1, da Lei da Identificação Criminal, porquanto a pena aplicada ao arguido, em sentença exarada a 16-10-2020 (fls. 414 a 430 verso), consiste numa pena de prisão de um ano e dez meses, suspensa por igual período, pelo que, facilmente se conclui que ultrapassa o limite imposto em tal normativo «pena de prisão até um ano».
Por outro lado, não podemos deixar de ter em conta que, no âmbito do crime cometido, o arguido suscitou com a sua conduta um forte alarme social.
Com efeito, face ao teor da sentença condenatória, é nosso entender que as circunstâncias do crime e a personalidade nele demonstrada não permitem afastar com segurança que novos factos idênticos não possam vir a ocorrer (mesmo que dirigidos a vítima diferente) caso o arguido seja colocado perante situação vivencial similar.
Face ao exposto, e pelos fundamentos aduzidos, indefere-se a requerida não transcrição da condenação sofrida pelo arguido AA, por não se verificarem os pressupostos legais do art. 13.º, n.º 1, da Lei da Identificação Criminal”.
*
*

Deste Despacho recorreu o arguido, formulando as seguintes conclusões:
“I - O presente recurso versa, então, sobre matéria de direito vertida no despacho com a ref. 451727664, proferido a 19-09-2023, por via do qual o Tribunal a quo indeferiu o pedido de não transcrição para o registo criminal (para efeitos laborais) da condenação sofrida no âmbito dos presentes autos;
II - Nos termos estatuídos no n.º 5 do art. 94.º do CPP, os atos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.
III - Salvo melhor opinião em sentido invés, da análise do conteúdo da decisão ora posta em crise é impossível aferir quais foram os motivos de facto que levaram o Tribunal recorrido a concluir que, em concreto, poderão conduzir à prática de novos crimes. De igual modo, também não se consegue perceber quais são os episódios/ocorrências que o Tribunal entende terem causado um forte alarme social.
IV - Ora, tal omissão vedou a hipótese ao Arguido de cabalmente infirmar e contradizer, agora, em sede recursiva, os motivos/factos que suportaram o indeferimento.
V - Destarte, e por consubstanciar uma irregularidade (art. 123.º do CPP) com particular importância no desfecho da incidente in casu, requer-se, agora perante este douto Tribunal da Relação, que a decisão em crise seja declarada irregular, tudo nos termos dos apontados normativos.
VI - Arraigando-se ao entendimento de que não se encontravam preenchidos os pressupostos legais do art. 13.º n.º 1 da Lei da Identificação Criminal, o Tribunal a quo, como já se adiantara, indeferiu o pedido de não transcrição para o registo criminal (para efeitos laborais) da condenação sofrida pelo Recorrente.
VI – Ora, Estabelece o artigo 13.º, n.º 1 da Lei n.º 37/2015 o seguinte: “[s]em prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º”
VII - No caso vertente, o arguido foi condenado por decisão datada de 16-10-2020 e transitada a 16.11.2020, na pena de 1 ano e dez meses de prisão suspensa na sua execução, pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art. 152.º do Código Penal.
VIII - Do artigo transcrito, entende-se a necessidade de verificação de requisitos específicos para ser determinada a não transcrição, nomeadamente requisitos de ordem formal (a) e b)) e substancial (c): a) Condenação em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade; b) O arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza; c) Das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes.
IX - No que concerne ao primeiro requisito, surge a questão de determinar se a pena de prisão em que o arguido incorreu, apesar de superior a um ano, pelo facto de ser suspensa, pode ser abrangida pelo artigo parafraseado.
X - Neste ponto, destaca-se, desde logo, o acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 07.07.2016, processo número 2314/07.0TAMTS-D.P1-A.S1 (disponível em www.dgsi.pt) que refere «[a] condenação em pena de prisão suspensa na sua execução integra o conceito de pena não privativa da liberdade referido no n.º 1 do art. 17.º da Lei 57/98, de 18-08, com a redação dada pela Lei 114/2009, de 22-09 [atual artigo 13.º da Lei n.º 37/2015]».
XI - Nestes termos, como a pena substitutiva da pena de prisão, nomeadamente a sua suspensão se apresenta como não privativa da liberdade, deve considerar-se que o primeiro requisito se encontra preenchido.
XII - De seguida, é igualmente exigido que o condenado não tenha sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza, o que, compulsado o certificado de registo criminal com referência citius 416975566, se verifica que a presente condenação é única, pelo que o segundo requisito se apresenta preenchido.
XIII - Por último, é exigido que das circunstâncias que acompanharam o crime não se possa induzir perigo de prática de novos crimes.
XIV - Ora, quanto a este último requisito, pese embora não se saiba com clareza compreender o que, efetivamente, levou o Tribunal recorrido a entender que não se encontrava preenchido, entendemos, modestamente, que os factos dados como demonstrados na sentença condenatória não têm a virtualidade de se presumir que o Recorrente venha a ser condenado por outro crime. No fundo, os factos que sustentaram a condenação assentam em sms dirigidas a uma única ofendida – cujo conteúdo, note-se, o Condenado não deixa reprovar de forma veemente e do qual se encontra manifestamente arrependido – não são idóneos (pelo menos humildemente para nós e em comparação com outros quadros de violência doméstica) a suportar de que existe um real e efectivo perigo no sentido da prática de novos crimes.
XV - Não se descure que a não inscrição para o registo criminal almejada pelo Recorrente se prende, única e exclusivamente, com efeitos laborais e não se nos afigura defensável, em nossa modesta opinião, perpetuar uma estigmatização que o próprio legislador quis evitar.
XVI - Em síntese e pelos fundamentos que aqui expendemos, o Tribunal recorrido errou na forma como interpretou o n.º 1 do art. 13.º da Lei n.º 37/2015, pelo que a decisão posta em crise, por não estar correta, não se deve manter na nossa ordem jurídica.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. mui sabiamente suprirão, deverá conceder-se provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que declare a não transcrição da condenação sofrida pelo recorrente no registo criminal para fins laborais”.
*
Em 1ª Instância o M.ºP.º pronunciou-se pela improcedência do recurso.
*

Neste Tribunal, o Sr.º Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se, igualmente, pela improcedência do recurso.
*

Em resposta ao Parecer o arguido manteve a procedência do recurso.
*
*
*

Colhidos os Vistos, efectuada a Conferência, cumpre apreciar e decidir.
*

Das conclusões, delimitadoras do respectivo objecto, extrai-se que o arguido/ condenado AA pretende revogação do Despacho recorrido e a sua substituição por outro que determine a não transcrição da Sentença condenatória nos certificados emitidos para efeitos laborais.
*

Dos autos resulta, em síntese, o seguinte:
— O recorrente está condenado pela prática de um crime de violência doméstica, na pena de 1 ano e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova;
— Após a Sentença, interpôs requerimento pedindo a não transcrição da Sentença nos certificados de registo criminal, para efeitos laborais;
-Essa pretensão foi indeferida por a pena de prisão ultrapassar o limite de 1 ano, e “no âmbito do crime cometido” o arguido ter suscitado “com a sua conduta um forte alarme social”. Entende-se que “as circunstâncias do crime e a personalidade nele demonstrada não permitem afastar com segurança que novos factos idênticos não possam vir a ocorrer (mesmo que dirigidos a vítima diferente) caso o arguido seja colocado perante situação vivencial similar”.
*

No recurso alega-se, em síntese, que o recorrente foi condenado em pena não privativa da liberdade, invocando-se o Ac. de Fixação de Jurisprudência n.º 13/2016.
Mais se argumenta que “os factos que sustentaram a condenação assentam em sms dirigidas a uma única ofendida – cujo conteúdo, note-se, o Condenado não deixa reprovar de forma veemente e do qual se encontra manifestamente arrependido – não são idóneos (pelo menos humildemente para nós e em comparação com outros quadros de violência doméstica) a suportar de que existe um real e efectivo perigo no sentido da prática de novos crimes”.
Reforça-se que “a não inscrição para o registo criminal almejada pelo Recorrente se prende, única e exclusivamente, com efeitos laborais e não se nos afigura defensável, em nossa modesta opinião, perpetuar uma estigmatização que o próprio legislador quis evitar”.
Previamente, invoca-se uma irregularidade na decisão, por não se conseguir “perceber quais são os episódios/ocorrências que o Tribunal entende terem causado um forte alarme social”, o que constituiria uma omissão (na fundamentação, deduz-se).
*
Vejamos:
Irregularidade da decisão não se verifica, visto que a decisão está fundamentada, como resulta da síntese efectuada (acrescente-se que, ainda que se verificasse, deveria ter sido invocada na 1.ª Instância, atempadamente).
Mas a sua fundamentação está errada, e nisso o recorrente tem razão.
O pedido é a não transcrição da condenação nos certificados de registo criminal emitidos para fins laborais.
A disposição aplicável é o artigo 13.º, n.º 1, de Lei 37/2015, de 5/5 (Lei da Identificação Criminal):
“ - Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de Setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respectiva Sentença nos certificados a que se referem os n.º os 5 e 6 do artigo 10.º”.¨
(Não está em causa a aplicação da Lei º 113/2009, de 17 / 9 que estabelece medidas de protecção de menores, em cumprimento do artigo 5.º da Convenção do Conselho da Europa contra a Exploração Sexual e o Abuso Sexual de Crianças, pelo que a disposição transcrita tem aqui inteira aplicação)
A fundamentação começa por estar errada porque o recorrente está, efectivamente, condenado numa pena não privativa de liberdade.
É generalizadamente aceite que a suspensão da execução da pena de prisão é uma pena autónoma, substitutiva da pena principal, não privativa da liberdade.
Embora não constituindo Jurisprudência obrigatória (como é sabido, os Acórdãos de Fixação de Jurisprudência apenas impõem um especial dever de fundamentação das divergências em relação ao mesmo, art.º 445, n.º 3, do CPP), e já não se encontrando em vigor a legislação com base na qual foi proferido, o citado Ac. de Fixação de Jurisprudência n.º 13/16 mantém inteira validade quanto a caracterização da pena substitutiva em causa (citando Figueiredo Dias) : “a pena de suspensão de execução da prisão constitui uma pena de substituição em sentido próprio, dado ter carácter não institucional ou não detentivo, isto é, é cumprida em liberdade, e pressupor prévia determinação da medida da pena de prisão, sendo a mais importante das penas de substituição, pelo âmbito e frequência com que é imposta, podendo ser aplicada, como hoje dispõe o artigo 50.º, n.º 1, do CP, em substituição de uma qualquer pena de prisão de medida não superior a 5 anos, ou seja, não só de penas curtas, mas de penas de média duração”.
Tem, pois, de se ter como verificado o requisito relativo à condenação em pena não privativa da liberdade.
Também se mostra verificado o requisito da não condenação anterior por crime de mesma natureza, visto que o arguido não tem antecedentes criminais.
Quanto ao terceiro e último dos requisitos cumulativos, consistente em não se poder induzir “das circunstâncias que acompanham o crime” o perigo da prática de novos crimes:
Antes de mais, tem de se ter presente a natureza do registo criminal, consoante a sua finalidade.
Quanto à natureza do registo criminal, este constitui um meio de prova, quando se destina às autoridades Judiciais ou Policiais, com vista à Instrução ou Julgamento de processos criminais, sendo um instrumento indispensável ao funcionamento do sistema de Justiça Penal.
Assume natureza informativa, quando se destina a particulares ou entidades públicas para fins laborais, de emprego, exercício de profissão ou actividade.
Neste âmbito, retoma-se a argumentação do citado A.F.J. nº 13/2016, que também aqui mantém inteira validade: “a inscrição nele efectuada (no registo criminal) constitui um efeito ou uma consequência do crime, não deixando de constituir o seu acesso, em especial no respeitante a particulares, v. g., para obtenção de emprego ou acesso a determinados lugares ou actividades, um anátema social, de difamação ou estigmatização (…)”.
Assim sendo, também em relação a essa transcrição — à semelhança das medidas de segurança — regem os princípios da necessidade e da proporcionalidade.
Estabelecendo esse paralelo, no A.F.J. nº 13/2016, refere-se: “baseando-se, assim, na eventual "perigosidade" dos delinquentes, o acesso dos particulares e da Administração envolve uma problemática em tudo análoga à das medidas de segurança, devendo a sua disciplina subordinar-se aos mesmos princípios que regem aquelas últimas (i. é., não ao princípio, da culpa, que regula a aplicação e medida das penas, mas aos princípios da "necessidade", da "proporcionalidade" e da "menor intervenção possível", que superintendem na esfera das medidas de segurança)".
Ora, no caso, e perante as circunstâncias do mesmo, tem de se observar que esses basilares princípios da necessidade e da proporcionalidade não foram respeitados na decisão recorrida.
Concretizando, os actos integrantes da violência doméstica (não estando em causa aqui a respectiva qualificação jurídica como é óbvio), circunscrevem-se a ameaças e injúrias, a maior parte delas efectuadas através de mensagens à distância, devido ao não aceitar do fim da relação.
Em complemento, estamos perante um crime de mão própria como é sabido, tendo ficado provado que o arguido já iniciou nova relação (havia cerca de 6 meses na altura).
Mostra-se, assim, muito reduzido o perigo da prática de novos crimes da mesma ou doutra natureza (relembra-se que o arguido não tem antecedentes criminais num percurso de vida já longo).
Por estas razões, não é proporcional, não se mostra indispensável, tendo-se em conta a assinalada natureza e finalidade dos certificados em causa, a transcrição da condenação aqui sob apreciação.
Em conclusão, a decisão tem de ser revogada, e o recurso julgado procedente.
*
*

Nos termos relatados, decide-se julgar procedente o recurso, revogando-se o Despacho recorrido, ordenando-se a sua substituição por outro que determine a não transcrição da Sentença condenatória nos certificados emitidos para efeitos laborais.
*
Sem custas.
*



Porto, 28/02/2024
José Piedade
Paula Pires
Elsa Paixão