Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2165/10.4TBGDM-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA
Descritores: IMPENHORABILIDADE
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
SUBSÍDIO DE NATAL
Nº do Documento: RP202010262165/10.4TBGDM-B.P1
Data do Acordão: 10/26/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Tanto o subsídio de férias como o de Natal são prestações que acrescem à retribuição habitual e, por isso, prestações penhoráveis.
II - Assim, a remuneração auferida pelo executado, acrescida de subsídio de férias ou de natal, será penhorável na proporção de um terço, nos termos do n.º 1 do artigo 738 do CPC, desde que esteja garantida a perceção do valor mensal correspondente ao salário mínimo nacional, como resulta do disposto no n.º 3 do citado artigo 738 do CPC.
(da responsabilidade do relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2165/10.4TBGDM-B.P1

Recorrente – B… SA,
Recorrida – C…, Unipessoal, Lda.
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:[1]
I - Relatório
1 - Por apenso à execução comum que lhe move B…, SA, veio C…, Unipessoal, Lda., deduzir oposição à execução, pugnando pela extinção da mesma, bem como pelo cancelamento da penhora.

2 - Para tanto alega que a execução lhe foi movida ao abrigo do disposto no artigo 777, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC), mas, ao contrário do alegado em sede de requerimento executivo, às missivas do AE (Agente de Execução) a embargante respondeu por meio de fax em 22.09.2015, 22.06.2016, 13.03.2016, anexando recibo de vencimento da devedora de valor inferior ao salário mínimo nacional, pelo que nada podia descontar a título de penhora e, consequentemente, não pode ser demandado para pagamento da dívida da sua funcionária.

3 - Regularmente notificada para contestar, a embargada pronunciou-se no sentido da
improcedência da oposição e alegando que, nos meses normais em que a funcionária auferiu subsídio de Natal e de férias sempre o valor excedia o do Salário Mínimo Nacional, pelo que a embargante violou as suas obrigações ao não proceder ao depósito do respetivo valor. Mantém ser legal a penhora do saldo bancário do embargante por ser devida a obrigação exequenda.

4 – Por determinação do tribunal foram juntos aos autos os recibos de retribuição da funcionária da embargante e a correspondência trocada entre esta e o AE, e as partes pronunciaram-se.

5 – Foi realizada uma tentativa de conciliação, que se revelou frustrada e os autos prosseguiram com a fixação do valor da causa, a dispensa de audiência prévia e a decisão sobre o mérito dos embargos, tendo-se concluído: “Por todo o exposto, declaro procedentes os embargos e, em consequência, determino a extinção da execução e o levantamento da penhora que incide sobre o conta bancária titulada pela embargante”.
II – Do Recurso
6 – Inconformada, a embargada apelou, pretendendo que seja “ julgado procedente por provado o presente recurso, anulando-se ou revogando-se a decisão recorrida, com todas as legais consequências” e logo identificado o objeto do seu recurso como a “reapreciação da possibilidade de penhora de vencimento igual ao salário mínimo nacional, em meses de subsídio, abrindo assim uma exceção quando comparado aos meses normais” e formulando as seguintes Conclusões:
6.1 - A procedência do recurso é manifesta, uma vez que a decisão recorrida não fez a correta interpretação e aplicação dos preceitos legais aplicáveis.
6.2 - No âmbito do processo executivo, nomeadamente no que concerne à penhora de vencimento, o exequente, terá sempre de contar com a colaboração das entidades patronais dos executados [e] servirão quase como intermediários, de forma a que o exequente consiga lançar mão do mecanismo da penhora de vencimento.
6.3 - Numa primeira linha, a forma mais eficaz para a exequente conseguir atacar o património do executado, é a de penhora de vencimento [e] caso inexista uma estreita colaboração das entidades patronais eventualmente notificadas, será difícil a exequente materializar a sua pretensão, ficando defraudado o objetivo em causa, estando também a própria colaboração com a justiça, que sai negligenciada.
6.4 - Desta feita, o objetivo do artigo 777/3 do CPC é não só o do exequente conseguir ver satisfeito o seu crédito, mas também o de sancionar a parte faltosa.
6.5 - Ora, não podemos ignorar que a embargante se limitou a, praticamente, ao longo da vida do processo, ignorar as comunicações do Sr. Agente de Execução, postura que manteve mesmo depois de notificada com a cominação do artigo 777/3, o que não se pode ignorar nem deixar passar impune.
6.6 - É dever de todos os cidadãos colaborar com a justiça, postura que não teve lugar no que toca à embargante.
6.7 - Assim, estamos perante uns embargos de executado elaborados por uma entidade patronal faltosa e, nesse seguimento, a mesma não pode socorrer-se dos mesmos meios de defesa de oposição que poderia ter o executado primitivo. A impenhorabilidade terá de ser analisada com cautela pois a embargada omitiu os descontos que, segundo a lei, seriam à partida devidos, não tendo, aquando devia, feito prova, limitando-se a não responder às notificações do Sr. Agente de Execução.
6.8 - Acabou por ficar a exequente na dúvida em concreto dos valores auferidos fosse nos meses de subsídios ou não.
6.9 - A sentença parece acabar por premiar o comportamento altamente censurável, fazendo tábua rasa do que estipula a lei.
6.10 - A Exequente não tinha maneira de saber o exato valor auferido a não ser que houvesse colaboração por parte da embargante, pois apenas se podia fazer valer do extrato de remunerações da Segurança social e das pesquisas efetuadas pelo Sr. Agente de Execução.
6.11 - Contudo não se pode ter os mesmos por suficientes, dado que não estão contempladas outras eventuais parcelas da retribuição mensal, como por exemplo o subsídio de alimentação, ou quaisquer outros subsídios / ajudas de custo, o que só seria possível verificar caso tivessem sido juntos os recibos de vencimento pela Entidade Patronal, aquando notificada para tal.
6.12 - O tribunal considera que não serão os subsídios em apreço suscetíveis de penhora em virtude de corresponderam a um valor abaixo do salário mínimo nacional.
6.13 - Contudo, não é o que se passa, a executada primitiva auferiu, ao longo do processo o equivalente ao salário mínimo nacional, com as suas atualizações.
6.14 - Assim, o valor em dívida, terá de ser sempre aferido a cada ano, atendendo ao valor do salário mínimo nacional a cada ano.
6.15 - Segundo interpretação do tribunal, “se o montante das pensões auferidas for inferior ao salário mínimo nacional e a essas pensões acrescem subsídios de Natal e de férias, há que considerar o montante global desses rendimentos e dividi- lo por doze; e se o montante apurado com tal divisão for inferior ao montante legalmente fixado para o salário mínimo os referidos subsídios também serão impenhoráveis. É o que, claramente, impõe a ratio da norma que, em nome da salvaguarda da dignidade humana, impõe a impenhorabilidade de pensões inferiores ao salário mínimo nacional.”
6.16 - Ora, qualquer das linhas de raciocínio levadas a cabo não tem verificação no caso concreto, levando assim a uma interpretação errónea do regime legal.
6.17 - A executada primitiva auferiu sempre o valor correspondente ao salário mínimo nacional e não menos, logo, o valor pago a título de subsídios foi idêntico, pelo que não seriam impenhoráveis aquando pagos.
6.18 - Na outra linha de raciocínio, se somarmos os valores pagos ao longo do ano (olhando para cada ano individualmente) quer os respeitantes a subsídios, quer a vencimentos e dividirmos por doze, como sugere o tribunal, bem como a jurisprudência que enumera, alcançaremos um valor superior ao salário mínimo nacional.
6.19 - É, aliás, pacífico na jurisprudência (mais uma vez), que o subsídio de natal, na parte em que, globalmente avaliado, conjuntamente com o salário, exceder o valor correspondente ao ordenado mínimo nacional, é penhorável.
6.20 - O limite mínimo, a ter em consideração para aferir da possibilidade de penhora é o valor do salário per si [e] em tudo o que acrescer ao salário mínimo nacional, esse excedente reveste a característica de ser suscetível de penhora.
6.21 - Como demonstra o Acórdão mencionado, o que a lei visa tutelar é o mínimo necessário a uma sobrevivência condigna, sendo que para tal, a bitola será a do valor respetivo ao salário mínimo nacional.
6.22 - Aliás, onde não distingue o legislador, também não deverá o intérprete fazê-lo, e, se existe um valor definido por aquele, que corresponderá ao que se entende por mínimo de subsistência condigna, quer se concorde ou não, é esse valor que deve ser tido em causa, e foi para ele que a lei foi conjeturada, nos termos do artigo 738/3 do CPC.
6.23 - Ainda apelando ao acórdão mencionado e à intenção do legislador, importa referir que caso os subsídios fossem olhados unitariamente, cair-se-ia no erro de fazer uma distinção discriminatória e desigual entre trabalhadores e prestadores de serviços, que, a priori, não têm direito a subsídios, pelo que andou mal o tribunal ao determinar a solução preconizada.
6.24 - O tribunal recorrido pega apenas num valor de ordenado, indicado em 2016, com referência ao ano de 2015, posto que depois disso a Entidade Patronal deixou de responder ao Sr. Agente de Execução, não se preocupando em aferir se, nos anos subsequentes, a executada primitiva auferiu ou não valores acima do ordenado mínimo nacional.
6.25 - No limite, estamos perante uma situação de ferida no princípio da igualdade, face a outos executados na mesma situação.
6.26 - Do extrato de remunerações da segurança social, bem como das pesquisas efetuadas pelo Sr. Agente de Execução, resultou sempre, que a executada primitiva auferiu o correspondente ao salário mínimo nacional.
6.27 - E interpretação diferente não pode ter a exequente, na medida em que a embargante não mais teve a diligência esperada, pelo que, só pode presumir que o valor auferido pela executada, corresponde ao resultante das pesquisas à Segurança Social, e, assim, igual ao do valor do ordenado mínimo nacional. Em suma,
6.28 - Salvo o devido respeito, o tribunal não fez a correta interpretação dos factos nem da aplicação da Lei ao caso concreto, mostrando-se violadas, nomeadamente, as normas constantes dos 738/1 e 3 do CPC.

7 – O recurso foi recebido nos termos legais e nada se alterou, a tal respeito, nesta Relação. O processo correu Vistos e nada obsta à apreciação do mérito do recurso.

8 – O objeto do recurso, decorrente das conclusões e expressamente definido pela apelante consiste em saber se a decisão deve ser revogada, porquanto deve haver penhora do vencimento igual ao salário mínimo nacional, em meses de subsídio, abrindo assim uma exceção quando comparado aos meses normais.
III – Fundamentação
III.I – Fundamentação de facto
9 – O tribunal recorrido considerou, “por documento e acordo das partes” terem resultado provados os seguintes factos:
9.1 - A embargada deu à execução, como título executivo, notificação dirigida à embargante, nos termos do artigo 777 [n.º 3 do CPC], o qual omitiu resposta quanto à existência do crédito.
9.2 - No dia 10.09.2015 a "C… Unipessoal, Lda." foi notificada, na qualidade de entidade patronal da executada D…, para proceder à penhora 1/3 do valor líquido mensal ou de quaisquer outras prestações de natureza semelhante, nomeadamente indemnizações, subsídios ou compensações que a Executada tivesse a receber (cfr. documento n.º 1 anexo ao RE)
9.3 - Por fax remetido à AE, e por ela efetivamente recebido, a embargante comunicou que a executada era sua funcionária, anexando recibo de vencimento do qual constava como rendimento líquido a quantia de 482,38€ – vide docs. 1 e 2 anexos ao requerimento de embargos)
9.4 - Por faxes datados de 22.02.3016 e 13.03.2016, a embargante remeteu novos comprovativos do salário da executada, pelo valor de 482,38€ - vide docs. n.ºs. 3 a 5, anexos ao requerimento de embargos)
9.5 - A embargante não realizou qualquer desconto sobre o vencimento da executada, apesar das diversas insistências por parte do Sr. Agente de Execução (cfr. documentos n.ºs. 2, 3, 4 e 5 anexos ao requerimento executivo)
9.6 - O Sr. Agente de Execução, a 20.01.2018, procedeu a nova notificação à entidade patronal (cfr. documento n.º 6 anexo ao requerimento executivo).
9.7 - A referida notificação foi efetuada com a cominação prevista no artigo 777, n.º 3 do Código de Processo Civil, tendo sido feita insistência também quanto ao conteúdo daquela (cfr. documento n.º 7 anexo ao RE).
9.8 - A embargante após a notificação (id. em 7) não procedeu a qualquer desconto de vencimento da executada nem procedeu à penhora de eventuais direitos que esta tivesse sobre a referida entidade, apesar de constar associada na pesquisa telemática à Segurança Social à data da 1ª notificação (cfr. documento n.º 8 anexo ao requerimento executivo).
9.9 - Consultada a base de dados da Segurança Social a 04.10.2018 Sr. Agente de Execução apurou que a executada D… continua inscrita como trabalhadora da entidade aqui referida (cfr. documento n.º 9).
9.10 - Mostra-se penhorada à ordem dos autos saldo de conta bancária titulada pela embargante.
III.II – Fundamentação de Direito
10 – Concluindo pela procedência dos embargos instaurados pela entidade patronal da primeira executada, o tribunal recorrido fundamentou-se nos termos que ora se resumem e sublinham: “A execução instaurada ao abrigo do art. 777, n.º 3 do C.P.C. decorre duma penhora de direitos incidente sobre o salário auferido pela Executada, nas suas vestes de trabalhadora subordinada e que para o credor Exequente constitui um crédito sobre terceiros de que aquele é titular e por tal motivo suscetível de penhora, muito embora com restrições e limites derivados da sua específica natureza e função alimentar (cf. art. 738, do C.P.C.)
A Entidade empregadora respondeu às notificações que lhe foram dirigidas pelo AE nos anos de 2015 e 2016, anexando recibos de vencimento dos quais conta que a executada auferia salário líquido inferior ao SMN (...) Diferentemente, não respondeu à notificação dirigida em janeiro de 2018 (...). Assim, não se apurando que em qualquer dos anos o primitivo executado auferisse salário superior ao SMN, não existia qualquer obrigação que impendesse sobre o embargante de proceder a qualquer desconto do vencimento e o transferisse para o AE. O mesmo se diga quanto ao ano de 2018. É indubitável que o embargante não respondeu à notificação que lhe foi dirigida. Todavia, porque nenhum valor podia ser penhorado, inexiste qualquer dívida que possa ser imputada ao embargante.
Qui iuris quanto aos meses em que são pagos subsídios de Natal e de férias? Os subsídios de Natal e de férias são direitos do trabalhador/pensionista nos termos gerais (e não complementos facultativos), também estão garantidos pela legislação quer garante o salário mínimo. Também eles se incluem na garantia de uma subsistência tida por minimamente condigna. Ou seja, essa garantia de um salário mínimo e de uma existência minimamente condigna não diz respeito apenas a doze prestações mensais por ano, mas a catorze. Assim, os subsídios de Natal e de férias (de trabalhadores no ativo ou de pensionistas) que sejam inferiores ao montante legalmente fixado para o salário mínimo nacional serão, em qualquer caso, impenhoráveis, nos termos do artigo 738, n.ºs. 1 e 3, do Código de Processo Civil. Como se entendeu no Ac. da Relação do Porto de 28.06.2017, “Mesmo que assim não se entenda, ou seja, se se entender que o montante garantido pela legislação do salário mínimo (com a consequente impenhorabilidade) corresponde apenas a doze prestações mensais, há que considerar o seguinte: se o montante das pensões auferidas for inferior ao salário mínimo nacional e a essas pensões acrescem subsídios de Natal e de férias, há que considerar o montante global desses rendimentos e dividi-lo por doze; e se o montante apurado com tal divisão for inferior ao montante legalmente fixado para o salário mínimo, os referidos subsídios também serão impenhoráveis. É o que, claramente, impõe a ratio da norma que, em nome da salvaguarda da dignidade humana, impõe a impenhorabilidade de pensões inferiores ao salário mínimo nacional. À luz dessa ratio, não teria sentido admitir a penhora de um subsídio pago num só mês (altura em que, ocasionalmente, a soma da pensão e do subsídio poderá ser superior ao montante legalmente fixado para o salário mínimo), quando tal não seria admissível se esse subsídio fosse pago em duodécimos (pois, neste caso, já a soma da pensão e de cada um desses duodécimos será inferior ao montante legalmente fixado para o salário mínimo). Há que considerar a situação global do executado, não uma prestação isolada. Segue este entendimento o acórdão (invocado pela exequente) desta Relação de 8 de março de 2016, proc. n.º 4462/09.2T2OVR-A.P1, relatado por Maria de Jesus Pereira, acessível em dgsi (e também o acórdão da Relação de Guimarães, de 18 de abril de 2013, proc. n.º 537-A/2002.G1, relatado por Isabel Rocha, também acessível em dgsi).
É esta a situação que se verifica no caso em apreço. O valor do subsídio de Natal e do de férias, porque iguais ao valor da retribuição mensal - 482,38€ - é inferior ao salário mínimo nacional, sendo, assim, impenhoráveis”.

11 – Como já se referiu anteriormente, e decorre da definição do objeto do recurso feita pela apelante, a questão relevante é a de saber se nos meses em que o trabalhador aufere os subsídios de férias e/ou de Natal a entidade patronal, notificada da penhora, está obrigada ao desconto do vencimento na parte excedente ao salário mínimo nacional ou, dito de outro modo, se esses subsídios equivalem, também eles, a montantes impenhoráveis, nos termos do disposto no artigo 738, n.ºs 1 a 3 do CPC.

12 - Importa ter presente que a questão relevante, atrás enunciada, se mantém, independentemente de se dever considerar que a impenhorabilidade de dois terços há de aferir-se pelo valor líquido da prestação (a retribuição mínima garantida não desconta para efeitos de IRS e desconta 11% para a Segurança Social) e de se atender que o disposto no n.º 8 do mesmo artigo 738 do CPC (na redação dada pela Lei 114/2017, de 29 de dezembro) apenas rege as situações correspondentes às atividades previstas no artigo 151 do Código de IRS.

13 – A sentença em crise entendeu que os subsídios de férias e de natal faziam parte do salário, para efeito da (sua) impenhorabilidade ou, pelo menos, havia que se calcular a retribuição anual, dividindo por todos os meses os montantes correspondentes aos aludidos subsídios, para se poder concluir, ou não, que excediam o salário mínimo nacional.

14 – Há quem entenda, no sentido defendido na sentença recorrida, que o legislador, “ao fixar a retribuição mínima mensal garantida, e sabendo que será paga por 14 vezes” está também a fixar o “subsídio mínimo garantido” e daí resulta que “não é social, jurídica ou matematicamente correto considerar os subsídios de Natal e de férias como rendimentos que acrescem à retribuição do mês em que são pagos”, ou seja, “O subsídio de natal e o subsídio de férias são penhoráveis nos mesmos termos em que o é a retribuição mensal”.[2]

15 – Outros defendem que a retribuição salarial (penhorável) “integra todas as quantias colocadas à disposição do trabalhador relacionadas com a prestação de trabalho, independentemente da sua designação (vencimento, ajudas de custo, subsídio de alimentação, subsídio de férias e de Natal, subsídio de turno, etc.)”.[3]

16 – Salvo melhor saber, a natureza e origem dos subsídios de férias e de Natal fazem com os mesmos sejam entendidos como um complemento ou acréscimo – mesmo que obrigatório – à retribuição mensal e a sua definição no Código do Trabalho (artigos 264, n.º 1 e 263, n.º 1) é reveladora dessa natureza.

17 – Por outro lado, a previsão do n.º 3 do artigo738 do CPC deve ser entendida como um valor ou montante e não como a definição pressuposta de um determinado tipo de remuneração.

18 – Valor esse que se afere à remuneração globalmente entendida, mas mensal, e que tem a sua razão naquilo que, no valor que o legislador considera como mínimo indispensável ao sustento e sobrevivência condigna do executado. E, sem qualquer ironia, sempre se diga que, pela própria natureza das coisas, nos 13.º e 14.º meses, porque inexistentes na realidade do calendário, não se colocam quaisquer questões de sustento ou sobrevivência.

19 – Assim, com todo o respeito por outro saber, entendemos que – e citamos Marco Carvalho Gonçalves[4] - “os subsídios de férias e de Natal constituem prestações penhoráveis, razão pela qual a remuneração auferida pelo executado, acrescida de subsídio de férias ou de natal, será penhorável na proporção de um terço”, sem embargo de se garantir “a perceção, por parte do executado, do montante correspondente ao salário mínimo nacional”, como resulta do disposto no n.º 3 do citado artigo 738 do CPC.

20 – Em conformidade com a conclusão anterior, o recurso revela-se procedente e as custas são devidas pela recorrida, atento o decaimento.
IV - Dispositivo
Pelas razões ditas, acorda-se na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente a presente apelação e, em conformidade, revogando a sentença recorrida, determina-se o prosseguimento da execução.

Custas pelo a recorrida.

Porto, 26.10.2020
José Eusébio Almeida
Carlos Gil
Mendes Coelho
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[1] Relator: José Eusébio Almeida; Adjuntos: Carlos Gil e Mendes Coelho.
[2] Paulo Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Volume II, Almedina, 2014 págs. 260/261.
[3] Virgínio da Costa Ribeiro/Sérgio Rebelo, A Ação Executiva Anotada e Comentada, 2.ª Edição, Almedina, 2016, pág. 275.
[4] Lições de Processo Civil Executivo, 4.ª Edição, Almedina, 2020, pág. 339.