Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
7349/21.7T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: GERMANA FERREIRA LOPES
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
FASES CONCILIATÓRIA E CONTENCIOSA DO PROCESSO
FACTOS SOBRE OS QUAIS TENHA EXISTIDO ACORDO NA TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO
CONTRATO DE SEGURO DE ACIDENTE DE TRABALHO DE PRATICANTE DESPORTIVO
FRANQUIA
Nº do Documento: RP202302197349/21.7T8VNG.P1
Data do Acordão: 02/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE; ALTERADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I – A exigência legal contida no artigo 112.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho visa circunscrever o litígio na fase contenciosa às questões em relação às quais não tenha havido acordo, com o objetivo de reduzir a litigiosidade das fases subsequentes e encaminhar a tramitação dos autos, que será tanto mais simples quanto menos forem as questões controvertidas.
II – Em coerência com tal finalidade, nos termos do artigo 131.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo do Trabalho, os factos sobre os quais tenha havido acordo na tentativa de conciliação levada a cabo na fase conciliatória do processo não poderão vir a ser posteriormente discutidos em sede de fase contenciosa (tenha esta por base a tramitação a que respeita a alínea a) ou a alínea b) do artigo 117.º do Código de Processo do Trabalho) – cfr. ainda o artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil.
III – Se o sinistrado tiver reconhecido que a seguradora lhe pagou uma determinada quantia pelos períodos de incapacidade temporária (coincidente com a quantia cujo pagamento ao sinistrado a seguradora invocou ter efetuado), o que ficou expressamente consignado no “auto de não conciliação” nos termos do artigo 112.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, considerando o tribunal que a única questão que permaneceu controvertida se prendia tão-só com a questão da incapacidade e tendo o processo seguido a tramitação simplificada (artigo 117.º, n.º 1, alínea b)), o que as partes aceitaram, aquando da prolação da decisão de mérito a que alude o artigo 140.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho o pagamento em referência terá que ser considerado como assente (artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil).
IV – Nos termos do artigo 6.º da Lei n.º 27/2011 de 16 de junho [e atualmente do artigo 5.º da Lei n.º 48/2023 de 22 de agosto], no contrato de seguro de acidente de trabalho de praticante desportivo profissional é permitido estabelecer franquia para os casos de incapacidades temporárias.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação/Processo nº 7349/21.7T8VNG.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho de Vila Nova de Gaia, Juiz 1

Relatora: Germana Ferreira Lopes
1º Adjunto: Nelson Nunes Fernandes
2º Adjunto: António Luís Carvalhão

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I - Relatório
O presente processo especial para efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho foi iniciado na sequência da participação do acidente ocorrido em 7-02-2021, sofrido pelo autor/sinistrado AA, quando este trabalhava como praticante desportivo profissional ..., por conta, sob as ordens, direção e fiscalização da entidade empregadora, a qual havia transferido a sua responsabilidade infortunística laboral para a seguradora A...-Companhia de Seguros (adiante designada por Seguradora).

A referida participação do sinistro foi efetuada pelo Sinistrado, em requerimento subscrito pelo respetivo Ilustre Mandatário, juntando procuração outorgada pelo Sinistrado com poderes forenses gerais e especiais, nomeadamente para desistir, transigir, substabelecer e representar o Sinistrado em tentativa de conciliação – refª citius 30099387 (40032355) (fls. 10)

Na sequência dessa participação, foi determinada pelo Exm.º Procurador da República a notificação da Seguradora para juntar, para além do mais, cópia da apólice e adicionais em vigor e nota discriminativa das incapacidades atribuídas e indemnizações pagas – refª citius 428881342.

A Seguradora respondeu a tal determinação por requerimento datado de 25-10-2022 com a refª citius 30305998 (40114260), subscrito pelo respetivo Ilustre Mandatário e com notificação por via eletrónica entre mandatários ao Ilustre Mandatário do Sinistrado. Com tal requerimento foi junta a procuração outorgada pela Seguradora, na qual consta a atribuição ao mandatário de poderes forenses gerais e especiais, nomeadamente para confessar, desistir ou transigir.
No identificado requerimento, a Seguradora, entre outros, juntou os documentos que identificou como:
- “Apólice de seguro em vigor, condições gerais e particulares” (constante a fls. 23 a 33 dos autos);
- “Relação de indemnizações pagas por incapacidade temporária” (constante a fls. 35).
Nesse mesmo requerimento a Seguradora informou ainda que a remuneração transferida era de € 42.844,56/ano e que o Sinistrado teve alta em 11-08-2021 sem desvalorização.

Foi solicitado ao INMLCF, Delegação do Norte, a realização de perícia médica ao Sinistrado, a qual foi efetuada, constando o respetivo relatório final de exame médico na refª citius 3257917 (fls. 101 a 104).

Na sequência da realização de tal exame, foi designada data para a tentativa de conciliação da fase conciliatória do processo a ter lugar no dia 16-11-2022.
Por requerimento de 11-11-2022 [refª citius 33837530 (43845335)], subscrito pelo ilustre mandatário do Sinistrado Dr.º BB, foi junto substabelecimento datado de 11-11-2022, nos termos do qual o Ilustre Mandatário do Sinistrado substabeleceu com reserva no Exm.º Dr. CC, os poderes forenses que lhe tinham sido conferidos pelo Sinistrado no âmbito do presente processo (cfr. fls. 115 a 117).

Em 16-11-2022 teve lugar a tentativa de conciliação a que se refere o artigo 108.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho, conforme consta do respetivo auto de não conciliação constante de fls. 117 a 121 dos autos, no qual se mostra aposta a refª 441400126 no canto superior esquerdo, auto esse que se mostra assinado pelos intervenientes (cfr. ainda a refª citius 441400126).
Do identificado auto de não conciliação consta o seguinte (transcrição):
“Auto de não conciliação
Aos 16 dias do mês NOVEMBRO do ano de 2022, em Vila Nova de Gaia, Processo nº 7349/21.78VNG - Comarca do Porto - Ministério Público – Procuradoria do Juízo do Trabalho, presidida pelo Exmo Sr. DR DD, Procurador da República junto deste Tribunal, comigo EE, Técnica de Justiça, sendo a hora designada para a tentativa de conciliação nos presentes autos emergentes de Acidente de Trabalho, compareceram em representação do Sinistrado AA, Praticante Desportivo Profissional ..., filho de FF e de GG, nascido a ../../2002, residente na morada indicada nos autos, a seu Ilustre Mandatário Dr. CC, com Substabelecimento junto aos autos.
Em representação da legal representante da Companhia de A... SA, e a Dr. HH, com procuração arquivada na secretaria desta Instância.

Pelo Ilustre Mandatário do sinistrado foi dito:
No dia 07 de fevereiro de 2021, trabalhava, como Praticante Desportivo Profissional ..., por conta sob as ordens, direção e fiscalização de CLUBE ...., auferindo o salário anual de 42.844,56€ e cuja responsabilidade estava transferida para a referida Seguradora, quando sofreu um acidente que consistiu em:
Quando no exercício da sua atividade profissional saltou e, ao "chegar ao chão" o joelho direito "torceu" da qual resultou rotura do ligamento cruzado anterior.
Como consequência direta desse acidente sofreu os seguintes períodos de incapacidade para o trabalho:
ITA de 08-02-2021 a 07-10-2021 - 242 dias ITA;
ITP de (10%) de 08-10-2021 a 15-10-2021 - 8 dias
Foi-lhe atribuída alta clínica em 15-10-2021:
Por esses períodos de incapacidade (ITA e e ITP) tinha direito a receber a importância de 19.950,30€
A seguradora, a esse título, liquidou-lhe a importância de 10.928,29€
Encontra-se assim em debito, a esse título, a importância de 9.022,01€.

Pelo Ilustre Mandatário do sinistrado foi dito:
Reclama a título de indemnização por incapacidades temporárias, no período acima referenciado, a quantia de 8.857,93€, uma vez que o Contrato do sinistrado com a sua Entidade Patronal CLUBE .... cessou a 30-06-2021, tendo recebido até à referida data recebido todas as indemnizações legais a que tinha direito, sendo que a partir da referida data nada mais recebeu a esse título.
***
Desse acidente resultaram-lhe as lesões descritas no exame médico que antecede e do qual ficou afetado de incapacidade permanente parcial com o coeficiente global de 3% COM A QUAL NÃO CONCORDA.
***
Que não se encontra pago de todas as indemnizações devidas até à data da alta, que não gastou qualquer quantia em honorários clínicos ou medicamentos.
Em face do exposto reclama:
1º - A partir do dia 16 de outubro de 2021, dia seguinte ao da alta, a pensão anual e vitalícia que vier a ter direito e calculada com base no Artº 17 a. d) da Lei 98/09 e no salário atrás indicados e na I.P.P. que lhe vier a ser atribuída em JUNTA MÉDICA.
2º - A quantia de 8.857,93€ a título de diferenças nas indeminizações por incapacidades temporárias.
3º - Mais reclama juros de mora sobre o capital de remição.
***
Dada a palavra ao legal Ilustre Mandatário da representante da seguradora pelo mesmo foi dito que:
Aceita o acidente dos autos como de trabalho, o nexo causal entre o acidente e que do mesmo resultou uma lesão de rotura do LCA direito da qual determinou que o sinistrado se mantivesse com uma situação de incapacidade temporária desde a data do acidente, até a 11-08-2021, data em que teve alta sem qualquer desvalorização.
Mais declara conforme contrato seguro junto a indemnização por incapacidades temporárias só é devida a partir do 31º dia contado a partir do acidente, e bem assim que lhe pagou o total de 10.928,29€ relativamente aos períodos de incapacidade que considera devidos.
Por tal razão não aceita pagar qualquer pensão ao sinistrado, nem indemnização por temporárias.
Aceita a transferência da responsabilidade pelo salário reclamado pelo sinistrado.
***
Seguidamente pelo Exmº Procurador da República foi proferido o seguinte: DESPACHO
Em face da posição assumida pelas partes que são legitimas, dá-as como NÃO CONCILIADAS.
Notifique
Para constar se lavrou o presente auto que depois de lido e achado conforme vai ser devidamente assinado”

Com data de 30-11-2022, a Seguradora, apresentou o requerimento a que se referem os artigos 138.º, n.º 2, e 117.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo do Trabalho, requerendo a realização de junta médica e formulando quesitos para tal junta - refª citius 34043299 (44040222). Tal requerimento foi subscrito pelo respetivo Ilustre Mandatário e com notificação por via eletrónica entre mandatários ao Ilustre Mandatário do Sinistrado.
Em 7-12-2022, a Mm.ª Juíza proferiu o despacho refª citius 445113552, do qual consta, para além do mais, o seguinte:
Nos termos e para os efeitos do disposto nos art.os 117.º/1, al. b), 138.º/2 e 139.º, todos do Código de Processo do Trabalho, para exame médico ao sinistrado através de junta médica e com vista a dar resposta aos quesitos elencados no requerimento sob a refª 34043299, designo o próximo dia 8 de Fevereiro pelas 14h15 horas, neste Tribunal , atendendo ao acordo celebrado entre a Delegação Norte do INMLCF e a Presidência do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, de 07-11-2022.
* Notifique o sinistrado para, querendo, apresentar contra quesitos. * Desde já se consigna que para além dos já referenciados quesitos deverão os Srs. Peritos pronunciar-se sobre;
- período de ITA;
- período de ITP e respectivo valor;
- data da alta
(…)
Previamente ao cumprimento do presente despacho oficie ao Hospital ..., para que, com referência à cirurgia de reconstrução ligamentar efectuada ao sinistrado em 4/3/2021, seja remetido o relatório da alta clínica dada pelo cirurgião com a indicação de eventuais intercorrências e limitações que possam ter subsistido após a reabilitação e alta que possam interferir limitando o seu desempenho profissional.”.

Com data de 9-12-2022, o Sinistrado apresentou petição inicial a que se refere o artigo 117.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo do Trabalho, - refª citius 34111945 (44111012). Tal requerimento foi subscrito pelo respetivo Ilustre Mandatário e com notificação por via eletrónica entre mandatários ao Ilustre Mandatário da Seguradora.
Nesse articulado, o Sinistrado requereu a realização de junta médica e indicou quesitos a responder por tal junta.

Em 13-12-2022, a Mm.ª Juíza proferiu o despacho refª citius 443160754 com o seguinte teor:
“Ref. 443160694: Também o Tribunal entendeu que a questão única e exclusivamente a discutir nos presentes autos se prende com a questão da incapacidade (quer das IT, quer de eventual IPP) e por isso admitiu o requerimento apresentado pela Seguradora ao abrigo do disposto no art. 117.º/1, b) do CPT.
Daqui se conclui, portanto, que estamos aqui perante um caso de erro na forma de processo no que toca à P.I. ora apresentada pelo sinistrado.
Ora, por força do disposto no artigo 193º do Código de Processo Civil, tal erro importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei.
No caso presente, o autor terminou a sua petição inicial requerendo expressamente a realização de uma junta médica e formulando os respectivos quesitos (sendo que no despacho anterior se tinha já determinado a respectiva notificação para esse efeito).
Assim sendo, o articulado em causa será aproveitado, com aquele único e exclusivo fim, devendo os Sr. Peritos, em junta médica, responder igualmente aos quesitos formulados pelo sinistrado.
Notifique e d.n.”.

Os identificados despachos de 7-12-2022 e 13-12-2022 foram notificados às partes, conforme notificações expedidas aos respetivos Ilustres Mandatários com data de certificação citius de 29-12-2022 (refªs citius 443695236 e 443696247).

O exame por junta médica foi realizado, conforme se alcança dos respetivos autos com as refªs citius 445101353 e 448205757.

O Tribunal a quo proferiu sentença (decisão refª citius 451300979), concluída com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, e reconhecendo-se que o sinistrado foi vítima de um acidente de trabalho do qual lhe resultou uma incapacidade permanente parcial de 3% desde 15 de outubro de 2021, condena-se a entidade responsável a pagar-lhe:
1 – o capital de remição da pensão anual de € 899,74, devida desde 16 de outubro de 2021, acrescido de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde tal data e até efetivo e integral pagamento;
2 – a quantia de € 8.200,33, a título de indemnização pelo período de incapacidade temporária, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde o fim do mês em que cada uma das parcelas deveria ter sido liquidada e até efetivo e integral pagamento.
Oportunamente, calcule-se o capital de remição, nos termos do disposto no artigo 149.º do Código de Processo do Trabalho.
Fixo o valor de processo em € 24.249,89 - artigo 120.º do Código de Processo do Trabalho.
Custas pela seguradora.
Registe e notifique.»

Inconformada com a identificada sentença, na parte em que fixou a indemnização a título de ITA no valor de € 8.200,33, a Ré Seguradora, apresentou recurso de apelação (refª citius 37103609), tendo formulado as seguintes conclusões (que se transcrevem, sendo que as mesmas começam com a numeração 2):
“2) Deve ser aditada à decisão no elenco da matéria de facto provada que – a ré A..., até à data da alta de 17/10/2021, pagou ao sinistrado a quantia € 10.928,29 a título de indemnizações por incapacidades temporárias, considerando o facto de estar junto documento comprovativo desses pagamentos pela R – doc. 7 junto com o requerimento refª 30305998 de 25/2/2021 e a sua confissão pelo A. na conciliação;
3) Deve ainda ser aditada aos factos provados relevantes que “na apólice de seguro vigente e aplicável junta aos autos, quanto à indemnização por incapacidades temporárias, está previsto que “AS INDEMNIZAÇÕES POR INCAPACIDADES TEMPORÁRIAS, ABSOLUTAS OU PARCIAIS, SERÃO CALCULADAS DE ACORDO COM O ESTABELECIDO NA LEI 98/2009 DE 4 DE SETEMBRO COM FRANQUIA, SEM PREJUÍZO DISPOSTO NO Nº 2.1, O SEGURADOR APENAS PAGARÁ INDEMNIZAÇÕES POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA A PARTIR DO 31º DIA, CONTADO APARTIR DA DATA DO ACIDENTE”.
4) A alteração decorre da emergência do facto de um documento – condições particulares da apólice - doc.4 com o requerimento refª. 30305998 de 25/10/2021 - que, junto, não foi impugnado nem arguido de falso e que corresponde ao contrato dado como assente;
5) Considerados os dois factos referidos nos considerandos anteriores resulta que pela R. apenas era devida indemnização pelos períodos de ITA excluindo os primeiros 31 dias afastados pela franquia contratual (tanto mais que nesse período e até superior o A. recebeu as indemnizações da entidade patronal – ponto 7 dos factos provados), ou seja, 222 dias a título de ITA e 8 dias a título de ITP 10%;
6) É pois de € 18.306,95 o valor das indemnizações por ITA e ITP devidas e, considerando que confessadamente recebeu já € 10.928,29 da seguradora, apenas lhe assiste o direito a receber a diferença de € 7.378,66 e não de € 8.200,33 como fixado na sentença;
7) Violou, a decisão recorrida, o disposto nos arts. 48.º n.º 1 e 79.º n.º 5 da LAT e 406.º do CCiv e 112º do CPT.
Terminou o recurso, dizendo:
«NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO À PRESENTE APELAÇÃO, ALTERANDO-SE A DECISÃO RECORRIDA ADITANDO-SE NOS PONTOS DA MATÉRIA DE FACTO ACIMA INDICADOS, E ALTERANDO-SE A SENTENÇA, QUANDO AO VALOR DA DIFERENÇA DE INDEMNIZAÇÃO POR ITS DEVIDA A ALTERAR PARA € 7.378,66, POR SER DE INTEIRA,
JUSTIÇA!».
Requereu a fixação de efeito suspensivo ao recurso, propondo-se prestar caução no valor de € 1.643,35 ou outro que viesse a ser determinado.

Importa, desde já, consignar que o valor da diferença de € 7.378,66 mencionado na conclusão 6 e no final do recurso, consubstancia um mero lapso material manifesto, como resulta inequivocamente da leitura do recurso apresentado no seu conjunto, máxime quando compaginado com o invocado pela Recorrente nos pontos 3 e 4 das alegações, conforme melhor explicitado infra em sede de fundamentação.

O recorrido Autor apresentou contra-alegações (refª citius 37305501), sem que as tenha sintetizado em conclusões, referindo, em substância, o seguinte:
- A conclusão n.º 2 do recurso da Ré “é enganosa e falsa, devendo ser indeferido o recurso nessa matéria, porquanto:
1.O documento referido pela Ré – “doc. 7 junto com o requerimento refª 30305998 de 25/2/2021” – refere-se a pagamentos que a Entidade Responsável A..., S.A. fez, directamente ao CLUBE ...., como consta da apólice, e não foram pagamentos ao Sinistrado, que nunca recebeu qualquer quantia da Ré A..., nem de indemnizações por IT´s nem a qualquer outro título, como esta bem sabe!
2. Totalmente FALSA e ENGANOSA a alegação de que o Sinistrado tenha confessado tal recebimento na Conciliação, pois não o fez.”;
- Quanto às conclusões n.ºs 3, 4 e 5, “considerando que o acidente de trabalho ocorreu em 7-02-2021 e que conforme FACTO PROVADO n.º 8 e não contestado no Recurso da Ré: « 8 – O sinistrado esteve de ITA de 08-02-2021 até 07-10-2021 e de ITP de 10% de 08-10-2021 a 15-10-2021. », as indemnizações por ITA desses 31 dias de carência foram pagos pela sua Entidade Patronal ao Sinistrado (aliás, como todas as outras), pelo que tal facto será, salvo mais douta opinião, totalmente irrelevante, porquanto:
1) O Sinistrado não reclamou, nem reclama, qualquer verba referente a esses 31 dias de carência;
2) Todo e qualquer pagamento a esse respeito, porque consumido na duração do contrato de trabalho do Sinistrado, deverá ser discutido entre a Ré Seguradora e o CLUBE ...., no âmbito das relações contratuais de ambos, considerando que, durante os períodos de IT´s, o Sinistrado recebeu a sua retribuição, integral, paga directamente pela sua entidade patronal, enquanto os pagamentos das indemnizações por IT´s ficaram restritas às relações contratuais entre Ré e CLUBE ....;
- Foi muito bem, a sentença recorrida «quando, a este propósito, apenas referiu aquilo que foi decidido no despacho de 13.12.2022 com a Ref. 443160754, quando decidiu que: Também o Tribunal entendeu que a questão única exclusivamente a discutir nos presentes autos se prende com a questão da incapacidade (quer das IT, quer de eventual IPP) e por isso admitiu o requerimento apresentado pela Seguradora ao abrigo do disposto no art. 117.º/1, b) do CPT..»
- Definidos que foram os períodos de IT´s e atento os factos provados n.º 7 e n.º 8, que refletem com rigor as posições das partes na Tentativa de Conciliação, foi muito bem, «a sentença recorrida em condenar a Entidade Responsável A..., S.A. no pagamento de “2 – a quantia de € 8.200,33, a título de indemnização pelo período de incapacidade temporária, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde o fim do mês em que cada uma das parcelas deveria ter sido liquidada e até efetivo e integral pagamento.”
Concluiu pela improcedência do recurso e manutenção na integra da sentença recorrida.

O Tribunal a quo admitiu o recurso de apelação, a subir imediatamente e nos próprios autos, julgando ainda validamente prestada a caução pela Recorrente (refªs citius 454063228, 37435651 e 45455327).

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto junto deste Tribunal de recurso emitiu o parecer a que alude o artigo 87.º, n.º 3, do CPT no sentido de que o recurso não merece provimento, pronunciando-se, no essencial, como se segue:
«[…]
*
A... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., vem recorrer da douta sentença que a condenou nos pagamentos constantes nos termos do segmento decisório, na quantia de € 8.200,33, a título de indemnização pelo período de incapacidade temporária, por ter sido dado como provado que o sinistrado e recorrido, em consequência acidente de trabalho verificado nos autos, encontra-se afetada de uma I.P.P. de 3%.
Impugna, por erro de julgamento, a matéria de facto quanto aos seus pontos provados nº.s 7, 8, 9, bem como a matéria de direito.
[…]
A sentença recorrida, que merece a nossa concordância, apreciou devidamente os meios probatórios, designadamente a prova pericial e demais informações clínicas. Mais encontra-se correctamente fundamentada, não merecendo qualquer censura, dado o seu rigor argumentativo. Quanto à matéria de direito, tem respaldo nas normas jurídicas que aplicou nos pagamentos indemnizatórios que se mostram devidos ao recorrido e de acordo com os elementos que foram apreendidos nos autos.
[…]».

Não houve resposta ao parecer.

Procedeu-se a exame preliminar, foram colhidos os vistos, após o que o processo foi submetido à conferência.
***
II - Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado e das que se não encontrem prejudicadas pela solução dada a outras [artigos 635.º, n.º 4, 637.º n.º 2, 1ª parte, 639.º, n.ºs 1 e 2, 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho].
Assim, são as seguintes as questões a apreciar e decidir:
* Da impugnação da decisão quanto à matéria de facto, mais precisamente aditamento do elenco dos factos provados (mesmo em termos de intervenção oficiosa);
* Da consequente pretendida alteração da decisão quanto ao valor da indemnização referente aos períodos de incapacidade temporária a liquidar ao Autor/Sinistrado pela Ré/Seguradora (segmento decisório sob o ponto 2 da sentença recorrida).
***
III – FUNDAMENTAÇÃO
1 – Matéria de facto considerada assente na decisão proferida pela 1ª instância
O Tribunal a quo considerou assente o elenco factual que se passa a transcrever:
«1 - O sinistrado sofreu um acidente no dia 07 de fevereiro de 2021 ...
2 - ... Quando trabalhava, como Praticante Desportivo Profissional ..., por conta, sob as ordens, direção e fiscalização, de CLUBE .... …
3 - ... Mediante a retribuição anual de € 42.844,56.
4 - A responsabilidade infortunística laboral da entidade patronal encontrava-se transferida para a seguradora pelo referido salário anual.
5 - Do acidente resultaram para o sinistrado, como consequência direta e necessária, as lesões e sequelas descritas no exame pericial por junta médica.
6 - A consolidação médico-legal das lesões ocorreu no dia 15 de outubro de 2021.
7 - O sinistrado recebeu da entidade patronal, até 30 de junho de 2021, todas as indemnizações legais a que tinha direito, sendo que a partir da referida data nada mais recebeu a esse título.
8 - O sinistrado esteve de ITA de 08-02-2021 até 07-10-2021 e de ITP de 10% de 08- 10-2021 a 15-10-2021.
9 - O sinistrado nasceu no dia 27 de setembro de 2002.».
*
2 – Da impugnação da decisão quanto à matéria de facto
A Recorrente não coloca em crise nenhum dos pontos constantes do elenco dos factos provados, insurgindo-se, sim, contra a decisão da matéria de facto, por considerar que a mesma é omissa quanto a dois factos relevantes que deveriam figurar nos factos provados.
Pretende a Recorrente que sejam aditados à decisão no elenco da matéria de facto provada os seguintes factos:
a) – “a ré A..., até à data da alta de 17-10-2021, pagou ao sinistrado a quantia de € 10.928,29 a título de indemnizações por incapacidades temporárias” - conclusão 2
b) – “na apólice de seguro vigente e aplicável junta aos autos, quanto à indemnização por incapacidades temporárias, está previsto que:
As indemnizações por incapacidades temporárias, absolutas ou parciais, serão calculadas de acordo com o estabelecido na Lei 98/2009, de 4 de setembro com franquia, sem prejuízo do disposto no ponto 2.1., o segurador apenas pagará indemnizações por incapacidade temporária a partir do 31.º dia, contado a partir da data do acidente” – conclusão 3.
Refira-se que a Recorrente cumpriu o ónus a seu cargo decorrente do artigo 640.º do Código de Processo Civil, dado que indicou os factos cujo aditamento pretende e, bem assim, especificou os meios de prova e invocou as razões que, na sua perspetiva, justificam o aditamento à decisão da matéria de facto.
Alega a Recorrente que o facto acima descrito sob a alínea a) foi confessado pelo Autor na tentativa de conciliação, pelo que se tem que se ter por assente em face dessa confissão formulada em 2020, de acordo com o disposto no artigo 112.º do Código de Processo do Trabalho, e por isso aditado aos factos. Mais refere que se trata, precisamente, do valor que consta do comprovativo de pagamentos junto sob o documento 7 do requerimento refª 30305998 de 25-10-2021. Argumenta que se trata de um facto incontroverso e adquirido nos autos, e porque relevante para a determinação dos valores devidos a título de incapacidades temporárias, deve o mesmo ser aditado ao rol dos factos provados.
Quanto ao facto supra descrito sob a alínea b), refere que o mesmo decorre do contrato de seguro cujas condições particulares estão juntas como o documento 4 com o já identificado requerimento de 25-10-2021, documento esse que não foi impugnado, nem arguido de falso. Argumenta que, tratando-se de um facto incontroverso e adquirido nos autos, e porque relevante para a determinação dos valores devidos a título de incapacidades temporárias, deve o mesmo ser aditado ao rol dos factos provados.
Defende o Recorrido que o recurso deve ser indeferido quanto à conclusão 2 (relativa ao pretendido aditamento do facto acima descrito sob a alínea a)), contrapondo, em síntese, o seguinte: o documento referido pela Ré (doc. 7) se refere a pagamentos que a A... fez diretamente ao CLUBE .... e não foram pagamentos ao Sinistrado, que nunca recebeu qualquer quantia da Ré A..., nem de indemnizações por incapacidades temporárias nem a qualquer outro título; totalmente falsa e enganosa a alegação de que o Sinistrado tenha confessado tal recebimento na conciliação, pois não o fez; ao contrário do alegado pela Ré, em nenhum momento do processo o Sinistrado referiu que tinha recebido tal quantia da Ré, apelando nessa matéria, para além do mais, ao que referiu nos artigos 15.º, 16.º e 17.º da petição inicial.
Já quanto às conclusões 3 a 5 e ao pretendido aditamento do facto descrito sob a alínea b), sustenta o Recorrido que tal facto será totalmente irrelevante, já que as indemnizações por ITA dos dias de carência foram pagas ao Sinistrado pela sua Entidade Patronal, não tendo o Sinistrado reclamado qualquer verba referente ao período de carência.
*
Preliminarmente, importa tecer algumas considerações que se afiguram essenciais para melhor alcance do percurso a seguir na apreciação da questão.
O processo para efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho encontra-se regulado nos artigos 99.º a 150.º do Código de Processo do Trabalho [diploma legal a que se reportam as demais disposições infra a referenciar, desde que o sejam sem menção expressa em sentido adverso].
Tal processo compreende duas fases distintas, a saber: uma primeira, denominada fase conciliatória, de realização obrigatória e dirigida pelo Ministério Público; e, uma segunda, a fase contenciosa, de realização eventual e sob a direção do Juiz.
A fase conciliatória visa, como decorre da sua própria designação, alcançar a satisfação dos direitos emergentes do acidente do trabalho para o sinistrado, mediante uma composição amigável, embora necessariamente sujeita a regras legais imperativas, pela natureza indisponível dos direitos (cfr. artigos 78.º e 12.º da Lei n.º 98/2009 de 4 de setembro), atendendo aos interesses de ordem pública envolvidos.
A tramitação da fase conciliatória, tendo em vista alcançar o referido objetivo, compreende, por sua vez, três fases, mais precisamente: uma primeira de instrução, que tem em vista a recolha e fixação de todos os elementos essenciais à definição do litígio, de modo a indagar sobre a “(..) veracidade dos elementos constantes do processo e das declarações das partes”, habilitando o Ministério Público a promover um acordo suscetível de ser homologado (artigos 104.º, n.º 1, 109.º e 114.º); uma segunda, que consiste na realização do exame médico singular, devendo este no relatório “indicar o resultado da sua observação clínica, incluindo o relato do evento fornecido pelo sinistrado e a apreciação circunstanciada dos elementos constantes do processo, a natureza das lesões sofridas, a data de cura ou consolidação, as sequelas e as incapacidades correspondentes, ainda que sob reserva de confirmação ou alteração do seu parecer após obtenção de outros elementos clínicos ou auxiliares de diagnóstico” (artigos 105.º e 106.º); e, finalmente, a tentativa de conciliação presidida pelo Ministério Público, com a finalidade primordial de obtenção de acordo suscetível de ser homologado pelo Juiz (artigo 109.º) [conforme se expõe no Acórdão desta Relação e Secção de 17-04-2023 (processo n.º 2040/20.4T8VLG.P1, Relator Desembargador Jerónimo Freitas, acessível in www.dgsi.pt), que neste particular seguimos de perto, o qual, por seu turno, apela a João Monteiro, Fase conciliatória do processo para a efetivação do direito resultante de acidente de trabalho – enquadramento e tramitação, Prontuário do Direito do Trabalho, n.º 87, CEJ, Coimbra Editora, pp. 135 e seguintes].
Na fase conciliatória, avultam, pois, a realização de exame médico singular, a realizar por perito do Tribunal (ou do Instituto de Medicina Legal), com vista à determinação das lesões e sequelas e à avaliação da correspondente incapacidade, seguida de tentativa de conciliação, na qual as partes se pronunciam sobre as questões relevantes à determinação da reparação [artigos 105.º e 109.º].
Não sendo obtido o acordo a fase conciliatória, conforme decorre do artigo 112.º, n.º 1, no auto da tentativa “(..) são consignados os factos sobre os quais tenha havido acordo, referindo-se expressamente se houve ou não acordo acerca da existência e caracterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, da retribuição do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau da incapacidade atribuída”.
O objetivo é reduzir a litigiosidade das fases subsequentes e encaminhar a tramitação posterior dos autos, que será tanto mais simples quanto menos forem as questões controvertidas.
O início da fase contenciosa, como decorre do artigo 117.º, alíneas a) e b), tem por base a apresentação de petição inicial ou o requerimento a que se refere o n.º 2 do artigo 138.º [que se reporta ao requerimento de perícia por junta médica].
O referido requerimento é o meio processual próprio a apresentar quando o interessado “se não conformar com o resultado da perícia médica realizada na fase conciliatória do processo, para efeitos de fixação da incapacidade para o trabalho” (alínea b) do n.º 1 do artigo 117.º), o qual deve ser fundamentado ou vir acompanhado de quesitos (artigo 117.º n.º 2), a fim de serem respondidos pelos senhores peritos médicos no exame por junta médica previsto no artigo 139.º, n.º 1. Tal perícia por junta médica é de realização obrigatória.
Por sua vez, a apresentação da petição inicial é necessária quando a discordância entre as partes na tentativa de conciliação não se fique pela questão da incapacidade.
Nas situações reconduzíveis à alínea b) do n.º 1 do artigo 117.º, o processo segue uma tramitação simplificada que apenas prevê a realização da perícia por junta médica – e eventuais diligências relacionadas com a finalidade deste ato, tendo em vista obter elementos complementares para a emissão do laudo – a que se seguirá a decisão sobre o mérito, fixando a natureza e grau de incapacidade e o valor da causa, observando-se o disposto no n.º 3 do artigo 73.º, por remissão do n.º 1 do artigo 140.º [este último normativo dispõe que “Se a fixação da incapacidade tiver lugar no processo principal, o juiz profere decisão sobre o mérito, realizadas as perícias referidas no artigo anterior, fixando a natureza e o grau de incapacidade e o valor da causa, observando-se o disposto no n.º 3 do artigo 73.º”].
Daqui decorre que a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da identificação das partes e da sucinta fundamentação de facto e de direito do julgado [artigo 73.º, n.º 3].
Importa ainda ter presente que, como decorre do disposto nos artigos 112.º e 131.º, n.º 1, alínea c) [conquanto que este último se reporte à fase contenciosa que tenha por base a tramitação a que respeita o artigo 117.º, n.º 1, alínea a), e preceitos correspondentemente aplicáveis], os factos sobre os quais tenha havido acordo na tentativa de conciliação levada a cabo na fase conciliatória do processo (e que deverão ficar consignados no respetivo auto) não poderão vir a ser posteriormente discutidos em sede de fase contenciosa (tenha esta por base a tramitação a que respeita a alínea a) ou a alínea b) do artigo 117.º). Isso mesmo decorre, aliás, do disposto no artigo 607º, n.º 4, do Código de Processo Civil, nos termos do qual se deverão ter, na sentença, como assentes os factos que estejam admitidos por acordo.
*
No caso concreto, cumpridas as fases prévias e realizado o exame médico pelo INML, procedeu-se à realização da tentativa de conciliação sob a direção do Ministério Público, mas sem que se tenha logrado alcançar o acordo, tendo ficado consignado em ata as posições do Sinistrado e da responsável Seguradora, conforme se segue (auto de não conciliação de fls. 117 a 121):
«[…]
Pelo Ilustre Mandatário do sinistrado foi dito:
No dia 07 de fevereiro de 2021, trabalhava, como Praticante Desportivo Profissional ..., por conta sob as ordens, direção e fiscalização de CLUBE ...., auferindo o salário anual de 42.844,56€ (…) e cuja responsabilidade estava transferida para a referida Seguradora, quando sofreu um acidente que consistiu em:
Quando no exercício da sua atividade profissional saltou e, ao "chegar ao chão" o joelho direito "torceu" da qual resultou rotura do ligamento cruzado anterior.
Como consequência direta desse acidente sofreu os seguintes períodos de incapacidade para o trabalho:
ITA de 08-02-2021 a 07-10-2021 - 242 dias ITA;
ITP de (10%) de 08-10-2021 a 15-10-2021 - 8 dias
Foi-lhe atribuída alta clínica em 15-10-2021:
Por esses períodos de incapacidade (ITA e e ITP) tinha direito a receber a importância de 19.950,30€
A seguradora, a esse título, liquidou-lhe a importância de 10.928,29€
Encontra-se assim em débito, a esse título, a quantia a importância de 9.022,01.
Pelo Ilustre Mandatário do sinistrado foi dito:
Reclama a título de indemnização por incapacidades temporárias, no período acima referenciado, a quantia de 8.857,93€, uma vez que o Contrato do sinistrado com a sua Entidade Patronal CLUBE .... cessou a 30-06-2021, tendo recebido até à referida data recebido todas as indemnizações legais a que tinha direito, sendo que a partir da referida data nada mais recebeu a esse título.
***
Desse acidente resultaram-lhe as lesões descritas no exame médico que antecede e do qual ficou afetado de incapacidade permanente parcial com o coeficiente global de 3% COM A QUAL NÃO CONCORDA.
***
(…)
***
Dada a palavra ao legal Ilustre Mandatário da representante da seguradora pelo mesmo foi dito que:
Aceita o acidente dos autos como de trabalho, o nexo causal entre o acidente e que do mesmo resultou uma lesão de rotura do LCA direito da qual determinou que o sinistrado se mantivesse com uma situação de incapacidade temporária desde a data do acidente, até a 11-08-2021, data em que teve alta sem qualquer desvalorização.
Mais declara conforme contrato seguro junto a indemnização por incapacidades temporárias só é devida a partir do 31º dia contado a partir do acidente, e bem assim que lhe pagou o total de 10.928,29€ relativamente aos períodos de incapacidade que considera devidos.
Por tal razão não aceita pagar qualquer pensão ao sinistrado, nem indemnização por temporárias.
Aceita a transferência da responsabilidade pelo salário reclamado pelo sinistrado. […]».
Retira-se dessas declarações, no que aqui releva, o seguinte:
- o Sinistrado concordou com os períodos de incapacidade temporária atribuídos pelo INML e data da alta, mas já não assim a responsável Seguradora (esta apenas admitiu que do acidente tivesse resultado incapacidade temporária desde o acidente até 11-08-2021);
- O Sinistrado reconheceu que a Seguradora a título de períodos de incapacidade temporária liquidou-lhe a importância de € 10.928,29 [em consonância, aliás, com o invocado pela Seguradora nesse mesmo auto no que respeita ao montante que pagou ao Sinistrado relativamente aos períodos de incapacidade temporária];
- A Seguradora aceitou a transferência da responsabilidade pelo salário reclamado pelo Sinistrado de € 42.844,56, declarando que conforme contrato de trabalho junto a indemnização por incapacidades temporárias só é devida a partir do 31º dia contado a partir do acidente;
- O Sinistrado e a Seguradora não concordaram com a incapacidade permanente parcial que foi atribuída no exame médico do INML ao Sinistrado.
Relembre-se o processado nos autos na sequência da frustração da conciliação nos termos sobreditos:
- A Seguradora apresentou em 30-11-2022 requerimento de realização de junta médica e formulou quesitos (artigos 138.º, n.º 2, e 117.º, n.º 1, alínea b)), requerimento esse que foi admitido pelo Tribunal a quo ao proferir despacho datado de 7-12-2022 a designar data para a realização da junta médica e a fixar o respetivo objeto.
- O Sinistrado em 9-12-2022, antes da notificação do referido despacho, apresentou petição inicial, onde requereu também a realização de junta médica e indicou quesitos (artigos 138.º, n.º 1, e 117.º, n.º 1, alínea a).
- O Tribunal a quo proferiu despacho em 13-12-2022, com o seguinte teor: «Também o Tribunal entendeu que a questão única e exclusivamente a discutir nos presentes autos se prende com a questão da incapacidade (quer das IT, quer de eventual IPP) e por isso admitiu o requerimento apresentado pela Seguradora ao abrigo do disposto no art. 117.º/1, b) do CPT.
Daqui se conclui, portanto, que estamos aqui perante um caso de erro na forma de processo no que toca à P.I. ora apresentada pelo sinistrado.
Ora, por força do disposto no artigo 193º do Código de Processo Civil, tal erro importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei.
No caso presente, o autor terminou a sua petição inicial requerendo expressamente a realização de uma junta médica e formulando os respectivos quesitos (sendo que no despacho anterior se tinha já determinado a respectiva notificação para esse efeito).
Assim sendo, o articulado em causa será aproveitado, com aquele único e exclusivo fim, devendo os Sr. Peritos, em junta médica, responder igualmente aos quesitos formulados pelo sinistrado.
Notifique e d.n.”.».
- O referido despacho de 13-12-2022 não foi colocado em crise, tendo os presentes autos seguido a sobredita tramitação simplificada da fase conciliatória (artigo 117.º, n.º 1, alínea b) e 138.º, n.º 2).
Daqui decorre inequivocamente que o Tribunal a quo considerou que, após a realização da tentativa de conciliação da fase conciliatória, a única questão que permaneceu controvertida prendia-se tão-só com a questão da incapacidade (quer das incapacidades temporárias, quer de eventual IPP – ou seja, natureza e grau da incapacidade), o que as partes aceitaram.
O Tribunal a quo considerou, pois, que não estava controvertida a questão da transferência da responsabilidade para a Ré Seguradora nos moldes invocados pela Seguradora e decorrentes da apólice e respetivas condições particulares constantes dos autos e, bem assim, a questão atinente ao invocado pagamento pela Seguradora ao Sinistrado da quantia de € 10.928,29 relativamente aos períodos de incapacidade decorrentes do acidente dos autos.
Não se olvide que o Tribunal a quo decidiu expressa e inequivocamente que a apresentação da petição inicial pelo Sinistrado se reconduzia ao erro previsto no artigo 193.º do Código de Processo Civil, apenas se aproveitando tal articulado com o único e exclusivo fim de requerer a realização da junta médica e formular quesitos.
Como tal, não colhe desde logo a argumentação do Sinistrado quando apela à petição inicial no que respeita ao por si aí alegado, nomeadamente nos artigos 15.º a 17.º.
Por outro lado, e como sustenta a Recorrente Seguradora, do auto de não conciliação resulta que foi expressamente reconhecido pelo Sinistrado que a Seguradora lhe pagou a quantia de € 10.928,29 a título de períodos de incapacidade temporária.
Esse facto mostra-se reconhecido pelo Sinistrado e assente por acordo na tentativa de conciliação (a Seguradora invocou o pagamento dessa quantia ao Sinistrado pelos períodos de incapacidade temporária e, por sua vez, o Sinistrado reconheceu que a Seguradora lhe pagou essa mesma quantia a esse mesmo título – ou seja, a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária), pelo que nos termos das disposições conjugadas dos artigos 112.º e 131.º, n.º 1, alínea c), terá que o mesmo que se ter por assente (cfr. ainda o artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil).
Refira-se que, como se disse, tal decorre do reconhecimento do facto em questão nos termos em que o foi pelo Sinistrado na tentativa de conciliação da fase conciliatória e não por decorrer do documento invocado pela Seguradora junto com o requerimento de 25-10-2022, o qual se trata de um mero documento elaborado pela Seguradora não consubstanciando qualquer documento de quitação por parte do Sinistrado (nem por parte, aliás, de qualquer outra entidade – não consubstancia de todo um documento de quitação).
Ora, estando a factualidade em referência assente nos termos sobreditos e porque o pagamento que a mesma invocou e foi reconhecido pelo Sinistrado é relevante no âmbito da reparação a que o Sinistrado tem direito pelo acidente de trabalho sofrido, terá de reconhecer-se razão à Recorrente nesta parte da impugnação, quando sustenta que deverá ser aditado o pagamento em referência ao elenco dos factos provados.
Do mesmo passo, face à apólice de seguro n.º ... e respetivas condições particulares e gerais juntas pela Seguradora com o requerimento de 25-10-2022 (já identificado supra no Relatório), documento esse que não mereceu impugnação e no qual assentou também a aceitação da transferência da responsabilidade constante do auto de não conciliação e serviu também de suporte ao facto vertido sob o ponto 4 da matéria provada, considerando a respetiva relevância no âmbito da aplicação das regras de direito, assiste razão também à Recorrente quanto ao pretendido aditamento do que consta nas condições particulares da apólice em causa quanto ao pagamento pela Seguradora das indemnizações por incapacidade temporária (artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil).
Sublinhe-se que a factualidade em causa – atinente à franquia constante das condições particulares do contrato de seguro - se mostra provada por documento, correspondendo ao contrato de seguro a que respeita a factualidade dada como assente sob o ponto 4 na decisão recorrida, inexistindo qualquer controvérsia entre as partes quanto à mesma, conforme, aliás, emerge das contra-alegações do Recorrido.
Com efeito, o Recorrido/Sinistrado não coloca em crise a veracidade do facto a que se reporta a conclusão 3) do recurso, sustentando é que o mesmo é totalmente irrelevante.
O facto em causa, como já se referiu supra, assume relevância no âmbito da aplicação das regras de direito, mais precisamente quanto ao âmbito da reparação devida ao Sinistrado pela Seguradora a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária, como melhor se explicitará infra em sede de apreciação de direito quanto à segunda questão a decidir.
Assiste, pois, razão à Recorrente quanto ao pretendido aditamento da matéria de facto da sentença recorrida, de molde a espelhar o referido pagamento reconhecido pelo Sinistrado na fase conciliatória e o teor das condições particulares da apólice de seguro quanto à franquia existente no que respeita à indemnização pelos períodos de incapacidade temporária.
Atente-se que não será seguida exatamente a redação proposta pela Seguradora, sendo a redação dos factos a aditar aquela que resulta dos autos como factualidade reconhecida nos termos acima assinalados – Quanto ao pagamento não figurará a data proposta pela Seguradora (que, aliás, nem sequer é a data da alta – cfr. ponto 6 dos factos assentes), nem qualquer outra data, na medida em que o Sinistrado não aludiu a qualquer data no que respeita ao reconhecimento do pagamento em causa; por outro lado, a redação proposta pela Seguradora quanto ao que está previsto nas condições particulares em matéria de franquia não espelha o exato teor dessa condição constante na apólice, pelo que a redação a dar ao ponto a aditar irá reproduzir o exato teor da condição particular em questão.
Por último, haverá ainda uma intervenção oficiosa por parte deste Tribunal da Relação no âmbito da matéria de facto, no sentido de reproduzir nos factos provados, e concretamente no facto que irá ser aditado quanto às condições particulares do contrato de seguro em referência, também o que consta logo no início nas condições particulares quanto à aplicação ao contrato de seguro em causa das condições gerais “Praticantes Desportivos Profissionais, Nº 012”. Tal intervenção é feita face à já identificada documentação junta pela Seguradora consubstanciada na apólice e respetivas condições particulares e gerais, pelos motivos já acima indicados, bem como ao disposto nos artigos 607.º, n.º 4, e 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil e considerando a respetiva relevância no âmbito da aplicação das regras de direito atenta a previsão de uma franquia nas condições particulares do contrato de seguro em causa nos presentes autos.
Pelo exposto, na procedência da impugnação deduzida quanto à decisão de facto e atenta a intervenção oficiosa deste tribunal acima especificada, adita-se ao conjunto dos factos assentes/provados da sentença recorrida os pontos 10 e 11, com o seguinte teor:
“10 - A Seguradora liquidou ao Sinistrado a quantia de € 10.928,29 pelos períodos de incapacidade temporária”.
11 – Nas condições particulares da apólice n.º ..., que titula o contrato de seguro por acidentes de trabalho referido no ponto 4 dos factos provados, juntas a fls. 23 a 24 dos autos, consta o seguinte:
“(…)
AO PRESENTE CONTRATO APLICAM-SE AS CONDIÇÕES GERAIS: PRATICANTES DESPORTIVOS PROFISSIONAIS, Nº 012.
(…)
AS INDEMNIZAÇÕES POR INCAPACIDADES TEMPORÁRIAS, ABSOLUTAS OU PARCIAIS, SERÃO CALCULADAS DE ACORDO COM O ESTABELECIDO NA LEI 98/2009 DE 4 DE SETEMBRO.
COMO FRANQUIA, E SEM PREJUÍZO DO PONTO 2.1, O SEGURADOR APENAS PAGARÁ INDEMNIZAÇÕES POR INCAPACIDADE A PARTIR DO 31º DIA, CONTADO A PARTIR DA DATA DO ACIDENTE.
(…)”.
Em conclusão, atentas as sobreditas alterações introduzidas no elenco dos factos provados constante da decisão recorrida, tais factos são os seguintes:
«1 - O sinistrado sofreu um acidente no dia 07 de fevereiro de 2021 ...
2 - ... Quando trabalhava, como Praticante Desportivo Profissional ..., por conta, sob as ordens, direção e fiscalização, de CLUBE .... …
3 - ... Mediante a retribuição anual de € 42.844,56.
4 - A responsabilidade infortunística laboral da entidade patronal encontrava-se transferida para a seguradora pelo referido salário anual.
5 - Do acidente resultaram para o sinistrado, como consequência direta e necessária, as lesões e sequelas descritas no exame pericial por junta médica.
6 - A consolidação médico-legal das lesões ocorreu no dia 15 de outubro de 2021.
7 - O sinistrado recebeu da entidade patronal, até 30 de junho de 2021, todas as indemnizações legais a que tinha direito, sendo que a partir da referida data nada mais recebeu a esse título.
8 - O sinistrado esteve de ITA de 08-02-2021 até 07-10-2021 e de ITP de 10% de 08- 10-2021 a 15-10-2021.
9 - O sinistrado nasceu no dia 27 de setembro de 2002.
10 - A Seguradora liquidou ao Sinistrado a quantia de € 10.928,29 pelos períodos de incapacidade temporária.
11 – Nas condições particulares da apólice n.º ..., que titula o contrato de seguro por acidentes de trabalho referido no ponto 4 dos factos provados, juntas a fls. 23 a 24 dos autos, consta o seguinte:
“(…)
AO PRESENTE CONTRATO APLICAM-SE AS CONDIÇÕES GERAIS: PRATICANTES DESPORTIVOS PROFISSIONAIS, Nº 012.
(…)
AS INDEMNIZAÇÕES POR INCAPACIDADES TEMPORÁRIAS, ABSOLUTAS OU PARCIAIS, SERÃO CALCULADAS DE ACORDO COM O ESTABELECIDO NA LEI 98/2009 DE 4 DE SETEMBRO.
COMO FRANQUIA, E SEM PREJUÍZO DO PONTO 2.1, O SEGURADOR APENAS PAGARÁ INDEMNIZAÇÕES POR INCAPACIDADE A PARTIR DO 31º DIA, CONTADO A PARTIR DA DATA DO ACIDENTE.
(…)”.
*
3 - Da consequente pretendida alteração da decisão quanto ao valor da indemnização referente aos períodos de incapacidade temporária a liquidar ao Autor/Sinistrado pela Ré/Seguradora (segmento decisório sob o ponto 2 da sentença recorrida).
Nesta sede, defende, em substância, a Recorrente que no apuramento da quantia da sua responsabilidade a liquidar ao Sinistrado a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária sofridos em consequência do acidente, terá que ser considerada franquia contratual existente e o valor que o Sinistrado já recebeu da Seguradora a esse título.
Por o acidente a que se reportam os autos ter ocorrido no dia 7-02-2021 e se tratar de um acidente de trabalho de um praticante desportivo profissional, a Lei aplicável, no que respeita ao regime dos acidentes de trabalho é a Lei n.º 27/2011 de 16 de junho [em vigor à data do acidente dos autos - atente-se que a atual Lei n.º 48/2023 de 22 de agosto apenas aplica-se apenas aos acidentes de trabalho ocorridos após a sua entrada em vigor], que estabelece o regime relativo à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho e dos praticantes desportivos profissionais e, subsidiariamente, aplica-se a Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doença profissionais, nos termos do artigo 284.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009 de 12/02.
No caso, está demonstrado que estamos perante um contrato de seguro de praticante desportivo profissional, o qual previa nas respetivas condições particulares uma franquia de 30 dias, ficando o segurador apenas responsável pelo pagamento de indemnizações por incapacidades temporárias a partir do 31º dia contado a partir do acidente.
O estabelecimento da franquia neste tipo de contrato de seguro de acidente de trabalho de praticante desportivo profissional é permitido, conforme decorre do artigo 6.º da Lei n.º 27/2011 de 16 de junho [o qual dispõe que “Nos contratos de seguros celebrados entre as entidades seguradoras e as entidades empregadoras dos segurados podem ser estabelecidas franquias para os casos de incapacidades temporárias.” [o que, aliás, continua atualmente a ser permitido, conforme artigo 5.º da Lei n.º 48/2023 de 22 de agosto].
Por outro lado, da factualidade provada sob o ponto 7, decorre que o Sinistrado recebeu as indemnizações devidas pela entidade empregadora em razão da franquia acordada nos termos do contrato de seguro.
O próprio Recorrido, aliás, confirma nas suas contra-alegações que as indemnizações por ITA pelo período de carência da franquia foram pagas pela entidade patronal e que nada reclamou, nem reclama referente ao período temporal da franquia.
Por outro lado, ainda, encontra-se provado que a Seguradora liquidou ao Sinistrado a quantia de € 10.928,29, a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária.
Assim, tendo em conta os períodos de incapacidade temporária sofridos pelo Sinistrado em consequência do acidente (ponto 8 dos factos provados – ITA de 8-02-2021 a 7-10-2021 e ITP de 10% de 8-10-2021 a 15-10-2021) e a retribuição anual a considerar de € 42.844,56 (pontos 3 e 4 dos factos provados), nos termos do disposto nos artigos 48.º, n.º 3, alíneas d) e e) e 71.º, n.ºs 1 a 3 da Lei n.º 98/2009 de 4 de setembro (cfr. artigos 6.º e 10.º da Lei n.º 27/2011 de 16 de junho), a quantia que se mostra por liquidar ao Sinistrado a título de indemnização por incapacidades temporárias ascende ao montante global de € 6.556,98.
Tal quantia foi calculada nos seguintes termos:
- Período total de ITA – 242 dias (de 8-02-2021 a 7-10-2021);
- Período total de ITP de 10% - 8 dias (de 8-10-2021 a 15-10-2021);
- A franquia de 30 dias tem aplicação no início da situação incapacidade temporária absoluta, ou seja, no período de 8-02-2021 a 9-03-2021, correspondendo ao valor indemnizatório de € 2.465,03 - € 42.844,56/365x0.70x30 – da responsabilidade da entidade patronal.
- Ao restante período de ITA (212 dias) da responsabilidade da Seguradora corresponde o valor indemnizatório de € 17.419,54 - € 42.844,56/365x0.70x212;
- Ao período de ITP de 10% (8 dias) da responsabilidade da Seguradora corresponde o valor indemnizatório de € 65,73 - € 42.844,56/365x0.70x0,10x8;
- Daqui decorre que o valor total da indemnização pelos períodos de incapacidade temporária a que o Sinistrado/Recorrido tinha direito ascendia ao valor total de € 19.950,30;
- Deduzindo ao total de € 19.950,30, os valores pagos pela Seguradora - € 10.928,29 – e os recebidos pelo Sinistrado do clube no período coberto pela franquia - € 2.465,03 -, conclui-se que o valor ainda em dívida e da responsabilidade da Seguradora, tal como aponta a Seguradora no ponto 3 das suas alegações, é no montante de € 6.556,98, e não os € 8.200,03 fixados pelo Tribunal a quo no ponto 2 do dispositivo da sentença.
Importa salientar que a Recorrente procede corretamente aos cálculos das indemnizações por incapacidades temporárias da responsabilidade da Seguradora no ponto 3 das suas alegações, ilustrando-os pormenorizadamente e chegando ao valor total em dívida de € 6.556,98 depois de descontar o montante já pago pela Seguradora de € 10.928,29 [€ 17.485,27 (valor total das indemnizações da sua responsabilidade, excluído o período de franquia)-€ 10.928,29 (montante já pago pela Seguradora)=€ 6.556,98), daí concluindo no ponto 4 das alegações que ao ter sido condenada ao pagamento do valor de € 8.200,33 a título de indemnizações pelos períodos de incapacidade temporária tal valor se acha calculado em excesso de € 1.643,35. Sucede que, por lapso material manifesto, a Seguradora na conclusão 6 do recurso inscreve um valor total distinto e errado no que respeita ao valor da sua responsabilidade - € 18.307,95 e não os € 17.485,27 a que tinha chegado pelos cálculos efetuados –, o que motivou a que deduzido o valor pago de € 10.928,29 escrevesse o valor de € 7.378,66. No entanto, em face da factualidade provada e das regras aplicáveis ao cálculo da indemnização pelos períodos de incapacidade temporária, e como ficou claramente demonstrado pelos cálculos efetuados por este Tribunal, como também pelos cálculos efetuados pela própria Recorrente nas alegações de recurso, o valor correto que falta ainda liquidar ao Sinistrado pela Seguradora é no montante total de € 6.556,98 e não de € 7.378,66 como por mero lapso material manifesto consta das conclusões de recurso da Recorrente [atente-se, aliás, no valor da caução que foi oferecida pela Recorrente e que foi julgada idónea, no montante de € 1.635,35, montante esse correspondente àquele que a Recorrente nas suas alegações considerou ter sido condenada em excesso - € 8.200,33-€ 6.556,98=€ 1.635,35].
Em conclusão, também nesta parte é procedente o recurso, impondo-se a alteração do ponto 2 do dispositivo da sentença, para condenar a Seguradora a pagar ao Sinistrado a quantia de € 6.556,98 (seis mil quinhentos e cinquenta e seis euros e noventa e oito cêntimos), relativo ao diferencial pelas incapacidades temporárias sofridas, ainda não liquidado.
A apelação é, pois, procedente.
As custas do recurso ficam a cargo do Recorrido (artigo 527.º do Código de Processo Civil, ex vi artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho).
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IV – DECISÃO
Em face do exposto, acorda-se em julgar o recurso procedente, quer quanto à impugnação da decisão sobre a matéria de facto (aditando-se à mesma os pontos 10 e 11 com o teor mencionado na fundamentação), quer quanto à consequente impugnação de direito, revogando e alterando o ponto 2 do dispositivo da sentença, para condenar a recorrente Seguradora a pagar ao Sinistrado “a quantia de € 6.556,98 (seis mil quinhentos e cinquenta e seis euros e noventa e oito cêntimos), relativo ao diferencial pelas incapacidades temporárias sofridas, ainda não liquidado, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, desde o fim do mês em que cada uma das parcelas devia ter sido liquidada e até efetivo e integral pagamento”.
Custas do recurso a cargo do Recorrido.
Valor do recurso: € 1.643,35 (artigo 12.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais).
Notifique e registe
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(texto processado e revisto pela relatora, assinado eletronicamente)

Porto, 19 de fevereiro de 2024
Germana Ferreira Lopes
Nelson Fernandes
António Luís Carvalhão