Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3858/21.6T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JUDITE PIRES
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DA POSSE
ENTIDADE PÚBLICA EMPRESARIAL
COMPETÊNCIA MATERIAL
Nº do Documento: RP202109093858/21.6T8VNG.P1
Data do Acordão: 09/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A ADECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A competência material, afere-se em função da forma como o autor configura e estrutura a acção, analisando o pedido e a factualidade concreta que lhe serve de fundamento (causa de pedir).
II - O direito de defesa da posse e propriedade de um imóvel pode ser exercido contra particulares por entidades públicas.
III - A providência cautelar de restituição provisória de posse na qual a requerente, entidade de direito público, invoca a ocupação abusiva de imóvel, por um particular, de cuja propriedade aquela se arroga titular e cuja restituição reclama por via desse procedimento, tem natureza privada.
IV - São os tribunais comuns, e não os administrativos, os competentes em razão da matéria para conhecer de tal providência cautelar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 3858/21.6T8VNG.P1
Tribunal Judicia da Comarca do Porto
Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia – Juiz 2
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I. RELATÓRIO
1. INSTITUTO DA HABITAÇÃO E DA REABILITAÇÃO URBANA, I.P., abreviadamente designado por IHRU, I.P., pessoa coletiva n.º ………, com sede na Avenida …, n.º …, ….-… Lisboa, instaurou Procedimento Cautelar especificado de Restituição Provisória de Posse contra B…, solteira, titular do Cartão de Cidadão n.º …………., com o NIF ………, atualmente com residência na Rua …, n.º …, …, ….-… Vila Nova de Gaia.
Pelos fundamentos constantes do seu requerimento inicial pretende com o procedimento cautelar instaurado:
a) Ser declarado que o A. é o proprietário e possuidor da fração autónoma identificada pela letra B, correspondente ao 1º andar esquerdo do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito n.º … da Rua …, em Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de …, Concelho de Vila Nova de Gaia, Distrito do Porto, sob o artigo 9152, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º 245;
b) Ser reconhecido que o A. foi e se encontra privado da posse do fogo por meio de esbulho praticado com violência;
c) Ser ordenada a restituição da posse do fogo pela Ré. e/ou por quem que o ocupe, e a sua entrega ao A. livre e devoluto de pessoas e bens;
d) Ser decretada a inversão do contencioso.
Por despacho liminar, proferido a 19.05.2012, verificada a excepção dilatória de incompetência em razão da matéria, declarou-se ser o tribunal recorrido “incompetente para conhecer do pedido formulado pela autora contra a ré”, sendo esta absolvida da instância, ficando as custas a cargo da autora.
2. Inconformada com tal decisão, dela interpôs o Autor recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:
a) aos tribunais administrativos e fiscais compete o julgamento das ações e recursos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais (nº 3 do artigo 212º da Constituição da República Portuguesa (CRP)
b) os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais (nº 1 do artigo 1º do ETAF;
c) estão excluídas da jurisdição administrativa as questões de direito privado, ou relações jurídicas de direito privado, ainda que uma das partes, como é o caso do Requerente, seja uma entidade pública.
d) a relação jurídica administrativa é tradicionalmente definida como sendo “toda a relação entre sujeitos de direito, públicos ou privados, atuando no exercício de poderes ou deveres públicos, conferidos por normas de direito administrativo” (FREITAS DO AMARAL), ou “a relação jurídica de Direito Administrativo na qual um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público ou de um dever público, conferido ou imposto com vista à realização de um interesse público legalmente definido (VIEIRA DE ANDRADE);
e) não existe, nem nunca existiu, qualquer relação jurídica administrativa estabelecida entre o Apelante e a requerida nos autos em causa.;
f) o Apelante, sendo possuidor e proprietário de um fogo habitacional, recorreu aos meios judiciais para obter a restituição da posse desse mesmo fogo, objeto de esbulho, praticado com violência;
g) a requerida na providência cautelar não tem qualquer relação jurídica de natureza administrativa (e, diga-se, de qualquer outra natureza) estabelecida com o ora Apelante, visto que nenhum contrato foi com aquela ajustado e nenhuma autorização foi para o efeito concedida, inexistindo ainda qualquer ato administrativo praticado ou mesmo o exercício de um poder de autoridade neste contexto perante o particular;
h) a causa de pedir ínsita no procedimento não emerge de uma relação jurídico- administrativa regulada por normas de direito público ou administrativo, mas simplesmente de um ato de ofensa da posse e propriedade, ilegítimo e ilegal, situação a que a lei concede tutela conservatória mediante a providencia cautelar requerida e à qual o Apelante, sendo embora uma entidade pública, recorre despido de qualquer poder de autoridade;
i) o nº 1 do artigo 4º do mesmo ETAF concretiza o âmbito de aplicação da jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais, não sendo manifestamente o caso em apreço, face ao alegado, enquadrável em qualquer das situações aí elencadas, nomeadamente na sua alínea o), de natureza residual, e que expressamente se refere a relações administrativas que não digam respeito às demais matérias contempladas;
j) a sentença recorrida fez errada aplicação das normas constantes dos artigos 212º, nº 3, da CRP e dos artigos 1º e 4º do ETAF;
k) decorrente da consulta das disposições reguladoras da competência dos tribunais administrativos e consequente verificação do não enquadramento da situação sub-judice no seu âmbito, resulta a afirmação negativa da competência dos tribunais administrativos e a positiva competência, que é residual, dos tribunais (comuns) judicias – em concreto, do juízo local cível, tal como resulta do artigo 211º da CRP e dos artigos 80º, 117º e 130º da Lei da Organização do Sistema Judiciário , aprovada pela Lei nº 62/2013, de 26 de agosto;
k) a sentença recorrida não aplicou as normas jurídicas que ao caso se impunham, ou seja, as dos artigos 211º da CRP e 80º, 117º e 130º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei no 62/2013, de 26 de agosto.
Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida, com as legais consequências, assim se fazendo JUSTIÇA!
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.
II. OBJECTO DO RECURSO
A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelo recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar se os tribunais comuns são os competentes para apreciação do procedimento cautelar instaurado contra a recorrida ou se, ao invés, são os tribunais administrativos os competentes.
III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
Os factos/incidências processuais relevantes à apreciação do objecto do recurso são os descritos no relatório introdutório.
IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
“A competência, como medida de jurisdição atribuída a cada tribunal para conhecer de determinada questão a ele submetida, e enquanto pressuposto processual, determina-se pelos termos em que a acção é proposta, isto é, pela causa de pedir e pedido respectivos[1].
A competência em razão da matéria determina-se pela natureza da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor, independentemente do seu mérito ou demérito.
A competência material, afere-se, pois, em função da forma como o autor configura e estrutura a acção, analisando o pedido e a factualidade concreta que lhe serve de fundamento (causa de pedir).
De acordo com o artigo 211.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais.
E o artigo 64.º do Código de Processo Civil determina que “são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.
O carácter residual da competência dos tribunais comuns encontra expressão no artigo 40.º, n.º 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto, quando estabelece: “Os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.
Por sua vez, o artigo 212.º, n.º 3 da Lei Fundamental delimita o campo de intervenção jurisdicional dos tribunais administrativos, os quais têm por objectivo a resolução de litígios de natureza administrativa e fiscal.
Dispõe, também no mesmo sentido, o artigo 1.º, n.º 1 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro[2] que “os tribunais da jurisdição administrativa são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.
Freitas do Amaral[3] caracterizava a relação jurídico - administrativa como sendo a que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a Administração.
Vieira de Andrade[4] enquadra no mesmo conceito as relações “…em que um dos sujeitos, pelo menos, é uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido”.
Por regra, à jurisdição administrativa só interessam as relações administrativas públicas, as reguladas por normas de direito administrativo, aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, actue na veste de autoridade pública, munido de um poder de imperium, com vista à realização do interesse público legalmente definido.
No regime legislativo anterior à entrada em vigor[5] do actual ETAF, aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro a qualificação dos actos praticados pelos titulares de órgãos ou agentes de uma pessoa colectiva pública, (de gestão pública ou de gestão privada) constituía o critério basilar para a delimitação do âmbito de actuação (competência) das duas ordens de jurisdição (tribunais administrativos/tribunais comuns).
O Prof. Marcello Caetano qualificava de gestão pública a actividade da Administração regulada por normas que conferem poderes de autoridade para a prossecução de interesses públicos, disciplinam o seu exercício ou organizam os meios necessários para esse efeito, sendo actos de gestão privada os que surjam no âmbito da actividade desenvolvida pela Administração no exercício da sua capacidade de direito privado, procedendo como qualquer outra pessoa no uso das faculdades conferidas por esse direito, ou seja, pelo direito civil ou comercial[6].
Para o Prof. Antunes Varela[7], "actividades de gestão pública são todas aquelas em que se reflecte o poder de soberania próprio da pessoa colectiva pública e em cujo regime jurídico transparece, consequentemente, o nexo de subordinação existente entre os sujeitos da relação, característico do direito público". E esclarece: "simplesmente, nem todos os actos que integram gestão pública representam o exercício imediato do jus imperii ou reflectem directamente o poder de soberania do próprio Estado e das demais pessoas colectivas. Essencial para que seja considerada de gestão pública é que a actividade do Estado (ou de qualquer outra entidade pública) se destine a realizar um fim típico ou específico dele, com meios ou instrumentos também próprios do agente".
Como salientam os Professores Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida[8], “nas propostas de lei que o Governo apresentou à Assembleia da República, foi assumido o propósito de pôr termo a essas dificuldades” - quanto à delimitação do âmbito da jurisdição administrativa em matéria de responsabilidade civil e de contratos -, “consagrando um critério claro e objectivo de delimitação nestes dois domínios. A exemplo do que (…) acabou por suceder em matéria ambiental, o critério em que as propostas se basearam foi o critério objectivo da natureza da entidade demandada: sempre que o litígio envolvesse uma entidade pública, por lhe ser imputável o facto gerador do dano ou por ela ser uma das partes no contrato, esse litígio deveria ser submetido à apreciação dos tribunais administrativos. Propunha-se, assim, que a jurisdição administrativa passasse a ser competente para a apreciação de todas as questões de responsabilidade civil que envolvessem pessoas colectivas de direito público, independentemente da questão de saber se tais questões se regem por um regime de direito público ou por um regime de direito privado (...). Em defesa desta solução, sustentava-se na Exposição de Motivos do ETAF que, se a Constituição faz assentar a definição do âmbito da jurisdição administrativa num critério substantivo, centrado no conceito de “relações jurídicas administrativas e fiscais”, a verdade é que ela “não erige esse critério num dogma”, pois “não estabelece uma reserva material absoluta”. Por conseguinte, “a existência de um modelo típico e de um núcleo próprio da jurisdição administrativa e fiscal não é incompatível com uma certa liberdade de conformação do legislador, justificada por razões de ordem prática, pelo menos quando estejam em causa domínios de fronteira, tantas vezes de complexa resolução, entre o direito público e o direito privado (...). O art. 4º do ETAF só veio a consagrar, no essencial, estas propostas no domínio da responsabilidade civil extracontratual. Já não no que toca aos litígios emergentes de relações contratuais”.
O artigo 4.º do citado diploma delimita, no seu n.º 1, o âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, ao determinar que “compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto:
a) Tutela de direitos fundamentais, bem como dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares directamente fundados em normas de direito administrativo ou fiscal ou decorrentes de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal;
b) Fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos emanados por pessoas colectivas de direito público ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal, bem como a verificação da invalidade de quaisquer contratos que directamente resulte da invalidade do acto administrativo no qual se fundou a respectiva celebração;
c) Fiscalização da legalidade de actos materialmente administrativos praticados por quaisquer órgãos do Estado ou das Regiões Autónomas, ainda que não pertençam à Administração Pública;
d) Fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos praticados por sujeitos privados, designadamente concessionários, no exercício de poderes administrativos;
e) Questões relativas à validade de actos pré-contratuais e à interpretação, validade e execução de contratos a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público;
f) Questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público;
g) Questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa;
h) Responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes e demais servidores públicos;
i) Responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público;
j) Relações jurídicas entre pessoas colectivas de direito público ou entre órgãos públicos, no âmbito dos interesses que lhes cumpre prosseguir;
l) Promover a prevenção, cessação e reparação de violações a valores e bens constitucionalmente protegidos, em matéria de saúde pública, ambiente, urbanismo, ordenamento do território, qualidade de vida, património cultural e bens do Estado, quando cometidas por entidades públicas, e desde que não constituam ilícito penal ou contra-ordenacional;
m) Contencioso eleitoral relativo a órgãos de pessoas colectivas de direito público para que não seja competente outro tribunal;
n) Execução das sentenças proferidas pela jurisdição administrativa e fiscal”.
Com a entrada em vigor do aludido ETAF, o acto de gestão pública, quer na sua vertente teleológica, quer por referência ao exercício do jus imperii por parte do agente ou órgão da pessoa colectiva de direito público, deixou de ser o critério exclusivo para a atribuição da competência dos tribunais administrativos: não estão hoje excluídos da jurisdição administrativa os recursos e as acções que tenham por objecto questões de direito privado, bastando que ambas ou uma das partes seja ente de direito público.
Mas, como antes se assinalou, a competência em razão da matéria deve ser aferida em função da forma como o autor configura e estrutura a acção [ou o procedimento], o que pressupõe uma análise da relação jurídica nela discutida, tendo em conta os pedidos nela formulados e a causa de pedir que lhe serve de amparo.
Fazendo esse exercício, facilmente se conclui que ao instaurar contra a requerida, pessoa particular, providência cautelar de restituição provisória de posse, o requerente, instituto público, tal como alega “criado pelo decreto-lei nº 223/2007, de 30 de maio, de regime especial e gestão participada, nos termos da lei, integrado na administração indireta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio, que tem por missão assegurar a concretização da política definida pelo Governo para as áreas da habitação e da reabilitação urbana, de forma articulada com a política de cidades e com outras políticas sociais e de salvaguarda e valorização patrimonial, assegurando a memória do edificado e sua evolução, desempenhando as atribuições previstas no nº 2 do art.º 3º do decreto-lei nº 175/2012, de 2 de agosto (diploma que revogou o Decreto-Lei nº 223/2007, de 30 de maio”, mais não pretende do que reagir cautelarmente contra um acto que reputa de ofensivo da posse e propriedade do imóvel que reivindica como seu e que, segundo alega, foi objecto, por parte da requerida, de esbulho violento, reclamando, por isso, a restituição da respectiva posse.
A referida providência, da forma como é configurada pelo requerente, tem natureza privada, destinando-se à defesa de direitos com a mesma natureza, nela não se discutindo questões do domínio público, não se enquadrando em nenhuma das previsões do artigo 4.º, n.º 1 do ETAF, norma delimitadora da competência dos tribunais administrativos e fiscais, não bastando o facto de o requerente ser entidade de direito público para transpor a competência material de uma questão do domínio privado para os tribunais administrativos.
Não pode, por conseguinte, merecer concordância a decisão recorrida, pelo que, procedendo o recurso, se impõe a sua revogação.
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Síntese conclusiva:
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Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação, na procedência da apelação, em revogar a decisão impugnada, declarando competente em razão da matéria o tribunal recorrido, devendo o mesmo determinar o prosseguimento do procedimento cautelar instaurado pelo recorrente, se a isso não obstarem outros fundamentos.
As custas do recurso serão suportadas pelo recorrente, por tirar proveito da decisão, não havendo lugar à sua condenação em custas de parte ou procuradoria por não ter sido apresentada resposta às suas alegações.

Porto, 9.09.2012
Acórdão processado informaticamente e revisto pela 1.ª signatária.
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
Francisca Mota Vieira
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[1] Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, pág. 91.
[2] Sucessivamente alterada pela Lei nº 4-A/2003, de 19 de Fevereiro, Lei 107-D/2003, de 31 de Dezembro, Lei nº 1/2008, de 14 de Janeiro, Lei nº 2/2008, de 14 de Janeiro, Lei nº 26/2008, de 27 de Junho, Lei nº 52/2008, de 28 de Agosto, Lei nº 59/2008, de 11 de Setembro, Decreto - Lei nº 166/2009, de 31 de Julho, Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro, Lei nº 20/2012, de 14.05 e Lei n.º 114/2019, de 12.09.
[3] “Direito Administrativo”, vol. III, p. 439.
[4] “A Justiça Administrativa”, Lições, 3ª ed., 2000, págs. 79.
[5] 1 de Janeiro de 2004: artigo 9º, na redacção introduzida pela Lei nº 4-A/2003, de 19 de Fevereiro.
[6] “Manual de Direito Administrativo”, tomo I, 10ª edição, pág. 431.
[7] “RLJ”, 124º, 59.
[8] “Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo”, 3ª ed., págs. 34, 35.