Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1399/20.8T8AVR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA ALMEIDA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO RURAL
DIREITO DE RETENÇÃO
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
Nº do Documento: RP202007141399/20.8T8AVR-A.P1
Data do Acordão: 07/14/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Os princípios da legalidade das formas procedimentais e o princípio da especialidade na aplicação de cada uma das providências requeridas exigem que identificada uma situação jurídica sujeita a perigo de lesão grave, iminente ou continuada, deve buscar-se prioritariamente nas providências específicas e, depois, nas não especificadas, aquela que se mostre idónea a esconjurar a situação de perigo concreto.
II - O facto de o requerente não ter configurado o procedimento cautelar como especificado, mas sim como comum, não impede o tribunal de decretar a providência cabível, pois que o tribunal não está adstrito à providência concretamente requerida (art. 376.º, n.º 3 CPC).
III – É nulo o contrato de arrendamento rural em que se estabelece como renda uma retribuição em espécie (metade da produção obtida no terreno), constitui o chamado contrato de parceria agrícola, contrato nominado no âmbito do Código de Seabra, mas banido do atual ordenamento jurídico por força do art. 6.º do DL 201/75, de 15.4 que, em consonância com o que veio a constar da Constituição de 1976 (então art. 101.º, n.º 2, e atualmente art. 96.º, n.º 2), visa a efetiva abolição do regime de parceria agrícola, como resulta do art. 36.º do actual DL 294/09, de 13.10. Do facto de o contrato ser nulo não resulta, necessariamente, a falta de produção de efeitos.
IV – O locatário que realizou benfeitorias úteis no prédio do locador em consequência de contrato de arrendamento nulo tem direito a ser indemnizado pelo valor das mesmas calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa, assistindo-lhe direito de retenção sobre o imóvel enquanto o seu crédito não for satisfeito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1399/20.8T8AVR-A.P1

Sumário elaborado pela relatora, nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:
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RELATÓRIO
REQUERENTE: B…, solteiro, residente na Rua … nº. …, …, ….-…, Sever do Vouga.
REQUERIDOS: C…, LDA, com sede na Rua …, n.º ., …, …, ….-… …, Águeda,
D… e mulher, E…, residentes na Rua …, n.º ., …, …, ….-… …, Águeda.

O A. propôs procedimento cautelar comum visando lhe seja restituída a plantação de maracujás e limas feita por si em terreno da segunda requerida, restituindo-se o mesmo à detenção do parcelário com o número no Sistema de Identificação Parcelar ………….. Mais pretende seja ordenada a restituição ao requerente de todos os frutos já colhidos pelos requeridos, desde o dia 12 de Agosto de 2019, sendo aqueles condenados a respeitar tais restituições enquanto se mantiver a presente providência.
Para tanto alegou ter-lhe o requerido D…, na qualidade de sócio-gerente da sociedade requerida, oferecido uma parcela de um terreno da empresa requerida, o qual se encontrava a monte e sem aproveitamento, o que fez para que o requerente a usasse de forma gratuita e aí fizesse uma plantação de maracujás, para o que obteve financiamento do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P. O requerente despendeu diversos montantes na preparação do terreno, na implantação da estrutura de suporte dos maracujás, na aquisição e plantação destes, na montagem do sistema de rega e abertura do furo artesiano, etc…, o que fez sobretudo durante o ano de 2013.
A 12.8.2019, quando o A. se encontrava a efetuar a apanha dos frutos, o requerido, acompanhado de uma advogada que se intitulou mandatária da sociedade requerida, impediram o requerente e seus colaboradores de concretizar tal operação, nomeadamente puxando o braço de uma das colaboradoras e causando-lhe lesões físicas, tendo ainda projetado para o chão uma caixa de fruta que espezinharam, impedindo o seu transporte e tendo bloqueado a saída do requerente e seus colaboradores.
Apropriando-se da plantação de maracujás, os requeridos passaram a colher para si os frutos que se encontravam em estado de maturação.
O requerente viu-se impedido de cuidar da plantação, designadamente de proceder a adubações e rega e, bem assim, de cumprir o contrato celebrado com o Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P.

Citados os requeridos, a sociedade requerida ofereceu oposição argumentando ter celebrado com o requerente um contrato de arrendamento rural da parcela de terreno tendo a renda anual sido fixada em valor correspondente a 50% da produção realizada e a pagar em dezembro de cada ano. Todavia, apesar da produção se ter iniciado, pelo menos, em 2016, apesar das solicitações do requerido, nunca este procedeu ao pagamento de qualquer renda.
Mais refere um outro contrato de arrendamento celebrado com a companheira do requerente para o mesmo terreno, o qual foi considerado nulo em ação contra esta instaurada, razão pela qual deixou o requerente de ter legitimidade para estar na posse do terreno e daí não ter restado ao requerido senão a apanha do fruto e vedação do terreno perante a atitude de arrogância do requerente.
Assim, mesmo que se considere o arrendamento nulo, por violação da norma que impõe a imperatividade do estabelecimento da renda em dinheiro, nos termos do art. 289.º, n.º1 CC, deve o requerente pagar à requerida o valor correspondente à utilização do prédio, no equivalente à renda acordada.
Quanto ao impedimento do carregamento da fruta pelo requerente, atuou a requerida em situação de direito de retenção, uma vez que as rendas lhe não foram pagas, não tendo existido qualquer esbulho e sendo que, desde então, o requerente vem procedendo à apanha do fruto como fazia até então.
Pretende a condenação do requerente como litigante de má-fé.

O requerente exerceu o contraditório.

Realizado julgamento, veio a ser proferida sentença datada de 15.4.2020, a qual julgou a providência parcialmente procedente, decretando-a relativamente ao primeiro pedido, determinando que os requeridos restituam ao requerente a plantação de maracujás e lhe restituam o gozo e fruição do parcelário com o número de identificação parcelar …………..
Foram aí dados como indiciariamente provados os seguintes factos:
1.º Durante o ano de 2012 o autor formulou, junto do Ministério da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território uma candidatura no âmbito do Programa de Desenvolvimento Rural para Instalação de Jovens Agricultores, visando a implementação, de raiz, de uma plantação de maracujás (fls. 10 verso a 21 verso)
2.º Tal projecto foi aprovado, tendo o autor celebrado, em 31 de Julho de 2013, com o Instituto do Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P., o contrato respectivo (fls. 22 a 30 verso).
3.º Contrato este que pressupunha a execução material e financeira do projecto entre 01-01-2013 e 31-12-2014, que foi prorrogado para 31-03-15 (fls. 31)
4.º Da candidatura mencionada em 1º, na parte relativa à “Descrição da situação actual”, o autor fez constar:
“O promotor vai implementar um projecto de raiz, de plantação de maracujá de 1,40 hectares, em exploração com 1,46 hectares, cuja área está inserida na freguesia …, concelho de Águeda. O terreno foi cedido de forma graciosa, sem qualquer encargo, pelo prazo de 10 anos e renováveis por períodos de 5 anos, uma vez que provém de familiares. Da mesma forma e por eles mesmos titulares, foi cedido ao promotor, um armazém de 100 mets2, situado fora da exploração (e do poligno do investimento) para apoio à exploração e para armazenagem e guarda de equipamentos e consumíveis”
5.ºMais consta e relativamente à “Estrutura de Financiamento”:
- Capitais próprios – 22,48% - € 24.512,50;
- Incentivo não reembolsável – 77,52% - € 84.512,50
- Financiamento total: € 109.025,00;
6.ºAo autor foi atribuído um subsídio no valor de € 73.217,77 (fls. 22);
7º Do contrato mencionado em 2º e 3º, consta, para além do mais, na parte relativa às condições contratuais, o seguinte:
“C. Fiscalização e informação
C.1 O IFAP (…) e demais competentes entidades nacionais e comunitárias, podem, a todo o tempo (…) fiscalizar a execução do projecto (…) assim como o respeito dos compromissos assumidos. (…)
E. Resolução e Modificação do Contrato
E.1 No caso de incumprimento pelo beneficiário de qualquer das suas obrigações ou compromissos ou da inexistência ou desaparecimento que lhe seja imputável, de qualquer dos requisitos da concessão do apoio, o IFAP pode resolver unilateralmente o contrato. (…)
F. Consequências da resolução ou modificação
F.1 No caso de resolução do contrato pelo IFAP, o beneficiário constitui-se na obrigação de reembolsar as importâncias já recebidas a título de apoio.(…)”
8.º O terreno mencionado no processo de candidatura constitui uma parcela com a área de 1,46 ha do prédio rústico correspondente ao artigo matricial 5326º, da freguesia …, do Município de Águeda, inscrito na matriz em nome da ré sociedade C…, LDA. (fls. 28 verso e 31º verso)
9.º O trato de terreno em questão era ligeiramente acidentado, encontrava-se a monte e sem qualquer aproveitamento significativo, não sendo cultivado, não obstante constar, à data da matriz como “cultura, vinha e pomar” (fls. 30 verso)
10.º A ré sociedade tem o NIPC e matrícula ………, é uma sociedade comercial por quotas com o capital social de 5.000,00€, no qual o réu D… tem uma quota de 2.560,00 € (correspondente a 51,5% do capital social), exerce estatutariamente as funções de (único) gerente e sendo a sua assinatura a forma estipulada para obrigar a sociedade (fls. 32 verso e 33)
11.º A sede da sociedade fica na residência e casa de morada de família do casal do D… com a E…;
12.º De acordo com a candidatura apresentada e o contrato firmado com o Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P., pessoa colectiva de direito público com o n.º fiscal ………, o autora procedeu, desde o início do ano de 2013, à realização de obras no parcelário referido, designadamente:
13.º Procedeu à preparação do terreno (incluindo a limpeza, movimentação de terras, surriba, fresa e lavra do terreno e enriquecimento orgânico do solo), operações estas cujo custo ascendeu a mais de €6.126,84 (fls. 33 verso a 35 verso);
14.ºAdquiriu e implantou uma estrutura de suporte para a cultura dos maracujás, composta por postes, arames e espias (fls. 36 a 37 verso e 39-39 verso)
15.º Adquiriu e plantou os pés de maracujá (2.800 pés), despendendo neste e no referido no artigo anterior o valor de 30.881,20€ (fls. 38-38 verso)
16.º Adquiriu e montou um sistema de rega; procedeu a obras de captação de águas através da abertura de um furo artesiano que ligou ao sistema de rega e procedeu à edificação de um reservatório de águas com a capacidade de 20.000 litros, despendendo nestas operações mais de 18.883,55€ (fls. 40 a 42 verso)
17.º Fez a instalação de uma rede de protecção anti-geada, no que gastou montante de 8.257,69€ (fls. 43-43 verso),
18.º Instalou uma rede de tutoragem para facilitar e orientar o crescimento das plantas, o que gastou montante de 12.999,30€ (fls. 44-44 verso);
19.º Para além destes melhoramentos constantes da candidatura apresentada e do contrato celebrado com o Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P. (e que ascendem já a 77.148,58€), o autor procedeu ainda a outras obras no prédio em questão, designadamente:
20.º Procedeu à edificação de uma “casa de rega”, bem como de um armazém de arrumos, despendendo valores não concretamente apurados (fls. 45 e 45 verso);
21.º Grande parte destes trabalhos decorreu durante o ano de 2013.
22.º Tendo transformado completamente a face do parcelário em causa.
23.º As expectativas de rentabilidade da produção, com o pressuposto do seu início ocorrer em 2013, eram as constantes de fls. 20 verso, que aqui se dão por reproduzidas, com uma tendência crescente de ano para ano;
24.º O autor tem providenciado pela adequada conservação e tratamento da sua plantação;
25.º No pretérito dia 12 de Agosto de 2019, quando o autor, acompanhado de colaboradores, se encontrava a fazer a apanha dos frutos, foi confrontado com a presença, no local da exploração, do requerido D…, da filha do mesmo e da Ilustre Mandatária dos ora requeridos, que anunciou ali se encontrar com procuração e mandato da C…, LDA, pessoas que se opuseram e impediram, que o requerente e colaboradores concretizassem a apanha dos frutos.
26.º A Ilustre Mandatária da ré, actuando nessa qualidade, impediu a colaboradora do requerente, F…, de transportar uma caixa com cerca de 20 kg de maracujá por si apanhado para o veículo do requerente, que se encontrava no exterior da propriedade e parcelário;
27.º Quando outro colaborador do requerente apanhou novamente aquela caixa com frutos e procurou transportá-la para a viatura, a caixa foi deitada ao chão, espalhando todos os frutos (fls. 46-46 verso) e impedindo aquele colaborador de concretizar o seu transporte.
28.º Para além disso, o requerido D…, com a ajuda de uma filha e genro, colocaram veículos a bloquear a saída do requerente e dos seus colaboradores e do seu veículo do local onde todos se encontravam,
29.º Dessa forma vedando completamente a entrada e obstruiu o caminho que conduzia ao parcelário, proibindo-o de ali voltar (fls. 47 a 48)
30.º Após a intervenção no local da GNR, foi possível libertar e retirar a sua viatura.
31.º Após terem impedido o autor de entrar na plantação, os Réus colheram todo o fruto para si, dando-lhe o destino que entenderam, frutos que já se encontravam em estado de maturação;
32.º A cultura de maracujás carece de cuidados intensos mesmo durante o período de colheita, designadamente com o trato da planta, com adubações, tratamentos e fertirrega para que as plantas continuem a produzir o esperado;
33.º A limpeza do solo tem de ser feita periodicamente, tendo em conta as infestantes que crescem rapidamente, prejudicando as plantas.
34.ºA programação da rega tem de ser feita semanalmente em função das condições climatéricas (pluviosidade, temperatura e humidade), para o fruto maturar devidamente, estando agora o autor impedido de aceder à casa da rega, apesar de continuar a efectuar o pagamento da luz da mesma.
35.º Todas essas operações culturais são fundamentais e periódicas, dada a delicadeza e características do fruto e a não serem efetuadas no devido momento comprometem a presente colheita e o futuro das plantas para as próximas colheitas.
36.º Anualmente é efectuada uma visita para a certificação G…, onde tudo é analisado desde o solo, o fruto, as condições de trabalho e caderno de campo, com a descrição pormenorizada de todos as operações, adubações e tratamentos, sendo a certificação obrigatória para rastreabilidade e segurança alimentar,
37.º As obras realizadas pelo autor foram consentidas pela ré sociedade;
38.º No ano de 2012, o Requerido D…, conheceu o requerente, por intermédio de um amigo comum, o Dr. H…, médico de profissão, que apresentou o requerente ao requerido.
39º Nessa altura, o Dr. H… disse ao requerido que conhecia o requerente, pois tinha negócios com este e que este lhe havia perguntado se conhecia alguém que tivesse terrenos para arrendar, pois queria apresentar um projeto para plantação de maracujás e mirtilos e o Dr. H…, sabendo que o requerido tinha vários terrenos decidiu apresentá-los.
40º Nesse encontro, o requerente explicou ao requerido o seu projeto e disse ao requerido que como contrapartida pelo arrendamento dos terrenos, lhe dava o montante equivalente a metade da produção obtida,
41.ºO requerido mostrou 3 terrenos ao requerente, um em …, outro em … e outro em …, tendo o requerente optado pelo terreno de ….
42.º Mais tarde, o requerente marcou um encontro com o requerido, tendo-se feito acompanhar pela sua companheira, I… e trouxe ao requerido 2 contratos de arrendamento rural, um em que o arrendatário era o requerente e outro em que a arrendatária era a sua companheira I….
43.º O autor e a sociedade ré assinaram o contrato cuja cópia consta de fls. 63 verso, com data de 01 de Dezembro de 2012, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e do qual consta, para além do mais, o seguinte:
“CONTRATO DE ARRENDAMENTO RURAL (…)
Primeiro outorgante: C…, LDA. (…)
Segundo outorgante: B… (…)
Entre si estabelecem o presente contrato de arrendamento rural, relativo ao prédio abaixo identificado que o primeiro outorgante é dono.
1.º O terreno é lavradio, de natureza não florestal;
2.º O prazo de arrendamento é de 10 (dez) anos, renovável por períodos sucessivos de 5 (cinco) anos, enquanto, por qualquer das partes não for denunciado (…)
3.º A renda em espécie é de 50% da produção realizada anualmente, que será paga no mês de Dezembro de cada ano;
(…)
Nome do prédio: Quintal
Freguesia e concelho: … – Águeda
Artigo matricial: 5326; Área (ha): 1,46”
44.º À data da assinatura do contrato não existia qualquer armazém agrícola;
45º Na mesma data foi assinado entre a ré e a companheira do autor um outro documento denominado de contrato de arrendamento rural, constante de fls. 64, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido;
46º O requerente não procedeu ao pagamento de qualquer renda mencionada no contrato, tendo a requerida solicitado a notificação judicial do requerente, para o pagamento das rendas, notificação que não se concretizou pelos motivos constantes de fls. 65.
47º Foi instaurada pela sociedade requerida um processo de execução contra a companheira do requerente (certidão junta sob a referência da plataforma CITIUS 984895 de 19-03-2020);
48º Acção executiva essa em que a companheira do requerente deduziu embargos, constantes da certidão com a referência da plataforma CITIUS 10035814, de 08-04-2020, alegando em síntese e por exceção que:
- “o contrato de arrendamento rural aqui em apreço é nulo, nos termos do art. 280.º do C. Civil, por violação de norma imperativa.”;
- “De facto, estamos perante um contrato, celebrado em 1 de Dezembro de 2012, no qual se acorda a cedência do gozo de um prédio (o que não corresponde com rigor à realidade), mediante o pagamento de uma renda em espécie (50% da produção realizada anualmente)”;
- “No caso em apreço, o acordo celebrado, atenta a fixação da renda unicamente em géneros, remete para o contrato de parceria agrícola (contrato mediante o qual uma pessoa dá a outra algum prédio rústico, para ser cultivado por quem o recebe, mediante o pagamento de uma quota de frutos do modo que entre si acordarem), previsto no Código de Seabra, e proibido desde o Decreto-Lei n.º 201/75, de 15.4.”;
- “Assim sendo, não pode o contrato dado agora a execução ser considerado como um contrato válido de arrendamento rural, porque a tal se opõe a imperatividade da renda ter de ser estipulada em dinheiro – art. 11.º, n.º 1 do DL n.º 294/2009, de 13 de Outubro.”;
49.º E por impugnação que:
- “Exequente e Executada celebraram um contrato segundo o qual a primeira cedia à segunda 1,6 hectares do prédio identificado no artigo 1.º do Requerimento Executivo, para que os mesmos fossem cultivados pela segunda, mediante o pagamento de uma quota de frutos (50% da produção).”;
- “Apelidaram tal contrato erradamente de “contrato de arrendamento rural”, quando na realidade pretendiam levar a cabo um contrato de parceria agrícola.”;
- “Foi acordado entre Exequente e Executada que cada uma colheria a parte dos frutos que lhe cabia.”
- “A primeira plantação realizada pela Executada na parcela de terreno que lhe foi cedida ocorreu em 2014, tendo sido, na sua generalidade, destruída por roedores, o que obrigou a Executada a substituir todas as plantas, não tendo tido qualquer produção.”;
- “Por este motivo, a primeira produção iniciou-se apenas em 2016, não tendo tido grande relevância comercial, na medida em que, naqueles 1,6 hectares foram apanhados 4386,50 Kg de maracujás, vendidos a um preço unitário de 2,28€/Kg (fruto de 1ª qualidade), o que perfez € 10.001,22 (acresce o IVA) – doc. n.º 1 (FT0/1 de 30/12/2016)”;
-“Ficando por colher e à disposição da Exequente maracujás de igual quantidade, sendo certo que a colheita não perfez sequer 50% do valor apontado no requerimento executivo como correspondendo ao da colheita de 2016.”
- “Até porque, atentas as boas relações pessoais e comerciais que existiam entre o companheiro da Executada e o Sr. D… (gerente da Exequente), aquele informou este, verbalmente, em Setembro de 2016, que poderia proceder à apanha de 50% do fruto que lhe cabia na colheita do primeiro ano.”;
- “A verdade é que nunca os representantes da Exequente, ou alguém a seu mando, se dirigiram à plantação para colher o fruto, o que não se estranhou dada a reduzida quantidade produzida, acabando o mesmo por ficar na plantação até cair.”;
-“Na campanha de 2017, a Executada apanhou 5440 Kg de fruto, não tendo, como é óbvio, produzido as alegadas 80 toneladas.”;
-“Tendo vendido 300 Kg a um preço unitário de 1,48€/ Kg (fruto de 2ª qualidade), o que perfez € 444,00 + IVA (FT 0/2 de 19/04/2017) e 5140 Kg a um preço unitário de 2,05€/Kg (fruto de 1ª qualidade), no total de € 10.537 + IVA (FT 0/3 de 22/12/2017)”;
-“À semelhança do ano anterior, também em 2017 o companheiro da Executada comunicou verbalmente ao Sr. D…, igualmente no mês de Setembro, que poderiam proceder à apanha da parte que lhes cabia;”
-“Sendo que mais uma vez o fruto apodreceu na plantação à espera que fosse apanhado.”;
-“Ora, como é possível analisar através da facturação apresentada pela Executada (docs. n.ºs 1 a 3), em 2017 a mesma apenas colheu 5440 Kg, o que nada tem a ver com as alegadas 40 toneladas que lhe são imputadas pela Exequente (que nem sequer explica como é que chegou a tal valor)”;
-“Sendo que tudo o que é colhido pela Executada é facturado ao abrigo do PRODER - Jovem Agricultor no qual está inserida, não podendo por qualquer meio ocultar a produção.”;
-“Quando a Executada foi notificada para o conteúdo da Notificação Judicial Avulsa junta aos autos, endereçou uma missiva para a ilustre mandatária da Exequente, na qual visou esclarecer o quanto vinha ali alegado incorrectamente – doc. n.º 4.”;
-“Nomeadamente, que nunca anteriormente a Executada havia sido contactada pelos representantes da Exequente no sentido de proceder ao pagamento que ora se exige, explicando ainda o quanto vem supra alegado – doc. n.º 4.;
-“A 1 de Outubro de 2018 a Executada, optando por uma comunicação escrita tendo em conta o degradar das relações entre aquela e o representante da Exequente, informou o mesmo, através do seu mandatário, que poderia proceder à colheita do fruto de maracujá que lhe respeitava.”;
- “O que ainda não se verificou até à presente data.”
- “Ora, mesmo que se estivesse perante um contrato de arrendamento rural válido (o que não se verifica por ausência de renda definida como uma prestação pecuniária), mesmo que a obrigação fosse liquida, a verdade é que nada é devido por esta à Exequente, que apenas não colheu o fruto que lhe cabia porque não quis (e continua a não querer no corrente ano), por facto que se desconhece,”;
- “Já que o mesmo foi deixado na plantação, acabando por ali apodrecer sem ser colhido, encontrando-se o deste ano ainda nas árvores à espera, mais uma vez, que os representantes da Exequente se decidam a colherem-no ou a darem-lhe o fim dos anos transatos.”
50º Nunca foi acordado entre o requerente e requerida que esta iria colher quaisquer frutos.
51º Por decisão final proferida em sede de embargos de executado o contrato de arrendamento celebrado entre a sociedade requerida e a companheira do requerente foi considerado nulo. (sentença constante da certidão referida no artigo 47º)
52º Após a decisão proferida e referida no artigo anterior, a requerida e sócio requerido decidiram proceder à apanha do fruto e proceder à vedação do terreno, impedindo assim o requerente e a sua companheira de lá entrarem e procederem à apanha de todo o fruto.
53º A colocação do portão pelo requerido, ocorreu no dia 5 de agosto de 2012.
54º.ºNo dia 5 de Agosto de 2020 o requerido dirigiu-se ao seu terreno para proceder à apanha de todo o fruto.
55º Nesse dia estavam os trabalhadores do requerente que afirmaram que o dono do terreno era o requerente, não permitiam que ninguém lá entrasse, tendo então o requerido chamado a GNR.
56º Após a chegada da GNR e após desentendimentos entre as duas partes o requerente saiu do terreno;
57.º Perante a falta de entendimento entre as partes, o requerido procedeu à instalação de um portão, para impedir a entrada do requerente.
58º No dia 12 de Agosto de 2019, requerente e os seus trabalhadores, saltaram o muro do terreno e foram para a plantação apanhar o fruto, tendo então sido impedidos de sair do terreno com o referido fruto, nos termos constantes dos artigos 25º a 30º.
59º O requerido procedeu à apanha de todo fruto e entregou o mesmo nas instalações da J… em …, da mesma forma como fazia o requerente.
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Desta sentença recorre a requerida, C…, Ldª, visando a revogação da sentença, não se decretando assim a providência requerida, e devendo o requerente ser condenado como litigante de má-fé, em multa condigna e na indemnização peticionada pelos requeridos, no montante de 7.714,85€, correspondendo à majoração, dos honorários da mandatária, o que fez com base nos argumentos que assim concluiu:
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Objeto do recurso tendo em conta as alegações de recurso que o delimitam (arts. 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil):
I - Sobre a propriedade do procedimento cautelar comum e os meios cautelares de defesa de posse.
II – Sobre o direito de retenção.
III – Da verificação dos requisitos da providência cautelar.
IV – Da litigância de má-fé.

Fundamentação de facto
Os factos que interessam à decisão final são os que ficaram expostos supra, já definidos em primeira instância, e que aqui se dão por reproduzidos.

Fundamentação de direito:
I - Sobre os meios cautelares de defesa da posse:
Diga-se, desde já e em abono da verdade, ser incompreensível a posição da requerida a este respeito. Na verdade, a diferença entre a restituição provisória de posse e a que resulta de um procedimento cautelar comum é unicamente procedimental e, naquele primeiro caso, menos favorável aos requeridos porque dispensaria a sua audiência prévia.
O art. 377.º CPC dispõe que: No caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando factos que constituem a posse, o esbulho e a violência.
Complementando o teor da previsão processual, dispõe o artº 1279º C.C. que, (...) o possuidor que for esbulhado com violência tem o direito de ser restituído provisoriamente à sua posse, sem audiência do esbulhador.
A providência cautelar nominada de restituição provisória de posse, prevista nos arts. 377.º a 379.º CPC e 1279.º CC, está desenhada para o caso de defesa da posse de forma expedita quando dela o possuidor tenha sido esbulhado de forma violenta. Trata-se, por isso, de um plus relativamente às situações em que apenas a mera detenção existe ou quando o esbulho ocorre sem violência. De forma expedita porque a providência é, neste caso, analisada sem audiência prévia do requerido.
A defesa da posse pode ser exercida por meio de providência cautelar comum quando não ocorram as demais circunstâncias previstas no art. 377.º CPC, como afirma o art. 379.º CC.
Recorde-se que a posse pressupõe dois elementos: um corpus e um animus, sendo que, que sem este último, não poderá falar-se de posse mas de simples detenção, ainda que a mesma possa ser legítima e causal.
No que concerne à definição de posse hoc sensu, é consabido que o legislador nacional (art. 1251.º C.C.) acolheu a conceção subjetiva de posse herdada de Savigny, embora o sistema admita brechas de cariz objetivo visando tutelar situações de mera detenção, verbi gratia, art. 1037.º, n.º 2 C.C, conceção segundo a qual existe posse quando alguém exerce poderes de facto sobre uma coisa (corpus) com intenção jurídico-real, i. é, com vontade de agir como titular do direito real que se exprime na acuação de facto (animus possidendi que, aliás, se presume – art. 1252.º, n.º 2 C.C.)[1].
Todavia, no caso do arrendatário, o n.º 2 do artigo 1037º do Código Civil estatui que “O locatário que for privado da sua coisa ou perturbado no exercício dos seus direitos pode usar, mesmo contra o locador, dos meios facultados ao possuidor nos artigos 1276º e seguintes” (ação de prevenção e manutenção e restituição da posse em caso de esbulho violento) – Cfr. Ac. TRL, de 13.3.08, Proc. 9/2008-8.
Condição de admissibilidade do procedimento cautelar de cariz possessório que apreciamos é, ainda, a invocação e prova de que o requerente foi esbulhado pelo requerido na sua posse.
O esbulho, por sua vez, “consiste no facto de o possuidor ficar privado do exercício ou da possibilidade de exercício dos poderes correspondentes à sua posse”[2].
O esbulho propriamente dito é toda a privação ilícita da posse de outrem, contra a vontade do possuidor.
No que tange à violência, encontramo-la definida no art. 1261.º, n.º 2 C.C., que faz corresponder à violência ao emprego de coação física ou moral. Assim, enquanto a coação física supõe a ausência completa de vontade daquele a quem a posse foi usurpada, a coação moral caracteriza-se pelos contornos que lhe são emprestados no art. 255.º C.C. A este propósito, veja-se que a jurisprudência tem considerado o caso particular em que o desapossamento se dá por efeito de violência contra as coisas que servem de obstáculo ao esbulho[3].
Ora, os princípios da legalidade das formas procedimentais e o princípio da especialidade na aplicação de cada uma das providências requeridas exigem que “identificada uma situação jurídica sujeita a perigo de lesão grave, iminente ou continuada, deve buscar-se prioritariamente nas providências específicas e, depois, nas não especificadas, aquela que se mostre idónea a esconjurar a situação de perigo concreto”[4].
O requerimento inicial dos autos afirma que entre as partes se firmou um contrato de comodato (art. 1129.º CC). Ao comodatário assiste o direito de defesa da sua posição de detenção face ao comodatário, como resulta do disposto no art. 1133.º, n.º2 CC[5], segundo o qual:
1. O comodante deve abster-se de actos que impeçam ou restrinjam o uso da coisa pelo comodatário, mas não é obrigado a assegurar-lhe esse uso.
2. Se este for privado dos seus direitos ou perturbado no exercício deles, pode usar, mesmo contra o comodante, dos meios facultados ao possuidor nos artigos 1276.º e seguintes.
O facto de o requerente não ter configurado o procedimento cautelar como especificado, mas sim como comum, não impediu, contudo o tribunal de primeira instância de decretar a providência como se possessória se tratasse, o que bem poderia fazer uma vez que o tribunal não está adstrito à providência concretamente requerida (art. 376.º, n.º 3 CPC).
A sentença final considerou o caso como de arrendamento rural nulo por violação da disposição legal relativa ao estabelecimento da renda em dinheiro e, por isso, com base da nulidade, aplicou a norma do direito de retenção às benfeitorias (arts. 289.º, n.º 3, 1273.º, 759.º, nº 3, e 670.º a) CC), decretando a restituição com base nessas normas que se referem à providência cautelar possessória, ainda que não tenha referido a violência do esbulho que, contudo, deu como provado nos pontos de factos n.ºs 25 a 31.
Termos em que se indefere o recurso neste tocante, sendo a sentença absolutamente válida.

II – Sobre o direito de retenção
Diz a recorrente que “no que diz respeito à preparação do terreno (incluindo a limpeza, movimentação de terras, surriba, fresa, lavra do terreno e enriquecimento orgânico do solo), implantação de estrutura de suporte para a cultura dos maracujás, composta por postes, arames e espias, montagem de um sistema de rega, obras de captação de águas através da abertura de um furo artesiano que ligou ao sistema de rega, trata-se de trabalhos preparatórios do plantio dos pés de maracujás que estão funcionalmente ligados a este acto. Por isso, não podem ser desligadas da plantação que se destinavam a preparar.
Pelo que, tais trabalhos em caso algum podem ser considerados benfeitorias, mas antes despesas de cultura, porquanto não visam, directamente, beneficiar o prédio, mas preparar a cultura de determinado fruto”.
Acrescenta, quanto ao restante, o seguinte:
“Quanto à plantação dos 2.800 pés de maracujá.
O terreno em que o requerente efetuou a plantação dos pés de maracujá era composto de cultura, vinha e pomar, pelo que, o arranque dos pés de maracujá não causaria o detrimento do prédio no qual foram plantadas.
Efetivamente, por um lado, essa operação de arranque das plantas em nada contende com as potencialidades produtivas do solo e, por outro lado, a perda do valor derivado do aludido plantio não constitui qualquer detrimento na substância do imóvel, que continua a ser um terreno para cultura, vinha e pomar”.
“O mesmo se diga quanto à edificação da “casa de rega”, e do armazém de arrumos, pois trata-se de estruturas de madeira, que não se encontram ligadas ao solo, nada obstando ao seu levantamento.
Pelo que, não havendo qualquer obstáculo ao levantamento das benfeitorias, o requerente não é titular de um qualquer crédito indemnizatório contra os requeridos, pelo que, não está preenchido o requisito primário de constituição do direito de retenção invocado pelo requerente”.
Recorde-se que o contrato dos autos, tal com apurado em primeira instância, é um contrato de arrendamento rural em que se estabelece como renda uma retribuição em espécie (metade da produção obtida no terreno), sendo que este tipo de combinação constitui o chamado contrato de parceria agrícola[6], contrato nominado no âmbito do Código de Seabra, mas banido do ordenamento jurídico por força do art. 6.º do DL 201/75, de 15.4 que, em consonância com o que veio a constar da Constituição de 1976 (então art. 101.º, n.º2, e atualmente art. 96.º, n.º 2), visa a efetiva abolição do regime de parceria agrícola, como resulta do art. 36.º do actual DL 294/09, de 13.10. Assim sendo, é um contrato nulo (arts. 280.º e 294.º CC)[7].
Do facto de o contrato ser nulo não resulta, necessariamente, a falta de produção de efeitos.
Não que o negócio nulo possa ser reduzido (art. 292.º CC) ou convertido (art. 293.º CC), mas porque, conforme é jurisprudência unânime: Quando o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico, invocado no pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido com fundamento no n. 1 do artigo 289 do Código Civil[8].
É o seguinte o teor do art. 289.º CC:
1. Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
2. Tendo alguma das partes alienado gratuitamente coisa que devesse restituir, e não podendo tornar-se efectiva contra o alienante a restituição do valor dela, fica o adquirente obrigado em lugar daquele, mas só na medida do seu enriquecimento.
3. É aplicável em qualquer dos casos previstos nos números anteriores, directamente ou por analogia, o disposto nos artigos 1269.º e seguintes.
Deste normativo, resulta o seguinte:
O locatário do contrato de arrendamento nulo é, por um lado, obrigado a proceder ao pagamento do valor locatício do imóvel, uma vez que o usou durante anos.
O locatário, mesmo sendo nulo o negócio, pode exercer os seus direitos possessórios relativamente ao dono do terreno, como resulta da regra do art. 1037.º, n.º2, tal como sucede noutras figuras contratuais[9].
De modo que, tendo-se demonstrado um contrato de arrendamento rural, ainda que nulo, ao locatário continua a ser permitido o recurso à providência cautelar para se opôr ao esbulho pelo senhorio, independentemente do regime das benfeitorias, quando se demonstre que o terreno lhe foi entregue durante anos para aí realizar diversas obras com autorização do proprietário. A este não está, pois, autorizado o uso da ação direta para reivindicar o seu imóvel, mesmo no caso de não pagamento de rendas[10].
Por outro lado, do n.º 3 deste preceito, resultam aplicáveis as normas dos arts. 1269.º e ss.
O art. 1273.º CC dispõe que:
1. Tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela.
2. Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.
Segundo a definição do art. 216.º, benfeitorias necessárias são as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa, sendo úteis as que aumentam o valor da coisa, embora não sejam indispensáveis para a sua conservação.
Ora, como se escreve na sentença recorrida” No caso em análise, as obras levadas a efeito pelo requerente, pela prova sumária efectuadas nos autos, aproximam-se dos 70 mil euros e constituem benfeitorias úteis, as quais, nomeadamente em relação às plantas, não podem ser levantadas, pois integraram-se completamente no prédio em causa, estão lá enraizadas/plantadas não podendo ser retirados sem lhe causar prejuízos, particularmente no que concerne à sua produtividade, danificando-o e desvalorizando-o.
Verificando-se que o Requerente realizou benfeitorias úteis no prédio dos Requeridos e que tem direito a ser indemnizado pelo valor das mesmas calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa, cumpre averiguar se este crédito lhes confere direito de retenção sobre o prédio, direito esse que justifique o decretamento da providência requerida, no que concerne à verificação do primeiro pressuposto. O direito de retenção é uma das formas que a lei civil prevê de garantia especial de cumprimento das obrigações e que existe, nos termos previstos no art.º 754º do C. Civil, quando: “O devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados.”
Sendo o direito de retenção um direito real de garantia de obrigações e, sendo incidente sobre uma coisa em concreto, os requisitos da sua existência e invocação válida são:
- licitude da detenção da coisa – art.º 756º, a) do C. Civil;
- reciprocidade de créditos entre o detentor da coisa e aquele a quem está obrigado a entregá-la;
- existência de conexão substancial entre a coisa retida e o crédito de quem exerce o direito – art.º 754º do C. Civil.
Os pressupostos referidos estão verificados.
Atenta a natureza do direito de crédito do Requerente sobre os Requeridos relativo às benfeitorias e a obrigação daquele entregar a estes o prédio em causa, conclui-se que goza de direito de retenção sobre o prédio enquanto o seu crédito não for satisfeito.
Com efeito, de acordo com o disposto nos artigos 670º, a), aplicável por remissão do disposto no artigo 759º, n.º 3, os dois do C. Civil, ao requerente é facultado o uso, em relação à coisa, objecto do direito de retenção, das acções destinadas à defesa da posse, ainda que seja contra o próprio dono, entre as quais se encontra a restituição provisória da posse – art.º 1278º do C. Civil”.
Quer isto dizer que, o recorrido também por esta via tem direito de ver a sua situação de facto defendida perante a ação direta exercida pela dona do terreno, claudicando a pretensão recursiva neste tocante, uma vez que o crédito indemnizatório existe posto que efetuadas as benfeitorias com autorização do dono do terreno, não estando demonstrado, como agora se alega, que a existência das atuais culturas impeça a plantação de outras.

III – Da verificação dos requisitos da providência cautelar
Tendo a detenção do terreno sido entregue ao requerido por efeito de contrato de arrendamento, ainda que nulo por violação de regra relativa à definição da renda, e existindo benfeitorias realizadas de boa-fé e para salvaguarda das quais é conferido direito de recurso à providência cautelar, está demonstrado que o desapossamento ou esbulho de forma inopinada e violenta constitui um prejuízo de difícil reparação, considerando o valor das benfeitorias em causa e a possibilidade que assiste ao recorrido de, por meio de acesso ao terreno, poder proceder à colheita dos frutos e manutenção da plantação até, em ação intentada para o efeito, sem dirimida a questão do arrendamento rural que esteve subjacente ao surgimento da situação em causa.

IV – Da má-fé
Não pode afirmar-se que a atuação do requerente da providência, ao invocar a existência de um contrato de comodato, tenha correspondido ao rigor dos factos tal como os mesmos haviam ocorrido.
Porém, para que a má-fé processual se impusesse, nos termos do art. 542.º CPC, seria mister que a atuação em causa espelhasse uma atitude dolosa ou de má-fé grosseira face ao contexto geral que se apurou.
Ora, o raciocínio da parte em apreço partiu do final para o começo, isto é, considerou à partida o contrato de arrendamento rural nulo e enquadrou juridicamente a situação num outro tipo negocial, o que fez erradamente mas sem que isso signifique atuação dolosa ou grosseiramente negligente posto que, numa ou noutra situação, a posição jurídica que visava defender – manter-se na detenção do imóvel – detinha legitimidade e era devida.
Cremos, por isso, ser de manter a não condenação pela litigância de má-fé, assim se confirmando integralmente a sentença recorrida.

DISPOSITIVO
Pelo exposto, decidem os Juízes deste Tribunal da Relação julgar o recurso improcedente e manter a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

Porto, 14.7.2020
Fernanda Almeida
António Eleutério
Maria José Simões
_____________
[1] Vide, Orlando de Carvalho, Introdução à Posse, RLJ, 122, 65 e ss.
[2] H. Mesquita, Direitos Reais, pág.126.
[3] Vide A. Varela e P. de Lima, Código Civil, Anot., III, pág. 52 e BMJ, 277, 168 e 325, 578
[4] A. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, IV Vol., 2001, p. 26.
[5] Cfr, Ac. RL, de 3.4.2014, Proc. 1245/12.6TBALQ-B.L1-6: O comodatário, possuidor em nome alheio, goza dos meios de tutela da posse, nos termos do artigo n 1133º, nº 2 do Código Civil, incluindo os embargos de terceiro.
[6] O contrato de parceria agrícola é o contrato pela qual uma parte dá ou entrega a outrem um ou mais prédios rústicos para serem cultivados ou explorados por quem os recebe, em troca do pagamento de uma quota parte da respectiva produção ou da prestação de qualquer forma de trabalho. Ac. STJ, de 18.9.2003, Proc. 03B2110.
[7] III - Na vigência do C. Civil o contrato de parceria pecuária enquanto contrato nominado deixou de existir, passando o mesmo a integrar-se nos contratos de arrendamento rurais, estando sujeitos ao regime deste, nomeadamente no que respeitava à renda que podia ser fixada totalmente em dinheiro ou em géneros – art.º 1067º. IV - Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 201/75, de 15.4, que visou regular o arrendamento rural, determinou que a renda teria que ser obrigatoriamente fixada em dinheiro, embora admitisse que o rendeiro cultivador directo pudesse efectuar o pagamento da renda em géneros produzidos no prédio arrendado, em termos a regulamentar – art.º 6º –, tendo proibido expressamente a parceria agrícola e determinado a conversão dos contratos existentes em contratos de arrendamento, nos termos do disposto no seu artigo 44º. V - O Decreto-Lei n.º 385/88, de 25.10, que instituiu um novo regime de arrendamento rural, revogando a Lei n.º 76/77, de 29.9, continuou a referir-se aos contratos de parceria agrícola determinando que a parceria agrícola se manterá até que o Governo, por Decreto-Lei, estabeleça as normas transitórias adequadas à sua efectiva extinção – art.º 34º – passando a aplicar-se-lhes, no entanto, nos termos do art.º 33º, tudo quanto respeita aos arrendamentos rurais, com as adaptações necessárias. VI - Esta manutenção só pode ser entendida relativamente aos contratos ainda existentes, pois não fazia sentido e violaria até o imperativo constitucional da abolição desta figura contratual, que tal significasse uma inversão de marcha, voltando a permitir-se a celebração de contratos de parceria agrícola, contrariando a obrigatoriedade da fixação da renda em dinheiro, imposta no artigo 7º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 385/88, de 25.10. VII - Essa mesma proibição voltou a ser expressa pelo novo regime do arrendamento rural, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13 de Outubro, que revogou o Decreto-Lei n.º 358/88, de 25 de Outubro, no art.º 36º, n.º 1, determinando mais uma vez no n.º 2 do mesmo artigo que os contratos ainda existentes deviam ser convertidos, agora no prazo de 30 dias que antecedem a sua renovação, em contratos de arrendamento rural. VIII - A fixação da renda somente em géneros num contrato em que se acorda a cedência do gozo de um prédio, celebrado na vigência do Decreto-Lei n.º 385/88, de 25.9, determina a sua nulidade, nos termos do art.º 280º do C. Civil, por violação de norma imperativa. Ac. RC, de 1.7.2014, Proc. 978/13.4TBCVL-A. C1.
[8] AUJ, de 28.3.95, Proc. 085202.
[9] Ac. RC, de 7.3.2017, Proc. 425/12.9TBBBR.C1: No contrato-promessa de compra e venda de imóvel com tradição (válido ou nulo) presume-se que o promitente-vendedor exerce a posse correspondente ao direito de propriedade até à celebração do contrato definitivo, a não ser que ser prove que a vontade das partes foi a de transferir, desde logo, para o promitente-comprador, a título definitivo, a posse da coisa correspondente ao direito de propriedade.
[10] O arrendatário não sendo embora titular de um direito real, pode usar dos meios possessórios previstos na lei, designadamente da providência cautelar de restituição provisória de posse;
II- A providência de restituição provisória de posse tem a sua justificação na violência cometida pelo esbulhador, visando-se com ela a rápida reposição da situação anterior Ac. RL. de 13.3.08, Proc. 9/2008-8