Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1013/23.0T8GDM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISOLETA DE ALMEIDA COSTA
Descritores: INVENTÁRIO PARA PARTILHA
LEGITIMIDADE PARA REQUERER O INVENTÁRIO
ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA
Nº do Documento: RP202310121013/23.0T8GAM.P1
Data do Acordão: 10/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: O administrador de insolvência carece de legitimidade para requerer a abertura do inventário para partilha da herança a que pertence o quinhão hereditário da insolvente, interessada direta nessa partilha. (art.ºs 81.º, n.º 4 do CIRE e 1085.º, n.º 1, a) do Código Civil).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 1013/23.0T8GDM.P1



Sumário (artigo 663º nº 7 do Código de Processo Civil)
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ACORDAM OS JUÍZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO


Nos presentes autos de inventário facultativo que AA, na qualidade de administrador de insolvência, nomeado no proc. n.º 6172/21.3T8GMR, do Juízo de Comércio de Guimarães – Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga e “em representação” da insolvente BB, intentou para partilha da herança aberta por óbito da avó e pais da insolvente e no qual foi requerido incidente de intervenção principal provocada da insolvente como meio de assegurar a legitimidade ativa daquele, foi proferido despacho, que apoiando-se na doutrina e jurisprudência que convocou decidiu que o administrador da insolvência carece de legitimidade ativa para instaurar o inventário em representação/substituição da insolvente decretando a extinção da instância dos requeridos nos termos dos artigos 576.º, n.º 2 e 577.º, al e) do CPC, é a absolvição dos RR. da instância.
Mais não admitiu a intervenção principal provocada da insolvente por entender que não há qualquer preterição de litisconsórcio necessário ou voluntário, nem a insolvente pode estar por si, em juízo, requerendo ou sendo requerida no inventário, dado que perdeu os poderes de administração e de disposição do quinhão hereditário e que são inoponíveis à massa insolvente quaisquer atos praticados por si sobre esse quinhão, .


DESTA DECISÃO APELOU A INSOLVENTE REPRESENTADA PELO ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA QUE FORMULOU AS SEGUINTES CONCLUSÕES:
(…)

É dever do Tribunal discriminar os factos que considera provados e não provados, decidindo quais as provas em que se baseia o seu juízo em matéria de facto, sem o que a sentença será nula (artigos 607.º, n.ºs 3 e 4 e 615.º, alínea b), ambos do CPC);
3.ª – De tal nulidade padece a douta sentença sob recurso, que nenhum facto fixa em ordem à decisão em que declara a ilegitimidade processual da recorrente, nulidade essa que vai expressamente invocada (artigos 607.º, n.ºs 3 e 4 e 615.º, alínea b), ambos do CPC);
B) Da Legitimidade Processual
4.ª – Nos presentes autos, demonstrado se encontra que:
I – A Requerente será herdeira legítima, por parentesco na linha recta, pelas heranças abertas pelos óbitos de avó paterna, CC e seus pais DD e EE – cfr. documentos juntos sob os números 2, 4, 5, 6 e 7, com o requerimento inicial;
II – As heranças acima referidas foram abertas em data anterior à declaração de insolvência da Requerente, decretada no Processo n.º 6172/21.3T8GMR (…)
III – O inventário foi requerido por BB, insolvente, tendo o Administrador da Insolvência, AA, agido em juízo em nome daquela invocando ser seu representante, (…) e o disposto no artigo 81.º, n.º 4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – CIRE.
5.ª – Compulsada toda a douta jurisprudência na douta sentença sob recurso, constata- se que quem é identificado como Requerente no Inventário são “massas insolventes de(a)” o que nem coloca, sequer, qualquer questão de legitimidade processual, mas sim de personalidade judiciária, já que, tratando-se de patrimónios de afectação (cfr. artigos 51.º e 89.º, do CIRE), com finalidade limitada e dotados de titular determinado, não preenchem os requisitos previstos nos artigos 11.º, n.º 2 e 12.º, alínea a), ambos do CPC;
6.ª – Dispõe o artigo 9.º, n.º 3, do CC, que na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, pelo que, na interpretação do disposto no artigo 81.º, n.º 4, do CIRE, há-de concluir-se que tendo sido prevista a figura da representação, é exactamente a esta a que o legislador se refere;
7.ª – A dupla presunção prevista no citado artigo 9.º, n.º 3, do CC, com referência ao instituto da representação previsto no artigo 81.º, n.º 4, do CIRE, não se encontra ilidida com a doutrina sustentada na douta sentença sob recurso, da autoria de Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, já que:
(…)

II – É errado afirmar-se ser inconciliável, na pessoa do Administrador da Insolvência, face ao disposto no artigo 81.º, n.º 4, do CIRE, a existência de poderes de representação, porque o mesmo (também) prossegue interesses próprios dos credores e finalidades específicas do processo de insolvência e não (apenas) os do devedor (insolvente);
III – Nas suas duas modalidades, voluntária e legal, o instituto da representação sempre foi admissível para representação em juízo, podendo o representante, nesta qualidade, estar em nome do representado na acção, ocorrendo, nesta hipótese, que quem é parte é o representado e sendo na pessoa deste que deve verificar-se o preenchimento da legitimidade processual para a acção (artigo 30.º, do CPC) -expressamente neste sentido, v. Artur Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, Vol.II, Coimbra (1982), páginas 197-198. Carnelutti, in Teoria Geral do Direito (tradução de Afonso Rodrigues Queiró e Artur Anselmo de Castro), Coimbra (1942), páginas 366 e segs. versa a substituição processual e a representação no conceito de legitimidade indireta.
(…)

CREDORES NO PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
II – Em processo de insolvência, estão os credores desprovidos dos poderes previstos para a execução singular e suportam, em especial, os efeitos que a declaração de insolvência produz com relação às acções executivas, em termo de ficar obstada qualquer instauração ou prosseguimento das mesmas (artigos 88.º e 90.º, do CIRE);

HERANÇA INDIVISA COMO PATRIMÓNIO DE AFECTAÇÃO
III – Sendo a herança indivisa um património de afetação, a sua finalidade é de que venha a operar-se a sua liquidação e partilha (artigos 2097.º e 2101.º, ambos do CC), podendo, como tal, contrair dívidas e encargos próprios pelos quais responde (artigo 2068.º, do CC) – cfr., quanto à consideração da herança indivisa como património de afectação, o douto Acórdão do STJ, de 29-X-2020, proferido no Proc.º n.º 604/18.5T8LSB-C.L1.S1; além disso, tem também personalidade judiciária, podendo demandar e ser demandada (artigo 12.º, alínea a), do CPC);
IV – Sendo de todo o interesse dos credores que a sua garantia patrimonial possa concretizar-se em bens concretos do devedor, de igual modo tem de considerar-se não ser desejado pela ordem jurídica a manutenção indefinida de situações patrimoniais de indivisão que entorpecem a fluidez na circulação dos bens e do comércio jurídico, como se demonstra com os regimes em que pode ser imposta por um dos consortes a extinção das situações de contitularidade, no exercício de direitos potestativos extintivos (artigos 1412.º e 2101.º, ambos do CC) – cfr., quanto ao interesse dos credores em que respondam bens concretos do devedor, José Lebre de Freitas-Armindo Ribeiro Mendes, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3.º, 2003 (Coimbra), página 478 ;
V – Consequentemente, a tese sustentada na douta sentença recorrida é suscetível de fazer prolongar artificialmente situações de indivisão, em detrimento de interesses sérios dos credores e de valores fundamentais do ordenamento jurídico, a que acresce, ainda, o risco, particularmente grave, do avolumar de encargos e de dívidas que oneram a herança e, com esta, a diminuição do valor dos quinhões hereditários que integram a massa insolvente e que a podem fazer incorrer em responsabilidade, colocando os credores em situação de desigualdade injustificada face aos que deduzem os seus direitos em execução singular (artigos 2070.º, n.º 1, 2071.º, n.º 2, 2097.º, 2098.º, n.º 1, 2128.º e 2129.º, todos do CC);
C) Os Efeitos Jurídicos da Interpretação Normativa constante da Douta Sentença Sob Recurso; Sua Inconstitucionalidade
9.ª – Da interpretação normativa das disposições conjugadas dos artigos 1085.º, n.º 1, alínea a), do CPC e 81.º, n.ºs 1 e 4, do CIRE, acolhida na douta sentença recorrida, resultam existir direitos subjectivos que por ninguém podem ser exercidos – herdeiros insolventes e Administrador da Insolvência (artigos 2052.º e 2053.º, ambos do CC) – e que apenas repousam na iniciativa de outros interessados, co–herdeiros da herança indivisa;
10.ª – Com a declaração de insolvência, suportam já os credores os efeitos compressivos de obstaculização da propositura de ações executivas contra o insolvente e de suspensão das que hajam sido instauradas (artigo 88.º, do CIRE), ficando fundamentalmente dependentes da latitude dos poderes que o Administrador da Insolvência entenda exercer quanto à propositura de ações (artigo 82.º, do CIRE), quanto a ações pendentes (artigo 85.º, do CIRE), e à resolução de atos em benefício da massa insolvente (artigo 120.º, do CIRE);
11.ª – Caso o insolvente seja herdeiro único, aos credores, na pessoa do Administrador da Insolvência, vedada fica, inclusive, a possibilidade de limitar a responsabilidade às forças da herança indivisa já que sobre esta nem o próprio herdeiro, para os simples e elementares efeitos de relacionar os bens e dívidas do património da pessoa falecida, pode requerer inventário, de tal podendo resultar seriamente comprometida a garantia patrimonial da insolvência (artigo 1082.º, alínea b), do CPC; artigo 2071.º, n.º 1, do CC);
12.ª – Resultam ser inconstitucionais as disposições conjugadas dos artigos 81.º, n.ºs 1 e 4, do CIRE e 1085.º, n.º 1, alínea a), do CPC, que assim vai expressamente arguida, com relação à interpretação normativa acima referida, em conformidade com qual estará vedado, por ilegitimidade processual (activa, mas não a passiva), ao herdeiro insolvente e/ou ao Administrador da Insolvência, em caso de integração de quota hereditária na massa insolvente, requerer inventário para partilha de bens, eximindo a responsabilização patrimonial integral que compreenda bens concretos da herança, face aos direitos fundamentais de acesso aos Tribunais e à tutela jurisdicional efectiva (artigo 20.º, n.ºs 1 e 5, da CRP);

D) Da Requerida Intervenção Principal
13.ª – Atentos os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 81.º, do CIRE, quanto aos poderes de administração e de disposição dos bens da insolvente, não podendo esta estar desacompanhada em juízo do Administrador da Insolvência/substituto(*), a inferência lógica a retirar da falta de poderes de representação teria de ser a intervenção principal daquela em ordem a que se encontrasse garantida a legitimidade processual para que um direito que lhe assiste possa ser exercido, assim se não prescindindo de no inventário aquela estar presente como herdeira interessada (artigos 2101.º, do CC, em conjugação com o disposto no artigo 81.º, n.º s 1 e 4, do CIRE e atento o disposto no artigo 33.º, n.º 2 “ex vi” artigos 311.º e 316.º, n.º 1, todos do CPC).
Nisso são também concordantes, embora apenas no que tange à legitimidade para ser requerido, Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, ob cit.
14.ª – Coloca em evidência o indeferimento da requerida intervenção principal a total improcedência da doutrina sustentada na douta sentença sob recurso quanto à substituição processual do insolvente pelo Administrador da Insolvência, já que a consequência que da mesma decorre é a de uma derrogação, pura e simples, da lei substantiva e dos direitos que esta consagra (artigos 2050.º, 2052.º, n.º 1, e 2101.º, n.º 1, todos do CC).
DAS NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS:
- Quanto à arguida nulidade da sentença, viola a douta decisão sob recurso artigos 607.º, n.ºs 3 e 4 e 615.º, alínea b), ambos do CPC,
- Quanto à legitimidade processual para o Administrador da Insolvência, em nome do insolvente, requerer inventário para partilha de bens, viola a douta sentença recorrida as disposições conjugadas dos artigos 81.º, n.ºs 1 e 4, do CIRE, com os artigos 9.º, n.º 3, 258.º, 2050.º, n.º 1, 2052.º, n.º 1, 2053.º, 2071.º, n.º 1, 2101.º, n.º 1, todos do CC e do artigo 1085.º, n.º 1, alínea a), do CPC;
- Quanto às inconstitucionalidades decorrentes da interpretação normativa das disposições conjugadas dos artigos 81.º, n.º s 1 e 4, do CIRE, 2050.º, n.º 1, 2052.º, n.º 1, 2053.º, 2071.º, n.º 1, 2101.º, n.º 1, todos do CC e 1085.º, n.º 1, alínea a), do CPC, decorre daquela infringidos os direitos fundamentais de acesso aos Tribunais e à tutela jurisdicional efectiva consagrados no artigo 20.º, n.ºs 1 e 5, da CRP;
SEM CONCEDER,
- Quanto ao incidente, requerido, de intervenção principal, viola a douta decisão recorrida o disposto no artigo 33.º, n.º 2 “ex vi” artigos 311.º e 316.º, n.º 1, todos do CPC, com referência ao disposto nos artigos 81.º, n.º 4, do CIRE, 2050.º, n.º 1, 2052.º, n.º 1, 2053.º, 2071.º, n.º 1, 2101.º, n.º 1, todos do CC e 1085.º,n.º 1, alínea a), do CPC.
Termos em que, com o douto suprimento de v.ªs ex.ªs, deverá ser dado provimento à apelação interposta e, em consequência:
A) declarada nula a douta sentença recorrida;
B) se assim se não entender, declarar-se legitima a interposição pela recorrente devidamente representada pelo administrador de insolvência, de inventário para partilha de bens;
C) declarar-se inconstitucional a interpretação normativa acolhida na douta sentença sob recurso, Subsidiariamente
D) admitir-se a requerida intervenção principal, assegurando-se a integral legitimidade processual para o prosseguimento dos ulteriores termos processuais do inventário para a partilha de bens,
Nada obsta ao mérito


O OBJETO DO RECURSO


O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as matérias que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do código de processo civil).
Atentas as conclusões da recorrente as questões a decidir são as seguintes:
1. Saber se a sentença é nula por falta de fundamentação de facto.
2. Saber se o administrador da insolvência tem legitimidade processual para em representação da insolvente instaurar inventário facultativo.
3. Saber se a interpretação das normas dos artigos 1085.º, n.º 1, alínea a), do CPC e 81.º, n.ºs 1 e 4, do CIRE, acolhida na douta sentença recorrida, conjugada com o disposto nos artigos 2052.º e 2053.º, ambos do CC, viola o artigo 20º nº 1 e 5 da CRP

O MÉRITO DO RECURSO:

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Dá-se aqui por reproduzida a fundamentação supra.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
I
A nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto:
O Acórdão da Relação de Guimarães de 21-05-2015 (ANA CRISTINA DUARTE ) 1/08.0TJVNF-EK.G1, in DGSI expressou que: «O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), repetidamente aconselha que: a extensão da obrigação de motivação pode variar consoante a natureza da decisão e deve analisar-se à luz das circunstâncias do caso concreto; a motivação não deve revestir um caráter exageradamente lapidar, nem estar por completo ausente» (cf. Vincent e Guinchard, Procédure Civile, Dalloz, §1232).
Assim é que este dever de fundamentar as decisões consagrado no artigo 154.º n.º 1 do CPC destinado a esclarecer e a convencer as partes do acerto da decisão proferida, e sem por em causa que o seu cumprimento se prende com a própria legitimação do poder judicial, tem vindo a ser densificado pela jurisprudência no sentido de que se satisfaz com uma especificação ainda que deficiente dos fundamentos de facto ou de direito (Acórdão do STJ de 30-09-2014 processo 1198/09 nota 23 ao artigo 615, Código de Processo Civil anotado Abílio Neto, 4ª ed p 909).
Os tribunais superiores vêm entendendo que: “Só a absoluta falta de fundamentação – e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação – integra a previsão da nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil” neste sentido Acordão do STJ de 03-03-2021 LEONOR CRUZ RODRIGUES 3157/17.8T8VFX.L1.S1, in DGSI.
Isto posto, no despacho recorrido enuncia-se sinteticamente a qualidade do requerente no segmento da titularidade invocada para a propositura da ação de inventário, o objeto do processo e a pretensão deduzida.
A decisão pronunciada é uma decisão de ordem formal para a qual é suficiente a invocação daqueles pressupostos fácticos.
Não há, por conseguinte, que assacar qualquer nulidade à decisão em apreço.

II
A LEGITIMIDADE DO ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA PARA INSTAURAR INVENTÁRIO EM REPRESENTAÇÃO DA INSOLVENTE.
II.1.
A questão colocada no recurso tem sido objeto de dois entendimentos jurisprudenciais divergentes sendo que a decisão recorrida segue a jurisprudência maioritária e secunda a posição dos Prof Miguel Teixeira de Sousa e outros a que faz expressa referência.
Sobre a matéria no sentido da ilegitimidade do administrador da insolvência para instaurar inventário para partilha do quinhão hereditário apreendido para a insolvência pronunciou-se o acórdão do TRL 24/9/2020 (NELSON BORGES CARNEIRO) 31/20.4T8MTA.L1-2 citado na decisão sindicanda no sentido da ilegitimidade.
Este referido acórdão foi comentado pelo prof. Miguel Teixeira de Sousa https://blogippc.blogspot.com/2021/06/jurisprudencia-2020-225.html, que reiterou a posição constante do MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA – LOPES DO REGO – ABRANTES GERALDES – PINHEIRO TORRES, O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, p. 34.], fazendo-o pela seguinte forma:
“Como o insolvente não tem legitimidade para ser parte no processo de inventário, o administrador é o substituto processual do interessado insolvente (art. 81º, nº 4, do CIRE). Este preceito refere-se, de modo equívoco, a uma função de representação do insolvente: a verdade é que o administrador atua em juízo como parte, e não como representante do insolvente (que seria então a parte interessada). Isto significa que o administrador da insolvência vai atuar no processo de inventário como substituto processual do interessado insolvente. Pode perguntar-se se a legitimidade que é reconhecida ao administrador da insolvência, na qualidade de substituto processual do insolvente, lhe permite requerer o inventário para partilha da universalidade comum.
A resposta tem que ser negativa, dado que os direitos da massa insolvente recaem sobre o quinhão hereditário, e não sobre o preenchimento desse quinhão com determinados bens [MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA – LOPES DO REGO – ABRANTES GERALDES – PINHEIRO TORRES, O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, p. 33]. Antes da partilha existe apenas comunhão, pois a herança indivisa constitui uma universalidade de direito, com conteúdo próprio, sendo os herdeiros apenas titulares de um direito indivisível, enquanto não se fizer a partilha [Ac. Tribunal da Relação de Évora de 2019-02-28, Relator: TOMÉ RAMIÃO, http://www.dgsi.pt/jtre].

Enquanto a herança não estiver partilhada, nenhum dos herdeiros tem direitos sobre bens certos e determinados, nem um direito real sobre os bens em concreto, nem sequer sobre uma quota parte em cada um deles. Só depois da realização da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário ou comproprietário de determinado bem da herança [Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2020-05-26, Relatora: PAULA CARDOSO, http://www.dgsi.pt/jtrl].
Disto decorre que o administrador da insolvência não tem legitimidade para requerer o inventário da herança, mas tem legitimidade para neste processo ser requerido em substituição do interessado direto insolvente [MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA – LOPES DO REGO – ABRANTES GERALDES – PINHEIRO TORRES, O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, p. 33].
Temos, pois, que recaindo os direitos da massa insolvente sobre o quinhão hereditário, e não sobre o preenchimento desse quinhão com determinados bens, seja a apelante Massa Insolvente, seja o administrador dessa massa insolvente, não têm legitimidade para requerer o inventário da herança “para apurar quais os bens que especificamente cabem à insolvente”.
II.2.
Adiantamos que secundamos este entendimento e que tem amplo desenvolvimento no acórdão do TRL de 22/11/22 (DIOGO RAVARA) 362/20.1T8LSB.L1-7, in DGSI cujo sumário é o seguinte: “A massa insolvente e/ou o administrador de insolvência carecem de legitimidade para intentar processo de inventário para partilha de herança em que o insolvente seja interessado, e em substituição deste (art.º 1085º do CPC)”.
O sumário deste acórdão responde à argumentação colocada no recurso de que a jurisprudência citada na decisão recorrida incidia sobre a massa insolvente e não sobre o administrador da insolvência, quando para estes efeitos equipara as situações.
O mesmo acórdão desenvolve de modo apropriado, sistematizado e profundo com citações da doutrina e jurisprudência, a questão enunciada também neste recurso a que aderimos sem reserva e de tal modo que nos permitimos simplesmente reproduzir o que ali se escreve.
Com efeito acentua-se no aresto citado: “Embora sem definir cabalmente o conceito de legitimidade processual, o art.º 30º do CPC reporta-o ao interesse em demandar ou contradizer.
E, no nº 2 do mesmo preceito esclarece-se que o interesse em demandar se exprime pela utilidade derivada da procedência da ação, enquanto que o interesse em contradizer se exprime pelo prejuízo que dela advenha.
Estas regras aplicam-se quer às situações de legitimidade singular, quer às situações de legitimidade plural, ou seja, aos casos de litisconsórcio e coligação (vd. art.ºs 32º a 36º do CPC).
De acordo com o nº 3 do mesmo art.º 30º do CPC, o critério supletivo para aferição da titularidade do interesse relevante para o efeito da legitimidade é o da titularidade da relação material controvertida tal como o autor a configura.
(…) Finalmente, esclarecem ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA, E LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA que “o autor é parte legítima se, atenta a relação jurídica que invoca, surgir nela como sujeito suscetível de beneficiar diretamente do efeito jurídico pretendido; já o réu terá legitimidade passiva ser for diretamente prejudicado com a procedência da ação. A exigência de um “interesse” emergente da pronúncia judicial, reconduz-nos a um interesse direto e indica que é irrelevante para o efeito um mero interesse indireto, reflexo, ou mediato, ou ainda um interesse diletante ou de ordem moral ou académica”.
Não obstante, os mesmos autores advertem para a circunstância de que “casos há (…) em que é a própria lei que identifica o detentor da legitimidade ativa ou passiva, prevalecendo tal indicação sobre a eventual alegação do autor em sentido inverso (…)”.
Por outro lado, e como sublinham CASTRO MENDES e MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, haverá que distinguir os casos de legitimidade direta dos casos de legitimidade indireta.
Para estes autores, a legitimidade direta pressupõe não só “o interesse em demandar em contradizer, ou seja, o interesse da parte na obtenção de uma tutela favorável de uma decisão de procedência ou de improcedência”, mas também “o poder de produção dos efeitos que podem decorrer da decisão de procedência ou improcedência da ação.”
Já a legitimidade indireta ou substituição processual, “assenta sempre na lei ou num negócio jurídico.” E prossegue o mesmo aresto: “No caso do processo de inventário, a legitimidade ativa é objeto de disposição especial, a saber o art.º 1085º do CPC, que tem o seguinte teor:
“Artigo 1085.º
1 - Têm legitimidade para requerer que se proceda a inventário e para nele intervirem, como partes principais, em todos os atos e termos do processo:
a) Os interessados diretos na partilha e o cônjuge meeiro ou, no caso da alínea b) do artigo 1082.º, os interessados na elaboração da relação dos bens;
b) O Ministério Público, quando a herança seja deferida a menores, maiores acompanhados ou ausentes em parte incerta.
2 - Podem intervir num processo de inventário pendente:
a) Quando haja herdeiros legitimários, os legatários e os donatários, nos atos, termos e diligências suscetíveis de influir no cálculo ou determinação da legítima e de implicar eventual redução das respetivas liberalidades;
b) Os credores da herança e os legatários, nas questões relativas à verificação e satisfação dos seus direitos;
c) O Ministério Público, para o exercício das competências que lhe estão atribuídas na lei.”
Como ressalta da leitura deste preceito, o nº 1 regula a legitimidade processual, ou seja, define quem pode ser parte principal no processo, enquanto que o nº 2 define quem pode intervir em determinados atos e/ou para determinados efeitos.
De acordo com o estipulado em tal norma, podem intervir como partes principais os herdeiros e o cônjuge meeiro.
Sintetiza o ac. - RL 24-09-2020 (Nelson Borges Carneiro), p. 31/20.4T8MTA.L1-2, “A figura jurídica do interessado direto na partilha pressupõe que o legislador admitiu que outros sujeitos, que não apenas os herdeiros do de cujus possam ter legitimidade para requerer e intervir no inventário como parte principal. Os interessados diretos na partilha serão, deste modo, os sujeitos que, sendo ou não herdeiros do de cujus, veem a sua esfera jurídica ser atingida, de forma imediata e necessária, pelo modo como se organiza e concretiza a partilha do acervo hereditário […].
A legitimidade para requerer processo de inventário sucessório e para nele intervir como parte principal é atribuída a quem tenha a qualidade de interessado direto, isto é, os herdeiros que são diretamente beneficiados pela partilha (art.º 2101º, nº 1, do CC) […].
O critério legal de distinção entre herdeiro e legatário assenta na determinação (legatário) ou indeterminação (herdeiro) […].
O herdeiro é a pessoa que é chamada a ocupar a posição jurídica do de cujus no que respeita ao conjunto das suas relações jurídicas […].
De maneira que subsistirá ilegitimidade, conducente à absolvição da instância, sempre que o inventário venha a ser requerido por quem não seja interessado na respetiva partilha […].”
Aqui chegados, cumpre apreciar se em caso de insolvência de um dos interessados diretos na partilha, a legitimidade ativa deve considerar-se atribuída ao insolvente, à massa insolvente, ou ao/à administrador/a da insolvência, por si mesmos ou em representação do interessado insolvente.
Na dilucidação de tal questão, seguindo largamente o entendimento manifestado por TEIXEIRA DE SOUSA, LOPES DO REGO, ABRANTES GERALDES, e PINHEIRO TORRES, referiu o já citado acórdão:
«A massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo – art.º 46º, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).
Em termos de âmbito, esta abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que este adquira na pendência do processo. Em termos de função, esta destina-se primordialmente à satisfação das dívidas da própria massa insolvente e apenas depois dos créditos sobre a insolvência. Esta destinação da massa insolvente ao pagamento das suas dívidas e dos créditos sobre a insolvência implica a sua qualificação como um património de afetação […].
Em relação aos bens e direitos que compõem a massa insolvente, estes correspondem em princípio à totalidade do património do devedor à data da declaração de insolvência […].
(…)
O que está integrado na massa insolvente é o quinhão hereditário que a insolvente possui na herança do falecido, e não a sua qualidade sucessória em relação à mesma.
Interessada direta na partilha da herança do falecido seria a insolvente, por ser herdeira, e não a massa insolvente, pois, além de não ser sucessora do de cujus, não é diretamente beneficiada pela partilha (não é um interessado direto).
(…)
A declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência – art.º 81º, nº 1, do CIRE.
O administrador da insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência – art.º 81º, nº 4, do CIRE.
Pode suceder que um dos interessados diretos tenha sido declarado insolvente. Nesta situação o interessado direto não tem legitimidade para requerer ou ser requerido no inventário, dado que o insolvente perde os poderes de administração e de disposição do quinhão hereditário e são inoponíveis à massa insolvente quaisquer atos praticados pelo insolvente sobre esse quinhão […].
O devedor fica privado dos poderes de administração e disposição. Os poderes de que o devedor fica privado são atribuídos ao administrador da insolvência […].
Disto decorre que o insolvente não tem legitimidade para ser parte no processo de inventário […].
Temos, pois, que a insolvente ao perder os poderes de administração e de disposição do quinhão hereditário e sendo inoponíveis à massa insolvente quaisquer atos praticados pela insolvente sobre esse quinhão, não tem, por tal facto, legitimidade para ser parte no processo de inventário.
(…)
Como o insolvente não tem legitimidade para ser parte no processo de inventário, o administrador é o substituto processual do interessado insolvente (art.º 81º, nº 4, do CIRE). Este preceito refere-se, de modo equívoco, a uma função de representação do insolvente: a verdade é que o administrador atua em juízo como parte, e não como representante do insolvente (que seria então a parte interessada). Isto significa que o administrador da insolvência vai atuar no processo de inventário como substituto processual do interessado insolvente […].
Pode perguntar-se se a legitimidade que é reconhecida ao administrador da insolvência, na qualidade de substituto processual do insolvente, lhe permite requerer o inventário para partilha da universalidade comum […].
A resposta tem que ser negativa, dado que os direitos da massa insolvente recaem sobre o quinhão hereditário, e não sobre o preenchimento desse quinhão com determinados bens […].
Antes da partilha existe apenas comunhão, pois a herança indivisa constitui uma universalidade de direito, com conteúdo próprio, sendo os herdeiros apenas titulares de um direito indivisível, enquanto não se fizer a partilha […].
Enquanto a herança não estiver partilhada, nenhum dos herdeiros tem direitos sobre bens certos e determinados, nem um direito real sobre os bens em concreto, nem sequer sobre uma quota parte em cada um deles. Só depois da realização da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário ou comproprietário de determinado bem da herança […].
Disto decorre que o administrador da insolvência não tem legitimidade para requerer o inventário da herança, mas tem legitimidade para neste processo ser requerido em substituição do interessado direto insolvente […].
O mesmo entendimento tem sido seguido em vários outros arestos, nomeadamente os seguintes:
- RC 09-11-2021 (Freitas Neto), p. 94/21.5T8OHP.C1; - RG 24-03-2022 (Raquel Baptista Tavares), p. 215/20.5T8MNC.G1; - RL 28-04-2022 (António Moreira), p. 5879/20.7T8ALM.L1-2;- RC 10-05-2022 (Pires Robalo), p. 775/22.6T8LRA.C1;- RL 28-05-2022 (António Moreira), p. 5879/20.7T8ALM.L1-2
A esta corrente jurisprudencial se opõe uma outra, que conclui em sentido inverso, considerando a massa insolvente de interessado direito na partilha tem legitimidade para intentar processo de inventário com vista à partilha dos bens do de cujus.
Neste sentido se pronunciaram os seguintes acórdãos:
- RP 21-09-2006 (Gonçalo Silvano), p. 0634600; - RP 15-04-2010 (Amaral Ferreira), p. 144/09.3TBPNF.P1; - RE 07-04-2022 (Rui Moura), p. 2374/21.0T8ENT.E1; - RC 12-07-2022 (Paulo Correia), p. 40/21.6T8TBV.C1.
No campo da doutrina, DOMINGOS CARVALHO DE SÁ parece admitir a legitimidade ativa do administrador da insolvência de interessado direto na partilha.
Por particularmente ilustrativo dos argumentos em que assenta esta tese, permitimo-nos citar o último aresto referenciado:
“O Código Civil consagra no art.º 2101.º, n.º 1 o direito potestativo de qualquer herdeiro a poder requerer a partilha dos bens, e encontrando-se o próprio, a partir do momento da declaração de insolvência, impedido de dispor do quinhão hereditário integrante da massa insolvente, esse direito apenas pode ser exercido através do seu representante, que é precisamente o administrador da insolvência.
Prova demais o argumento usado para excluir a legitimidade em agir assente no pressuposto de que os direitos da massa insolvente recaem sobre o quinhão hereditário e não sobre o preenchimento desse quinhão com determinados bens.
É que, sendo certo que tais direitos recaem sobre o quinhão hereditário, isso ocorre relativamente a todos os herdeiros e o administrador da herança não sendo herdeiro é o seu representante.
A circunstância de a apreensão incidir sobre o quinhão hereditário não exclui nem a possibilidade nem o interesse efetivo na concretização desse quinhão, não tendo o legislador negado ao administrador a possibilidade de, para benefício da massa, atuar em representação do devedor para esse efeito com conteúdo exclusivamente patrimonial.
Vedar ao insolvente o direito de requerer a partilha (o que a lei faz) e, ao mesmo tempo, cobrir sobre o manto da ilegitimidade ativa a ação do administrador nesse sentido, constituiria uma insuportável denegação de justiça, deixando o tempo da partilha exclusivamente na vontade dos demais interessados, com consequências prejudiciais óbvias para os credores e manietando o legítimo exercício dos poderes adjetivos e substantivos conferidos ao administrador da massa insolvente. Depois, não cabe numa lógica de justiça efetiva o exercício teórico que concede ao administrador da insolvência a possibilidade de, em representação do insolvente, intervir, como parte principal, num processo de inventário pendente, e negar-lhe a possibilidade de ser ele a tomar a iniciativa processual (!).
Acrescenta-se ainda na tese que sustenta a ilegitimidade ativa do administrador para requerer o inventário que “não é essencial à satisfação dos credores da insolvência a concretização do quinhão hereditário do herdeiro insolvente em bens determinados através da partilha” e de serem diferentes os interesses da massa e os do herdeiro (cfr. citado acórdão do TRC de 09.11.2021).
Ora, com a devida vénia, tendo o processo de insolvência como finalidade a satisfação dos credores (feita através da liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores - art.º 1.º, n.º 1 do CIRE), a concretização dos bens que integram a quota hereditária mostra-se, em geral, essencial para a satisfação dos credores, não competindo ao tribunal do inventário sindicar essa essencialidade, sendo que os únicos interesses que a lei quis proteger foram os credores e não já os pessoais do devedor/herdeiro.
Aferir a medida da quota da herança e a concretização dessa quota, só alcançáveis através do processo de inventário, traduzem-se, em si mesmos, em mecanismos próprios de defesa do património da massa e, consequentemente, deverem considerar-se dentro das competências atribuídas ao administrador em representação do insolvente”.
Isto posto, conclui-se como no citado aresto que: “nem a letra da lei nem a sua ratio normativa negam legitimidade ao administrador da insolvência para, em representação do herdeiro, requerer inventário, antes a mesma resulta inequívoca face ao estatuído nos art.ºs 81.º, n.º 4 do CIRE e 1085.º, n.º 1, a) do Código Civil, o que determina a revogação da decisão recorrida.”
No sentido agora decidido pronunciaram-se, ainda, os acórdãos do STJ de 21-03-23 (TIBÈRIO NUNES DA SILVA) 215/20.5T8MNC.G1.S1 e de 9-11-2022 (ANA RESENDE) 775/22.6T8LRA.C1.S1, ambos em DGSI.
III
A requerida intervenção principal da insolvente:
Também aqui carece de razão o apelante. É que nem a insolvente tem poderes de disposição/administração dos seus bens, nem a situação é de litisconsórcio necessário ou voluntário a justificar a vinda aos autos da insolvente.
A situação é mesmo de indisponibilidade do objeto do processo.
Daí que seja de confirmar o despacho recorrido ao declarar formalmente inadmissível a intervenção principal da insolvente.
IV
A inconstitucionalidade da interpretação dada aos artigos disposições conjugadas dos artigos 81.º, n.º s 1 e 4, do CIRE, 2050.º, n.º 1, 2052.º, n.º 1, 2053.º, 2071.º, n.º 1, 2101.º, n.º 1, todos do CC e 1085.º, n.º 1, alínea a), do CPC, decorre daquela infringidos os direitos fundamentais de acesso aos Tribunais e à tutela jurisdicional efectiva consagrados no artigo 20.º, n.ºs 1 e 5, da CRP.
O artigo 20º nº 1 e 5 da CRP estabelece que: “1 - A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. 55 - Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.”
No caso em apreço, nem o administrador da insolvência é titular do direito de exigir o preenchimento do quinhão hereditário da insolvente nem esta goza do poder de dispor/administrar os seus bens, pelo que, perdeu por consequência também a titularidade do direito de exigir o preenchimento da sua quota hereditária.
Deste modo, não lhes assistindo a titularidade da relação material por não estarem investidos do respetivo direito não se pode falar em violação do acesso ao direito que por definição visa a defesa de um direito subjetivo radicado na esfera jurídica do próprio enquanto seu titular.


SEGUE DELIBERAÇÃO:

NÃO PROVIDO O RECURSO. MANTÉM-SE A SENTENÇA APELADA.

Custas pelo Recorrente.





Porto, 12 de outubro de 2023
Isoleta de Almeida Costa
Francisca Mota Vieira
Ernesto Nascimento