Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1492/22.2T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISABEL FERREIRA
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
TÍTULO EXECUTIVO
CONFISSÃO DA DÍVIDA
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RP202402221492/22.2T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 02/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Quando o título executivo consista numa declaração unilateral de reconhecimento de dívida, o exequente deve alegar no requerimento executivo os factos constitutivos da relação subjacente, quando os mesmos não resultem do próprio título executivo.
II – Se, após despacho de convite ao aperfeiçoamento, o exequente alega de forma suficiente os factos constitutivos do direito de crédito de que se arroga, que integram a relação subjacente à confissão de dívida, sendo perfeitamente possível à executada defender-se de tais factos e cumprir o ónus da prova que lhe compete de demonstrar a inexistência da dívida, é de considerar que foi dado cumprimento àquele despacho, ficando sanada a eventual ineptidão do requerimento executivo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1492/22.2T8PRT-A.P1
(Comarca do Porto – Juízo de Execução do Porto – J2)

Relatora: Isabel Rebelo Ferreira
1º Adjunto: António Carneiro da Silva
2ª Adjunta: Judite Pires
*
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I AA deduziu, por apenso à Execução nº 1492/22.2T8PRT, do Juízo de Execução do Porto do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, oposição mediante embargos de executado contra a aí exequente BB (articulado de 19/04/2022).
Para além de requerer a suspensão da execução sem prestação de caução, invocou a existência de nulidade por falta de citação, devido ao facto de estar sujeita ao regime do maior acompanhado e não ter sido citada a sua acompanhante, a excepção de falta de capacidade judiciária, a nulidade por ineptidão da petição inicial, a inexigibilidade da obrigação exequenda e a nulidade da declaração de dívida apresentada como título executivo e dos eventuais negócios que deram origem a tal declaração, impugnando ainda a factualidade alegada pela exequente.
A exequente/embargada contestou (articulado de 03/10/2022), aduzindo dever proceder-se igualmente à citação da acompanhante da executada/embargante, e defendendo que não ocorrem as invocadas excepções, designadamente a de ineptidão da petição inicial, pois o título executivo contém os factos que fundamentam o pedido e, para além do mais, a exequente até foi convidada a completar o requerimento executivo, por despacho proferido na execução, ao que deu cumprimento, e que não deve haver lugar à suspensão da execução.
Após o trânsito em julgado do despacho proferido na execução, em 10/11/2022, a declarar nula a citação da executada, realizou-se a audiência prévia, na qual a Mm.ª Juiz, por entender conterem os autos os elementos necessários à prolação de decisão sobre o mérito da causa, nos termos do disposto do art. 591º, nº 1, al. b), do C.P.C., concedeu a palavra às Ilustres Mandatárias para alegarem o que tiverem por conveniente, o que estas fizeram.
Foi elaborado despacho saneador, em 15/02/2023, onde se julgou procedente a excepção de ineptidão do requerimento executivo e, em consequência, se absolveu a executada da instância executiva.
Desta decisão veio a embargada/exequente interpor recurso, tendo, na sequência da respectiva motivação, apresentado as seguintes conclusões, que se transcrevem:
«1.ª - A Recorrente requereu execução contra a Recorrida, apresentando como título executivo um documento particular autenticado de confissão de dívida com promessa de dação em pagamento.
2.ª – Consta na cláusula 1.ª do documento que “A primeira outorgante [a aqui Recorrida] expressamente reconhece estar em divida para com a segunda outorgante [a aqui Recorrente] na quantia de cinquenta mil euros (50.000€), que dela recebeu a título de empréstimo e correspondendo o valor de trinta mil euros (30.000€) a pagamento de honorários liquidados e pagos ao mandatário constituído, Dr. CC, com escritório na cidade do Porto, sendo os restantes vinte mil euros (20.000€) correspondentes a adiantamentos que ao longo do tempo foi fazendo à primeira para fazer face a despesas gerais.”.
3.ª - No requerimento executivo, a Recorrente limitou-se a remeter o enquadramento factual para o título executivo.
4.ª - Nos termos do disposto no art. 724º, nº 1, al. e) do CPC, o exequente expõe no requerimento executivo sucintamente os factos que fundamentam o pedido quando não constem do título executivo.
5.ª – Por despacho liminar no processo de execução, o requerimento executivo foi indeferido, por ineptidão, considerando a Mma. Juiz que este era omisso quanto à relação subjacente.
6.ª – A aqui Recorrente requereu o aperfeiçoamento do requerimento inicial, que lhe foi concedido por despacho proferido em 21.02.2022.
7.ª – Por requerimento apresentado ao processo executivo em 08.03.2022, a aqui Recorrente expôs o enquadramento factual que esteve na origem da elaboração do documento de confissão de dívida.
8.ª - Concretizou os valores pagos a título de honorários a Mandatário constituído pela Recorrida, bem como os “adiantamentos” que fez ao longo do tempo e algumas das despesas que suportou em nome e em benefício da aqui Recorrida.
9.ª - Juntou, para o devido efeito, documentação comprovativa, como é exemplo o cheque passado pela Recorrente ao referido Mandatário e respetivo recibo emitido pelo mesmo.
10.ª - A Recorrida opôs-se através de embargos de executado, defendendo-se por exceção e por impugnação, alegando, entre outras, a ineptidão do requerimento executivo.
11.ª - Finda a audiência prévia a Mma. Juiz proferiu sentença, julgando procedente a exceção de ineptidão do requerimento executivo e, em consequência, absolvendo a Executada da instância executiva.
12.ª - Decisão que não fez uma correta interpretação e aplicação da lei, concretamente, dos artigos 186º e 724º do CPC.
13.ª - No documento que deu origem à execução – documento particular autenticado de confissão de dívida e dação em cumprimento – estão referenciados os factos sobre os quais se fundou aquela relação jurídica.
14.ª – Complementarmente, no aperfeiçoamento do referido requerimento, a Recorrente esmiuçou essa realidade factual, juntando prova documental.
15.ª – A executada encontrava-se em perfeitas condições para deduzir oposição à execução, como o fez.
16.ª– A executada interpretou corretamente e apreendeu a pretensão da exequente ao apresentar defesa por exceção e por impugnação, na qual relatou a sua versão dos factos, requerendo produção de prova nesse sentido,
17.ª - O que confirma o alcance obtido relativamente à causa de pedir, bem como quanto ao correspondente pedido.
18.ª – O processo é considerado nulo quando for inepta a petição inicial, nomeadamente quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir – Art. 186º CPC
19.ª – Porém se o réu contestar a arguição não é julgada procedente, se se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial – nº 3 art. 186º CPC.
20.ª - Não se poderá considerar a ineptidão do requerimento executivo, porquanto foi a mesma invocada pela Executada, sendo que a mesma deduziu oposição à execução e que, por isso, a mesma interpretou convenientemente o referido requerimento.
21.ª – A aplicação do disposto no nº 3 do 186º do CPC, previsto para a ação declarativa, é fundamentada pelo disposto no art. 551º do CPC.
22.ª – O Tribunal a quo podia e devia ter conhecido do mérito da causa.
23.ª – A Recorrente não poderia alegar qualquer outro facto caracterizador da real situação de facto que fundamente a obrigação exequenda, senão aqueles que constavam já do requerimento executivo aperfeiçoado, assim como da contestação à oposição por embargos.
24.ª - A inclusão de outros factos corresponderia a uma falsidade.
25.ª - A fundamentação da Douta decisão não fez uma correta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 20º da CRP, 186º, nºs 1, 2 alínea a) e 3 e 724º do CPC.

Nestes termos e nos que V.Exas. doutamente suprirão,
deve a sentença recorrida ser revogada, ordenando-se o prosseguimento dos autos.».
A embargante apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso e confirmação da decisão recorrida.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II - Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (cfr. arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do C.P.C.), é uma única a questão a tratar:
a) apreciar da ineptidão do requerimento executivo.
**
Apreciemos então, tendo em conta os factos dados como provados na decisão recorrida (transcrição):
«1. A embargada deu à execução documento particular autenticado, datado de 05.11.2019 no qual a executada declarou reconhecer estar em divida para com a embargada pelo valor de € 50.000 (cinquenta mil euros), sendo € 30.000 (trinta mil) que a executada teria pago a mandatário e € 20.000 referente ao adiantamento do pagamento de despesas pela mesma realizado.
2. No requerimento executivo alegou:
“Através de documento particular autenticado denominado «CONFISSÃO DE DÍVIDA COM PROMESSA DE DAÇÃO EM PAGAMENTO POR DOCUMENTO PARTICULAR AUTENTICADO outorgado em 5 de Novembro de 2019 e autenticado no Cartório Notarial do Notário DD, sito no Largo ..., ... ... Braga, a executada CONFESSOU-SE DEVEDORA À EXEQUENTE DA QUANTIA DE 50.000,00€ (CINQUENTA MIL EUROS), conforme DOC.1 que se anexa e cujo teor aqui se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
As partes conferiram força executiva ao referido documento 1, tal como textualmente do mesmo decorre.
Esta quantia de 50.000,00€ deveria ser paga até à data de 15 de Novembro de 2019.
Acordaram ainda as partes que capital mutuado não ficaria a vencer quaisquer juros nem remuneratórios nem moratórios até ao prazo estipulado para o seu pagamento, ou seja, até à sobredita data de 15/11/2019, tal como decorre das cláusulas 2ª e 3ª do documento 1.
A executada, como garantia do capital global em dívida de 50.000,00€, prometeu à exequente dar em pagamento o seu quinhão hereditário na parte correspondente ao valor em dívida, pertencente à herança aberta por óbito de seu pai EE, conforme decorre da cláusula 4º do documento 1.
Até à presente data, apesar de instada para o efeito, a executada ainda não efectuou o pagamento à exequente da quantia de 50.000,00€.
Sendo que ao valor exequendo, a partir de 16 de Novembro de 2019 acrescem JUROS DE MORA VENCIDOS contabilizados à taxa legal de 4% ao ano, os quais à data da entrada em Juízo deste requerimento executivo se quantificam em QUATRO MIL TREZENTOS [TREZENTOS] E VINTE E OITO EUROS”
3. No ano de 2019 foi intentada acção de “acompanhamento de Maior que corre termos sob o nº 24857/19.2T8PRT, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto- Juiz 5.
4. No âmbito do referido processo foi declarada a ineficácia da procuração irrevogável que a executada outorgou a favor da exe[quente] em 27.07.2018.
5. Por sentença proferida em 01.08.2022, no âmbito do processo indicado em 5. foi decretada medida de acompanhamento à executada, fixando-se o início da incapacidade em 23.09.2014.».
Da consulta do processo de execução retira-se ainda a seguinte factualidade, com relevo para o recurso em apreciação:
1. A cláusula 1ª do documento junto como título executivo tem o seguinte teor:
“A primeira Outorgante expressamente reconhece estar em dívida para com a Segunda Outorgante na quantia de cinquenta mil euros (50.000€), que dela recebeu a título de empréstimo e, correspondendo o valor de trinta mil euros (30.000€) a pagamento de honorários liquidados e pagos ao mandatário constituído, Dr CC, com escritório na cidade do Porto, sendo os restantes vinte mil euros (20.000€) correspondentes a adiantamentos que ao longo do tempo foi fazendo à primeira para fazer face a despesas gerais.”;
2. Em 25/01/2022 foi proferido despacho liminar na execução, no qual se indeferiu liminarmente a execução, ao abrigo do art. 726º, nº 2, al. c), do C.P.C., por se entender que não foi alegada a relação negocial/fundamental no requerimento executivo e que não constava a causa ou fundamento da obrigação exequenda na escritura de confissão de dívida, existindo ineptidão do requerimento executivo;
3. Por requerimento de 16/02/2022, a exequente, invocando o art. 614º, nº 1, parte final, do C.P.C., veio requerer a correcção do referido despacho, requerendo a admissão liminar do requerimento executivo ou, assim não se entendendo, o convite à exequente para suprir as irregularidades do requerimento executivo ou sanar a falta de pressupostos, à luz do previsto no nº 4 do art. 726º do C.P.C.;
4. Em 21/02/2022 foi proferido despacho com o seguinte teor:
«Salvo o sempre devido respeito por opinião contrária a mera referencia a honorários de mandatário e “empréstimos” não configura alegação de factos, antes configurando meras conclusões, pois que não circunstanciam os factos/causa de pedir.
Assim, entende-se ser de corrigir o despacho em crise., mas no sentido de convidar a exequente a alegar os factos concretos de onde emerge o pedido e caus[e][a] de pedir»;
5. Em resposta ao convite, a exequente apresentou o requerimento de 08/03/2022, no qual alega:
« (…)
II- DOS FACTOS
1- Através do documento particular autenticado denominado «Confissão de Dívida com Promessa de Dação em Pagamento por Documento Particular Autenticado», outorgado em 5 de Novembro de 2019 e autenticado no Cartório Notarial do notário DD, sito no Largo ..., ... ... Braga, a executada confessou-se devedora à exequente da quantia de 50.000,00€ (cinquenta mil euros), conforme documento 1 que se encontra junto aos autos em anexo ao requerimento executivo.
2- Nos termos da cláusula 1ª do sobredito documento, a executada recebeu da exequente a quantia total de 50.000€ a título de empréstimo, respectivamente:
O valor de 30.000,00€, correspondente ao pagamento de serviços jurídicos prestados pelo ilustre advogado Dr. CC, incluindo honorários reportados aos processos de inventário por óbito de FF e de GG, respectivamente pai e avó da executada (vide documentos ora juntos – cópia de cheque no valor de 30.750,00€ com data de 10-07-2019, preenchido e assinado pela exequente – Doc.1 e cópia de fatura recibo nº... emitida pelo referido advogado em 16-07-2019 – Doc.2).
O valor de 20.000,00€, correspondente a adiantamentos de dinheiro que ao longo do tempo foi a exequente entregando à executada para que esta fizesse face a despesas gerais do dia a dia;
3- Em boa verdade, a executada tem estado desempregada, contando com o apoio e amparo da exequente no que tange aos gastos diários com alimentação, medicamentos, transportes e alojamento;
4- E além das sobreditas despesas, a exequente pagou ainda os serviços jurídicos prestados à executada por profissionais do foro, designadamente pelo Dr. HH e pela Drª II:
• No âmbito do processo de inventário nº... que correu termos no Cartório Notarial de Vila do Conde, a cargo da notária JJ;
• No âmbito do processo de inventário nº... que correu termos no Cartório Notarial do Porto, a cargo da notária KK.
5- Sendo que, tal como decorre do documento ora anexo (Doc.3), a exequente fez múltiplos pagamentos aos referidos profissionais por conta desses processos, num total de 20.659,86€.
6- Esta quantia de 50.000,00€ deveria ter sido paga pela executada à exequente até à data de 15 de Novembro de 2019.
7- Acordaram ainda as partes que o capital mutuado não ficaria a vencer quaisquer juros nem remuneratórios nem moratórios até ao prazo estipulado para o seu pagamento, ou seja, até à sobredita data de 15/11/2019, tal como decorre das cláusulas 2ª e 3ª do doc. 1 junto com o RE.
8- A executada, como garantia do capital global em dívida de 50.000,00€ prometeu à exequente dar em pagamento o seu quinhão hereditário na parte correspondente ao valor em dívida pertencente à herança aberta por óbito de s[w]eu pai EE, conforme decorre da cláusula 4ª do dito doc.1 junto com o RE.
9- Até à presente data, a e[c][x]ecutada ainda não efectuou o pagamento à exequente da quantia de 50.000,00€.
10- Sendo que ao valor exequendo e tal como decorre do RE, a partir de 16/11/de 2019 acrescem juros de mora vencidos contabilizados à taxa legal de 4% ao ano, os quais à data da entrada em juízo do RE se quantificam em 4.328,77€ (quatro mil trezentos e vinte e oito euros setenta e sete cêntimos) e ainda juros vincendos até ao efectivo e integral pagamento.
11- O crédito da exequente é certo, líquido, exigível e exequível.
12- Tem por conseguinte a exequente um direito de crédito global de 54.328,77€ acrescido de juros vincendos até efectivo e integral pagamento.»;
6. Após, por despacho de 09/03/2022, foi determinada a citação da executada para pagar a quantia exequenda ou opor-se à execução;
7. Em 10/11/2022, foi proferido despacho que declarou nula a citação da executada e que convidou a “exequente a corrigir o requerimento executivo de forma a sanar a exceção dilatória de falta de capacidade judiciária da executada- artºs 577º, al. c), artº 590º, nº2, al. a), do C.P.C.”, ao que aquela deu resposta por requerimento de 23/11/2022.
Nos termos do disposto no art. 703º, nº 1, al. b), do C.P.C., constituem título executivo, além do mais, os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação.
Também se incluem nesta espécie, os documentos autênticos ou autenticados dos quais resulte, “por simples declaração unilateral, a promessa de uma prestação ou o reconhecimento de uma dívida, sem indicação da respectiva causa, situação em que o credor fica dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário (art. 458º do CC). Deste modo, nesse caso, o credor carece apenas de alegar a relação causal subjacente à declaração unilateral de promessa de uma prestação ou de reconhecimento de uma dívida, isto é, os factos constitutivos do direito de crédito de que se arroga titular, recaindo, por sua vez, sobre o devedor o ónus de provar a inexistência dessa relação” (Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, 5ª ed., 2023, pág. 89).
Assim, quando o título executivo consista numa declaração unilateral de reconhecimento de dívida, o exequente deve “expor sucintamente os factos que fundamentam o pedido”, alegando “no requerimento executivo os factos constitutivos da relação subjacente, quando os mesmos não resultem do próprio título executivo” (idem, pág. 246).
Se tal não for feito, estaremos perante uma situação de ineptidão do requerimento executivo – tratando-se de uma falta absoluta de alegação de factos, tal consubstancia uma excepção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, determinando o indeferimento liminar do requerimento, ao abrigo do disposto no art. 726º, nº 2, al. b), do C.P.C.. Não sendo absoluta essa falta de alegação, deve haver lugar ao convite ao aperfeiçoamento do requerimento executivo, nos termos do nº 4 do mesmo artigo.
Se o exequente não responder ao convite ou, respondendo, não suprir a falta detectada, então o juiz indefere liminarmente o requerimento executivo. Se a falta for suprida, o juiz ordena a citação do executado. Quer dizer, proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento e respondido este pelo exequente, se o juiz profere despacho a mandar citar o executado, infere-se que considerou que a falta detectada foi sanada.
No caso, constando do título executivo a confissão de dívida do valor de € 50.000,00 a título de empréstimo, correspondendo € 30.000,00 ao pagamento de honorários ao Dr. CC e € 20.000,00 a adiantamentos feitos à executada ao longo do tempo para fazer face a despesas gerais, foi proferido despacho de aperfeiçoamento, na sequência do que a exequente apresentou requerimento onde alegou que o valor de € 30.000,00 corresponde ao pagamento de serviços jurídicos prestados pelo Dr. CC, incluindo honorários reportados aos processos de inventário por óbito de FF e de GG, respectivamente pai e avó da executada, remetendo para documentos datados de Julho de 2019, e que o valor de € 20.000,00 corresponde a adiantamentos de dinheiro que ao longo do tempo foi a exequente entregando à executada para que esta fizesse face a despesas gerais do dia a dia, alegando que a executada tem estado desempregada, contando com o apoio e amparo da exequente no que tange aos gastos diários com alimentação, medicamentos, transportes e alojamento, e que a exequente pagou ainda os serviços jurídicos prestados à executada pelo Dr. HH e pela Dr.ª II, no âmbito do processo de inventário nº... que correu termos no Cartório Notarial de Vila do Conde, a cargo da notária JJ, e no âmbito do processo de inventário nº... que correu termos no Cartório Notarial do Porto, a cargo da notária KK.
Afigura-se-nos que tanto basta para se afirmar que foram alegados de forma suficiente os factos constitutivos do direito de crédito de que se arroga a exequente, que integram a relação subjacente à confissão de dívida, sendo perfeitamente possível à executada defender-se de tais factos, cumprindo o ónus da prova que lhe compete de demonstrar a inexistência da dívida (por inexistirem os factos que integram a relação causal ou por estarem pagos os valores em causa).
E, portanto, que foi dado cumprimento ao despacho de convite ao aperfeiçoamento, ficando sanada a eventual ineptidão do requerimento executivo, não havendo lugar nem ao indeferimento liminar (como não houve, tendo sido ordenada a citação da executada), nem à absolvição da executada da instância executiva (como ocorreu no caso) – quer-nos parecer, aliás, que terá havido algum lapso na decisão recorrida, que não terá atentado na existência desta tramitação processual, posto que nada é referido, nomeadamente nos factos provados, quanto à existência do articulado de aperfeiçoamento do requerimento executivo, e que na fundamentação de direito se refere: “(não a dispensa, no caso, de alegar a causa/fonte da obrigação de entrega do montante de € 30.000 para pagamento de advogado- constituído porquê? Para quê? Quando? E € 20.000 para pagamento de que despesas?)”.
Assiste, pois, razão à recorrente, devendo prosseguir os autos para apreciação das restantes questões levantadas pela executada/embargante na sua oposição à execução.
*
Em face do resultado do tratamento da questão analisada, é de concluir pela obtenção de provimento do recurso interposto pela exequente/embargada.
***
III - Por tudo o exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida na parte em que concluiu pela ineptidão do requerimento executivo e absolveu a executada da instância executiva, devendo prosseguir os autos para apreciação das restantes questões levantadas pela executada/embargante na sua oposição à execução.
**
Custas da apelação pela recorrida (art. 527º, nºs 1 e 2, do C.P.C.).
*
Notifique.
**
Sumário (da exclusiva responsabilidade da relatora - art. 663º, nº 7, do C.P.C.):
………………………………
………………………………
………………………………
*
datado e assinado electronicamente
*
Porto, 22/2/2024
Isabel Ferreira
António Carneiro da Silva
Judite Pires