Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
7053/12.7TBVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE SEABRA
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
COLONOSCOPIA
RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA
RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
ILICITUDE
OBRIGAÇÃO DE MEIOS
OBRIGAÇÃO DE RESULTADO
CULPA
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RP201703277053/12.7TBVNG.P1
Data do Acordão: 03/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO,(LIVRO DE REGISTOS N.º 647, FLS. 417-443)
Área Temática: .
Sumário: I - Na prestação de serviços médicos por hospital privado, com escolha de médico pelo paciente, existe um vínculo contratual entre o hospital e o paciente e entre este último e o médico por si escolhido.
II - Em acto médico do qual resultaram danos na integridade física do paciente existe um concurso aparente entre a responsabilidade civil aquiliana ou extracontratual e a responsabilidade contratual; Ainda assim, o regime aplicável será o da responsabilidade contratual por ser, em regra, o que se apresenta como o mais favorável ao lesado/doente.
III - No âmbito de contrato de prestação de serviços médicos, com fins curativos ou terapêuticos, a obrigação do médico é, via de regra, uma obrigação de meios; Destarte, para a verificação do pressuposto de ilicitude não basta ao lesado demonstrar a não verificação ou a desconformidade do resultado almejado, sendo mister a demonstração de que o médico incumpriu as «leges artis» concretamente aplicáveis ao caso.
IV - Se a prestação de serviços médicos se reconduz à realização de um exame – colonoscopia -, sem fins curativos ou terapêuticos, é de considerar verificado o pressuposto da ilicitude quando a lesão sofrida (perfuração cólica) seja em altíssimo grau estranha ao cumprimento do fim do contrato (probabilidade inferior a 1%) e a sua gravidade resulte desproporcionada quando comparada com os riscos normais para o lesado, inerentes àquela concreta intervenção ou acto médico.
V - Nas sobreditas circunstâncias, o consentimento informado do doente (o conhecimento de risco de perfuração cólica) não exclui a ilicitude do acto médico, pois que o consentimento não abrange a lesão física perpetrada.
VI - Verificada a ilicitude, por força do preceituado no art. 799º, n.º 1 do Código Civil incumbe ao médico afastar a presunção de culpa, comprovando que os procedimentos adoptados eram os exigidos pelas «legis artis» aplicáveis ao caso ou que a lesão sobreveio por causa de força maior e/ou facto imputável ao lesado.
VII - A responsabilidade objectiva do Hospital devedor dos serviços de saúde decorre do princípio geral previsto no art. 800º do Código Civil, segundo o qual o devedor que, para efeitos de cumprimento, lança mão de auxiliares – daí retirando vantagens -, deve, em contrapartida, aceitar o risco pelos prejuízos causados a terceiros, a título de culpa (mesmo que presumida), pelos seus auxiliares.
VIII - Os actos dos auxiliares no cumprimento do contrato de prestação de serviços médicos (sejam eles dependentes ou independentes) são imputáveis ao devedor (Hospital) como se tivessem sido cometidos pelo próprio.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 7053/12.7TBVNG.P1 - Apelação
Origem: VN Gaia – Instância Central – 3ª Secção Cível – J3
Relator: Jorge Seabra
1º Adjunto Des. Sousa Lameira.
2º Adjunto Des. Oliveira Abreu
* *
Sumário:
I. Na prestação de serviços médicos por hospital privado, com escolha de médico pelo paciente, existe um vínculo contratual entre o hospital e o paciente e entre este último e o médico por si escolhido.
II. Em acto médico do qual resultaram danos na integridade física do paciente existe um concurso aparente entre a responsabilidade civil aquiliana ou extracontratual e a responsabilidade contratual; Ainda assim, o regime aplicável será o da responsabilidade contratual por ser, em regra, o que se apresenta como o mais favorável ao lesado/doente.
III. No âmbito de contrato de prestação de serviços médicos, com fins curativos ou terapêuticos, a obrigação do médico é, via de regra, uma obrigação de meios; Destarte, para a verificação do pressuposto de ilicitude não basta ao lesado demonstrar a não verificação ou a desconformidade do resultado almejado, sendo mister a demonstração de que o médico incumpriu as «leges artis» concretamente aplicáveis ao caso.
IV. Se a prestação de serviços médicos se reconduz à realização de um exame – colonoscopia -, sem fins curativos ou terapêuticos, é de considerar verificado o pressuposto da ilicitude quando a lesão sofrida (perfuração cólica) seja em altíssimo grau estranha ao cumprimento do fim do contrato (probabilidade inferior a 1%) e a sua gravidade resulte desproporcionada quando comparada com os riscos normais para o lesado, inerentes àquela concreta intervenção ou acto médico.
V. Nas sobreditas circunstâncias, o consentimento informado do doente (o conhecimento de risco de perfuração cólica) não exclui a ilicitude do acto médico, pois que o consentimento não abrange a lesão física perpetrada.
VI. Verificada a ilicitude, por força do preceituado no art. 799º, n.º 1 do Código Civil incumbe ao médico afastar a presunção de culpa, comprovando que os procedimentos adoptados eram os exigidos pelas «legis artis» aplicáveis ao caso ou que a lesão sobreveio por causa de força maior e/ou facto imputável ao lesado.
VII. A responsabilidade objectiva do Hospital devedor dos serviços de saúde decorre do princípio geral previsto no art. 800º do Código Civil, segundo o qual o devedor que, para efeitos de cumprimento, lança mão de auxiliares – daí retirando vantagens -, deve, em contrapartida, aceitar o risco pelos prejuízos causados a terceiros, a título de culpa (mesmo que presumida), pelos seus auxiliares.
VIII. Os actos dos auxiliares no cumprimento do contrato de prestação de serviços médicos (sejam eles dependentes ou independentes) são imputáveis ao devedor (Hospital) como se tivessem sido cometidos pelo próprio.
* *
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:
I - RELATÓRIO
1. B…, residente no Porto, intentou a presente acção contra “ Hospital C… “, com sede em …, e D…, com domicílio profissional no aludido Réu, peticionando, a final, a condenação solidária dos RR. no pagamento da quantia de €100.000,00, acrescida de juros de mora a contar da citação.
Para tanto, em síntese, invocou que foi submetida a intervenção médica levada a cabo pelo 2º Réu no âmbito de exame de colonoscopia, da qual resultou a perfuração de víscera oca e que lhe determinou que tivesse de ser operada com colocação de «saco» exterior para passagem das fezes.
Fruto da actuação do 2º Réu sofreu danos patrimoniais, descritos nos autos, no valor de €11.258,42, e, ainda, danos não patrimoniais, que também elenca, e que avalia em €90.000,00.
*
2. Citados, contestaram os RR., negando a sua responsabilidade no evento em apreço, solicitando, ainda, a intervenção principal das respectivas Companhias de Seguros, intervenção que foi, nesses termos, deferida, como consta do despacho a fls. 197-199 dos autos.

3. As aludidas Seguradoras ofereceram o seu respectivo articulado, impugnando a factualidade alegada e concluindo, a final, pela improcedência da pretensão da Autora.

4. Foi dispensada a realização de audiência prévia, lavrando-se despacho de saneamento, com fixação dos temas de prova.
Foram, ainda, admitidos os meios de prova oferecidos e requeridos pelas partes.

5. Realizado o julgamento foi proferida sentença que julgou improcedente a causa e absolveu os RR. do pedido.

6. Por decisão proferida a fls. 444-446, transitada em julgado, foram declarados habilitados como herdeiros da Autora (entretanto falecida), os seus filhos E…, F…, G… e H….
*
7. Inconformados com a sentença proferida vieram os habilitados, na posição da originária Autora, interpor recurso de apelação, deduzindo as seguintes:
CONCLUSÕES
1. A sentença recorrida enferma de erros relevantes na apreciação da prova produzida, além de erro de direito, não podendo ser mantida.
2. No que concerne aos erros na apreciação da prova, deve dar-se como provado que a Autora saiu do recobro não às 20 h, como vem referido na alínea 8) da matéria provada pela sentença, mas às 20 h e 30m, tal como resulta confessado pelo R. Hospital nos arts. 27º, 52º e 57º da sua contestação, ma sequência do alegado pela Autora em 8 da p.i., tudo em conformidade com as disposições constantes dos arts. 46º e 574º, n.º 2 do CPC.
3. No que toca à prova gravada, afiguram-se insuficientes os factos dados como provados sob a alínea 10), em face do depoimento prestado pela testemunha, filha da A., G… (minutos 7:10 a 7:37 do seu depoimento), donde se propõe que daquela alínea 10) passe a constar: “ Quando saiu do Réu Hospital, a Autora vinha com a barriga muito inchada, não conseguia andar sozinha, vindo pendurada primeiro na Enfermeira e posteriormente na sua filha e a queixar-se imenso de dores.”
4. Também deveria ser admitido, sob uma nova alínea, que: “ A Autora, que mora num 2º andar sem elevador, ao chegar a casa vinda do hospital e do exame, teve de ser transportada, de cadeirinha, pelo seu filho E… e pelo seu genro, conforme resulta do depoimento da testemunha E… (minutos 1: 30 a 2:28 do seu depoimento).
5. Quanto aos factos dados como provados sob a alínea 11) revelam-se este insuficientes, face à prova gravada (vide depoimento da testemunha E… – minutos 4:18 a 4:49), pelo que se propõe seja aditada àquela uma nova alínea com o seguinte teor: “ A Autora contactou telefonicamente, por volta das dezasseis horas do dia 16.03.2011, o Hospital C…, perguntando pelo Dr. D…, tendo-lhe sido dito que não estava de serviço, ao que pediu para falar com outro médico a quem se queixou de muitas dores, que tinha «duas barrigas» e muitas dores nas costas, tendo-lhe sido dito que se deitasse de barriga para baixo.”
6. Acresce que das declarações prestadas pelo R. Dr. D… (vide o seu depoimento a 1h 1m 5 s a 1h 2m 22s) deveria ser dada como provada a seguinte matéria: “ A análise clínica da doente feita pelo Réu Dr. D… no dia 15.03.2011 era sobreponível à análise clínica feita no I… e Hospital J…, respecivamente, no dia seguinte e na madrugada subsequente.
7. Deve finalmente aditar-se à matéria de facto uma outra alínea do seguinte teor: “ A prática do Hospital C… é a de que, havendo um contacto de um doente que reporte um evento de elevada importância na decorrência de um exame ou intervenção aí realizada, é desse facto informada a Direcção Clínica para pôr em marcha os procedimentos que se revelem do interesse da saúde do doente em causa (conforme factos relatados pela testemunha Dr. K…, Director Clínico-Adjunto do Hospital C… – minutos 5:55 a 6:25).
8. No que concerne aos factos não provados, não pode, em face do acima exposto, dar-se como tal os referidos sob as alíneas 2), 4) e 9), por estarem em directa contradição com os factos que nos termos acima referidos deverão dar-se como provados.
9. A sentença a quo, tendo embora entendido, e bem, que a situação dos autos se enquadra no âmbito da responsabilidade contratual, afirmou, no entanto, que competia à Autora alegar e provar factos que integrassem o incumprimento (facto ilícito), os nexos de imputação e de causalidade, bem como os prejuízos dele decorrentes (dano), ou seja, os pressupostos da obrigação de indemnizar, com excepção da culpa, cuja demonstração de inexistência impendia sobre os demandados.
10. Concluiu, porém, que embora não lhe ofereça dúvidas que a perfuração do cólon ocorreu no decurso do exame realizado a 15.03.2011 pelo Réu Dr. D… «não se vislumbra também qualquer outra actuação ilícita do Réu médico ou do Hospital […]».
11. Quando, no entender dos recorrentes, tal apreciação configura erro de direito, quanto à não verificação do pressuposto da responsabilidade civil (acto ilícito) que efectivamente corresponde à lesão corporal sofrida pela Autora, a referida perfuração do cólon.
12. Tendo sido dado como provado pela sentença a quo que a dita perfuração do cólon ocorreu durante e por causa da execução do contrato destinado à realização de um exame médico, terá de se concluir que ocorreu uma lesão da integridade física da Autora, não exigida pelo cumprimento do contrato, que configura a prática de um facto ilícito.
13. Como se lê no douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1.10.2015 (Processo 2104/05.4TGBPVZ.P.S1), disponível in www.dgsi.pt, proferido em caso análogo ao dos autos: “… a perfuração do intestino ocorreu durante e por causa da execução do contrato destinado à realização de um exame médico; independentemente de encontra a construção jurídica mais correcta, a verdade é que objectivamente ocorreu uma lesão da integridade física da A., não exigida pelo cumprimento do contrato; a ilicitude está verificada.”
14. E sugestivamente, continua o douto Acórdão, que vimos citando: “ Com esta afirmação quer-se dizer que, em si mesmo, o exame foi uma intromissão na integridade física, natural e necessariamente consentida pela Autora; assim sucederá, em regra, com os exames médicos. Mas esse consentimento prévio ou pretensão da autora não abrange a lesão em discussão.
15. Donde a douta sentença a quo, ao desconsiderar que a lesão da integridade física da Autora não corporizou, objectivamente, a prática de um acto ilícito «não exigida pelo cumprimento do contrato», violou o disposto no art. 798º do CC., não podendo ser mantida.
16. Além de que também se provou, ao contrário do sustentado na sentença a quo, ter havido um comportamento negligente dos RR. ao não ser relevado, pelo Dr. D…, durante o recobro (de cerca de 2 h e 30), os sinais que a Autora evidenciou logo à saída – de prostração, incapacidade de andar sozinha e dores intensas (depoimentos prestados pelos filhos da A., G… e E…) por comparação com a análise clínica feita à mesma sintomatologia pelos dois Hospitais que detectaram e confirmaram a referida lesão que, segundo o próprio R. D…, se sobrepuseram ao seu.
17. A que acresce, ainda, o facto de, ao contrário da prática assumida pelo R. Hospital em condições análogas (vide depoimento, assinalado, do Dr. K…), o contacto telefónico feito pela Autora para aquele Hospital no dia a seguir ao exame em causa – queixando-se de mau estar, prostração e dores nas costas – não ter sido valorizado, nem comunicado à Direcção Clínica daquele Hospital em ordem a que fossem tomadas ou aconselhadas as providências médicas requeridas pela situação reportada (vide depoimentos, assinalados atrás, do filho E…).
18. Donde quer a alta dada pelo R. Dr. D…, após o recobro, quer a desvalorização do R. Hospital das queixas apresentadas pela Autora no dia seguinte ao exame, configuram violação do dever de diligência a que os RR. estavam adstritos.
19. Tendo a douta sentença a quo considerado, e bem, que a culpa do devedor se presume, respondendo este pelo prejuízo causado ao credor, e que os RR. nem sequer invocaram factos que ilidissem aquela presunção, referindo apenas que não detectaram a existência da lesão.
20. Tendo, igualmente, sido dada como provada a existência de nexo de causalidade entre a lesão provocada na Autora e o exame realizado;
21. Tendo, finalmente, sido dados como provados abundantes danos sofridos pela A., quer de natureza patrimonial (vide alínea 36 dos factos provados), quer não patrimonial (abundantemente dados por provados na sentença, designadamente nas alíneas 26 e 29 a 35), não pode deixar de ser revogada a douta sentença a quo por erro de apreciação da matéria de facto e violação da lei aplicável (cfr. arts. 798º e 799º do Código Civil), condenando-se, em consequência, os RR., ora recorridos, no pagamento da indemnização peticionada no Tribunal a quo, com as demais legais consequências.
*
8. O Réu D… e as Intervenientes Seguradoras (“ L…, SA “, antes designada por “ M…, SA “, e “ N…, SA “) deduziram contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso em apreço, seja na sua vertente de facto, seja na sua subsunção jurídica, com a consequente confirmação da sentença recorrida.
*
9. Foram cumpridos os vistos legais.
*
10. Pelo recorrente Dr. D… foi junto aos autos parecer jurídico, que ora se admite, nos termos do art. 651º, n.º 2 do CPC.
*
II- FUNDAMENTOS:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso -cfr. cfr. arts. 635º, nº 3, e 639º, nsº 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, na redacção emergente da Lei n.º 41/2013 de 26.06 [doravante designado apenas por CPC].
No seguimento desta orientação, as questões a decidir no presente recurso são as seguintes:
a)- erro de valoração dos meios prova produzidos nos autos, com a consequente alteração da factualidade julgada provada e não provada pelo tribunal recorrido;
b)- erro de julgamento, com particular incidência no tema dos pressupostos da responsabilidade civil (médica) invocada nos autos.
*
II.I. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Os factos julgados provados pelo Tribunal de 1ª instância são os seguintes:
1 - A Autora nasceu a 19.01.1928.
2 - A Autora foi paciente do Réu D… que exerce as funções de médico gastrenterologista no Réu Hospital [Hospital C…] desde 1.03.1999.
3 - O Réu Hospital tem por objecto a prestação de cuidados de saúde.
4 - No dia 15.03.2011, pelas 17 horas, a Autora foi submetida a um exame de endoscopia digestiva baixa nas instalações do Réu Hospital pelo Réu D… em regime de consulta de acompanhamento.
5 - O Réu D… conhecia a situação clínica anterior da Autora.
6 - O exame em causa demorou cerca de 50 minutos.
7 - Uma colonoscopia, em média, num paciente cuja execução da mesma não comporte especial dificuldade, demora cerca de 15-20 minutos.
8 - A Autora, depois da realização do exame, foi para o recobro, de onde saiu pelas 20:00 horas.
9 - Não foram dadas à Autora, ao ser-lhe dada alta, recomendações médicas em concreto, nomeadamente quanto ao que deveria comer.
10 - Quando saiu do Réu Hospital, a Autora sentia desconforto na zona da barriga caminhando com a ajuda primeiro de uma enfermeira e depois da sua filha.
11 - No dia 16.03.2011, a Autora sentia desconforto na zona da barriga, com dores e mal-estar tendo, depois de ter telefonado de manhã para o Dr. O… e à tarde para o Réu Hospital, por volta das 23 horas deu entrada no então denominado Hospital Q…, actual Hospital S… onde realizou radiografia abdominal e toráxica, tomografia axial computorizada (TAC) ao abdómen e zona pélvica bem como exames hematológicos.
12 - Nesse Hospital Q… foi concluído que a Autora apresentava exuberante quantidade de ar livre intra-abdominal (intra e retro peritoneal) sugerindo perfuração de víscera oca, tinha pequena quantidade de líquido livre na cavidade pélvica, aspectos imagiológicos compatíveis com cirurgia cólica prévia.
Foi igualmente concluído que a Autora apresentava distensão abdominal e dor localizada nos quadrantes inferiores e que a radiografia abdominal não foi possível de interpretar mas que com a TAC se confirmou pneumoperitoeu.
13 - A pedido da Autora, esta foi encaminhada para o Hospital J…, onde foi internada no dia 17.03.2011, às 01h e 25 m, apresentando no serviço de urgência abdómen distendido, timpanizado, com dores à palpação difusa sem sinais de irritação peritoneal, tendo sido submetida a laparotomia, constatando-se perfuração cólica e realizou colostomia lateral sobre bagette.
14 - A Autora teve alta do Hospital J…, em 30.03.2011.
15 - Com o consentimento da Autora, esta foi admitida no Hospital T… no mesmo dia 30.03.2011 para realização de medidas de suporte e tratamento, por motivo de infecção e deiscência de ferida operatória (com evisceração contida), desnutrição e cuidados de manuseamento e colostomia derivativa, tendo alta a 9.04.2011, em condição estável, apirética, a tolerar dieta com reforço proteico e vitamínico, com necessidade de suporte de terceira pessoa para algumas actividades da vida diária e para a realização de pensos.
16 - Foi prevista na data da alta pelo Hospital T… um novo internamento de curto prazo para desbridamento cirúrgico da ferida operatória e enxerto de pele sendo considerada futura candidata a reconstrução do trânsito cólico e reparação da hérnia incisional.
17 - Em 12.04.2011, a Autora foi sujeita a cirurgia plástica pelo Dr. U… para fechamento da deiscência da pele mediante enxerto em rede tendo ficado internada depois dessa cirurgia até 18.04.2011.
18 - Em 2.11.2011, a Autora foi internada na T… para encerramento da colostomia, tendo aí ficado internada até 17.11.2011.
19- As operações cirúrgicas referidas em 13., 15., 17. e 18. Tiveram como causa directa a perfuração referida em 13. ocorrida no exame de colonoscopia de 15.03.2011.
20 - O Réu não referiu à Autora nem à filha que tinha ocorrido perfuração do cólon na realização do exame do dia 15.03.2011.
21 - A Autora, depois do exame, sentia desconforto e mal-estar abdominal, com a sensação de ter «duas barrigas» e sentir a barriga como «um tambor».
22 - No recobro, foi colocada uma sonda na Autora para a aliviar retirando o ar que tinha sido colocado no intestino, tendo a Autora passado a sentir-se melhor.
23 - Pessoal de enfermagem do Réu Hospital informou a filha da Autora que esta se encontrava no recobro em bom estado de saúde.
24 - O Réu D… realizou a 25.01.2010 um outro exame de colonoscopia digestiva baixa à Autora tendo-lhe detectado um tumor maligno.
25 - Antes dessa colonoscopia realizada em 2010, a 29.12.2009 o mesmo D… iniciou colonoscopia à Autora interrompendo-a por falta de preparação adequada do colon.
26 - Desde o fim do exame realizado pelo Réu D… a 15.03.2011 e até Abril de 2011 a Autora sentiu dores.
27 - Na operação realizada a 17.03.2011 no Hospital J…, ocorreu abertura do abdómen da Autora por uma anterior abertura cicatrizada.
28 - Com essa abertura, depois de cicatrizada, a Autora sentiu mais cansaço.
29 - Por força dessa abertura, a Autora passou a usar cinta que lhe causava desconforto e a nível estético a perturbou não usando roupas que permitissem que fosse vista a cicatriz, nomeadamente na praia.
30 - A Autora sentia-se desconfortável com o saco de colostomia que não aplicava sozinha, necessitando de ajuda de terceiros para o mudar, tendo mesmo rebentado por algumas vezes, incluindo de noite, implicando a toma de banho e mudança de roupa pessoal e de cama.
31 - Depois da intervenção cirúrgica do dia 17.03.2011 e até Novembro de 2011, a Autora ficou dependente de terceiros para se vestir e despir, tratar da sua higiene.
32 - O filho da Autora, que vive com a mesma, auxiliou-a, incluindo na mudança de saco, tomas de banho, mudança de roupa, dormindo inclusive a Autora no seu quarto durante algum tempo.
33 - Por usar saco de colostomia, a Autora sentiu-se diminuída, com perda de auto-estima e vergonha da sua situação, reduziu as suas saídas de casa e convivência com amigas.
34 - Antes da colocação de tal saco, a Autora era uma pessoa alegre, autónoma, que gostava de sair sozinha ou com amigas, fazia «Pilates», que se destinava também à melhora da sua escoliose.
35 - Depois da colocação do referido saco, a Autora deixou de praticar «Pilates».
36 - Por força da acima referida perfuração do colon, a Autora teve as seguintes despesas:
» 1.275,00€ – operação realizada a 12.04.2011;
» 300€ - serviços médicos prestados durante o internamento da operação realizada em 12.04.2011 pelo Dr. V…;
» 400€ - assistência hospitalar e realização de pensos à Autora no internamento ocorrido a 30.03.2011;
» 1.830,09€ - internamento na T1… pelo internamento de 12.04 a 18.04.2011;
» 60€ - consulta de cirurgia geral na T…;
» 2.753,25€ – internamento na T… de 2.11. a 7.11.2011;
» 2.000,00 € - pagamentos de actos médicos da cirurgia de 2.02.2011;
» 1€ em paracetamol, 12,60€ em vitaminas, 1,18€ em sabão, 0,61€ em compressas, 41,45€ (um saco de colostomia), 0,90€ em ligadura, 2,75€ em adesivo, 1,71€ em soro fisiológico, 3,40€ em compressas, 2,25€ em compressas, 2,25€ em compressas, 1,70€ em compressas, 15,82€ em medicamentos, 41,11€ em material ortopédico e/ou fisiátrico.
37 - A Autora conhecia os riscos inerentes à realização de um exame de colonoscopia, incluindo a possibilidade de perfuração, tendo-lhe sido transmitido em 29.12.2009, 25.01.2010 e 15.03.2011, informação relativa à realização dos exames.
38 - A Autora assinou em 15.03.2011, antes da realização do exame desse dia feito pelo Réu D…, um impresso do Hospital com o título «Consentimento Informado», onde a Autora assina uma declaração em que afirma compreender a explicação fornecida acerca do seu caso clínico e os riscos em causa, conforme consta a fls. 125 dos autos.
39 - Antes da realização do exame, foi enviado pelo Réu Hospital um e-mail à filha da Autora com as recomendações para a realização da colonoscopia.
40 - A duração do exame referida em 6. deveu-se à circunstância de se tratar de um colon anteriormente sujeito a uma operação de retirada de um tumor com necessidade de se insuflar mais ar do que em outras situações para facilitar a progressão do clonoscópio.
41 - O exame foi realizado com sedação geral da Autora.
42 - No decurso do exame não foi detectada a perfuração do colon, sem sinais de sangue no mesmo.
43 - O Réu D… tentou retirar a maior quantidade de ar possível na fase final do exame.
44 - Parte do ar que foi insuflado para o intestino delgado, aumentando a distensão do abdómen da Autora.
45 - Depois do exame, na sala de recobro, a Autora esteve sempre vigiada pelo anestesista e enfermeira.
46 - No recobro, o Réu D… analisou a Autora, apalpou-lhe o abdómen e referiu-lhe que tinha muito ar.
47 - No recobro, a Autora foi à casa de banho evacuar ar e revelou melhorias.
48 - A Autora comeu bolachas e bebeu chá no recobro e andou a pé ainda que com auxílio de terceiros.
49 - No recobro não foram detectados sinais de perfuração cólica, estando a tensão arterial da Autora estável e em valores adequados à idade desta, sem febre e sempre consciente.
50 - Tais sinais de perfuração cólica podem ser a presença de sangue na realização do exame, contratura abdominal, dor aguda, vómitos, febre, incapacidade de o doente se alimentar, levantar ou andar.
51 - Se o Réu D… tivesse detectado indícios de perfuração do cólon da Autora, não teria permitido a sua saída e determinava a realização de exames para o aferir e se fosse confirmada seria, em princípio, sujeita a intervenção cirúrgica.
52 - Depois da alta, a Autora não conseguiu falar com o Réu D… por telefone.
53- A taxa de perfuração cólica para colonoscopias diagnóstica está descrita como sendo da ordem dos 0,1 a 0,8%.
54 - A causa de uma perfuração do colon durante uma colonoscopia pode não derivar de incorrecta introdução ou manuseamento do aparelho ou excessiva introdução de ar, podendo ter origem em cólon estar em certos locais com processos aderenciais derivados de anteriores operações, a configuração do próprio colon (sua angulação) ou existirem segmentos cólicos isolados que podem conduzir a um aumento de pressão intracólica durante a colonoscopia.
55 - A perfuração do colon durante a colonoscopia pode iniciar-se com uma microfissura, pode a perfuração estar oculta nomeadamente por uma prega do intestino ou pela parede do mesmo.
56 - O Réu D… é um gastroenterologista conceituado, com mais de 30 anos de experiência, tendo realizado inúmeros exames como o realizado à Autora.
57 - Por contrato titulado pela apólice n.º ……….. foi transferida para a interveniente “ Companhia de Seguros N…, SA “ a responsabilidade civil imputável ao Réu Hospital por lesões materiais ou corporais causadas involuntariamente a pacientes ou terceiros em geral sendo os capitais contratados de 1.250.000,00 para «Responsabilidade Civil Exploração», com franquia de 10 %, sobre o valor do sinistro, com um mínimo de €250,00, 1.250.000,00 para «Responsabilidade Civil Profissional», com franquia de 10% sobre o valor do sinistro, com um mínimo de €1.000,00, conforme documento a fls. 221 a 234 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
58- Por contrato titulado pela apólice n.º ………….. foi transferida para a interveniente “ M…, SA “ a responsabilidade civil imputável ao Réu D… por danos causados a terceiros no exercício da sua profissão de gastroenterologista de €300.000,00 para «Responsabilidade Civil Exploração» e €600.000,00 para «Responsabilidade Civil Profissional», conforme documento a fls. 246 a 265 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
*
Por seu turno, com relevo para a decisão a proferir, o mesmo Tribunal de 1ª instância considerou não provados os seguintes factos:
2. O exame referido em 4) dos factos provados tenha durado até às 20:30 horas.
4. Quando a Autora saiu do Hospital estivesse com dores intensas na barriga.
9. Quando a Autora saiu do Hospital o seu abdómen estivesse anormalmente inchado e estivesse incapaz de andar sozinha.
* *
III- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.
*
A. Impugnação da Decisão de Facto.
A reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto, está subordinada à observância de determinados ónus que a lei adjectiva impõe ao recorrente.
Na verdade, a apontada garantia nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida na audiência final, impondo-se, por isso, ao recorrente, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, que proceda à delimitação com toda a precisão dos concretos pontos da decisão que pretende questionar, dos meios de prova, disponibilizados pelo processo ou pelo registo ou gravação nele realizada, que imponham, sobre aqueles pontos, distinta decisão, e a decisão que, no ver do Recorrente, deve ser encontrada para os pontos de facto objecto da impugnação, deduzindo a sua (própria) apreciação crítica da prova.
Neste sentido, preceitua, sob a epígrafe «ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto», o art. 640º, n.º 1 do CPC que «Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas
Por seu turno, ainda, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, sempre que «os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.»
Deve, assim, o recorrente, sob cominação de imediata rejeição do recurso [sem possibilidade de convite ao aperfeiçoamento do requerimento recursivo [1], delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão de facto que pretende questionar, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões [2], motivar o seu recurso através da indicação dos meios de prova constantes dos autos ou que neles tenham sido registados e que impõem decisão diversa quanto a cada um dos factos, e relativamente aos pontos da decisão de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, cumpre-lhe, ainda, indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes, sem prejuízo da transcrição (facultativa) de tais excertos.

Por outro lado, ainda, terá o recorrente de deixar expressa a decisão que, no seu entendimento, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação, tendo em conta a (sua) apreciação crítica dos meios de prova produzidos.[3]
Quanto à observância dos aludidos ónus, como salienta A. ABRANTES GERALDES, o seu cumprimento deve ser apreciado «à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo
Feitas estas considerações, no caso dos autos, os apelantes invocam expressamente quais os pontos de facto sobre cuja decisão discordam em face do decidido pelo Tribunal Tribunal Recorrido, indicam a decisão que, na sua perspectiva, deveria este último Tribunal adoptado nos segmentos em crise, assim como indicam os meios probatórios que sustentam ou justificam a sua discordância e imporiam, na sua perspectiva, decisão diversa da proferida e, ainda, quanto à prova pessoal [que foi objecto de gravação em audiência de julgamento] indicam as passagens exactas do respectivo registo fonográfico e o sentido que se colhe dos depoimentos em tais passagens da gravação.
Recorde-se, nesse conspecto, que o recorrente não está actualmente obrigado a efectuar a transcrição dactilografada das passagens da gravação, sendo essa sua opção facultativa. Esta outra solução legislativa remonta já ao DL n.º 183/2000 de 10.08, onde a exigência de transcrição dos depoimentos [introduzida em 1995] foi substituída pela indicação dos depoimentos por referência ao assinalado na acta de audiência de julgamento, nos termos que ficaram então a constar dos arts. 690º-A, n.º 2 e 522º-C, n.º 2 do anterior CPC.
Destarte, é de considerar que apelantes observaram na íntegra os ónus de impugnação da decisão de facto, em razão do que, do ponto de vista adjectivo, nada obsta ao seu conhecimento.
Nesta sede, os pontos de facto postos em crise pelos apelantes são os seguintes:
1º O ponto n.º 8 dos factos provados na sentença recorrida dever ser alterado, dele passando a constar que a Autora saiu do recobro às 20 h e 30m e não, como ali consta, às 20 h. Em abono de tal divergência invocam os apelantes a confissão de tal matéria de facto por parte do Hospital Réu nos seus arts. 27º, 52º e 57º da sua contestação e perante o alegado no art. 8º da petição inicial;
2º O ponto n.º 10 deverá ser alterado dele passando a constar que «Quando saiu do Réu Hospital, a Autora vinha com a barriga muito inchada, não conseguia andar sozinha, vindo pendurada primeiro na Enfermeira e posteriormente na sua filha e a queixar-se imenso de dores.» Em abono de tal divergência invocam os apelantes o depoimento da testemunha e filha da Autora, G….
Por outro lado, em função das respostas que, na sua perspectiva, deveriam ter merecido os pontos n.º 8 e n.º 10 dos factos provados - antes expostas -, os pontos n.ºs 2., 4. e 9. do elenco dos factos não provados [acima transcritos] na sentença recorrida deveriam ser eliminados.
3º Deveria ter-se como assente, em nova alínea, que «A Autora, que mora num 2º andar sem elevador, ao chegar a casa vinda do Hospital e do exame teve de ser transportada, de «cadeirinha», pelo seu filho E… e pelo seu genro.» Em abono de tal divergência invocam os apelantes o depoimento da testemunha e filho da Autora, E….
4º Quanto ao facto provado sob o n.º 11 deveria ali ter-se como provado que «A Autora contactou telefonicamente, por volta das 16 horas do dia 16.03.2011, o Hospital C…, perguntando pelo Dr. D…, tendo-lhe sido dito que não estava de serviço, ao que pediu para falar com outro médico a quem se queixou de muitas dores, que tinha «duas barrigas» e muitas dores nas costas, tendo-lhe sido respondido que se deitasse de barriga para baixo.» Em abono desta sua discordância, invocam os apelantes o citado depoimento da testemunha E….
5º Deveria ter sido dada como provado que «A análise clínica da doente feita pelo Réu D… no dia 15.03.2011 era sobreponível à análise clínica feita pelo I… e no Hospital J…, respectivamente no dia seguinte e na madrugada subsequente.» Em abono da prova de tais factos invocam os apelantes as declarações prestadas pelo Dr. D… em audiência de julgamento.
6º Por último, ainda, deveria também ter-se como provado que «A prática do Hospital C… é a de que, havendo um contacto de um doente que reporte um evento de elevada importância na decorrência de um exame ou intervenção ali realizada, é desse facto informada a Direcção Clínica para pôr em marcha os procedimentos que se revelem do interesse da saúde do doente em causa.» Em abono da prova de tais factos invocam os apelantes o depoimento da testemunha Dr. K…, Director Clínico-Adjunto do Hospital C….
Decidindo.
Além dos pressupostos adjectivos a que se encontra sujeita, a montante, a título de ónus impostos ao respectivo recorrente, e sobre os quais já antes tivemos oportunidade de nos pronunciarmos, a impugnação da decisão de facto encontra-se, ainda, sujeita, já a jusante, a um outro tipo de condicionalismo ou limitação que se pode designar por material ou substantiva.
Com efeito, como é consabido, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, visa, em primeira linha, alterar o sentido decisório sobre determinada materialidade que se considera incorretamente julgada. Mas este instrumento processual não constitui um fim em si mesmo, sendo certo que a reapreciação da decisão de facto proferida pelo Tribunal recorrido não visa, a pura e simples, repetição, perante o Tribunal de recurso, das audiências de julgamento.
De facto, aquela reapreciação tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o Tribunal recorrido considerou provada ou não provada, para que, em face da nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que, afinal, existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu. A sua efectiva finalidade é, portanto, conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante ao nível da decisão proferida.
Por conseguinte, se, por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente para efeitos decisórios.
Quer isto dizer, conforme, aliás, vem sendo recorrentemente entendido pela jurisprudência, que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e ao quadro normativo aplicável, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente ou inútil.[4]
Neste sentido, se pronuncia ABRANTES GERALDES, quando escreve que «… de acordo com as diversas circunstâncias, isto é, de acordo com o objeto do recurso (alegações e, eventualmente, contra-alegações) e com a concreta decisão recorrida, são múltiplos os resultados que pela Relação podem ser declarados quando incide especificamente sobre a matéria de facto. Sintetizando as mais correntes: (…) abster-se de conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto quando os factos impugnados não interfiram de modo algum com a solução do caso, designadamente por não se visionar qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação que o recorrente pretende operar no leque de factos provados ou não provados.» [5] [sublinhados nossos]
Ora, no caso vertente, como emerge da exegese do acto decisório sob censura e do próprio “ thema decindendum “ definido pelas partes através da delimitação do objecto do processo (em função da causa de pedir e do pedido) e do próprio objecto do presente recurso (definido pelas alegações e contra-alegações), a questão centra-se nos pressupostos da responsabilidade civil profissional/médica do Réu D… (e, por extensão, do próprio Hospital Réu) no âmbito do acto médico levado a cabo na pessoa da Autora, pressupostos estes que o Tribunal recorrido julgou não estarem verificados, o que merece a discordância dos ora apelantes.
Como assim, neste contexto, considerando a factualidade provada e a factualidade não provada constante da sentença recorrida e posta em crise pelos apelantes, e como melhor se evidenciará do nosso julgamento jurídico da causa, as concretas questões de facto suscitadas pelos apelantes no âmbito da impugnação da decisão de facto são, a nosso ver, irrelevantes, pois que em nada contendem com a solução jurídica do pleito, não exercendo sobre a mesma qualquer efeito útil, seja prejudicando ou alterando o sentido decisório que se nos afigura caber ao presente pleito.
Consequentemente, tendo em conta os concretos elementos objetivos da instância, em especial a factualidade já dada como assente (e não impugnada) e, ainda, a solução jurídica que, a nosso ver, decorre do quadro normativo aplicável, a reapreciação, nesta sede, da concreta facticidade invocada pelos apelantes [e que, como é consabido, delimita a intervenção do Tribunal ad quem] sempre configuraria e postulava da parte deste Tribunal a realização de uma actividade cognitiva judicial de todo inútil, logo não exigível à luz do princípio da limitação dos actos que rege nesta matéria - cfr. art. 130º do CPC.
Destarte, no caso sub judice, não há, pois, que apreciar a impugnação de facto referente aos mencionados factos ou afirmações de facto, posto que o seu conhecimento se revela espúrio e desnecessário para a decisão do presente recurso.
*
B. Responsabilidade Civil Médica:
B1. Responsabilidade Civil – Natureza – Obrigações de Meios/Resultado – Ilicitude – Culpa.
Como resulta da factualidade provada, a Autora foi paciente do Réu Dr. D…, que exerce a sua activividade profissional de médico gastroenterologista na unidade hospitalar “ Hospital C… “, unidade esta que tem precisamente por objecto a prestação de cuidados de saúde ao público que, para tal, a procura.
Neste contexto, e para fins de diagnóstico, ou seja «em regime de consulta de acompanhamento», a Autora procurou aquele Hospital e especificamente o Réu Dr. D… [que, aliás, já tinha efectuado anteriores exames de colonoscopia na pessoa da Aurora] para a prestação de cuidados de saúde, mais concretamente para a realização de exame de endoscopia digestiva baixa, exame a que, assim, a mesma Autora aceitou submeter-se, e que veio a ter lugar a 15.03.2011, pelas 17 horas.
Por conseguinte, face à dita factualidade elencada, é incontroverso, a nosso ver, que a relação estabelecida entre a Autora e os RR., seja o Réu Dr. D…, seja o Réu Hospital C…, se situa no domínio da responsabilidade civil contratual, como é, aliás, no sobredito circunstancialismo, entendimento dominante da doutrina e da jurisprudência.
Com efeito, é posição praticamente pacífica que a responsabilidade médica tem, em princípio, natureza contratual, na medida em que o médico ou a entidade (privada) prestadora de cuidados médicos e doente estão, no comum dos casos, ligados por um contrato marcadamente pessoal, de execução continuada e, por via de regra, sinalagmático e oneroso. [6]
O médico, em consultório privado, ou o estabelecimento particular que preste serviços de saúde, através de profissionais contratados para o efeito, como é o caso da Ré “ Hospitais C… “, aceita prestar ao doente, que o procura para o efeito, a assistência de que necessite, mediante acordo, pagando este, por seu lado, a retribuição que for devida, muito embora este pagamento não seja elemento essencial da aludida relação contratual.
Na verdade, pelo simples facto de o médico ter o seu consultório privado aberto ao público ou a entidade privada prestadora de serviços de saúde estar aberta ao público, encontram-se ambos, perante o paciente que assim ali se dirige, numa situação de proponente contratual.
Por seu turno, o doente que aí se dirige, necessitando de cuidados médicos ou assistência médica e internamento, e optando por um médico determinado, está a manifestar a sua aceitação de tal proposta contratual.
Como refere, neste sentido, MIGUEL TEIXEIRA de SOUSA, a responsabilidade civil médica é contratual «quando existe um contrato, para cuja celebração não é, aliás, necessária qualquer forma especial, entre o paciente e o médico ou uma instituição hospitalar e quando, portanto, a violação dos deveres médicos gerais representa simultaneamente um incumprimento dos deveres contratuais». [7]
Ora, a factualidade precedentemente elencada é, em nosso julgamento, por si só, bastante para que possa dizer-se, com segurança, que estamos em face de um contrato consensual celebrado entre a Autora e os Réus Hospital e médico Dr. D…, que lhe prestaram os consequentes serviços de saúde, actuando, pois, este último [médico] enquanto auxiliar no cumprimento de tais serviços de saúde colocados à disposição pelo Hospital, e sendo que, como se referiu, não é exigível uma qualquer forma mais ou menos solene para a celebração de tal acordo de vontades.
Como assim, juridicamente, a relação médico-doente ou a relação instituição particular prestadora de cuidados de saúde-doente deverá ser enquadrada na figura conceitual do contrato – negócio jurídico constituído por duas ou mais declarações de vontade, de conteúdo oposto, mas convergente, ajustando-se na comum pretensão de produzir resultado unitário, embora com um significado para cada parte.
E isto porque se verificam, aqui, todos os seus elementos: - de um lado, a manifestação da vontade do doente no sentido de lhe ser prestada assistência médica, com os respectivos serviços de internamento e/ou acompanhamento por profissionais de saúde, e/ou de ser observado e tratado pelo médico no seio de instituição hospitalar; do outro, a aceitação, por parte destes últimos, desses encargos, comprometendo-se a desenvolver a actividade idónea para atingir essa mesma finalidade convergente. [8]
É certo, diga-se, que, nesta matéria, a nossa mais recente jurisprudência tem reiteradamente afirmado que, se no caso confluírem a violação de um direito subjectivo absoluto (saúde ou integridade física) e a violação de deveres contratuais emergente do contrato de prestação de serviços médicos, se pode colocar a possibilidade de concurso entre o quadro normativo da responsabilidade contratual e da responsabilidade extracontratual, assistindo, pois, ao paciente/lesado a faculdade de aproveitar as soluções de cada regime (responsabilidade contratual ou responsabilidade extracontratual), conforme lhe aprouver e se mostre, em concreto, mais vantajoso para a salvaguarda dos seus interesses.[9]
Neste sentido, como se refere no AC STJ de 22.09.2011, «estando em causa direitos absolutos, como de integridade física, põe-se a questão de saber se não concorrem na negligência médica a responsabilidade contratual e a extracontratual. (…) [e]xiste, por isso, um concurso aparente de normas, que deve ser resolvido pela prevalência da responsabilidade contratual, por ser a mais adequada para a defesa dos interesses do lesado.» [10]
Como assim, sem prejuízo de tal concurso da responsabilidade extracontratual e contratual, a doutrina e a jurisprudência sempre considera este último regime como o aplicável por se mostrar «mais conforme ao princípio geral da autonomia privada e por ser, em regra, mais favorável ao lesado.»
Com efeito, este último regime mostra-se mais favorável ao lesado não só em matéria de culpa (pois que, ao contrário do que sucede na responsabilidade extracontratual – art. 487º, n.º 1 do Cód. Civil -, se presume a culpa do devedor – art. 799º do Cód. Civil), como, ainda, em matéria de prazo de prescrição (que, em matéria de responsabilidade contratual, é de vinte anos, ao passo que no âmbito da responsabilidade extracontratual é, via de regra, de três anos – arts. 309º e 498º, n.º 1 do Cód. Civil), ou, ainda, em matéria de responsabilidade por actos de auxiliares, atenta a diversidade de regimes (e de prova) que resulta do preceituado nos arts. 500º [aplicável em sede de responsabilidade extracontratual] e 800º [aplicável em sede de responsabilidade contratual], ambos do Cód. Civil.[11]
Destarte, e para concluir, quanto à natureza da responsabilidade médica deverá ter-se por assente que a mesma assume, pois, via de regra, a natureza de responsabilidade contratual, consumindo a responsabilidade extracontratual que poderá também concorrer no caso, posição que, no caso vertente, se perfilha, sendo certo que, «in casu», além da questão do incumprimento contratual (na perspectiva de cumprimento defeituoso) se coloca, ainda, a questão da ofensa da integridade física da Autora, atenta a comprovada perfuração do cólon desta última e das subsequentes complicações ao nível da sua saúde.
Certo é, porém, não obstante este excurso, que, como é consabido, os pressupostos da responsabilidade extracontratual coincidem, no essencial, com os da responsabilidade contratual.
Com efeito, para além das diferenças de regime substantivo antes assinaladas a ambas as modalidades da responsabilidade civil «lato sensu», em ambas se exigem como pressupostos: - um facto voluntário e ilícito do médico, culposo, que cause danos ao paciente e, ainda, a existência de um nexo de causalidade (adequada) entre esse facto e o dano que lhe sobreveio.[12]
No caso vertente, não cremos que se suscitem quaisquer dúvidas quanto aos pressupostos atinentes ao facto voluntário e ao dano e ao nexo causal que intercede entre ambos.
De facto, tendo a Autora sofrido, no decurso da colonoscopia efectuada a 15.03.2011 pelo Réu Dr. D…, nas instalações do Hospital Réu, uma perfuração do colon, perfuração esta que exigiu, para que fosse debelada, a realização das demais intervenções cirúrgicas de que dão conta os autos [cfr. factos provados em 4., 13., 15., 17., 18. e 19. da sentença recorrida], temos por evidente que estes pressupostos se mostram totalmente preenchidos ou verificados, sendo, pois, indiscutíveis.
Com efeito, sendo de acolher, à luz do nosso ordenamento civil e do art. 563º do Cód. Civil, a noção de causalidade adequada, na sua vertente negativa, isto é, em que o facto que atuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se se mostrar, num juízo de prognose póstuma, e à luz das circunstâncias concretas conhecidas pelo agente, de todo indiferente para a verificação do dano, tendo-o provocado apenas por virtude de circunstâncias excepcionais, anormais ou extraordinárias [13], segura se nos apresenta a afirmação de que a causa (adequada) dos danos que sobrevieram à Autora e que exigiram as posteriores intervenções e internamentos sofridos pela mesma reside na perfuração cólica ocorrida na realização da colonoscopia ora em apreço.
A questão essencial, assim, centra-se, como aliás resulta da sentença recorrida e das alegações e contra-alegações nesta instância, no âmbito do requisito da ilicitude, enquanto pressuposto da responsabilidade civil contratual médica.
Nesta matéria, como se colhe de forma evidente da sentença recorrida, a responsabilidade dos RR. nos presentes autos foi afastada por não ter a Autora logrado provar relativamente aos RR. Dr. D… ou Hospital a violação das «leges artis» ou a postergação do dever geral de cuidado a cargo de ambos, como elementos integradores da ilicitude, partindo-se, ainda, do pressuposto da existência de uma obrigação de meios, que não de resultado.
Neste sentido, escreve-se na sentença recorrida «… não conseguimos detetar que tenha sido praticado um ato ilícito (violação de um dever jurídico, dos deveres principais ou acessórios que se impunham) seja pelo médico que realizou o exame seja pelo Hospital onde o exame se concretizou.
Tratou-se de um risco próprio do exame que se concretizou na Autora mas que não demonstra que tenha havido um ato médico errado.
Não se provando a ilicitude, já não é possível censurar civilmente os Réus a qualquer título pelo que se conclui pela improcedência da presente acção
Vejamos.
A inexecução da prestação contratual, como violação do contrato, é um acto ilícito, elemento integrante da responsabilidade contratual.
No domínio desta responsabilidade, como já antes se referiu, presume-se a culpa, mas, na falta de norma que o permita, o mesmo não acontece relativamente aos restantes requisitos da responsabilidade civil, designadamente a ilicitude.[14]
Deste modo, quando o médico privado ou a entidade privada prestadora de cuidados de saúde, por causa que lhe seja imputável, não efectue, ou efectue defeituosamente, a prestação de cuidados a que se obrigou, causando danos ao doente, credor dessa prestação, por regra, constitui-se na obrigação de reparar o prejuízo causado – cfr. arts. 798º e 562º, ambos do Cód. Civil.
Como assim, é preciso que o facto do não cumprimento (acção ou omissão) se revista de ilicitude, a qual, no domínio da responsabilidade contratual, se traduz numa relação de desconformidade entre o comportamento devido, que seria necessário para a realização da prestação devida, e o comportamento tido pelo agente (art. 762º do Cód. Civil).
Para além desta desconformidade em que se traduz a ilicitude, é necessário, ainda, que o devedor tenha actuado com culpa, isto é, de forma subjectivamente censurável; Em termos gerais, ter agido culposamente significa ter o devedor actuado de tal forma que a sua conduta lhe deva ser pessoalmente censurada e reprovada. A conduta do lesante é reprovável, quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas do caso, se conclua que ele podia e devia ter agido de outro modo.
Esta censura pode ter lugar a título de dolo ou sob a forma de negligência.
O dolo implica uma adesão consciente da vontade do devedor ao não cumprimento da obrigação. O devedor sabe que a sua conduta activa ou omissiva provocará o não cumprimento da obrigação e, mesmo assim, não a modifica, porque quer ou aceita esse resultado. Na culpa sob a forma de negligência, a censura funda-se na circunstância de o devedor não ter agido com o cuidado, com a diligência, com o zelo exigíveis para executar a conduta que é necessária ao cumprimento do seu dever contratual.
No que se refere em específico aos médicos, o que, logicamente, é extensível às próprias unidades privadas de prestação de cuidados de saúde em geral, pode afirmar-se que eles «estão obrigados para com os seus doentes, quer pelos específicos deveres que resultam do contrato com eles celebrado, quer de um genérico dever de cuidado e tratamento que a própria deontologia profissional lhes impõe. Espera-se dos médicos, enquanto profissionais, que dêem provas de um razoável e meridiano grau de perícia e competência (…). Sempre que tal perícia e cuidado não são postos em prática, em termos de ser prestado um tratamento errado ou ser omitido o tratamento adequado, estamos perante uma actuação negligente.» [15]
O médico ou a entidade prestadora de cuidados de saúde deve, pois, exercer a sua actividade ou profissão com o maior respeito pelo direito à saúde dos doentes e da comunidade e deve ter sempre um comportamento profissional adequado à dignidade da sua profissão, obrigando-se – quando aceite o encargo ou tenha o dever de atender um doente – à prestação dos melhores cuidados ao seu alcance, agindo com correcção e delicadeza, no exclusivo intuito de promover ou restituir a saúde, suavizar os sofrimentos e prolongar a vida, no pleno respeito pela dignidade do ser humano. Por outras palavras: deve ter sempre o cuidado de conservar a vida humana, estando obrigado a prestar ao doente os cuidados de saúde ao seu alcance, de acordo com os seus conhecimentos e o estado actual da ciência médica, por forma a preservar-lhe, na medida que seja possível, a saúde.
O cumprimento de tais deveres reporta-se, como é bom de ver, sobretudo com as denominadas «leges artis», entendidas estas como o conjunto de regras da arte médica, isto é, das regras reconhecidas pela ciência médica em geral como as apropriadas à abordagem de um determinado caso clínico, na concreta situação em que tal abordagem ocorre.
Neste mesmo sentido, refere VERA LÚCIA RAPOSO, que as «leges artis» se traduzem nos métodos e procedimentos, comprovados pela ciência médica, que dão corpo a «standards» contextualizados de actuação, aplicáveis aos diferentes casos clínicos, por serem considerados pela comunidade científica como os mais adequados e eficazes.» [16]
Em face das precedentes considerações, dir-se-á, pois, que ter o médico ou a unidade de prestação de cuidados de saúde agido culposamente significa que, perante as circunstâncias concretas do caso, podia e devia ter actuado de modo diferente. Diversamente, a actuação já não será culposa quando, consideradas essas mesmas circunstâncias, ele não possa ser reprovado ou censurado por ter actuado como actuou.
O ponto de partida para qualquer acção de responsabilidade por prestação de serviços de saúde ou médicos é, pois, o da desconformidade da concreta actuação do agente no confronto com aquele padrão de conduta medianamente profissional que um médico ou um profissional da área da saúde medianamente competente, prudente e sensato, com os mesmos graus académicos e/ou profissionais, teria tido em circunstâncias semelhantes, na mesma data. Este padrão de conduta será, no entanto, mais exigente se o médico é um especialista na área respectiva ou lhe é reconhecida uma especial competência técnica.
Assim, em tese geral, a culpa deve ser apreciada pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso, nos termos do art. 487º, nº 2, aplicável ex vi do art. 799º, nº 2, ambos do Cód. Civil, o que significa que se trata de uma apreciação não em concreto, tendo em vista o comportamento habitual do lesante, mas sim em abstracto.
Destarte, para se averiguar se o agente agiu com culpa, compara-se a sua conduta com a que teria um bom pai de família, que é um homem totalmente abstracto. Mas no funcionamento ou aplicação prática do critério, releva fazer a distinção entre circunstâncias externas e internas e indagar como teria procedido um bom pai de família colocado nas mesmas circunstâncias externas e só nessas em que procedeu o agente; Se um bom pai de família, nas mesmas circunstâncias concretas externas, tivesse procedido de outro modo, a conduta do agente será errada e haverá culpa.
Como tal, também no domínio da responsabilidade por prestação de cuidados de saúde ou responsabilidade médica a culpa, em geral, é aferida pelo zelo, pelas qualidades, pelo discernimento que, em cada caso concreto, teria tido um médico ou outro profissional desta área, normalmente competente e cuidadoso, um profissional que, sem ter de ser excepcionalmente competente, atinja, pelo menos, o nível médio dos da sua classe.
Daí que deva agir de acordo com o cuidado, a perícia e os conhecimentos compatíveis com os padrões por que se regem os médicos sensatos, razoáveis e competentes do seu tempo», exigindo-se-lhe que actue com aquele grau de cuidado e competência que é razoável esperar de um profissional do mesmo ofício, agindo em semelhantes circunstâncias.
Por conseguinte, actuará com negligência, cumprindo defeituosamente a sua obrigação, o médico ou instituição prestadora de cuidados de saúde que não exercite todo o seu zelo, nem ponha em prática toda a sua capacidade técnica e científica na execução das suas tarefas para proporcionar a cura ao doente ou para lhe proporcionar os serviços acordados.[17]
No tocante, ainda, ao apuramento do incumprimento, importa destrinçar, também, no domínio específico da responsabilidade civil médica, a obrigação de meios e a obrigação de resultado.
Com efeito, não obstante o interesse desta distinção ser cada vez mais objecto de reservas por parte da doutrina e da jurisprudência [sustentando-se que, mesmo nas obrigações de meios, sempre existe a vinculação a uma prestação e a um fim, correspondente ao interesse do credor [18], certo é que, a nosso ver, no domínio da responsabilidade civil médica, a aludida distinção assume particular relevo.
Segundo a aludida classificação, nas prestações de resultado, o devedor vincular-se-ia efectivamente a obter um resultado determinado, respondendo por incumprimento se esse resultado não fosse obtido. Nas prestações de meios, o devedor não estaria obrigado à obtenção do resultado, mas apenas a actuar com a diligência necessária para que esse resultado seja obtido, não respondendo, pois, pela não obtenção do resultado, desde que lograsse demonstrar ter empregue todo seu melhor empenho ou diligência para o obter, ainda que fracassando na consecução do resultado almejado.
Como refere L. MENEZES LEITÃO, op. e loc. cits., «o interesse da distinção, em termos de regime, resulta na forma de estabelecimento do ónus da prova. Nas obrigações de resultado, bastaria ao credor demonstrar a não verificação do resultado para estabelecer o incumprimento do devedor, sendo este que, para se exonerar de responsabilidade, teria que demonstrar que a inexecução é devida a uma causa que não lhe é imputável. Pelo contrário, nas prestações de meios não é suficiente a não verificação do resultado para responsabilizar o devedor, havendo que demonstrar que a sua conduta não correspondeu à diligência a que se tinha vinculado.»
Ora, temos por inquestionável que a execução de um contrato de prestação de serviços médicos consubstancia, por regra, uma obrigação de meios, embora possa, em alguns casos, excepcionais, assumir-se como uma obrigação de resultado. [19]
Com efeito, «o corrente, na prática, é o acto médico envolver da parte do médico, enquanto prestador de serviços que apelam à sua diligência e ciência profissionais, a assunção de uma obrigação de meios».
Neste sentido, é «communis oppinio» na doutrina e na jurisprudência que a obrigação contratual assumida pelo médico é, em princípio, uma obrigação de meios, pois que o simples facto de o doente não ter obtido a cura que almejava (e que o médico procurou alcançar com recurso às melhores técnicas e sua melhor diligência/prudência) não prova a responsabilidade do médico, cabendo àquele demonstrar que o processo que visava obter a cura não foi conduzido com a adequada diligência, isto é, foi levado a cabo com violação das regras ou procedimentos que a ciência médica tem, à data da intervenção ou do tratamento aplicado, como adequados ao caso específico - «leges artis».
A obrigação do médico, em termos gerais, consiste, de facto, em prestar ao doente os melhores e mais adequados cuidados ao seu alcance, de acordo com a sua aptidão profissional e em conformidade com as «leges artis» e os conhecimentos científicos actualizados e comprovados ao tempo da prestação, no intuito de lhe restituir a saúde, suavizar o sofrimento e salvar ou prolongar a vida. Nesta fórmula ampla se compreende toda a actividade profissional, intelectual ou técnica que tipicamente se pode designar por «acto médico.»[20]
Dito de outro modo: o médico não assegura, nem pode assegurar, ao menos em princípio, a cura da enfermidade do paciente, tanto mais que tal cura não depende, apenas, de intervenção médica, mas também de vários factores endógenos e exógenos, entre os quais relevam, designadamente, a resistência do doente, a sua capacidade de regeneração e o estado geral do seu organismo.
Então, o médico erra não quando não atinge o resultado da cura ou da atenuação do mal ou do sofrimento do paciente, mas quando não utiliza com diligência, perícia e consideração as técnicas e conhecimentos reconhecidos pela ciência médica, para o concreto caso clínico, que definem, em cada momento, as «leges artis».
Como assim, incumbirá, pois, ao doente, na ausência de uma qualquer presunção de ilicitude – que não existe, pois que a presunção se refere apenas e só à culpa (art. 799º, n.º 1 do Cód. Civil) - o «burden of proof» da invocada inexecução contratual por parte do médico, através da demonstração da violação, no caso em apreço, das «leges artis» aplicáveis, demonstração esta que, enquanto elemento constitutivo do instituto da responsabilidade civil (contratual) imputável ao médico ou à entidade prestadora de serviços médicos, lhe incumbe fazer.

Foi este, aliás, o posicionamento do Tribunal recorrido, como já se referiu, no seguimento daquela que é a posição pacífica do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito das intervenções médicas com fim curativo ou terapêutico.[21]
Todavia, não pode este Tribunal perfilhar o entendimento sufragado pelo Tribunal recorrido, pois que, segundo cremos, ele parte do equívoco de que a situação dos autos se integrará na denominada intervenção médica para fins terapêuticos ou curativos, quando, a nosso ver, tal não sucede no caso vertente.
De facto, como se alcança da factualidade provada, a ora Autora não efectuou o exame de endoscopia digestiva baixa ou colonoscopia para um qualquer fim terapêutico ou curativo, isto é para debelar ou minorar com tal exame algum problema de saúde de que padecesse, mas antes em regime de consulta de acompanhamento. (ponto 4. da factualidade provada).
Dito de outra forma, a Autora efectuou o aludido exame de colonoscopia para posterior análise dos seus resultados (que se presume, lhe foram entregues) e, eventual, mas posterior, terapia ou tratamento médico, a partir dos aludidos resultados a assim obter.
De facto, nesta sede, segundo cremos, será mister distinguir a intervenção curativa ou assistencial (em que a mesma, de per si, constitui o meio necessário do ponto de vista da cura de uma doença ou de um problema de saúde do paciente, antes determinado por meio de diagnóstico) de um exame, que se esgota em si mesmo enquanto meio de diagnóstico, para através da sua análise e interpretação, ser possível determinar a doença ou enfermidade de que padece o doente, tendo em vista o seu posterior tratamento.

Com efeito, como se refere no AC STJ de 12.03.2015, antes citado, o diagnóstico consiste na determinação da enfermidade do paciente, na análise das suas características e causas, com vista a alcançar um conhecimento sobre o estado do doente, o mais amplo possível à utilidade que visa, quer se trate de medicina curativa ou de medicina preventiva, ou seja, destina-se a conhecer ou determinar “uma doença pelos sintomas e ou mediante exames diversos (radiológicos, laboratoriais) “, constituindo, pois, tais exames um resultado em si mesmo, ainda que o seu fim seja permitir, com plena informação, uma posterior actuação curativa ou assistencial sobre o paciente.
Em suma, e abreviando, como se refere no douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1.10.205, citado pelos apelantes, e cuja lição ora se segue – não obstante as críticas que lhe são endereçadas no douto parecer junto aos autos pelo apelado - em que estava em causa – como ora sucede - a realização de um exame de colonoscopia, «… Pese embora se venha apontando a necessidade de, no domínio da responsabilidade civil por acto médico, se ultrapassar a distinção entre a responsabilidade civil contratual e a responsabilidade civil extracontratual e as inerentes diferenças de regime, a circunstância de vir provado que, entre as partes, foi firmado um contrato destinado à realização de um exame médico – i.é um contrato de prestação de serviços médicos -, sem finalidade curativa, simplifica a discussão sobre a qualificação jurídica da responsabilidade do réu e, no mesmo passo, inutiliza a caraterização da obrigação assumida por este perante a autora como obrigação de meios ou de resultado, pois que aquele aceitou e executou a obrigação de realizar a colonoscopia e dar a conhecer o respectivo resultado.»[22]
É óbvio que, a circunstância de o exame não ter uma finalidade curativa ou terapêutica não exclui ou afasta que o médico tenha que, na sua realização, dar estrito cumprimento às «leges artis» - como, infundadamente, se colhe no douto parecer, do teor do aludido aresto do Supremo -, sob pena de incorrer em responsabilidade civil!
O cumprimento das «leges artis» é aplicável quer esteja em causa uma intervenção curativa ou não e quer esteja em causa uma obrigação de meios ou uma obrigação de resultado.
Com efeito, o que se colhe do dito acórdão do Supremo é que, no caso específico (como aqui também sucede), por estar em causa um contrato de prestação de serviços médicos, sem fins terapêuticos ou curativos, a obrigação do médico não era de meios – como sucede nos casos mais comuns de prestação de serviços médicos -, mas antes de resultado (realização do exame contratado e a entrega dos respectivos resultados para posterior definição de [eventual] ulterior intervenção curativa ou terapêutica), não sendo exigido ou sequer suposto, em condições normais, que para o cumprimento de tal resultado se viesse a verificar a lesão física que sobreveio – perfuração cólica.
E, como se antevê do por nós já antes exposto, esta posição do Supremo no caso vertente é, de facto, pelas razões aduzidas, de subscrever, tanto mais que a situação de que versam os presentes autos é muitíssimo similar a que versou o aludido aresto.
Com efeito, como ali se escreve, e com a devida vénia aqui se reproduz, atenta a similitude do caso vertente, «… Na verdade, a perfuração do intestino ocorreu durante e por causa da execução do contrato destinado à realização de um exame médico; (…), a verdade é que objectivamente ocorreu uma lesão da integridade física da autora, não exigida pelo cumprimento do contrato; a ilicitude está verificada
E, ainda, prossegue o douto aresto, «… com esta afirmação quer-se dizer que, em si mesmo, o exame foi uma intromissão na integridade física, natural e necessariamente consentida e pretendida pela autora; assim sucederá, em regra, com os exames médicos. Mas esse consentimento ou pretensão da autora não abrange a lesão em discussão neste processo
De facto, estando em causa a realização de um exame que supõe um actuação invasiva do corpo da Autora, naturalmente que esta última, consentindo, como consentiu, na realização do exame em apreço, consentiu numa lesão da sua integridade física. Mas o seu consentimento não abrange a lesão física que, em termos de normalidade ou previsibilidade, não é exigida para a realização do aludido exame e cumprimento do contratado e que, assim, se apresenta como ilícita.
Neste sentido, refere-se também no Acórdão desta Relação de 26.01.2016, que «considera-se verificado objectivamente o pressuposto da ilicitude quando ocorra uma lesão da integridade física do lesado que seja completamente estranha ao cumprimento do contrato e cuja gravidade resulte desproporcionada quando comparada com os riscos normais para a saúde do lesado, inerentes àquela concreta intervenção.»[23]
De facto, se a intervenção não apresenta complexidades significativas – como sucede com uma colonoscopia, pois que é uma intervenção extremamente recorrente (diária), que é efectuada em muito reduzido espaço de tempo, que não exige sequer internamento, com alta do paciente no próprio dia e algum tempo após a sua realização (ainda que acompanhado de terceira pessoa) -, se a mesma tem um risco baixíssimo de complicações, nomeadamente de perfuração cólica - inferior a 1%, situando-se em cerca de 0,1% a 0, 8% (vide facto provado em 53.) -, caso ela desemboque num dano que supostamente não devia ter ocorrido e, sobretudo, num dano com a gravidade que a factualidade provada nos autos bem espelha, tudo leva a crer – em termos de lógica dos acontecimentos – que tal sucedeu, não por força da particular complexidade do acto médico (que não foi sequer invocada) ou dos riscos que estão associados (que são muitíssimo reduzidos, praticamente nulos, como se vê da percentagem antes exposta), mas devido a uma alguma falha no procedimento de quem a praticou.
Como assim, em tais hipóteses, como é, em nosso julgamento, o caso dos autos, e na esteira da jurisprudência antes invocada, justifica-se que, demonstrada a ilicitude, sejam já o médico ou o Hospital, pela sua proximidade com os factos e com os meios de prova, a demonstrarem o que, de facto, ocorreu na execução da intervenção e, em particular, a demonstrarem os factos que permitam afastar a sua culpa presumida, como decorre do previsto no art. 799º, n.º 1 do Cód. Civil.
Ora, nesta sede, se a factualidade demonstra que, ainda que sejam cumpridas as «leges artis», é possível a perfuração cólica (ainda em reduzidíssima percentagem – 0,1%-0,8%) ou, ainda, demonstra que, em tese geral, é possível que a perfuração ocorra por factores endógenos ao médico [cólon com processos aderenciais em certos locais por força de anteriores operações; angulação do próprio cólon; existência de segmentos cólicos que podem conduzir a uma pressão intracólica – cfr. factos provados em 54.], certo é que dos autos não transparece a mais pequena prova de que assim sucedeu com a Autora, isto é que a perfuração em causa ocorreu por qualquer daqueles factores «imputáveis» ao paciente e a que o médico é, naturalmente, alheio, não podendo ser responsabilizado.
Por outro lado, ainda, também não evidencia a mesma factualidade quais os procedimentos concretamente levados a cabo pelo Réu Dr. D… durante a colonoscopia em causa, e, por conseguinte, que os procedimentos ou «leges artis» tenham ou não sido observados ou que o mesmo tenha actuado ou não com toda a diligência e cuidado que lhe eram exigidos na realização do sobredito exame.

Em suma, não existe a prova de uma qualquer causa de exclusão da culpa, força maior, facto do lesado ou um qualquer outro facto explicativo do evento, o qual, repete-se, se apresenta como radicalmente desproporcionado no contexto do cumprimento do exame de colonoscopia de que versam os autos.
Destarte, perante a dúvida sobre o ocorrido, e face à aplicação da presunção que decorre do n.º 1 do art. 799º do Cód. Civil, a culpa do Réu Dr. D…, que efectuou a colonoscopia em apreço, é de presumir. A este caberia, assim, como se referiu, ilidir essa presunção (art. 344º, n.º 1 do Cód. Civil), demonstrando que concretos procedimentos adoptou, a adequação de tais procedimentos às «leges artis» aplicáveis no caso e os actos que concretamente praticou para evitar a perfuração ocorrida.
Não o tendo cumprido, como não cumpriu, todos os pressupostos da obrigação de indemnizar se devem ter por verificados.
E, em contrário, não releva a circunstância de a Autora ter vindo, após o exame em apreço, a ser assistida em terceiras entidades (Hospital J… e T…), seja porque a Autora não estava «obrigada» a prosseguir um qualquer tratamento ou prescrição médica que lhe tivesse sido comunicado pelos RR. - e que exigisse, portanto, o seu acompanhamento pelo mesmo médico ou no mesmo Hospital -, seja porque, ademais, após a alta hospitalar, procurou ainda contactar o Réu Dr. D…, o que não conseguiu – vide factos provados sob os pontos 11. e 52.
Por outro lado, ainda, à luz da factualidade provada, não se vislumbra que estas entidades tenham incorrido em algum erro de diagnóstico ou de tratamento que possa eventualmente concorrido ou agravado os danos ocorridos.
Em síntese, e finalizando, como se refere no AC STJ de 1.10.2015, que uma vez mais se cita pela sua notória proximidade com a situação dos autos, «Na dúvida, presume-se a culpa; e, estando provados os demais pressupostos da responsabilidade civil, como estão, o pedido de indemnização tem de proceder.» Recordem-se os danos que constam da lista de facto provados e a prova do nexo naturalístico de causalidade entre a colonoscopia e a perfuração (vide facto provado em 19.) e entre esta última e os ulteriores danos, em particular as subsequentes cirurgias a que a Autora foi submetida, respectivas despesas suportadas e, ainda, as suas consequências ao nível da afectação da saúde, bem-estar e qualidade de vida da mesma (vide factos provados em 13., 15., 17., 18., 19., 21., 26., 27., 28., 29., 30., 31., 33., 35. e 36.).
Assim, tendo por assente a obrigação de indemnizar a cargo do Réu Dr. D…, a mesma obrigação é extensível ao Réu Hospital por mor do preceituado no art. 800º, n.º 1 do Cód. Civil, pois que, e de acordo com o dito normativo, a conduta ilícita e culposa dos seus auxiliares no cumprimento da obrigação de prestação de serviços médicos, o torna também responsável pelos aludidos danos.
Com efeito, como escreve VAZ SERRA, o devedor que se aproveita de auxiliares no cumprimento, fá-lo a seu risco e deve, portanto, responder pelos factos dos auxiliares, que são apenas um instrumento seu para o cumprimento. Com tais auxiliares, independentemente do tipo de vínculo que possa interceder entre o Hospital e o Réu Dr. D…, alargam-se as possibilidades do devedor, o qual, assim como tira daí benefícios, deve suportar os prejuízos inerentes à utilização deles.[24]

Neste sentido, como refere L. MENEZES LEITÃO, op. cit., pág. 261: «Os pressupostos de aplicação do art. 800º são bastante diferentes dos pressupostos do art. 500º. Assim, em primeiro lugar, não se exige uma relação de comissão entre o devedor e o representante legal ou auxiliar, bastando o próprio vínculo da representação legal (…) ou a mera utilização do terceiro para a realização da prestação debitória
Por seu turno, a responsabilidade das intervenientes principais (seguradoras) decorre dos contratos de seguro em apreço (vide factos provados em 57. e 58.), sendo que se nos apresenta como indiscutido que o evento verificado se mostra integrado, à luz das condições gerais e particulares dos mesmos, no respectivo âmbito de cobertura dos mesmos e, ainda, o valor peticionado se contém no valor do capital seguro.
Note-se, neste particular, que o fundamento de exclusão invocado pela interveniente “ N…, SA “ na sua contestação (vide art. 17º da respectiva peça) não colhe, ao nível da factualidade provada, um qualquer sustentáculo, bem pelo contrário – vide facto provado em 2.
Por outro lado, ainda, neste conspecto, e ao contrário do que consta da sentença recorrida (certamente, por lapso), as intervenientes seguradoras foram admitidas a intervir como partes principais e no âmbito dos incidentes de intervenção principal provocada suscitados, respectivamente, pelos RR. Dr. D… e “ C… “ (vide despacho a fls. 197-199).
Como assim, à luz do preceituado no art. 320º do actual CPC (art. 328º, n.º 1 do anterior CPC), e sendo certo que as chamadas intervieram no processo oferecendo contestação e produzindo prova, nada obsta ao conhecimento do mérito da causa e à sua condenação nos termos dos já aludidos contratos de seguro.
*
B1. Responsabilidade Civil – Indemnização:
Danos patrimoniais:
Segundo o preceituado no art. 564º, n.º 1 do Cód. Civil «o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.»
No âmbito dos danos indemnizáveis, avultam, em primeiro lugar, no caso dos autos, os danos patrimoniais, enquanto reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado, seja enquanto danos emergentes (prejuízo causado nos bens ou nos direitos já existentes na titularidade do lesado à data da lesão), seja enquanto lucros cessantes (benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito, mas a que ainda não teria direito ao tempo da lesão).
No caso dos autos, a título de danos patrimoniais (danos emergentes) avultam as quantias que a Autora teve que despender em consequência da lesão sofrida na colonoscopia em causa e que se cifram nos valores despendidos com as intervenções cirúrgicas, com os internamentos hospitalares no Hospital J… e na T…, com os serviços médicos prestados, assistência hospitalar, consultas e ainda medicamentos e materiais exigidos para a consecução dos aludidos tratamentos/intervenções.
Com efeito, nesta sede, resultou demonstrado (vide factos provados em 13., 15., 17., 18. e 36.) que «por força da referida perfuração do cólon, a Autora despendeu 1.275,00€ na operação realizada a 12.04.2011; 300€ nos serviços médicos prestados durante o internamento da operação realizada em 12.04.2011 pelo Dr. V…; 400€ com assistência hospitalar e realização de pensos à Autora no internamento ocorrido a (até) 30.03.2011; 1.830,09€ com o internamento na T1… entre 12.04 a 18.04.2011; 60€ em consulta de cirurgia geral na T…; 2.753,25€ com o internamento na T… entre 2.11. a 7.11.2011; 2.000,00€ com o pagamento de actos médicos levados a cabo na cirurgia de 2.11.2011 (por lapso, escreveu-se na sentença recorrida 2/22/11); 1€ em paracetamol, 12,60€ em vitaminas, 1,18€ em sabão, 0,61€ em compressas, 41,45€ (um saco de colostomia), 0,90€ em ligadura, 2,75€ em adesivo, 1,71€ em soro fisiológico, 3,40€ em compressas, 2,25€ em compressas, 2,25€ em compressas, 1,70€ em compressas, 15,82€ em medicamentos, 41,11€ em material ortopédico e/ou fisiátrico, tudo, portanto, no total de €8.746,98. (oito mil setecentos e quarenta e seis euros e noventa e oito cêntimos).
A este valor acrescerão os juros de mora legais, à taxa sucessivamente aplicável, desde a citação [6.09.2012] e até integral pagamento, em conformidade com o preceituado nos arts. 804º, 805º, n.º 1 e 806º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Civil.
*
Danos não patrimoniais:
Conforme é consabido, a maioria da doutrina e da actual jurisprudência afirmam, sem hesitações, o ressarcimento dos danos não patrimoniais ou morais (que atingem bens ou direitos desprovidos de conteúdo económico, insuceptíveis, pois, de uma verdadeira avaliação ou equivalência pecuniária) no âmbito da responsabilidade contratual. [25]
O nosso Código Civil não prevê os danos morais que admitem o seu ressarcimento.
Consagra, ao invés, um conceito indeterminado que exige do julgador a avaliação da sua gravidade, a apreciar segundo um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso – sendo, pois, casuística) e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada).[26]
Em suma, e como decorre do preceituado no art. 496º, n.º 1 do Cód. Civil, apenas deverão ser considerados os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela ou protecção do ordenamento jurídico.
No caso em apreço, os danos não patrimoniais que a factualidade provada retrata assumem-se de evidente gravidade, merecendo, de forma indubitável, a tutela do direito.
Todavia, os danos não patrimoniais, envolvendo a lesão de bens infungíveis (a vida, a integridade física, psíquica e sexual, a saúde, a liberdade, o bem-estar físico e psíquico, a alegria de viver, a beleza), não podem ser reintegrados por equivalente.
Não se calcula um «preço da dor» ou um «preço da incapacidade» ou da falta de saúde, mas visa-se apenas proporcionar à pessoa lesada uma satisfação que, em certa medida, possa contrabalançar o dano. Esta compensação assume um significado simbólico de reconhecimento da dignidade da pessoa humana, da sua dor, da afectação da sua saúde e/ou da sua qualidade de vida, na vertente social e pessoal.
Com efeito, como se sabe, a indemnização por danos não patrimoniais, não sendo possível repor o interesse imaterial atingido (a vida, a integridade física, a saúde, etc.), tem apenas por finalidade proporcionar um certo desafogo económico ao lesado que de algum modo contrabalance e mitigue as dores, desilusões, desgostos e outros sofrimentos suportados e a suportar, proporcionando-lhe, dentro do possível, uma melhor qualidade de vida.
Como se refere no AC STJ de 2.06.2015, antes citado, a conceptualização do dano não patrimonial sofrido pela pessoa, a partir da situação concreta em que se encontra em virtude da lesão, conduz ao reconhecimento de várias sub-categorias, dentro da categoria geral de dano não patrimonial, consoante o aspecto da vida ou da personalidade que ficou afetado: o dano existencial, como aquele que afecta toda a vida relacional da pessoa lesada com a sua família e a esfera íntima da pessoa; o dano estético, aquele que afecta o seu aspecto físico e a beleza corporal, envolvendo a avaliação personalizada da imagem em relação a si própria e perante os outros; o dano biológico, enquanto dano corporal ou à saúde traduzido na diminuição psicossomática da pessoa, compreende vários factores, susceptíveis de afectar as atividades laborais, recreativas, sociais, a vida sexual e sentimental, e assume um carácter dinâmico, na medida em que tende a agravar-se com o avançar da idade da pessoa lesada, produzindo consequências na mensuração do dano não patrimonial e/ou do dano patrimonial; o dano da perda de autonomia, que afecta a liberdade de iniciativa, a auto-realização e a auto-estima; o dano psicológico, traduzido em angústia e depressão e ligado ao dano da perda da alegria de viver, que altera a forma como a pessoa vê e sente o mundo no seu quotidiano; o dano da afirmação pessoal, que altera a forma como a pessoa se insere no mundo e se sente a si mesma perante os outros; o dano da incapacidade laboral, que, para além da perda de rendimentos, enquanto dano patrimonial futuro, retira à pessoa a sensação de utilidade e de produtividade, acarretando a perda de auto-estima e do sentido da vida; o dano da perda da possibilidade de gozar os anos da juventude.
Relativamente à sua fixação e como ensinam A. VARELA, P. LIMA, «o montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc. E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.»[27]
Por outro lado, ainda, no âmbito da fixação do valor indemnizatório a título de danos morais deverão ser tidos em consideração os critérios perfilhados e sedimentados na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, evitando-se assim, sem prejuízo da análise casuística que se impõe em cada caso, que as decisões assumam um caracter aleatório ou arbitrário, e cumprindo, pois, assim, objectivos de igualdade e proporcionalidade, vale por dizer de Justiça.[28]
Munidos, assim, destes elementos orientadores, no caso dos autos, temos que a Autora, em virtude da perfuração cólica, teve que ser assistida no Hospital Q… (hoje S…), onde efectuou consulta e exames, sofreu três intervenções cirúrgicas, vários períodos de internamento hospitalar entre os dias 16.03 a 30.03.2011, 30.03.2011 a 9.04.2011, de 12.04.2011 a 18.04.2011 e, ainda, de 2.11.2011 a 17.11.2011 – vide factos provados em 11., 13., 14., 15., 17., 18. e 19. Sofreu, assim, a Autora 49 dias de internamento hospitalar.
Por outro lado, desde o termo do exame de colonoscopia (a 15.03.2011) e até Abril de 2011, a Autora sofreu dores, ou seja durante cerca de 1 mês e meio. (facto provado em 26.)
Depois da intervenção cirúrgica do dia 17.03.2011, a Autora teve de usar um saco de colostomia (para armazenar as fezes), carecendo, até Novembro de 2011, de ajuda de terceiras pessoas para se vestir e despir, assim como para cuidar da sua higiene (facto provado em 31.)
O uso do aludido saco fazia a Autora sentir-se desconfortável, sendo que o mesmo chegou a rebentar em algumas ocasiões, incluindo de noite, obrigando a tomas de banho e mudança de roupa, no que contou com a ajuda de terceiros, nomeadamente do seu filho (factos provados em 30. e 32.)
A Autora, por ter que usar o saco de colostomia, sentiu-se diminuída, com perda de auto-estima e vergonha, reduzindo as suas saídas e o convívio com amigas, sendo certo que antes do evento em causa, a Autora era uma pessoa alegre, autónoma e que saía sozinha e com amigas, participando em aulas de «Pilates», aulas que deixou após ter de usar o dito saco. (factos provados em 33., 34. e 35.)
Por outro lado, ainda, é de considerar que a Autora tinha, à data do evento, uma idade avançada (83 anos), assumindo, pois, as sobreditas circunstâncias uma maior penosidade, pois que associadas às limitações de saúde próprias e naturais de quem possui aquela provecta idade.
Por último, é de considerar que a culpa do Réu/médico é uma culpa presumida.
Como assim, ponderando todos os sobreditos elementos, à luz de critérios de equidade e tendo presente os valores indemnizatórios que se colhem da nossa jurisprudência já antes citada, afigura-se-nos ser equitativo fixar-se a favor da Autora (e ainda que a indemnização em apreço integre já a sua herança e, por via do fenómeno sucessório, se venha a transmitir aos seus herdeiros – os ora apelantes), a título de danos não patrimoniais, e tendo por referência a data do presente acórdão, a quantia de €28.000,00 (vinte e oito mil euros), a que acrescerão os juros de mora à mesma taxa legal, desde a data deste acórdão e até integral e efectivo pagamento.
Deverá, pois, nos termos antes expostos, proceder, em parte, a apelação, o que se julga.
* *
IV - DECISÃO:
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e condenando os RR. e as Intervenientes a pagarem, solidariamente, à Autora, ora representada pelos seus herdeiros legais,
i). a título de danos patrimoniais, a quantia de €8.746,98, acrescida de juros de mora, à taxa legal, sucessivamente aplicável, desde 6.09.2012 e até efectivo e integral pagamento;
ii). a título de danos não patrimoniais, a quantia de €28.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, sucessivamente aplicável, desde a data deste acórdão e até efectivo e integral pagamento;
*
Custas, em ambas as instâncias, pela Autora e pelos RR./Intervenientes, na proporção do respectivo decaimento – art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
*
Porto, 27.03.2017
Jorge Seabra
Sousa Lameira
Oliveira Abreu
____
[1] Vide, neste sentido, por todos, A. ABRANTES GERALDES, “ Recursos No Novo Código de Processo Civil ”, Almedina, 2ª edição, 2014, pág. 134.
[2] Vide, neste sentido, A. ABRANTES GERALDES, op. cit., pág. 132 e, ainda, por todos, AC STJ de 23.02.2010, relator FONSECA RAMOS, in www.dgsi.pt.
[3] Sobre os ónus a cargo do recorrente, neste conspecto, vide, por todos, A. ABRANTES GERALDES, op. cit., pág. 132-133 e, ainda, dos Acórdãos mais recentes do Supremo Tribunal de Justiça, AC STJ de 6.12.2016, relator GARCIA CALEJO, AC STJ de 8.11.2016, relator FONSECA RAMOS, AC STJ de 3.11.2016, relator GONÇALVES ROCHA, AC STJ de 27.10.2016, relator RIBEIRO CARDOSO e AC STJ de 7.06.2016, relator ANA PAULA BOULAROT, todos in www.dgsi.pt.
[4] Vide, neste sentido, por todos, AC RC de 24.04.2012, relator BEÇA PEREIRA, AC RC de 27.05.2014, relator MOREIRA do CARMO, AC RP de 7.05.2012, relator ANABELA CALAFATE, AC RG de 11.09.2015, relator MANUELA FIALHO, AC RG de 15.12.2016, relator MARIA JOÃO MATOS, todos in www.dgsi.pt
[5] A. ABRANTES GERALDES, “ Recursos em Processo Civil - Novo Regime ”, 2ª edição, revista e ampliada, 2008, pág. 297-298.
[6] Vide, neste sentido, por todos, JOÃO ALVARO DIAS, “ Procriação Assistida e Responsabilidade Médica ”, 1996, pág. 221-222, A. HENRIQUES GASPAR, “ A responsabilidade civil do Médico ”, CJ, ano III, 1978, tomo 1, pág. 34 e, com maior desenvolvimento, VERA LÚCIA RAPOSO, “ Do ato médico ao problema jurídico ”, 2016, Reimpressão, pág. 35-39.
[7] MIGUEL TEIXEIRA de SOUSA, “ Sobre o ónus de Prova nas Acções de Responsabilidade Civil Médica ”, AAFDUL, 1996, pág. 127.
[8] Vide, neste sentido, A. HENRIQUES GASPAR, op. e loc. cits., VERA LÚCIA RAPOSO, op. cit.,35-36 [embora excluindo a natureza contratual da responsabilidade civil médica nos casos de serviços prestados pelo SNS e em hospitais públicos – vide pág. 41], RUTE TEIXEIRA PEDRO, “ A Responsabilidade Civil do Médico ”, Centro de Direito Biomédico da FDUC, pág. 56-59, AC RP de 20.07.2006, relator GONÇALO SILVANO e AC RP de 1.03.2012, relator FILIPE CAROÇO, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
[9] Vide, neste sentido, por todos, AC STJ de 15.12.2009, relator SOUSA PEIXOTO, AC STJ de 7.10.2010, relator FERREIRA de ALMEIDA, AC STJ de 15.12.2011, relator GREGÓRIO da SILVA JESUS, AC STJ de 2.06.2015, relator MARIA CLARA SOTTOMAYOR, AC STJ de 28.01.2016, relator MARIA GRAÇA TRIGO e, ainda, desta RP de 30.05.2016, relator SOUSA LAMEIRA, todos in www.dgsi.pt.
[10] AC STJ de 22.09.2011, relator BETTENCOURT de FARIA, disponível in www.dgsi.pt.
[11] Vide, neste sentido, por todos, VERA LÚCIA RAPOSO, op. cit., pág. 32-34.
[12] Vide, neste sentido, por todos, L. MENEZES LEITÃO, “ Direito das Obrigações ”, II volume, 6ª edição, pág. 257, I. GALVÃO TELLES, “ Direito das Obrigações ”, 6ª edição, pág. 325 e A. VARELA, “ Das Obrigações em Geral ”, 6ª edição, pág. 495, nota 1.
[13] Vide, neste sentido, por todos, A. VARELA, “ Das Obrigações Em Geral ”, I volume, cit., pág. 871, ALMEIDA e COSTA, “ Direito das Obrigações ”, 11ª edição, pág. 763, L. MENEZES LEITÃO, “ Direito das Obrigações ”, I volume, cit., pág. 348-349 (ainda que este Autor sustente o nexo de causalidade à luz da denominada teoria do escopo ou fim da norma violada) e, ainda, AC STJ de 28.01.2016, já citado.
[14] Vide, neste sentido, por todos, VERA LÚCIA RAPOSO, op. cit., pág. 48.
[15] Vide, neste sentido, JOÃO ÁLVARO DIAS, “ Culpa Médica: Algumas Ideias-Força ”, Revista Portuguesa do Dano Corporal, ano IV, n.º 5, pág. 30.
[16] VERA LÚCIA RAPOSO, op. cit., pág. 45; Tais regras, como refere a Autora, pág. 46, citando CARLOS ROMEO CASABONA, “ El médico y el Derecho Penal…, pág. 159 e ss., não obstante o seu caracter genérico, não podem nunca perder de vista o caso concreto, pois que as especificidades deste podem ditar adaptações à regra geral. Fala-se, então, em «lex artis ad hoc.»
[17] Vide, neste sentido, A. HENRIQUES GASPAR, op. cit., pág. 335 e segs., ALVARO DIAS, op. cit., pág. 21 e, ainda, MOITINHO de ALMEIDA, “ A Responsabilidade Civil do Médico e o seu Seguro ”, Scientia Jvridica ”, Tomo XXI, n.º 116/117, pág. 332.
[18] Vide, neste sentido, por todos, L. MENEZES LEITÃO, op. cit., I volume, 7ª edição, pág. 142.
[19] Vide, por todos, VERA LÚCIA RAPOSO, op. cit., pág. 113-119, RUTE TEIXEIRA PEDRO, op. cit., pág. 98, nota 235, AC RL de 24.04.2007, CJ, ano XXXII, tomo 1, pág. 105 e ss. e, ainda, AC STJ de 2.06.2015, relator MARIA CLARA SOTTOMAYOR, disponível in www.dgsi.pt.
[20] A. HENRIQUES GASPAR, op. cit., pág. 342 e, por todos, AC STJ de 2.06.2015, antes citado.
[21] Vide, neste sentido, por todos, AC STJ de 2.06.2015, já citado, AC STJ de 26.04.2016, relator SILVA SALAZAR, AC STJ de 29.10.2015, relator TOMÉ GOMES, AC STJ de 28.05.2015, relator ABRANTES GERALDES, AC STJ de 25.02.2015, relator ARMINDO MONTEIRO, AC STJ de 12.03.2015, relator HELDER ROQUE e, ainda, VERA LÚCIA RAPOSO, op. cit., pág. 100-103.
[22] Vide AC STJ de 1.10.2015, relator MARIA dos PRAZERES PIZARRO BELEZA e, ainda, em sentido similar, em cirurgia de «correcção» ortopédica, AC STJ de 28.01.2016, relator MARIA GRAÇA TRIGO, ambos disponíveis in www.dgsi.pt
[23] AC RP de 26.01.2016, relator JOSÉ IGREJA MATOS, disponível no mesmo sítio.
[24] Vide VAZ SERRA, “ Responsabilidade do devedor pelos factos dos auxiliares, dos representantes legais ou dos substitutos ”, BMJ 72º, citado por A. VARELA, P. LIMA, “ Código Civil Anotado ”, II volume, 3ª edição, pág. 57; No mesmo sentido, vide, ainda, AC STJ de 28.01.2016, já citado, L. MENEZES LEITÃO, “ Direito das Obrigações ”, II volume, 6ª edição, pág. 259 e A. VARELA, “ Das Obrigações em Geral ”, II volume, 4ª edição, pág. 97-99.
[25] Vide, por todos, L. MENEZES LEITÃO, “ Direito das Obrigações ”, II volume, cit., pág. 256, I. GALVÃO TELLES, “ Direito das Obrigações ”, cit., pág. 383-384, ALMEIDA COSTA, “ Direito das Obrigações ”, cit., pág. 603-604 e, ainda, na jurisprudência e apenas ao nível da responsabilidade civil médica, por todos, AC STJ de 28.01.2016, já citado, AC STJ de 26.06.2014, relator LOPES do REGO, AC STJ de 15.05.2013, relator SALAZAR CASANOVA e AC STJ de 4.03.2008, relator FONSECA RAMOS, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[26] Vide A. VARELA, “ Das Obrigações … ”, I volume, cit., pág. 576.
[27] A. VARELA, P. LIMA, “ Código Civil Anotado ”, I volume, cit., pág. 501; No mesmo sentido, ainda, ao nível da jurisprudência, AC STJ de 26.01.2016, relator FONSECA RAMOS, AC STJ de 17.12.2015, relator LOPES do REGO, AC STJ de 18.06.2015, relator FERNANDA ISABEL PEREIRA, todos in www.dgsi.pt.
[28] Vide, neste sentido, por todos, AC STJ de 17.12.2015, relator MARIA dos PRAZERES PIZARRO BELEZA, AC STJ de 31.05.2012, relator NUNO CAMEIRA, disponíveis no mesmo sítio.