Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | PAULO COSTA | ||
| Descritores: | PROVA TESTEMUNHAL RELAÇÃO DE AFETO E PROXIMIDADE ENTRE O AGRESSOR E A VÍTIMA | ||
| Nº do Documento: | RP202512121173/22.7KRPRT.P1 | ||
| Data do Acordão: | 12/12/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA) | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DO ARGUIDO | ||
| Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - A lei não exige “duas testemunhas” nem qualquer número mínimo para sustentar a versão dos factos encontrada pelo tribunal: o tribunal pode condenar com base, inclusive, no depoimento de uma única testemunha ou assistente, desde que o explique de forma racional na motivação de facto. O que se exige é que o depoimento seja: (i) direto ou, sendo indireto, produzido sob as condições do art. 129.º CPP; (ii) internamente coerente; (iii) compatível com outros elementos constantes dos autos (documentos, perícias, declarações do arguido, dados objetivos); e (iv) submetido ao contraditório em audiência. II - Constitui atualmente um consenso alargado na doutrina e jurisprudência que essa especial relação de afeto e de confiança própria da relação de proximidade existencial entre o agressor e a vítima fundamenta a ilicitude e justifica a punição. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 1173/22.7KRPRT.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Local Criminal do Porto - Juiz 1
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório No âmbito do Processo Comum singular em epígrafe id. a correr termos no Juízo local Criminal do Porto-J1, foi decidido: a) condeno o arguido, AA como autor material, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.º 1, al. b) e 2, do Cód. Penal, na pena de 26 meses de prisão. b) Ao abrigo do disposto nos arts. 50.º do Cód. Penal, suspendo a execução da referida pena de prisão, pelo período de 26 meses, a contar do trânsito em julgado da presente decisão. c) não se condena o arguido nas penas acessórias previstas nos termos do art. 152.º, n.º 4 e 5, do CP. *** d) Julgo parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido cível deduzido a fls. 205 e ss e, consequentemente, condeno o demandado AA, a pagar à demandante BB: - a quantia de €4.430,00 (quatro mil, quatrocentos e trinta euros), a título de danos patrimoniais, acrescidos de juros de mora contados, à taxa legal desde a notificação do pedido até integral pagamento; - a quantia de €5000,00 (cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora contados, à taxa legal desde a data da presente sentença até integral pagamento, improcedendo o pedido quanto ao restante. *** Condeno ainda o arguido nas custas crime do processo, com taxa de justiça que fixo em 3 Uc´s, nos termos do art. 8.º, n.º9, e tabela III do R.C.P. e demais encargos. Custas cíveis na proporção dos decaimentos (art. 527.º do CPP), sem prejuízo da isenção (art. 4.º, al. z), do RCP) e apoio judiciário de que beneficia a demandante BB.» * Inconformado o arguido interpôs recurso solicitando a revogação da decisão final proferida e a sua substituição por outra que o absolva do crime pelo qual foi condenado, concluindo (transcrição): “CONCLUSÕES. I.O presente recurso tem como objeto toda a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos que condenou o recorrente pela prática do crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, do CP. II.O tribunal a quo considerou provado que "O arguido e a assistente BB conheceram-se por volta de 2014, em ..., no Brasil, pais onde o primeiro se encontrava a trabalhar na construção civil e a assistente residia." III. Tal convicção assentou apenas no depoimento da assistente, uma vez que a única prova feita foi que, em 2014 o recorrente esteve no Brasil, não havendo prova concreta que ambos se tenham conhecido nessa altura. IV. Dessa forma, este facto foi incorretamente julgado como provado. V. O tribunal a quo considero também como provado que em meados de Abril de 2022, o recorrente"(...)no interior da residência em comum, a assistente informou o arguido de que teria que se deslocar a Portugal entre os dias 21 e 28 de Abril de 2022, devido a compromissos profissionais na sua área profissional (advocacia), ao que o mesmo disse que se fosse não precisaria mais voltar e que deveria escolher entre a família e o compromisso profissional. Desde então, o arguido passou a destratar a vítima, apelidando-a de "hombre", bem como lhe dizia, aos gritos, que "mulher que o marido pode sustentar e que quer trabalhar é puta". VI. A consideração destes factos como verdadeiros, dando-se como provados, teve por base única e exclusivamente o depoimento da assistente. VII. Sendo que, o próprio depoimento da assistente revelou-se confuso e incoerente, uma vez que quando questionada pela MMª Juiz relativamente à expressão "hombre", a assistente diz não assumir como uma ofensa verbal. Gravação de Audiência de Julgamento de dia 14/05/2025 16:57 Assistente"(...) ele falou que eu tinha que escolher ou o trabalho ou a familia" 17:12 Assistente "(...) começou a discussão, começou a chamar-me hombre e puta madre" 17:39 MM" Juiz "mas dizia hombre porque é uma expressão que ele usa?" 17:40 Assistente - "sim". 17:41 MM Juiz -"mas não era um insulto para si? 17:43 Assistente "não, para mim... foi uma coisa assim meio estranho. VIII. Assim, estes factos ocorridos em meados de Abril de 2022, foram incorretamente dados como provados. IX. Relativamente ao facto ocorrido no dia 16 de Abril de 2022, o foi considerado como verdadeiro e provado que "(...) quando estavam de férias nos Picos da Europa, o arguido, de repente, baixou as suas calças na frente da vítima e da sua filha de 5 anos de idade e ainda dos transeuntes e evacuou na neve". (negrito nosso) X. Ora, como referido anteriormente, não existe qualquer prova que o recorrente tenha evacuado na frente a menores ou a outros transeuntes ou que este ato tenha causado qualquer tipo de angústia, tristeza ou desconforto à assistente. XI. Aliás, a assistente relata esse momento, em audiência de julgamento, como algo que deu risada, e posteriormente demonstra incoerência quando questionada pela MMª juiz se existia ou não casas de banho no local. Gravação de 14/05/2025 das 12h18m a 13h35m. Minuto 35:22 Assistente: "ele falou que quando ele era mais novo ele, desculpa a palavra, cagava na neve e limpava com gelo, que é muito bom limpar o cú com a neve, e eu falei, eu dei risada" Assistente: "eu fiz um vídeo em relação a isso também, falei tou gravando vou postar no Youtube, porque olha ele aqui cagando na neve". Minuto 38:27 MM" Juiz: "Porque acha que ele fez isso? Para lhe provocar? Assistente: "não ... não." Assistente: "é uma pessoa que não é normal da cabeça" Minuto 38:50 MM Juiz: "Ele disse que não havia casa de banho na montanha, havia casa de banho?" Assistente: "Ele podia fazer atrás, qualquer lugar" Minuto 39:19 Assistente: "tinha um café perto" XII. Como demonstrado, tal facto foi incorretamente dado como provado na sua totalidade. XIII. Quanto aos factos ocorridos no dia 17 de Abril de 2022, o tribunal a quo considerou provado que o recorrente: "proibiu a assistente de tocar na sua filha e de cuidar de um ferimento que sofreu na sequência de uma queda.", e que, resultado do facto supracitado: "empurrou-a com força, alegando que a filha era dele e ela não deveria se meter na sua criação, que a pequena tinha que aprender a levantar e se cuidar sozinha.", e por fim que nesse mesmo dia: "Nesse momento a assistente voltou para casa chorando." XIV. No que respeita a estes factos, a única prova documental apresentada nos autos foi uma mensagem enviada ao recorrente, com uma fotografia anexa do antebraço, onde se lê: "você deu um tapa no meu braço só porque quis ver se a sua filha se machucou". XV. Portanto, e sem prescindir do exposto nos artigos 21º a 30º deste articulado, tais factos foram dados como provados pelo tribunal a quo única e exclusivamente pelo depoimento da assistente, uma vez que o recorrente vem acusado de algo que nem o próprio documento junto pela assistente que seria prova do facto, o menciona. XVI. Desta forma, tais factos foram incorretamente dados como provados, uma vez que não existe qualquer prova, exceto o depoimento da assistente. XVII. No que se refere os factos de Agosto de 2022, o tribunal a quo deu como verdadeiro e provado que: "o arguido contatou com a vitima, dizendo que a amava e queria que ela reatasse o relacionamento" e que, "Durante cerca de quarentas dias, entre Maio e Agosto de 2022, no Interior da sua residência sita no Porto, a vítima recebeu várias chamadas telefónicas do arguido, nas quais este lhe dirigiu as seguintes palavras "sua puta, sua vagabunda", "interesseira", "apenas te relacionaste comigo por interesse" XVIII. No que concerne estes factos a única prova documental junta pela assistente foi um print de três mensagens e uma tentativa de ligação todas ocorridas no dia 11 de junho, Cfr. Doc 50 junto na Queixa-Crime. XIX. Além da descrita supra não existe qualquer outra prova que o recorrente tenha escrito mensagens ou ligado para proferir tais palavras à assistente. XX. Assim, a prova feita pelo tribunal a quo, quando a estes factos teve somente como base o depoimento da assistente, tendo sido dessa forma incorretamente dado como provado que durante 40 dias o recorrente tenha ligado à assistente e/ou a tenha atacado verbalmente por mensagens escritas. XXI. O tribunal a quo considerou, ainda, provado que: "Na sequência da comunicação referida em 10), um dia antes da assistente e a filha saírem da casa do arguido, o arguido disse que ia desligar a água e o aquecimento se não saíssem." (Cfr. pág. 5 da Sentença) "Além disso, o arguido acusou ainda a assistente junto de terceiros, de ser uma prostituta que vende o corpo." (Cfr. pág. 5 da Sentença) "Aliás, a testemunha de acusação CC, que depôs de forma credivel, referiu que quando ligou à assistente, estando esta ainda em Espanha, por videochamada, para a assistente falar com um amigo dele que necessitava de um advogado, viu que o arguido empurrou a assistente, tirou-lhe o telefone e perguntou ao amigo "se era o cabrão que andava a comer a mulher dele". ou seja, pondo mais uma vez em causa honestidade e comportamento da mesma." (Cfr. pág. 37 da Sentença) XXII.Conforme já se destacou, estes factos não constam da acusação. XXIII. Ora, um dos princípios em que assenta o processo penal é o principio do acusatório ou da acusação consagrado no art. 32", nº 5, da CRP, nos termos do qual o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao principio do contraditório. XXIV. Pelo exposto, a sentença recorrida é nula, nos termos do art. 379°, nº 1, al. b), do CPP, porquanto condenou o recorrente por factos diversos dos descritos na acusação, fora dos casos e condições previstos nos arts. 358º e 359°, do CPP. XXV. De todo modo, e sem prescindir da nulidade invocada, apraz-nos dizer ainda que, relativamente ao facto provado que o recorrente teria dito que ia desligar a água e luz do apartamento, este apenas teve por base o depoimento da assistente, não existindo qualquer prova que o tenha dito. XXVI. No que concerne ao facto descrito pela assistente, que alegadamente o recorrente teria dito que a assistente vendia o corpo, apraz-nos dizer que tal facto se deu como provado tendo em conta o depoimento da assistente e uma troca de mensagens que esta teve com a testemunha do recorrente, D. DD. XXVII. Ora, não se pode admitir que seja imputado ao recorrente factos que não existam provas que o mesmo os praticou, estamos perante factos que ninguém XXVII. Ora, não se pode admitir que seja imputado ao recorrente factos que não existam provas que o mesmo os praticou, estamos perante factos que ninguém testemunhou, e que a única prova documentas que existe são mensagens trocadas entre a assistente e a testemunha do recorrente, sendo estas provas tiradas num contexto de "diz que disse", salvo o devido respeito. XXVIII. Relativamente ao facto em que o recorrente teria, alegadamente, retirado o telefone da mão da assistente "e perguntou ao amigo "se era o cabrão que andava a comer a mulher dele"". XXIX. Como referido anteriormente, e sem prescindir do fundamentado, não existiram provas credíveis que estes factos tivessem ocorrido, nem mesmo uma troca de mensagem entre a assistente e a testemunha, que alegadamente, presenciou virtualmente os factos. XXX. Assim, todos estes factos, descritos no ponto XXI deste articulado, além de não constarem da acusação, foram incorretamente julgados como provados. XXXI. Ademais, e sem prescindir do supra alegado, mesmo que se admitisse que tais factos, hipoteticamente, fossem provados como verdadeiros, constata-se, de forma nítida, que o recorrente não praticou o crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152°, do CP, porquanto da prova produzida não resulta que a assistente tenha uma posição de subordinação existencial para com o recorrente, elemento fundamental do preenchimento daquele tipo legal. XXXII. Pelo exposto, o tribunal a quo não interpretou, nem aplicou corretamente o artigo 152°, do CP. XXXIII. Em suma, não restam dúvidas que o recorrente não praticou o crime em que foi condenado. XXXIV. Nos termos do supra alegado e não tendo o recorrente praticado o crime em que foi condenado, deve o mesmo ser absolvido do pedido de indemnização civil. XXXV. Por último, no que concerne aos bens que a assistente pede, em sede de pedido de indemnização civil não se provou que a assistente tivesse realmente ficado desprovida daqueles pertences, uma vez que não há sequer prova da existência dos mesmos ou que estes tenham sido realmente transportados para Espanha num camião do recorrente. Termos em que e nos demais de direito deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a sentença recorrida e, em consequência, ser o recorrente absolvido do crime de VIOLÊNCIA DOMÉSTICA em que foi condenado, bem como do respetivo pedido de indemnização civil.
FAZENDO-SE, ASSIM, A HABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA» * O M.P. respondeu aos recurso, pugnando pelas suas improcedência, concluindo: «1. Quanto à impugnação alargada do julgamento de facto (conclusões I a XX e XXV a XXX do recurso), o sistema processual penal é um sistema de prova livre (art.º 125.º do Código de Processo Penal), pelo que a decisão de prova pode basear-se apenas no depoimento da assistente, desde que o respectivo processo de convicção seja razoável (art.º 127º do Código de Processo Penal). 2. Por outro lado, as contradições apontadas ao depoimento da assistente não constituem efectivas contradições. 3. A nulidade da sentença invocada na conclusão XXIV não existe, porquanto os factos provados aí identificados constavam do pedido de indemnização cível (arts.º 20º e 23º), sendo apenas relevantes para efeitos cíveis, não lhe sendo aplicáveis as restrições decorrentes do art.º 379º/1, al. b), do Código de Processo Penal. 4. Finalmente, quanto à alegada atipicidade dos factos (conclusão XXXI), a “subordinação existencial” da ofendida resulta claramente dos factos provados, mormente: a. da submissão da carreira profissional e sustento económico da ofendida aos desejos do arguido (ponto 7 dos factos provados); b. e da expulsão inopinada da ofendida da sua residência, sendo sujeita a soluções de extrema instabilidade e precariedade, para a sua vida pessoal e profissional (pontos 11, 12 e 13 dos factos provados). TERMOS EM QUE A SENTENÇA RECORRIDA DEVE SER MANTIDA, ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA.» * Também a assistente respondeu concluindo: «1. O Recorrente, não se conformando com a douta decisão, dela veio interpôs recurso, invocando nulidade da sentença, erro na apreciação da prova e, em consequência, o Arguido tem que ser absolvido. 2. Não assiste qualquer razão ao Recorrente, porquanto, a sentença encontra-se devidamente fundamentada, nos termos do artigo 374.º, n.º 2, do CPP, expondo de forma clara as razões de facto e de direito que sustentam a condenação. 3. Não se verificam quaisquer vícios do artigo 410.º, n.º 2, do CPP, sendo manifesta a coerência interna da decisão. 4. A convicção do Tribunal formou-se segundo as regras da experiência comum e da livre apreciação da prova (artigo 127.º do CPP). 5. A mera discordância do recorrente não é suficiente para abalar a decisão, conforme pacífica jurisprudência do STJ (cfr. Ac. STJ de 11.07.2019, proc. n.º 84/16.6JAFAR.E1.S1). 6. A pena aplicada mostra-se adequada e proporcional, respeitando os critérios dos artigos 70.º e 71.º do CP. 7. Foram devidamente ponderados a culpa e as exigências de prevenção, não se mostrando a medida da sanção excessiva ou arbitrária. ASSIM, 8. A sentença recorrida encontra-se devidamente fundamentada, não padecendo de qualquer vício; 9. A apreciação da prova foi feita de acordo com a lei e a lógica da experiência comum; 10. A pena aplicada é justa, adequada e proporcional à gravidade dos factos e à culpa da arguida; 11. O recurso interposto não tem fundamento legal ou factual que imponha a revogação ou alteração da decisão. Termos em que deve ser negado provimento ao recurso e mantida integralmente a douta sentença ora, sub judice. - com todas as legais consequências, assim se fazendo J U S T I Ç A» * Neste Tribunal da Relação do Porto, o Exmº. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer onde pugnou pela improcedência do recurso, aduzindo argumentação própria. * Cumprida a notificação a que alude o art. 417.º, n.º 2, do CPPenal, não foi apresentada resposta. * Realizado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, nada obstando ao conhecimento do recurso. * II. Apreciando e decidindo: Questões a decidir no recurso É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objeto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso[1]. As questões que o recorrente coloca à apreciação deste Tribunal de recurso são as seguintes: Nulidade da Sentença por condenação em factos não constantes da acusação. Julgamento incorreto de factos provados (baseado apenas no depoimento da Assistente). Incorreção na avaliação do facto ocorrido nos Picos da Europa (Abril de 2022) Inexistência do crime de violência doméstica. Pedido de Indemnização Civil. * Para análise das questões que importa apreciar releva desde logo a factualidade subjacente à decisão e razões da sua fixação, sendo do seguinte teor o elenco dos factos provados e não provados e respetiva motivação constantes da sentença recorrida (transcrição): «II – FUNDAMENTAÇÃO: 1) Instruída e discutida a causa resultaram provados os seguintes factos: 1. O arguido e a assistente BB conheceram-se por volta de 2014, em ..., no Brasil, país onde o primeiro se encontrava a trabalhar na construção civil e a assistente residia. 2. Em data não apurada do Verão de 2021, o arguido e a assistente reencontraram-se, por causalidade, num parque de diversões em Portugal; 3. Por volta de Dezembro de 2021 o arguido e a assistente retomaram os contactos e em Janeiro de 2022 iniciaram um relacionamento de namoro. 4. Nessa altura, o arguido residia em Espanha e a assistente residia no Porto, mais concretamente, na Rua ..., ..., 3.º dt.º frente, no Porto, local onde o arguido passou a deslocar regularmente para estar com a assistente. 5. No decurso da referida relação amorosa, tendo a intenção de se unirem maritalmente, o arguido e a assistente, decidiram que iriam viver juntos em Espanha, motivo pelo qual a assistente, em Março de 2022, uns dias depois do aniversário da mesma –ocorrido em 15 de Março- deixou Portugal, levando consigo todos os seus pertences e a sua filha, entregando ao senhorio a casa arrendada onde até então residia. 6. Entre Março e Abril de 2022, a assistente passou então a residir em comunhão de mesa, cama e habitação, com o arguido, na habitação do mesmo, sita em Espanha, na zona de .... 7. Em data não apurada de Abril de 2022, no interior da residência em comum, a assistente informou o arguido de que teria que se deslocar a Portugal entre os dias 21 e 28 de Abril de 2022, devido a compromissos profissionais na sua área profissional (advocacia), ao que o mesmo disse que se fosse não precisaria mais voltar e que deveria escolher entre a família e o compromisso profissional. 8. Desde então, o arguido passou a destratar a vítima, apelidando-a de “hombre”, bem como lhe dizia, aos gritos, que “mulher que o marido pode sustentar e que quer trabalhar é puta”. 9. No dia 16 de Abril de 2022, dia do aniversário do arguido, quando estavam de férias nos Picos da Europa, o arguido, de repente, baixou as suas calças na frente da vitima e da sua filha de 5 anos de idade e ainda dos transeuntes e evacuou na neve. 10. No dia 17 de Abril de 2022, ainda nos Picos de Europa, o arguido proibiu a assistente de tocar na sua filha e de cuidar de um ferimento que sofreu na sequência de uma queda. 9. Todavia, a assistente BB insistiu e, nesse instante, o arguido empurrou-a com força, alegando que a filha era dele e ela não deveria se meter na sua criação, que a pequena tinha que aprender a levantar e se cuidar sozinha. 10. Nesse momento a assistente voltou para casa chorando. 11. Pouco tempo depois da data referida em 10), o arguido comunicou à vítima BB que deveria sair de sua casa imediatamente, juntamente com a sua filha, o que assim sucedeu, regressando a mesma a cidade do Porto, em Portugal. 12. Em virtude dessa situação, a assistente levou consigo apenas os pertences que cabiam no seu carro, deixando o resto dos seus bens, na casa do arguido e de um primo do mesmo, ficando o arguido de lhe enviar os bens logo que a mesma tivesse nova residência. 13. Cerca de um mês mais tarde, em Maio de 2022, depois de viver num hotel e em casa de amigos, a assistente arrendou um apartamento no Porto. 14. Passado algum tempo de ter regressado a Portugal, o arguido contatou com a assistente, dizendo que a amava e queria que ela reatasse o relacionamento, tendo a mesma apenas mostrado interesse em ter de volta os seus pertences. 15. Entre Maio e Agosto de 2022, no interior da sua residência sita no Porto, a vitima recebeu várias chamadas telefónicas do arguido, o qual, perante a recusa da assistente em reatar a relação, este lhe dirigiu as seguintes palavras “puta, vagabunda”, “interesseira”, “apenas te relacionaste comigo por interesse”. 16. O arguido acabou por não devolver à assistente nenhum dos bens que ficaram em sua casa, dando-lhe destino não concretamente apurado. 17. Ao actuar do modo descrito, o arguido quis maltratar física e psicologicamente a assistente, sua companheira, bem sabendo que com tal conduta lhe causava angústia e tristeza, pretendendo que se sentisse menorizada e humilhada, o que assim logrou, e que a afetava na sua saúde, querendo, ainda, atingi-la na sua dignidade pessoal, o que também alcançou. 18. E, praticou alguns desses factos na residência em comum. 19. O arguido actuou livre, deliberada e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal. Mais se provou: 20. No decurso do relacionamento amoroso entre ambos, o arguido e a assistente decidiram casar e previamente formalizar/registar o contrato de união de facto. 21. O arguido convidou a assistente a ir com a filha, viver com o arguido, em Espanha, ainda antes do fim do ano lectivo, para a menina aprender a falar espanhol. 22. Nessa sequência a filha da assistente saiu do infantário que frequentava no Porto, Portugal e foi matriculada pelo arguido na escola ..., ... em ..., Espanha. 23. Em 22 de Março de 2022 a assistente e a filha foram EE, ficando o arguido responsável pelas mesmas em Espanha. 24. Em virtude da sua ida para Espanha, a assistente, que era advogada, pediu Escusa nos processos que patrocinava perante a Ordem dos Advogados em Portugal, bem como, renunciou aos processos extrajudiciais e assessoria jurídica, sofrendo com isso, forte insegurança financeira. 25. Na sequência da comunicação referida em 10), um dia antes da assistente e a filha saírem da casa do arguido, o arguido disse que ia desligar a água e o aquecimento se não saíssem. 26. Na sequência da comunicação referida em 10) e uma vez que a assistente tinha entregue ao senhorio a casa onde morava em Portugal, o arguido e assistente acordaram que o primeiro entregaria à assistente a quantia de €2.000,00, sendo €1.000,00 referentes a um empréstimo que a assistente tinha feito ao arguido e €1.000,00 para o pagamento da estadia da mesma noutro local. 27. Ficou ainda acordado entre ambos que quando a assistente encontrasse uma casa, o arguido levaria no camião da sua empresa e entregaria à assistente, os pertences da assistente e da filha. 28. Não obstante o acordado –referido no item 26- o arguido, através da sua progenitora, apenas entregou à assistente a quantia de €300,00. 29. Na sequência da comunicação referida em 10), a assistente e filha regressaram a Portugal sem ter lugar para residir, tendo ficado por mais de um mês em hotéis e na casa de amigos. 30. Em virtude da conduta do arguido, descrita nos factos provados e telefonemas referidos em 15), a assistente sentiu-se emocionalmente frágil, com medo e angustiada. 31. Depois de terem terminado a relação, o arguido acusou a assistente de tentativa de homicídio –de ter colocado veneno/detergente no colacao (pó achocolatado) da filha-, de furto dos bens que estavam na casa, nomeadamente junto do tribunal espanhol –cuja queixa foi arquivada- e também junto de terceiros. 32. Além disso, o arguido acusou ainda a assistente junto de terceiros, de ser uma prostituta que vende o corpo. 33. Na sequência da comunicação referida em 10) e do referido em 25, a assistente deixou na casa do arguido e familiares do mesmo, além do mais não apurado, os seguintes objectos no valor global de pelo menos cerca de €4430,00, mais concretamente: - um espelho, no valor de cerca de cerca de €150,00; - uma cama, no valor de cerca de €900,00; - um colchão, no valor de cerca de €500,00; - cabides, no valor de cerca de 50,00; - uma árvore, no valor de cerca de 26,00; - pratos, copos e taças, no valor de cerca de €100,00; - varinha mágica, no valor de cerca de €44,00; - forno, no valor de cerca de €160,00; - brinquedos, sapatos e roupas, roupas de cama, mesa e banho e um casaco de pele, tudo de valor não apurado, mas que se sabe ser pelo menos de valor global não inferior a cerca de €2500,00. 34. Em virtude da conduta do arguido a assistente sentiu medo, receio, insegurança, sofrimento e angústia, por si e pela sua filha FF; 35. A assistente: a) é advogada desde 2018, auferindo montante não apurado; b) tem uma filha menor a seu cargo exclusivo; c) reside em casa arrendada, pagando de renda montante não apurado; d) é tida como profissional competente, mãe dedicada, pessoa educada e bem considerada no seu meio social. 36. O arguido: a) tem 47 anos de idade e é solteiro; b) é natural de Espanha e reside no referido país; c) vive em união de facto, em casa arrendada, pela qual paga €500,00 de renda de casa; d) tem uma filha menor, com guarda partilhada, de uma relação anterior; e) trabalha no ramo da construção civil, em empresa que se encontra em nome da companheira, auferindo montante não apurado, mas que se sabe ser cerca de €100-150,00 diários; f) tem como habilitações literárias o 9.º ano de escolaridade; g) Já respondeu pela prática: g.1- em 25/11/19, de um crime de violência doméstica, tendo sido condenado por decisão proferida em 17/10/2022, pelo Tribunal da 3.ª secç, da Província ..., Espanha, na pena de 9 meses de prisão suspensa na sua execução –com termo previsto para 11/12/2023- e proibição de contactar e de se aproximar da vítima por 2 anos e 3 meses, perda da suspensão do direito de voto por 9 meses e interdição do uso e porte de arma pelo período de 3 anos e obrigação de reparar os danos causados pela infracção (Proc. ...) 2) Factos não provados: Não se provou que: a) o arguido e a assistente se tivessem conhecido em Agosto de 2021; b) o arguido e a assistente tivessem iniciado a relação amorosa em Agosto de 2021; c) se o arguido e a assistente iam formalizar o registo da união de facto no dia 22 de Abril de 2022; d) nas circunstâncias referidas em 11-12), a assistente tivesse apenas deixado roupas e calçado, que a mãe do arguido guardou num saco; e) nas circunstâncias referidas em 11-12), a assistente tivesse apenas deixado lixo e coisas velhas, que foram deitadas fora; f) na sequência do referido em 25), o arguido tivesse chegado a desligar o aquecedor, impossibilitando que fosse religado, tendo as mesmas ficado sem água e sem aquecimento; g) a assistente tivesse deixado em Espanha, na casa do arguido ou familiares: 2 estendais, no valor de cerca de €150,00; travesseiros plumas de ganso, no valor de cerca de €230,00; edredom plumas de ganso casal, no valor de cerca de €870,00; edredom plumas de ganso solteiro, no valor de cerca de €200,00; cortinas, no valor de cerca de €200,00; quadro, no valor de cerca de €60,00; impressora HP, no valor de no valor de cerca de €366,08; 3 malas no valor de cerca de €800,00; caixa plástica, no valor de cerca de 24,00; guarda chuva, no valor de 14,00; guarda chuva, no valor de 10,00; pendurador de roupa, no valor de 60,00 e vaso Jasmim €4,00; h) que o caso de peles referido no item 33) fosse de vison; i) que o caso de peles referido no item 33) fosse de raposa; j) que o caso de peles referido no item 33) fosse de pele verdadeira; l) que o caso de peles referido no item 33) tivesse o valor de €4.000,00; m) que os brinquedos referidos no item 33), tivessem o valor cerca de €1500,00; n) as roupas e calçado, referidos no item 33), tivessem o valor cerca de €5.000,00; o) as roupas e cama e banho referidos no item 33), tivessem o valor cerca de €1000,00; p) que os bens que a assistente tivesse deixado em Espanha, na casa do arguido ou familiares, tivessem o valor total de €16.419,07; q) quando saiu de casa, a assistente tivesse levado consigo coisas da casa do arguido ou da mãe do mesmo; r) quando saiu de casa, a assistente tivesse posto veneno ou detergente da louça no pó achocolatado (colacao); s) não se provaram quaisquer outros factos para além ou em contrário dos dados como provados, com interesse para a boa decisão da causa. 3) Convicção do Tribunal: A convicção do tribunal, no que concerne aos factos provados e não provados, fundou-se no conjunto da prova produzida em audiência de julgamento –que se encontra gravada, pelo que apenas o mais relevante se salientará-, apreciada de forma crítica e conjugada, nos termos do art. 127.º, do C.P.P., mais concretamente: a) o arguido: Referiu que “é tudo mentira”. Segundo o mesmo conheceu a ofendida num parque de diversões em Amarante, no Verão de 2021; cada um levava a sua filha, falaram 5 minutos, tiraram fotos com as filhas e trocaram os números de telefone; a companheira tinha partido o pé e o depoente foi de férias a Portugal, com a mãe e a filha. Tem uma namorada há 20 anos, a DD; estava zangado com a namorada há umas semanas e lembrou-se de telefonar à assistente; só falou com a mesma cerca de um ano depois de a ter conhecido no tal parque. Não sabia onde morava. Ligou-lhe em Março de 2022 e combinaram alguma coisa; veio ao Porto no 1.º ou 2.º fim de semana desse mês; foi num carro novo e levava €3.000,00 em numerário e a assistente devia pensar que era milionário. Tem uma empresa e trouxe dinheiro para comprar coisas. A assistente depois ligou-lhe a dizer que queria ir a Espanha conhecer a família dele; disse que sim. Depois a assistente apareceu na casa dele em Espanha, com a filha; vinha com o carro cheio, para morar e casar com o depoente. Telefonou à namorada e à mãe, a dizer que acabava de chegar uma “louca, uma rapariga que queria casar com ele e a conhecia de 2 noites. Referiu que como ela tinha uma filha pequena a deixou ficar em casa 2-3 semanas, desde finais de Março até ao aniversário do depoente, dia 16 de Abril de 2022. Segundo o mesmo a mãe do depoente dizia à assistente se a filha dela já não ia ao colégio –a assistente tinha tirado a menina do colégio que frequentava no Porto-; referiu ainda que a assistente batia na filha todos os dias e não gosta de ninguém. Acabaram por matricular a menina numa escola espanhola mas a assistente nem a levava lá. Referiu que tem uma casa e um carro lindos, dinheiro mas é tudo da sua mãe; a empresa também está em nome da sua companheira. Segundo o mesmo, quando a assistente descobriu que o depoente não tinha nada “montou o show”. Pediu para a assistente sair de casa; ela dizia que não queria ir embora. O depoente foi morar com a mãe e deixou a assistente na casa dele com a filha; dizia que só saía dali se lhe desse €3.000,00; disse-lhe tinha acabado de a conhecer. Segundo o mesmo no dia 16 de Abril, data do seu aniversário, foi com a mãe e disse-lhe “pega €1000,00” e vai-te embora; gravou um vídeo sem a assistente saber e ela até dizia que tinha sido muito bem tratada. Nessa data foram todos à montanha (Picos da Europa) e não havia casa de banho (a propósito dos fotogramas juntos aos autos); foi só um dia e era uma viagem de duas horas. Dois ou três dias depois do aniversário retomou a relação com a esposa DD, que é quem ama. Já tinha bloqueado a assistente e ela começou a falar com a namorada DD, todos os dias. Inquirido sobre a profissão a assistente referiu que a mesma diz que é advogada mas “acha que não é”; noutra fase posterior do seu depoimento referiu que a assistente é brasileira, deve dedicar-se “a negócios estranhos, escuros”; é interesseira, “deve fazer o mesmo com outros homens”. Inquirido referiu que nunca disse à assistente que tinha que escolher entre a família e a profissão. Inquirido referiu que com a filha não aconteceu nada, não se magoou e foi com a mãe (do depoente); a filha tinha medo da assistente. Inquirido porque motivo foram todos para a montanha no seu aniversário, tendo em conta o tipo de relação que refere que tinha com a assistente, referiu as miúdas ficaram amigas e foram os 4 para estarem juntos. Nessa altura a assistente já falava de dinheiro e dizia que só ia embora se lhe desse dinheiro. A assistente ficou 4 dias em casa dele sozinha, até mais ou menos dia 21 de Abril, já com os €1000,00 (mil euros). Quando a assistente saiu da casa deixou as paredes pintadas com as palavras “filho da puta”, deitou as fotos dele todas fora e deitou “detergente” no Colacao da filha; é má pessoa. A mãe teve que mostrar as escrituras à assistente e dizer que lhe dava os €3.000,00; primeiro €1000,00 e depois €2.000,00. Segundo o mesmo a relação com a assistente era apenas “algo sexual”; foram só 2 dias para esquecer a mulher. Desde o seu aniversário, 16 de Abril de 2022, que bloqueou a assistente em todos os lados e nunca mais falou com ela. Inquirido sobre se a assistente deixou bens na sua casa quando foi embora, referiu que a mesma levou o que trouxe; só deixou “lixo” em casa, brinquedos e roupas velhas; a mãe é que limpou a casa. O depoente até saiu da cidade para não a ver. Nunca viu nenhum casaco de vison; a lista de objectos indicada nos autos não tem nenhum sentido. Segundo o mesmo apresentou queixa em Espanha contra a assistente, logo que ela saiu, por insistência dos familiares; quando saiu pintou as paredes, envenenou” o colacao, para envenenar a filha; referiu posteriormente que acabou por desistir da queixa. Acha que a queixa dos autos é uma vingança. Inquirido sobre o acordo quanto aos bens deixados pela assistente, referiu que só deixou uma bicicleta, um espelho e uma mesa de cabeceira; as coisas que deixou na sua casa eram coisas sem valor, deitou tudo no lixo. Fizeram um contrato mas ela não quis assinar; só quis o dinheiro, €1000,00; ficou em casa com a filha 4 dias e foi embora por volta de 20-21 de Abril de 2022. Referiu ainda que nunca quis viver com a assistente, era um encontro casual; não combinaram nada antes de viverem juntos. Desde o primeiro dia disse à assistente que gostava da mulher, não lhe perguntou dos relacionamentos dela, nunca lhe interessou. Desde 17 de Abril de 2022 nunca mais teve contacto com a assistente e nem se despediu dela; a mãe do depoente é que continuou a ir lá a casa até ir embora e até fazia as compras do supermercado para a assistente que ela não tinha dinheiro para nada. A mãe também lhe pagou os pneus do carro para ela voltar para Portugal, que custaram cerca de €400,00. A assistente dizia que era rica no Brasil mas nunca a viu com dinheiro; tinha que lhe pagar tudo. A assistente é que falava com a companheira do arguido (DD) todos os dias; até lhe dizia que o arguido lhe telefonava a pedir para voltar; depois a DD também bloqueou a assistente. Nunca insultou a assistente; só dizia que a queria esquecer e voltar para a mulher. O depoente tem uma filha de outro relacionamento que durou 3 anos; o relacionamento com a sua companheira DD, dura há 20 anos. A assistente apareceu em sua casa com a tralha toda e a filha; o erro foi abrir-lhe a porta. Quando foi embora levou as coisas dela e ainda “roubou” coisas da casa; só deixou 2-3 coisas e era lixo. A mãe deu-lhe €1000,00 para ela ir embora A mãe vivia numa casa ali perto; o depoente foi viver para .... Inquirido referiu que teve um processo de violência doméstica há cerca de 20 anos, antes de conhecer a namorada DD; segundo mesmo em Espanha todos os homens têm, qualquer coisa, qualquer insulto é violência doméstica (no entanto, do CRC do arguido não resulta que o processo seja dessa data). No Porto a assistente vivia num quarto pequeno com a filha; quando esteve em casa dela também trouxe a filha, não houve sexo; tem a guarda partilhada e uma forte ligação com a mãe, que o ajuda a tomar conta da filha (quando na parte inicial do seu depoimento referiu que esteve 1-2 dias/noites com a assistente, “uma coisa sexual”). Segundo o mesmo a assistente é uma pessoa insuportável, nem atracção sentimental por ela teve. Inquirido porque não devolveu as coisas da assistente, referiu que só deixou 2-3 coisas e eram lixo; também não tinha o endereço dela para as devolver (o que veio a ser contrariado até pelos mails que a assistente trocou com a mãe do arguido). b) a assistente BB: Referiu que conheceu o arguido em 2014, em ..., Brasil, num bar de praia; a depoente estava a fazer assessoria a uma empresa e esteve em ... 3 dias, a trabalho; o arguido disse-lhe que estava a morar na ..., onde estava a construir um prédio ou villas; é construtor civil. Nessa altura ainda saíram para jantar e trocaram um beijo. Depois a depoente voltou para ... onde sempre morou; mantiveram um contacto telefónico esporádico e acabou por perder o contacto. Em 13 de Maio de 2018 a depoente veio morar para Portugal, na sequência de lhe terem tentado raptar a filha; teve a filha já tarde, na sequência de inseminação artificial, uma produção independente, porque queria muito ser mãe. Nas férias de Verão de 2021, num parque infantil em Portugal, encontrou o arguido, a filha e a mãe do arguido; as meninas ficaram amigas; o arguido disse que era coisa do destino e que ia casar com ela. Na altura o arguido disse que tinha uma namorada, a DD; que acabavam e recomeçavam, que precisava que ela esperasse por ele. Em Dezembro de 2021 o arguido disse que a D. DD tinha ido embora, que lhe deu dinheiro e não se tinha separado antes porque ela se tinha tentado matar. Em Janeiro de 2022 ele veio ao Porto num fim de semana e ficaram num hotel; andaram a passear e ele voltou para Espanha; na quarta feira seguinte voltou para lhe dar um beijo; ia aparecendo semanalmente e ficava na casa da depoente. No Carnaval o arguido trouxe a filha e arrendaram um alojamento em Espinho para passar uns dias; entretanto voltaram para Espanha. Combinaram que a depoente ia para Espanha no final do ano letivo; depois o arguido perguntou porque não ia antes para a menina aprender a língua; na altura tinha 5 anos e andava no pré-escolar. A depoente é advogada e veio para Portugal para ter paz; em Março foi para Espanha e pediu documentação no consulado para provar que eram os dois solteiros; o arguido deu entrada do registo da união de facto e procedeu ao “empadronamento”, o que significa que ficou responsável pela depoente e filha em Espanha e para a FF (filha) poder frequentar a escola em Espanha. A depoente faz anos dia 15 de Março; logo depois foi para Espanha; levou algumas coisas no carro e depois o arguido veio com o camião e levou o resto. Nessa altura, Março de 2022, foi viver para casa do arguido em ..., Espanha. No início estava tudo perfeito, o arguido era um príncipe. A certa altura a depoente tinha que ir a Portugal tratar de dois processos que tinha pendentes sendo um de violência doméstica em Sintra, outro no Tribunal de Trabalho em Leiria e no Porto; alguns deles eram mediáticos e até já tinha recebido os honorários; não conseguia subestabelecer. O arguido tinha marcado uma reunião familiar para celebrar a união de facto mas podia adiar e nem tinha feito ainda despesas; o arguido disse à depoente que tinha que escolher o trabalho ou a família; disse-lhe que escolhia a família mas não podia faltar e abandonar os clientes. Iam celebrar a união de facto porque a depoente descobriu que o pai tinha cancro no fígado e queria ir ao Brasil ver o pai; ficaram de casar um ano depois no religioso. O arguido que até aí a tratava por “minha rainha”, “minha princesa” ou “meu amor”, depois dessa conversa –sobre a necessidade de se deslocar a Portugal a trabalho- passou a trata-la por “hombre” e começou a “maltratar” a FF, empurrou-a porque estragou um brinquedo sem querer. Chamou-lhe também de “sua puta” e disse que “mulher que quer trabalhar quando o marido a pode sustentar é puta”, queria pagar-lhe os honorários para que não fosse trabalhar. Disse-lhe que era só uma semana e amava a profissão, não a podia deixar; uma prima do arguido ofereceu-se para ficar com a filha, que já estava a escola; vinha trabalhar, não podia trazer a menina, não tem família em Portugal. O arguido disse-lhe “eu sei que você é uma puta”, que “vinha a Portugal dar o cu, que não dava para ele”. Além disso, não queria que a depoente falasse com amigos nem nada; queria que usasse só o telemóvel espanhol e não o português; disse-lhe que não tinha amigos em Portugal mas tinha clientes, tinha que usar o telefone. A mãe do arguido, D. GG estava sempre com ela para a ensinar a cozinhar. A casa do arguido era suja e “bagunçada”, tinha fotos na parede, fotos de sexo explícito nas gavetas, objectos sexuais e muitas fotos com a filha em porta retratos; foi com a D. GG comprar caixas e arrumou tudo no sótão, com a ajuda da mãe do arguido. Inquirida sobre se o arguido a impedia de usar determinadas roupas (como decotes), referiu que não, que o arguido gostava que se vestisse bem, para a exibir. Antes de dizer que vinha a Portugal trabalhar o arguido nunca a insultou nem fez nada. Pouco antes do aniversário do arguido, estavam a beber uma cerveja depois do almoço, num café -espécie de clube, ao pé da escola das crianças-, como era hábito na zona e o seu amigo CC-que já conhece há muitos anos- ligou-lhe a dizer que um amigo precisava de uma advogada; o arguido veio e perguntou com que estava a falar; disse que era com um amigo; o arguido pegou no telefone e disse “você é que come a minha mulher, a puta” e começou a insultá-la, a chamar-lhe “puta” em frente da família dele. No dia seguinte tinham marcado ir aos picos da Europa, que eram os anos do arguido; a depoente disse que não ia, estava a chorar mas acabou por ir. Ao passarem o arguido viu neve, parou o carro e disse que quando era criança fazia cocó na neve e limpava com gelo; saiu e fez isso à frente das meninas; sentiu uma “quebra”, ficou chocada; havia cafés perto, não tinha necessidade de fazer aquilo. A mãe do arguido também ralhou com ele, disse que devia tomar vergonha na cara e não fazer aquilo à frente das meninas; discutiram, a D. GG ficou triste. A depoente queria uma família, a filha contente estava feliz com a nova irmã mas os clientes não aceitavam outra advogada. Depois de dizer que tinha que vir a Portugal, o arguido começou a “soltar gases” em casa e no carro, as meninas até ficavam enjoadas. Confirma que o arguido lhe deu €1000,00 mas foi para a depoente e a mãe fazerem compras e não estar sempre a dar dinheiro. O arguido dizia que ela era “pobre” porque comia de faca e garfo. Nos picos da Europa estavam a comer pizza e a depoente estava a comer de faca e garfo e o arguido deu “um tapa” na mesa e disse que era a única a comer de faca e garfo. A filha da depoente deu um peido na mesma e começaram todos a rir-se, porque o arguido diz que ela podia fazer aquilo; ralhou com ela. Voltaram com um ambiente desagradável; o arguido foi dormir para casa da mãe, a cerca de 50 metros. Segundo a mesma o arguido bebia muito. Foram ao tal clube até cerca da 01,00 hora da manhã; o arguido dizia que a filha dele sempre dormiu o meio dele e da DD, disse-lhe que não achava correcto; o arguido começou a dizer que a filha ia dormir com ele no quarto sempre que viesse; começou a chamar-lhe nomes e a gritar. A depoente disse que não concordava e o arguido insistia; a Abril foi dormir com a D. GG. No dia seguinte saíram para o campo com as meninas e o arguido voltou a fazer cocó na frente das meninas; não foi para trás do carro e até estavam perto de casa. Na rua as meninas estavam a correr; a filha do arguido caiu e magoou o joelho; a depoente ia ajudar e o arguido empurrou-a, com força; disse que a menina tinha que se levantar sozinha, não deixou pegar nela. A depoente estava a limpar o ferimento e ele deu-lhe um tapa, disse para não mexer que era filha dele. A depoente começou a chorar, disse à d. GG que ia embora, que não tinha condições de ficar. Já em casa, umas horas depois, apareceu o arguido com a mãe e disse (o arguido) à depoente para ela ir embora. Perguntou-lhe como podia ir embora, que a casa dela era ali, que estava empadronada; ele respondeu que não era problema dele. A depoente começou a procurar casa mas não encontrava nada; dia 28 disse que ia para Portugal procurar casa; a depoente não tinha casa porque a que tinha era arrendada e entregou-a quando foi para Espanha. A certa altura o arguido começou a dizer que se não fosse embora ia desligar a luz e a água da casa; que os ciganos já tinham feito um trabalho para ele; fazia ameaças. Arrumou algumas coisas, outras ficaram nos arrumos e na casa e outras na casa dum primo do arguido. Ele ficou de lhe dar €1000,00 que lhe tinha emprestado para pagar um salário e os outros €1000,00 para ajudar num arrendamento, mas a D. GG só lhe entregou €300,00; o arguido não lhe pagou nada. Quando foi para Espanha a depoente levou muita coisa, incluindo uma cama e um colchão. Quando voltou para Portugal foi para um hotel, uma pousada; ficou 20 dias em casa da amiga HH. Cerca de uma semana depois de vir embora, o arguido começou a telefonar-lhe, a dizer que não podia estar sem ela, que a amava, que a filha dele tinha saudades da filha dela. Às vezes dizia que a amava, outros insultava-a; mandava mensagens no facebook, de madrugada, a perguntar se já tinha outro homem, se o tinha esquecido (conforme consta do docs. juntos pela assistente). Entretanto arranjou um apartamento; a D. GG dizia que não podiam levar as coisas porque o camião estava estragado. Deixou em Espanha, uma cama, colchão, calçado, cabides, brinquedos, uma árvore, roupa, “aparelho” de jantar, varinha mágica, casaco de pele de raposa, forno, tudo. Na altura fez a lista; eram coisas que valiam no global cerca de €15.000-16.000,00. Levou toda a sua vida num camião para Espanha; ia para casar; no carro só levava 2 malas, o resto foi no camião do arguido. O arguido tinha uma empresa de construção civil; tinha dois camiões e máquinas. Na altura a depoente tinha rendimentos do Brasil e Portugal; queria continuar exercer advocacia em Espanha, logo que conseguisse. Referiu que quando saiu de Espanha deixou a casa limpa mas confirma que no quarto escreveu na parede e na cama “não bate em mulher”, fez um vídeo. A depoente é que bloqueou o arguido; só falava com a D. GG para lhe devolverem as coisas. Chegou a falar com a DD, que dizia que o arguido a maltratava, que só sabia mentir; que o arguido também dizia às pessoas que a assistente vendia o corpo, que era uma puta (o que resulta das mensagens juntas aos autos pela assistente). Soube que o arguido apresentou uma queixa contra ela a dizer que pôs veneno de rato no colacao; referiu que tinha comprado 5 kgs. de Colacao; só lhe colocou Nescafé porque sabe que o arguido odeia Nescafé. A depoente estava legal em Portugal, era neta de português e começou a trabalhar como advogada em 2018. Quando reencontrou o arguido morava no Porto, na rua referida na acusação; em ... era a escola da filha. Nessa altura o arguido disse que morava com a DD, que tinha magoado o pé; que moravam juntos mas se queria separar dela. Depôs quanto às mensagens de fls. 32 e ss. e 54. Negou o acordo junto pelo arguido (fls. 5), nem se lembra desse documento. Inquirida referiu que para casar com o arguido teve que ir ao consulado do Brasil e o arguido que arranjar um documento a dizer que era solteiro; assinaram documentação para registar a união de facto; o arguido disse-lhe que tinha dado entrada na Conservatória. Inquirida referiu que o empadronamento era necessário para certificar a união de facto e inscrever a filha na escola. Viveram como um casal; só não casaram pelo religioso porque o pai da depoente estava doente. O arguido só lhe deu €300,00, através da mãe, confirma que comprou os pneus mas eram do Opel velho da depoente que o arguido usou nas obras; O BMW que ela tinha vendeu. Referiu ainda que ao contrário do que pretende fazer crer em julgamento, o arguido percebe bem português porque morou no Brasil. *** Confrontado com as declarações da assistente, o arguido prestou novamente declarações e referiu que: Confirma que morou 3-4 anos no Brasil, no ... mas nega ter conhecido a assistente na ... ou no Brasil. É “tudo mentira”. Referiu que a assistente batia todos os dias na filha. Não existe registo da União de Facto nem assinaram qualquer documento. Confirma ter feito o Empadronamento mas noutra fase do seu depoimento referiu que nunca empadronou nada. Quando a filha caiu, não sabe se se magoou mas lembra-se que não disse à assistente para não tocar na filha. Deu €1000,00 à assistente e nega que ela tenha deixado lá as coisas que diz. A assistente deixou as paredes todas pintadas. Só usou o Opel da assistente 1-2 vezes. Está há 20 anos com a DD; deram um tempo e retomaram. Confrontado com o teor de fls. 13, referiu que era um documento para união de facto datado de 10/03/2022. Quanto ao teor de fls. 33 e 36, desconhece. Confrontado com o teor de fls. 10-11, referiu que o de fls. 11 –contrato de compromisso por mútuo acordo- nunca viu nem assinou, é falso; o de fls. 10 –também denominado contrato de compromisso por mútuo acordo- assinaram os dois. Inquirido sobre o motivo pelo qual inscreveu a filha da assistente na escola, dado o teor das suas declarações, referiu que na escola se a menina não vai à escola uma semana fazem denúncia. Os primeiros dias foram bonitos mas depois uma semana de terror, de medo; viu como a assistente batia na sua própria filha; deitou roupa da filha do arguido ao lixo porque a tia tinha que comprar roupa igual para as duas meninas. O empadronamento ocorreu cerca de uma semana depois; só ficaram juntos um mês. A assistente não o deixava dormir com a filha de 8 anos, que chorava todas as noites. *** d) As testemunhas de defesa:
d.1- GG, mãe do arguido: Referiu que a depoente viveu mais tempo com a assistente do que o filho que ia trabalhar, mas não dormia na casa deles. Fazia as compras e a comida com a assistente. Referiu que vieram de férias ao Porto e encontraram-se com as meninas num parque de diversões; o arguido tinha uma companheira que não foi de férias porque partiu a perna. Não sabe se já se conheciam; referiu depois que o filho não conhecia a assistente. Inquirida referiu que o filho morou no Brasil, em ... –ao contrário do que referiu o arguido, que referiu ...-, por volta de 2007 ou 2010, não chegou a um ano; fazia construção ou reformas de casas, edifícios. A depoente voltou a ver a assistente já em Espanha, em 2020-2021 mas pode ser 2022, quando foi viver para Espanha. Segundo a mesma ela apareceu em Espanha, dizia que estava apaixonada pelo filho e quando estavam juntos ela dizia que ele tinha que casar com ela; disse-lhe que o filho não ia casar com ela nem com ninguém. O arguido disse que ela vinha passar uns dias, não sabe se eram férias; acha que ela queria ficar com a casa, pensou que a casa era do arguido, até lhe mostrou a escritura. A assistente tinha a menina sem ir à escola; foi empadronada lá. Inquirida porque motivo a menina foi matriculada na escola, referiu que estava uma semana sem escola, tinha que ir à escola; a menina tinha 5 anos; em tempo de aulas não se pode ir para Espanha, a menina queria ir para a escola (resposta que se afigura incoerente). A assistente tratava mal a menina, falava alto com ela, nunca gostou da assistente; a menina era carinhosa, a depoente gostava muito da menina; a assistente só fazia arroz branco a e menina queria comer a comida da depoente. Iam às compras e a depoente é que pagava; a assistente nunca pagava nada. No início a depoente até se dava bem com a assistente; cerca de uma semana depois viu um arranhão e o arguido disse que a assistente lhe batia; nos últimos dias ele dormia na casa da depoente. Estiveram juntos 10-15 dias não podiam ser namorados; depois disso o arguido ia para casa da depoente e a depoente é que ia lá fazer a comida. Nunca viu ou ouviu o arguido agredir física ou verbalmente a assistente; ele é que disse que ela lhe dava umas cacetadas (factos que nem o próprio referiu). Nunca falaram de união de facto. Desconhece o documento de fls. 13 (7), nunca falaram disso. O filho nunca disse que queria casar; a assistente é que dizia para convencer o arguido a casar. Segundo a mesma a assistente chegou num carro pequeno mas quando foi embora ia com o carro cheio; não deixou lá nada dela, até levou as pratas, roupas de cama, varinhas mágicas, ferro de engomar, lençóis, toalhas, talheres de prata e outras coisas da depoente. Quando veio até trouxe pouca roupa para a filha, tiveram que ir comprar; veio com os pneus gastos, teve que lhe pagar uns pneus. Nega que tenha trazido coisas num camião. Não tinha nenhum BMW. No fim dizia que só saia da casa se lhe desse €1000,00. Estava desvairada, podia bater no filho; quando estava chateada até a depoente tinha medo dela. Referiu depois que a assistente foi empadronada porque quis, porque ela queria ficar lá; não trabalhava, dizia que era advogada e queria trabalhar lá nessa área; via-a muito no computador. Queria ficar na casa da depoente; não ia por a menina fora. O filho (arguido) já não a queria ver; saia de manhã e à noite ficava na casa da depoente. A depoente deu-lhe €1000,00 e uns pneus novos para não haver acidentes; no dia em que lhe deu o dinheiro o filho não estava presente; se gravou um vídeo não sabe (ao contrário do que referiu o arguido). A assistente nunca emprestou dinheiro ao arguido, ela não tinha dinheiro. Confirma que a assistente disse que tinha que viajar a trabalho para Portugal e voltava mas não se zangaram por causa disso. Referiu que quando saiu a assistente lhe entregou as chaves de casa; deixou o teto pintado de corações, as paredes e tecto com asneiras escritas, a dizer “cabron”. Não tirou fotos, não queria fazer queixa por causa da menina. Depois viu que a assistente tinha posto detergente da louça no Colacao; a neta podia ter ingerido; fizeram queixa e depois desistiram. Inquirida referiu que a DD tratava de idosos; durante os 15-20 anos que viveram juntos que saiba não trabalhou, tinha sempre doenças. Confirma que a assistente lhe mandou mensagens a falar sobre as coisas, até teve que a bloquear. Foi confrontada com o teor de 33 a 49 (39 e 55) onde a assistente insiste pela devolução das coisas que deixou, referiu que na semana que ia mandar tudo foi aos correios e viu que custava mais do que as coisas valiam, era muito caro. Segundo a mesma a assistente deixou lá roupa, calçado, sapatos de tacão, que tem guardado num saco e uma bicicleta que era da neta; quanto à mesinha de cabeceira, um espelho, casaco de peles, referiu que não viu, é mentira, “não deixou lá nada”. Só tem este filho mas as coisas são da depoente. O arguido está com a DD há 20 anos; estão muito bem. Inquirida referiu que o arguido já teve um processo por causa duma rapariga em Barcelona mas não houve agressões No caso dos autos o arguido disse que tinha medo da assistente, que ela lhe batia. Referiu que a depoente viveu mais tempo com a assistente do que o filho que ia trabalhar, mas não dormia na casa deles. Fazia as compras e a comida com a assistente. d.2- DD, companheira do arguido: Referiu que é companheira do arguido há 20 anos, com algumas separações pelo meio; a filha do arguido é de outra relação; agora estão juntos novamente. Não conhece a assistente mas confirma que trocou mensagens com a mesma. Não assistiu a nada do que se passou entre a mesma e o arguido; acha que só estiveram juntos cerca de um mês. O arguido tem a guarda partilhada e adora a filha. O arguido é filho único, tem uma mãe protectora mas já tem 47 anos. Enquanto o arguido teve um relacionamento com a assistente mas a depoente manteve o contacto com o mesmo e a mãe; tinham terminado a relação mas eram amigos e continuaram a falar, nomeadamente sobre a menina. Inquirida referiu que com a depoente o arguido nunca foi violento; estão juntos há muito tempo, discutem como qualquer casal; é educado e cavalheiro. A depoente e o arguido não registaram a união de facto, não precisa disso. Foi confrontada com a troca de mensagens de fls. 51 a 59 (57 a 65), entre a depoente e a assistente. Negou ter usado o casaco de peles da assistente, como a mesma referiu; não usa peles de animais. Segundo a mesma a assistente é que está a usar os sapatos da depoente (no próprio julgamento), que tinha deixado em casa. *** Confrontada a assistente com esta afirmação, pela mesma foi dito que confirma que os sapatos que está a usar foram comprados pelo arguido para a testemunha DD mas como não lhe serviam ficou com eles. *** Referiu ainda a testemunha DD referiu que é mãe solteira e teve várias actividades profissionais: recolheu fruta, tomou conta de idosos, limpou escadas e agora tem a empresa de construção civil do arguido, a “Construções e Reformas, Abril 2026”; são os dois sócios: a depoente tem 90% e o arguido 10%; é gerida por pessoa contratada para o efeito. A empresa tem outros funcionários e o arguido recebe cerca de €100-150,00 por dia e trabalha todos os dias; anteriormente o arguido tinha outras empresas; fechou a dele (por falta de pagamentos) e a depoente criou a que tem há cerca de 2 anos. Enquanto viveu com o arguido tomou conta de idosos. Vivem em casa arrendada, pagando de renda €500,00 mensais. *** e) as testemunhas ouvidas ao abrigo do art. 340.º do CPP: e.1- CC: Referiu que conhece a assistente desde 2019 quando a mesma veio viver para o Porto e são amigos; conheceu-a através de amigos da mãe, em comum. Apenas viu/conheceu o arguido através de videochamada, no dia do aniversário da assistente, 15/03/2022, numa comemoração na ..., quando a mesma o mostrou aos amigos; apresentou-o como namorado. Foi 2 vezes a casa da assistente no Porto; era um T1, onde morava com a filha. A assistente dizia que tinha uma boa relação com o arguido e se ia casar com o mesmo; que este tinha uma filha da mesma idade, estava feliz, apaixonada e tinha tudo para dar certo, daí ter ido viver para Espanha; a assistente contava tudo à mãe do depoente, eram amigas; a mãe mora em Portugal há 22 anos, na .... Até já os tinha convidado para irem a Espanha quando casasse e sabe que a mesma planeava fazer um estágio em Espanha, para poder exercer advocacia também naquele país; nunca falou se ele tinha ou não dinheiro nem em deixar de trabalhar. A assistente largou tudo em Portugal para ir viver para Espanha; tinha uma casa mobilada no Porto, que entregou; acha que em Portugal tinha bons rendimentos mas não sabe quanto ganhava; entregou a casa e foi para viver com o arguido; disse que o tinha conhecido na ... em 2014 e se tinham reencontrado em Dezembro de 2021 num parque em Penafiel. Eram um grupo de amigos, sabiam da relação da assistente com o arguido. Soube pela assistente que se zangaram quando a mesma disse que tinha que vir a Portugal trabalhar e o arguido começou a dizer que mulher dele não trabalhava e a chamar-lhe “hombre”, que em Espanha é considerado palavrão. Referiu ainda a mesma que o arguido lhe tinha dado um tapa na mão, porque a filha dele tinha caído e ela tentou ajudar a menina; que fez cocó na neve e limpou com a mão; a própria menina conta esse episódio da neve. Referiu ainda que uma vez ligou à assistente –perto da Páscoa- porque um amigo espanhol que vivia em Portugal precisava dum advogado, para abrir uma empresa; era uma videochamada; o arguido empurrou a assistente para pegar no telefone –viu isso- e perguntou se quem estava a falar com a assistente, “era o cabrão que estava a comer a mulher dele”. Pensa que a assistente e o arguido estavam num café em Espanha. O amigo ficou furioso de ter ouvido aquilo; o depoente ficou perplexo. A assistente era advogada, sempre trabalhou e tinha clientes; era boa mãe; confrontado com a versão o arguido e a mãe do mesmo não acredita que tenha ido para Espanha “sem dinheiro nenhum” como os mesmos referiram. Inquirido referiu que viveu 13 anos em ..., Espanha; o empadronamento é um documento oficial, mediante o qual se fica responsável por uma pessoa; vale 2 anos e serve para a pessoa se legalizar e obter residência espanhola; é necessário para casar e só um espanhol o pode fazer por terceiro. Quanto ao certificado de soltadoria serve apenas para fins de casamento ou registo de união de facto e só pode ser pedido pelo próprio. Soube pela assistente que o arguido sempre disse que lhe ia enviar os bens que a assistente deixou em Espanha, incluindo uma bicicleta nova, rosa e azul, que o depoente tinha dado à FF. Confrontado com a versão do arguido que a assistente apareceu em Espanha, sem o seu conhecimento ou consentimento para morar com ele, referiu que não acredita nisso; a assistente tem uma filha e até pela menina nunca faria tal coisa. Antes do arguido não lhe conheceu namorado nem conhece o pai da filha; sabe que veio para Portugal porque tentaram raptar a menina no Brasil. Quando voltou de Espanha, em final de Abril de 2022, a assistente ligou à mãe do depoente; disse que estava num hotel e depois na casa duma amiga; andava à procura de casa para morar. Disse que tinha emprestado dinheiro ao arguido mas a mãe dele só lhe deu €300,00, que ele já nem estava em casa quando saiu. Inquirido referiu que a assistente sempre se vestiu bem; sabe que tinha um casaco de vison castanho escuro; viu-o duas vezes mas não sabe o preço nem gosta de peles. Sabe que quando foi para Espanha a assistente doou coisas mas levou a maioria; disse que ele tinha uma empresa de construção civil e trouxe um camião para levar as coisas; não viu, na altura morava em .... Sabe que em Junho de 2022 o arguido ainda ligava a tentar reatar a relação mas a assistente não quis. *** O arguido prestou novamente declarações e referiu que não conhece a testemunha nem sabe se falou com ele. Pediu os documentos referidos pela testemunha porque lhe apeteceu mas não servem para nada; “é uma piada”, como dar um ramo de rosas mas são gratuitos. *** e.2- II, mãe da testemunha anterior: Referiu que conheceu a assistente há cerca de 8 anos, através de amigos comuns e ficaram amigas; frequentavam a casa uma da outra. Nunca viu pessoalmente o arguido, só por videoconferência no aniversário da assistente; mostrou e apresentou-o como o namorado; contou que o tinha conhecido no Brasil e reencontrado em Portugal. A certa altura ela disse que ia para Espanha viver com o namorado, que ia casar. Ficou em Espanha cerca de 2 meses e quando voltou não tinha casa, até pediu para ficar em casa da depoente; tinha entregue a casa –um T1- para ir morar para Espanha; ficou na casa de outra amiga. A assistente contou que disse ao arguido que tinha que vir a Portugal trabalhar e ele não gostou, disse que não, que vinha cá para o trair e arrumar homem e que trabalhava na “putaria”; só lhe contou isso e que lhe tinha dado “um tapa na mão” e a tinha empurrado. Depois de voltar continuou a trabalhar como advogada, como anteriormente. Sabe que não trouxe as coisas de Espanha. c) a testemunha de acusação, HH: Referiu que conhece a assistente há pelo menos mais de 3 anos e são amigas; conheceu-a em Portugal. Não conhece o arguido, só viu fotografias. Assistiu a discussões ao telefone, quando a assistente voltou de Espanha e ficou cerca de 15-18 dias na casa da depoente. Acha que ficou a viver em Espanha cerca de um mês e tiveram brigas; ao voltar a assistente e não tinha onde ficar, porque tinha entregue o apartamento arrendado; tinha ido para Espanha para morar com o arguido, construir uma família. Ouviu discussões, insultos não ouviu. A assistente é que referiu que ele dizia palavras feias, de baixo valor; que a apelidou de “puta”. Não se recorda de ter falado em agressões físicas, lembra-se dos insultos. Não sabe o motivo da separação. Sabe que a assistente deixou as suas coisas em Espanha, que o arguido ficou de as mandar num camião e não mandou; apercebeu-se disso das conversas que ouvia ao telefone; lembra-se de falarem em roupas de cama, móveis e coisas que já não recorda. Se depois bloqueou o telefone ao arguido não sabe; ouvia discussões, não sabe quem ligava a quem nem a depoente interferia. *** O arguido prestou novamente declarações e referiu que a assistente morava num apartamento com 15 metros quadrados, como poderia ter tanta coisa. É empresário; actualmente é trabalhador independente; pediu insolvência e está a trabalhar segundo a lei de 2.ª oportunidade; deve €150.000,00 às Finanças e Segurança Social. Só trabalha 2 horas para a empresa da DD; ganha €400,00 mensais; a empresa tem mais trabalhadores (mais 2 a 4). A empresa chama-se “A...” e situa-se em ...; “B...” é o nome comercial. O depoente tem uma filha, com a guarda partilhada, daí não pagar pensão; a mãe da filha mora na aldeia. O apartamento onde vive é da companheira e tem o 9.º ano de escolaridade. *** Tiveram-se ainda em conta os documentos juntos aos autos, designadamente: os documentos juntos com a participação criminal de fls. 7-8 (lista dos objectos), contrato de compromisso por mútuo acordo de fls. 10-11 (referente ao comprovativo de pagamento pelo arguido à assistente de 2 prestações de €1000,00 cada e de que a mesma deixa objectos, nomeadamente em casa dum primo do arguido, que lhe serão enviados para casa –quando tiver endereço- pelo arguido; certificado de empadronamento de fls. 12, datado de 22/03/2022, mediante o qual o aqui arguido se responsabiliza pela assistente e sua filha FF; documento de fls. 13, emitido pela Conservatória Registo Civil de Ponferrada, datada de 10/03/2022, o qual comprova que o arguido é solteiro para efeitos de “trâmites para União de Facto”; documento de fls. 14, denominado “certificado de registo criminal emitido pelo Consulado do Brasil no Porto, datado de 29/03/2022, o qual comprova que a assistente é solteira, nada impedindo ao matrimónio; fls. 15-20 e 21, requerimento para registo de união de facto em ...; fls. 22 e 23, documentos relativos à escola da filha da assistente em ..., Espanha; fls. 24 e ss., referente a troca de mails entre arguido e assistente, na qual o mesmo refere que anda a ver apartamentos para viverem juntos e manda vários links para a mesma ver, a assistente diz que tem que ter arrumos para guardar as coisas dela, que vai levar a cama, etc. e fls. 32-33 (fotografias dos 4 e das duas meninas); fls. 36-37 e 38 (mails entre arguido e assistente, onde a mesma refere que quer o príncipe que a fez mudar de país para construir uma família e não o que grita com ela, que ele lhe deu um “tapa” só por querer ver se a filha dele estava bem), com data de 17/04/2022; fotograva de fls. 37 (arguido na neve); mail de fls. 33, datado de 29/04/2022, dirigido pela assistente à mãe do arguido onde indica o endereço e pede para entregarem os seus pertences na referida morada; mail de fls. 40, onde a mãe do arguido responde que mandaram analisar o que deixou no Colacao; depois de saber a resposta é que decide se lhe vai mandar as coisas ou se ela é que vai pagar; fls. 41-55 (o último data de 4 de Maio), troca de mails entre assistente e mãe do arguido nos quais, além do mais, esta refere que fizeram queixa por tentativa de assassinato da menina e seu pai no Colacao, por ter pintado as paredes e roubado coisas; que lhe vão enviar as coisas, que o filho nunca lhe bateu nem fez nada, que inventa coisas para sacar dinheiro; que lhe vai enviar as roupas e o lixo dela; esquece-te de nós; a assistente responde que o arguido a agrediu, ficou com o dinheiro dela e as coisas dela, que o arguido bebe demasiado álcool; nega ter envenenado o chocolate do leite ou ter trazido alguma coisa deles. A mãe do arguido refere que lhe vão mandar as coisas numa furgoneta ou empresa de transporte. Teve-se ainda em conta o teor de fls. 56, mail datado de 11/06/22, de 04.56h, a perguntar à assistente se já o tinha esquecido e que via que sim, que já tinha arranjado outro; fls. 57-65, troca de mails entre assistente e actual companheira do arguido, onde fala que lhe vão enviar os bens, lhe pede desculpa e diz que o arguido mente, lhe controla o telemóvel, quando tem uma mulher fala mal da anterior (a ela chamava de gorda e drogada, da assistente diz que vende o corpo mas ela não acredita), que acredita que tenha estragado a relação com a assistente por ciúmes; em 14 de Julho a referida DD pergunta à assistente se a contactou por whatspp através de um número esquisito e como a assistente respondeu que não, as mensagens seguintes foram apagadas. Em 29/08 a mensagem seguinte diz para os deixar em paz, que deram as coisas delas a um centro de pobres, que levou demasiado para 4 dias que esteve com o arguido, que nunca a chamou, para não os incomodar e insulta a assistente, numa linguagem nada parecida com a das anteriores mensagens. Tiveram-se ainda em conta os documentos juntos no decurso do julgamento: - pelo arguido: “contrato de compromiso de mutuo acuerdo” e cópia da queixa/apresentada pelo aqui arguido contra a assistente, que teve despacho de indeferimento em 13/05/2022; - pela assistente em 16/05/2025- 52 documentos, dos quais resultam mensagens escritas e mensagens de áudio trocadas entre arguido e assistente, desde Janeiro de 2022, da qual se tratam como namorados apaixonados, o arguido refere que está à procura de casa para viverem juntos; em 10/03 diz que já pediu a declaração para comprovar que está solteiro para registar a união de facto; falam da escola da filha da assistente em Espanha; em 29/de Março falam de coisas da assistente que o arguido trouxe um camião (inclusive uma árvore); os mails de 08/04, a assistente já diz que quer o príncipe que conheceu de volta e não o que grita com ela; nos documentos 24 a 30, junta prints de fotos do faceebook do arguido no Brasil em Novembro de 2014; os documentos n.ºs 34 e ss., são áudios trocados entre arguido e assistente, onde o primeiro refere que é necessário um documento comprovativo de que são solteiros para registar a união de facto, que pôs no facebook que tinha uma relação com ela e ela tinha que fazer o mesmo, fazem declarações de amor, falam das casas que o arguido está à procura em Espanha para morarem juntos, que já tem o certificado dele e ela que foi pedir o dela ao consulado. - documentos juntos pela assistente em 20/05/2025 (entre eles o original do contrato de compromisso por mútuo acordo assinado por ambos); - print sobre os documentos necessários para o casamento/união de facto em Espanha; - documentos juntos pelo Registo Civil de ... datado de 20/05/25 (no qual se refere que o documento comprovativo de vida e estado foi expedido pela referida conservatória e tem que ser requerido pelo próprio, no caso o aqui arguido; de 21/05/2022, o qual refere que não foi registada a união de facto entre arguido e assistente. *** Quanto à situação pessoal do arguido, tiveram-se em conta as suas declarações, o depoimento em geral das testemunhas ouvidas e em especial das testemunhas de defesa, e o certificado de registo criminal juntos aos autos. *** No que concerne aos factos dados como não provados, resultaram os mesmos de não se ter feito prova nesse sentido, face ao conjunto da prova produzida em julgamento e supra analisada. *** Analisando o conjunto da prova produzida e para além do supra referido, temos que o arguido apresentou uma versão dos factos que não se afigurou credível e foi plenamente contrariada pela demais prova produzida, desde logo pelo depoimento da assistente que se afigurou credível e coerente e em conformidade com o conjunto dos documentos juntos aos autos. Assim, referiu o arguido que conheceu a assistente no Verão de 2021, num parque de diversões em Portugal onde foi com a filha e a mãe; as meninas brincaram juntas, tiraram fotos e trocaram os números de telefone; em Dezembro desse ano, quando se zangou com a companheira DD, telefonou à assistente; estiveram 1-2 dias juntos em Portugal e em Março de 2022, sem nada combinarem ou falarem nesse sentido, a mesma apareceu de surpresa, com o carro cheio e a filha, à sua porta, para morar com ele e casar; devia pensar que era rico mas a casa e o carro estão em nome da mãe e até a empresa onde trabalha agora é da companheira. Segundo o mesmo a assistente é uma “louca” e oportunista, nunca teve qualquer interesse nela e até foi viver para casa da mãe, porque ela não queria sair da casa. Confrontado com os documentos do empadronamento –pelo qual se responsabilizou pela assistente e filha em Espanha- e a matrícula da filha da assistente na escola espanhola que realizou, referiu que a assistente chegou e a menina –então com 5 anos- não ia à escola há uma semana e é obrigatório ir à escola em Espanha, o que não se afigurou minimamente credível. Referiu ainda que nunca registou união de facto com a assistente –o que se veio a revelar verdadeiro, uma vez que apesar de terem assinado o documento, o arguido não o terá entregue na entidade competente- nem o queria fazer ou casar com ela; quanto ao atestado a comprovar que era solteiro, referiu que qualquer pessoa o podia ter pedido e servia para muitas coisas; tendo em conta a resposta da Conservatória de que tal documento tem que ser pedido pelo próprio, referiu que não serve para nada, já pediu muitos, é gratuito e é como oferecer um ramo de flores. Quantos aos demais factos que lhe foram imputados, referiu que não correspondem à verdade, nunca agrediu ou insultou a assistente; ela não deixou nada em casa dele quando foi embora, só lixo que deitou fora. No entanto e quanto ao relacionamento entre ambos, mais concretamente a versão do arguido, de que nada tinha com a assistente e ela era uma “louca” que apareceu lá de surpresa para morar e casar com ele, entende-se que face à demais prova produzida, resulta da mesma que o arguido e a assistente namoravam –apesar dum morar no Porto e outro em Espanha-, fizeram planos para casar ou morarem juntos, o arguido andava a ver apartamentos para morarem juntos, convenceu a assistente a ir morar para Espanha com vista a tal união, a matricular a filha numa escola em Espanha, motivo pelo qual as empadronou ou se responsabilizou pelas mesmas em Espanha, com vista à sua legalização naquele país. Aliás, dos mails trocados, mensagens de áudio e conjunto da documentação junta, conjugado com o depoimento da assistente e testemunhas de acusação, dúvidas não existem que os mesmos tinham uma relação de namoro ainda que recente, que a assistente, advogada em Portugal, largou tudo para ir morar com o arguido, para casar ou viver em união de facto. Ora, a assistente referiu que o arguido a tratava por amor e princesa ou rainha –o que resulta também dos mails trocados e áudios juntos aos autos- e que tudo corria bem até ao Abril, no dia em que disse que tinha que vir a Portugal a trabalho, tratar de uns processos de clientes que ainda tinha pendentes, que não tinha como substabelecer e até já tinha recebido os honorários. Desde essa altura o arguido começou a maltratá-la (chamando-lhe “hombre”, a dizer que mulher que o homem pode sustentar e quer trabalhar é “puta”, que ia para Portugal para estar com outros; passou a ser agressivo com a filha da depoente, a fazer coisas que a incomodavam (como fazer coco na neve ou no campo, à frente das crianças”), deu-lhe um tapa na mão quando ia ajudar a filha dele que caiu, empurrou-a; depois de repente disse para ela ir embora de casa dele, que lhe ia desligar o aquecimento e luz; voltou para Portugal, teve que arranjar casa no Porto e o arguido não lhe devolveu as coisas que teve que deixar em Espanha. Inicialmente mandou-lhe mensagens a dizer que queria reatar e gostava dela, depois telefonava-lhe a insultá-la. Ora, não obstante o arguido negue os insultos, o certo é que no próprio julgamento, pôs em causa que a arguida fosse advogada dizendo que era uma “louca”, “uma interesseira”, que foi para Espanha atrás dele porque pensou que era rico e devia fazer o mesmo a outros homens, que dizia que era advogada mas devia ter era actividades ou negócios obscuros”, ou seja, não obstante estar em sede de julgamento pôs em causa a integridade moral ou honestidade da assistente e não se absteve de a insultar. Aliás, a testemunha de acusação CC, que depôs de forma credível, referiu que quando ligou à assistente, estando esta ainda em Espanha, por videochamada, para a assistente falar com um amigo dele que necessitava de uma advogado, viu que o arguido empurrou a assistente, tirou-lhe o telefone e perguntou ao amigo “se era o cabrão que andava a comer a mulher dele”, ou seja, pondo mais uma vez em causa honestidade e comportamento da mesma. Também das mensagens juntas aos autos, referentes a conversas entre a assistente e a actual companheira do arguido, DD, também esta diz que o arguido fala mal das mulheres quando arranja outra e lhe dizia que a assistente “vendia” o corpo. Ora, assim sendo, dúvidas não resultaram que o arguido insultou a assistente, nos termos constantes da acusação e outros. Por outro lado, o arguido acusou-a também de tentativa de homicídio (de pôr detergente no pó achocolatado) e furto das coisas da casa, apresentando queixa contra a mesma, que veio a ser arquivada. Por seu turno, conforme se referiu já a assistente depôs de forma credível, relatando que conheceu o arguido em 2014, no Brasil e voltaram-se a reencontrar por acaso, no Verão de 2021, num parque de diversões e retomaram o contacto em Dezembro de 2021, quando o arguido se separou da companheira e lhe telefonou. Iniciaram então uma relação amorosa em Janeiro de 2022, o arguido vinha de Espanha vê-la e convenceu-a a ir morar com ele em Espanha e casar; como tinha o pai doente no Brasil, resolveram adiar o casamento e celebrar e registar apenas a união de facto (o mail e documentos juntos aos autos vão todos nesse sentido); largou a casa e o trabalho que tinha em Portugal para ir constituir uma família com o arguido em Espanha. Segundo o mesmo tudo correu bem e o arguido tratava-a como uma princesa; tal só mudou quando a assistente no início de Abril disse que tinha que vir a Portugal, tratar de uns processos que tinha pendentes, altura em que o arguido começou com agressões verbais e físicas, comportamentos inadequados que a chocaram, até que a expulsou de casa; teve que sair e deixar os seus pertences que não cabiam no carro e nunca lhe foram devolvidos. Referiu que escreveu na parede uns palavrões (com tinta lavável), pôs Nescafé no Colacao que tinha comprado (porque sabia que o arguido não gostava de Nescafé), não era veneno nem detergente; não levou nada da casa, só o que era dela. As testemunhas de acusação e as ouvidas ao abrigo do art. 340.º, n.º1, do CPP, depuseram de forma credível, confirmando que a assistente, que tinha uma filha e era advogada largou tudo para ir viver com o arguido, dizendo que ia casar mas correu mal, zangou-se com o arguido, que estava se queixou que foi insultada e maltratada e teve que voltar e arranjar nova casa na cidade do Porto. Todos referiram que a assistente deixou bens em Espanha que nunca lhe foram devolvidos. Por seu turno, as testemunhas de defesa, GG e DD, respectivamente, mãe e companheira do arguido, tentaram defender a versão apresentada pelo arguido, referindo que o arguido teve um relação breve e sem importância com a assistente e a mesma apareceu lá de surpresa, com o carro cheio e a filha e queria ficar na casa. Referiu a mãe do arguido que confirma o empadronamento da assistente e filha pelo arguido e que inscreveram a filha do arguido no infantário mas segundo a mesma referiu de forma pouco credível, foi porque a menina –de 5 anos- estava lá há uma semana sem ir à escola, o que é proibido na Espanha; nunca ouviu falar na união de facto nem casamento e os documentos juntos aos autos devem ser falsos. Referiu ainda que a assistente tratava mal a filha e lhe estava sempre a bater-lhe, que envenenou o colacao quando foi embora e lhe riscou as paredes e roubou coisas da casa. Quanto ao achocolatado e paredes, a assistente explicou o que sucedeu nos termos acima descritos e deu lugar a uma participação em tribunal espanhol, que foi arquivada. Por outro lado, conforme resultou da prova produzida, a assistente queria muito ser mãe, a filha é uma produção independente e na sequência de uma inseminação artificial, a assistente veio do Brasil para Portugal na sequência de uma tentativa de rapto da filha e segundo as testemunhas de acusação e do art. 340.º, n.º1, do CPP, a mesma é uma mãe dedicada. Assim, sendo resulta pouco credível que a assistente maltratasse a filha, como referiram o arguido e a sua mãe (a qual até refere que a assistente agredia fisicamente o arguido). Por outro lado, resulta também pouco credível face à prova produzida que a assistente tivesse levado coisas da casa do arguido, sendo certo que tal não consta da acusação nem da queixa que o arguido apresentou em Espanha, nem a assistente vem acusada do que quer que seja nos presentes autos. Assim sendo, conjugada a prova, entendeu-se dar como provados os factos imputados ao arguido, nos termos dos factos dados como provados. Quanto ao valor dos bens, não existindo qualquer documento ou avaliação nos autos, foram relevantes as regras da experiência e normalidade, tendo em conta os valores indicados pela assistente, que se deram como provados os que se afiguraram razoáveis e os restantes como base em juízos de equidade. *** Os demais factos dados como não provados, resultaram de não se ter feito prova bastante ou convincente nesse sentido, atenta a prova produzida e supra analisada. III - ASPECTO JURÍDICO DA CAUSA: A) Enquadramento jurídico-penal dos factos O arguido vem acusado pela prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo art. 152.º, n.º 1, al. b) e 2, al. a) do Cód. Penal, com referência às penas acessórias previstas nos n.ºs 4 e 5, da mesma norma legal. 1. Analisemos então a qualificação jurídica dos factos: I- Crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.º 1, al. b) e 2, do Cód. Penal: Dispõe o art. 152.º, n.º 1, do Cód. Penal (redacção actual, igual à que resulta já da Lei 60/13, de 23/08), que “quem, de modo reiterado ou não, infligir maus-tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais: a) ao cônjuge ou ex-cônjuge; b) a pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação; c) a progenitor de descendente comum em primeiro grau; … … é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos, se “pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”. E, estabelece o n.º 2 desta norma legal que “no caso previsto no n.º anterior, se o agente praticar o facto… na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima, é punido com pena de prisão de dois a cinco anos”. Consagra-se aqui uma agravação do limite mínimo da moldura penal nos casos previstos no n.º 2. No caso que aqui interessa, caberá referir que o legislador quis censurar mais gravemente “os casos de violência doméstica velada, em que a acção do agressor é favorecida pelo confinamento da vítima ao espaço do domicílio e pela inexistência de testemunhas” (Paulo P. Albuquerque, Comentário do Cód. Penal, 2008, p. 406). Esta norma legal foi introduzida pela reforma penal, operada pela Lei 59/07, de 04/07, embora derive dos arts. 153.º e 154.º, da versão do Cód. Penal de 1982, alterado pela reforma Penal de 1995 (Dec.-Lei 48/95, de 15/03) e Leis 65/98, de 02/09 e Lei 7/00, de 27/05, em cujo âmbito passaram a constituir o art. 152.º, do Cód. Penal. No caso de maus-tratos a cônjuge ou a quem conviver com o arguido em condições análogas à dos cônjuges (actual crime de violência doméstica), o crime era inicialmente um crime de natureza pública (Cód. Penal de 1982) e o respectivo procedimento criminal passou a depender de queixa, com as alterações da Lei 48/95, de 15/03 e que entraram em vigor em 01/10/95. Com a Lei 65/98, de 02/09, que entrou em vigor em 07/09/98, manteve-se a natureza semi-pública do crime mas o Ministério Público podia dar início ao procedimento se o interesse da vítima o impusesse e não existisse oposição desta antes de ser deduzida a acusação. Com a publicação da Lei n.º 7/00, de 27/05, que entrou em vigor em 01/06/00, o crime voltou a ser público, o que se manteve com a redacção actual do art. 152.º, do Cód. Penal, operada pela Lei 59/07, de 04/09, que entrou em vigor em 15/09. Com a Lei 59/07, ampliou-se o âmbito subjectivo do crime, passando incluir as situações de violência doméstica a quem infligir maus-tratos físicos ou psíquicos ao cônjuge, ex-cônjuge e pessoas de diferente ou do mesmo sexo que mantenham ou tenham mantido uma relação análogas às dos cônjuges. Este preceito legal visou, pois, penalizar a violência na família, em nome da preservação da “paz doméstica” (Victor Sá Pereira e outros, Código Penal anotado e comentado, 2008, p. 403). A violência na família tem ao longo do tempo suscitado grandes preocupações, sendo caracterizada pelo Conselho da Europa como “acto ou omissão cometido no âmbito da família por um dos seus membros, que constitua atentado à vida, à integridade física ou psíquica ou à liberdade de um outro membro da mesma família ou que comprometa gravemente o desenvolvimento da sua personalidade” (Projecto de Recomendação e de Exposição de Motivos, do Comité Restrito de Peritos sobre a violência na Sociedade Moderna-33.ª Sessão Plenária do Comité Director para os Problemas Criminais, BMJ 335, 5, citado in Leal-Henriques e Simas Santos, Cód. penal, 2.º vol., 1995, p. 179). Os bens jurídicos protegidos pela incriminação são a integridade física e psíquica, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual e até a honra. Conforme refere Paulo Pinto de Albuquerque (ob. cit., p. 404), o crime de maus-tratos físicos e psíquicos é, “com uma ressalva, um crime de dano (quanto ao bem jurídico) e um de resultado (quanto ao objecto da acção)”; assim, segundo o mesmo, quando se trate de crime de maus-tratos na modalidade de “ofensas sexuais” é um crime de dano e de mera actividade, não lhe sendo aqui aplicável a teoria da adequação do resultado à conduta. Por outro lado e conforme refere o mesmo autor, este ilícito criminal é um crime específico impróprio, cuja ilicitude é agravada em virtude da relação familiar, parental ou de dependência entre o agente e a vítima. São assim requisitos deste crime (alíneas a) e b), do art. 152.º): a) que o agente seja ou tenha sido cônjuge ou que mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação, com o ofendido; b) e lhe inflija maus-tratos físicos ou psíquicos; c) existência dolo genérico. O tipo objectivo inclui as condutas de “violência” física, psicológica, verbal e sexual que não sejam puníveis com pena mais grave por força de outra disposição legal. Por outro lado, o elenco legal de maus-tratos referidos no n.º 1 é exemplificativo, não o esgotando (Paulo P Albuquerque, ob. cit., p. 405). De acordo com o mesmo autor, os “maus-tratos físicos” correspondem ao crime de ofensa à integridade física simples e os “maus-tratos psíquicos” aos crimes de ameaça simples ou agravada, coacção simples, difamação e injúrias, simples ou qualificadas. Por seu turno, as “privações da liberdade” incluem o sequestro simples. As “ofensas sexuais” incluem a coacção sexual (art. 163.º, n.º 2, do C.P.), a violação (art. 164.º, n.º2), a importunação sexual, o abuso sexual de menores dependentes (art. 172.º, n.º2 e 3). Assim, o crime de violência doméstica está numa relação de especialidade com os referidos crimes pelo que, a punição pelo crime de violência doméstica afasta a punição dos referidos crimes. Pelo contrário, o emprego de formas de mais graves de ofensas corporais dolosas, coacção, sequestro, escravidão, ofensa à liberdade ou autodeterminação sexual é punível pelas respectivas incriminações, por força da regra da subsidiariedade, afastando-se a punição pelo crime de violência doméstica (Paulo Pinto de Alburquerque, ob cit. p. 406-407). Relativamente ao conceito de maus tratos ou violência doméstica, tem-se entendido que não basta neste crime uma acção isolada do agente para que se preencha o tipo (caso em que se estaria, por exemplo perante um crime de ofensas à integridade física), mas exige-se uma reiteração do comportamento, em determinado período de tempo, não sendo todavia necessário a habitualidade da conduta (Leal-Henriques e Simas Santos, ob. cit., p. 182). No entanto, de acordo com a nova lei (Lei 59/07), os maus-tratos não têm que ser reiterados, podendo tratar-se de um acto isolado, uma vez que a redacção actual do art. 152.º, n.º 1, do Cód. Penal, passou a referir-se “quem de modo reiterado ou não…” (Paulo P Albuquerque, ob. e p. cit.). De qualquer forma já entendia anteriormente a maioria da jurisprudência que embora, em princípio, o preenchimento do tipo não se baste com uma acção isolada do agente –ou com vários actos temporalmente muito distanciados entre si-, existem casos em que uma só conduta, pela sua excepcional violência e gravidade, basta para considerar preenchida a previsão legal (cfr. Ac. da R.P. de 30/01/08, www.gde.mj.pt). Como o crime em apreço constitui um único crime, embora (em regra) de execução reiterada, a sua consumação ocorre com o último acto de execução. Quanto ao tipo subjectivo só pode ser preenchido dolosamente. Por outro lado, e quanto ao dolo, a revisão do Cód. Penal de 1995, eliminou a exigência de um dolo específico consubstanciado na conduta motivada por “egoísmo ou malvadez”, bastando-se agora o crime com o dolo geral, ou seja, a intenção de molestar física ou psiquicamente. No entanto, o conhecimento correcto da identidade e características da vítima é fundamental para a conformação do dolo do agente (Paulo P. Albuquerque, ob. cit., p. 406). No caso dos autos, resultou provado que: 1. O arguido e a assistente BB conheceram-se por volta de 2014, em ..., no Brasil, país onde o primeiro se encontrava a trabalhar na construção civil e a assistente residia. 2. Em data não apurada do Verão de 2021, o arguido e a assistente reencontraram-se, por causalidade, num parque de diversões em Portugal; 3. Por volta de Dezembro de 2021 o arguido e a assistente retomaram os contactos e em Janeiro de 2022 iniciaram um relacionamento de namoro. 4. Nessa altura, o arguido residia em Espanha e a assistente residia no Porto, mais concretamente, na Rua ..., ..., 3.º dt.º frente, no Porto, local onde o arguido passou a deslocar regularmente para estar com a assistente. 5. No decurso da referida relação amorosa, tendo a intenção de se unirem maritalmente, o arguido e a assistente, decidiram que iriam viver juntos em Espanha, motivo pelo qual a assistente, em Março de 2022, uns dias depois do aniversário da mesma –ocorrido em 15 de Março- deixou Portugal, levando consigo todos os seus pertences e a sua filha, entregando ao senhorio a casa arrendada onde até então residia. 6. Entre Março e Abril de 2022, a assistente passou então a residir em comunhão de mesa, cama e habitação, com o arguido, na habitação do mesmo, sita em Espanha, na zona de .... 7. Em data não apurada de Abril de 2022, no interior da residência em comum, a assistente vítima informou o arguido de que teria que se deslocar a Portugal entre os dias 21 e 28 de Abril de 2022, devido a compromissos profissionais na sua área profissional (advocacia), ao que o mesmo disse que se fosse não precisaria mais voltar e que deveria escolher entre a família e o compromisso profissional. 8. Desde então, o arguido passou a destratar a vítima, apelidando-a de “hombre”, bem como lhe dizia, aos gritos, que “mulher que o marido pode sustentar e que quer trabalhar é puta”. 9. No dia 16 de Abril de 2022, dia do aniversário do arguido, quando estavam de férias nos Picos da Europa, o arguido, de repente, baixou as suas calças na frente da vitima e da sua filha de 5 anos de idade e ainda dos transeuntes e evacuou na neve. 10. No dia 17 de Abril de 2022, ainda nos Picos de Europa, o arguido proibiu a assistente de tocar na sua filha e de cuidar de um ferimento que sofreu na sequência de uma queda. 9. Todavia, a assistente BB insistiu e, nesse instante, o arguido empurrou-a com força, alegando que a filha era dele e ela não deveria se meter na sua criação, que a pequena tinha que aprender a levantar e se cuidar sozinha. 10. Nesse momento a assistente voltou para casa chorando. 11. Pouco tempo depois da data referida em 10), o arguido comunicou à vítima BB que deveria sair de sua casa imediatamente, juntamente com a sua filha, o que assim sucedeu, regressando a mesma a cidade do Porto, em Portugal. 12. Em virtude dessa situação, a assistente levou consigo apenas os pertences que cabiam no seu carro, deixando o resto dos seus bens, na casa do arguido e de um primo do mesmo, ficando o arguido de lhe enviar os bens logo que a mesma tivesse nova residência. 13. Cerca de um mês mais tarde, em Maio de 2022, depois de viver num hotel e em casa de amigos, a assistente arrendou um apartamento no Porto. 14. Passado algum tempo de ter regressado a Portugal, o arguido contatou com a assistente, dizendo que a amava e queria que ela reatasse o relacionamento, tendo a mesma apenas mostrado interesse em ter de volta os seus pertences. 15. Entre Maio e Agosto de 2022, no interior da sua residência sita no Porto, a vitima recebeu várias chamadas telefónicas do arguido, o qual, perante a recusa da assistente em reatar a relação, este lhe dirigiu as seguintes palavras “puta, vagabunda”, “interesseira”, “apenas te relacionaste comigo por interesse”. 16. O arguido acabou por não devolver à assistente nenhum dos bens que ficaram em sua casa, dando-lhe destino não concretamente apurado. 17. Ao actuar do modo descrito, o arguido quis maltratar física e psicologicamente a assistente, sua companheira, bem sabendo que com tal conduta lhe causava angústia e tristeza, pretendendo que se sentisse menorizada e humilhada, o que assim logrou, e que a afetava na sua saúde, querendo, ainda, atingi-la na sua dignidade pessoal, o que também alcançou. 18. E, praticou alguns desses factos na residência em comum. 19. O arguido actuou livre, deliberada e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
Assim sendo, atentos dos factos provados, resultam, pois, preenchidos os requisitos objectivos e subjectivos do crime imputado ao arguido nos presentes autos, bem como, a reiteração geralmente exigida para este crime. Além disso, resulta também a agravação prevista no n.º2, do art. 152.º do Código Penal, uma vez que os factos foram praticados na residência do casal. B) Consequências Jurídicas do Crime: 1. Qualificados os factos, segue-se a à determinação da medida da pena: 1.1.- Crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.º 1, al. b) e 2, do Cód. Penal: prisão de 2 a 5 anos. 1.2 – Nos termos do no 1 do art. 71º do C. P. “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e tendo em conta as exigências de prevenção”. A culpa e a prevenção são assim, os critérios gerais reguladores da medida da pena. A culpa entendida como um juízo de censura dirigido ao agente, em virtude de uma atitude desvaliosa manifestada no facto, constitui o limite máximo que a pena em caso algum poderá ultrapassar. O limite mínimo será fixado em função de considerações de prevenção geral positiva ou de integração, que se traduzem na necessidade de protecção dos bens jurídico-penais e de reafirmação das normas violadas. Por outro lado, devem ter-se aqui em conta considerações de prevenção especial e de socialização, que visam evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade. São estas considerações de prevenção especial de ressocialização que vão determinar, em último termo, a medida da pena. 1.3 - Cabe então agora, a determinação da medida concreta da pena (prisão de dois a 5 anos - art. 152.º, n.º 1, al. b) e 2, al. a) do Cód. Penal): Cabe então agora proceder à valoração dos concretos factores de medida da pena, tendo em conta que a moldura penal abstracta acima referida e identificando-se quais os que relevam para a culpa e para a prevenção. Importa então considerar no estabelecimento da medida concreta da pena, e relativamente à culpa que o arguido agiu com dolo directo, isto é, com intenção de molestar física e psiquicamente a saúde da assistente, o que concretizou, injuriando-a, ameaçando-a e agredindo-a fisicamente, praticando actos que a deixavam chocada e fazendo-a sentir-se triste e humilhada, pese embora por um período curto de tempo (Março a Junho de 2024). Por outro lado, o grau de ilicitude da sua conduta é de intensidade elevada, tendo em atenção o desrespeito pela integridade psíquica da ofendida, sua namorada pelo menos cerca de 4 meses e companheira (união de facto) durante cerca de 2 meses, que deixou o país (Portugal) e profissão que exercia (advocacia), levando a filha menor para ir viver e constituir família com o arguido em Espanha, vendo assim frustradas todas as suas expetactivas de uma vida familiar em conjunto com o arguido, que se transformou no seu agressor. Deve ter-se em conta o tipo de expressões injuriosas, ameaçadoras, bem como, ao tipo de ofensas físicas e psíquicas, apuradas nos autos. Haverá ainda que considerar que conforme se apurou as referidas agressões verbais e físicas tiveram origem em discussões relacionadas com o facto da assistente se pretender deslocar a Portugal a trabalho, para exercer a sua actividade de advogada, o que não foi do agrado do arguido, quer por ciúmes, quer por machismo, que a partir daí passou a injuriar e maltratar a assistente e que se foram agravando, o que não justificando minimamente os factos permite apenas entender a causa para tal comportamento. Por outro lado, das agressões físicas não resultaram para a ofendida lesões físicas permanentes, sendo mais relevantes as sequelas psicológicas, relacionadas com o medo que passou a ter do arguido e a humilhação e vergonha por que passou, por ter sido maltratada mas também por ter de contar a terceiros o sucedido, uma vez que tinha abandonado Portugal para constituir família com o arguido e teve que regressar. Há que atender ainda às razões de prevenção: a favor do arguido depõem as suas condições de vida apuradas nos autos, do qual resulta que o mesmo se encontra plenamente inserido na sociedade, família e trabalho, em Espanha, onde vive. O arguido tem já uma condenação por crime da mesma natureza, por crimes praticados anteriormente aos factos dos autos mas cuja condenação é posterior aos mesmos. Por outro lado, torna-se importante reprovar este tipo de condutas, sendo pois necessário fomentar a ideia de os diferendos, nomeadamente no seio familiar, devem ser resolvidos de outras formas mais civilizadas e não pela utilização da violência. Tudo ponderado e atentos os critérios do art. 71.º, do C.P., não obstante a falta de confissão dos factos ou arrependimento, resulta proporcional e adequada a pena de 26 meses de prisão, próximo do limite mínimo aplicável. * 1.4- No entanto, dispõe o art. 50.º do Cód. Penal, que (…) Ora, no caso dos autos, pese embora a gravidade dos factos, bem como, as condutas injuriosas, ameaçadoras, agressões físicas e psíquicas do arguido para com a ofendida, deve considerar-se também que o arguido se encontra plenamente inserido na sociedade, família e no trabalho, em Espanha onde vive. Por outro lado, não existiram lesões físicas graves ou permanentes, sendo, no entanto relevantes as sequelas psicológicas da ofendida, ainda visíveis. Acresce que, nada resulta no sentido de que depois dos factos dos autos, mais concretamente desde que se separaram e foi apresentada a queixa dos autos, o arguido tenha voltado a injuriar, ameaçar, agredir ou importunar a ofendida ou sequer a tenha contactado ou procurado contactar. Assim sendo, face às circunstâncias concretas apuradas nos autos, designadamente quanto às condições de vida do arguido, bem como, a sua conduta posterior aos factos dos autos, conclui o Tribunal ser suficiente para assegurar as finalidades da punição, a simples ameaça da prisão. Assim sendo, e tendo em conta o disposto no art. 50.º, n.º 5, do Cód. Penal, em conformidade, suspendo a execução da pena de prisão de 24 meses, pelo período de 26 meses. Assim sendo, e tendo em conta o disposto no art. 50.º, n.º 5, do Cód. Penal, em conformidade, entende-se ser de suspender a execução da pena de prisão por igual período de tempo, favorecendo-se, deste modo, a recuperação do arguido fora da prisão. 1.5- Das penas acessórias: (…) Assim sendo, entende-se não ser necessário ou adequado aplicar no caso dos autos, as penas acessórias a que se refere o art. 152.º, n.ºs 4 e 5 do Código Penal. 3) O pedido de indemnização cível: Cabe referir que neste aspecto rege o art. 129.º do Cód. Penal que remete para a lei civil a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime. (…) No caso dos autos mostram-se presentes os referidos pressupostos de indemnização, do art. 483.º, n.º 1, do Cód. Civil: Assim, o demandado injuriou, ameaçou e agrediu fisicamente e humilhou a ofendida BB, do modo descrito nos factos provados e acima descritos (factos evidentemente voluntários ou controláveis pela sua vontade), agressões essas contrárias ao direito (ou ilícitas); o demandado ao actuar nos termos referidos agiu com dolo (nexo de imputação do facto ao lesante) e em virtude desta conduta sofreu a ofendida os danos físicos e psicológicos supra referidos (danos). Acresce que se provou que os danos referidos resultaram da conduta do demandado relativamente à ofendida (nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima). No caso dos autos, peticionou a demandante, a título de não patrimoniais, a quantia de €20.000,00. (…) No caso dos autos, atendendo à natureza do comportamento do arguido, das agressões físicas e verbais e ameaças sofridas pela ofendida em virtude da conduta do arguido, local e contexto em foram efectuadas, as lesões e danos que provocaram, instrumentos de agressão e motivações para os mesmos, bem como, atendendo à condição sócio-económica do arguido e da ofendida e os valores peticionados, reputo como adequada e equitativa, a quantia de €5.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos, pelo crime de violência doméstica imputado ao arguido, relativamente à pessoa da assistente, improcedendo quanto ao restante. * Por se tratarem de danos não patrimoniais a esta quantia (5.000,00) acrescem juros de mora, contados à taxa legal, desde a data da presente sentença (cfr. interpretação do disposto no art. 805.º, n.º3, do C. Civil, dada pela Jurisprudência n.º 4/02, de 09/05/02, publicado no DR n.º 164, I-A, de 27/06/02), até integral pagamento. * Quando aos valores peticionados a título de danos patrimoniais: (…) Assim sendo, entende-se que tem o pedido que improceder quanto a esta quantia. b) a quantia de €16.419,07, referente aos bens que a demandante deixou na casa do arguido e familiares e não lhe foram por este devolvidos. (…) não obstante o lapso de tempo decorrido, o arguido não devolveu qualquer desses bens, dando-lhe destino não apurado nem ressarciu economicamente a demandante quanto ao valor dos mesmos. Assim sendo, entende-se que em virtude dos referidos danos patrimoniais terem resultado da conduta do arguido e estarem verificados os demais pressupostos de indemnização civil acima referidos, entende-se que o arguido terá que ressarcir a demandante BB, a título de danos patrimoniais quanto à quantia de €4430,00 (quatro mil, quatrocentos e trinta euros), improcedendo quanto ao restante. A esta quantia (4430,00) acrescem juros de mora, contados à taxa legal, desde a notificação do pedido (cfr. art. 805.º, n.º3, do C. Civil), até integral pagamento. * IV) DECISÃO: (…)»
Decidindo. Vejamos. Da nulidade. Segundo o recorrente a sentença é nula, nos termos do art. 379°, nº 1, al. b), do CPP, por ter condenado o recorrente por factos diversos dos descritos na acusação, violando o princípio do acusatório (art. 32º, nº 5, da CRP). Tratar-se-ia de factos que não constavam da acusação, mas que foram dados como provados e incluem o facto de o arguido ter dito que iria desligar a água e o aquecimento se a assistente e a filha não saíssem; o arguido ter acusado a assistente de ser uma prostituta junto de terceiros; e o incidente presenciado pela testemunha CC em videochamada, em que o arguido alegadamente empurrou a assistente e questionou a honestidade e comportamento da mesma ("se era o cabrão que andava a comer a mulher dele").
Invoca uma nulidade insanável. Esta nulidade está diretamente relacionada com a condenação por factos diversos dos constantes da acusação. Ora, relativamente a estes factos, resulta evidente que os mesmos decorreram da prova produzida em audiência. Importa considerar que os factos alegados pela defesa ou acusação, quer no pedido cível ou na contestação escrita, quer no requerimento para abertura da instrução, deixam de constituir "factos novos" no sentido consequencial do termo, para constituírem factos a julgar (v. art. 339º-4), se nesse quadro forem considerados juridicamente relevantes, sem necessidade de qualquer comunicação ao arguido (v. n.º 2) (v. neste sentido, Ac. TRP de 12.07.2006, in, proc. 0546558 e ac. TRL de 29.06.1999, in CJ-1999-III-149). Apenas quando os «novos factos» apurados em julgamento, constituírem factos ilícitos de natureza diferente dos descritos no libelo acusatório, suscetíveis de se reconduzirem a um "crime diverso" ou "agravarem os limites máximos das sanções aplicadas" [v. art. 1º-m)] podem constituir «alteração substancial dos factos», seguindo-se os trâmites do art. 359º do CPP. "Assim, é uma exigência do princípio da plenitude das garantias de defesa do arguido que os poderes de cognição do tribunal se limitem aos factos constantes da acusação; porém, se, durante a audiência, surgirem factos relevantes para a decisão e que não alterem o crime tipificado na acusação nem levem à agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, respeitados que sejam os direitos de defesa do arguido, pode o tribunal investigar esses factos indiciados ex novo e se se vierem a provar integrá-los no processo, sem violação do preceituado no artigo 32º, n º 1 e 5 da Constituição”-Ac. TC de 30.03.07, in Dr de 24.05.07. Ver ainda Fernando Gama Lobo i n Código Do processo Penal em anot- ao art. 358º do CPP. Ora, como bem refere a assistente e o M.P. a quo a acusação, define e delimita o objeto do processo, fixando-se, assim, o Thema decidendum; No entanto, a lei admite que o Tribunal atenda a factos ou circunstâncias que não foram objeto da acusação, desde que daí não resulte insuportavelmente afetada a defesa - Vide Acórdão da Relação de Lisboa de 06/12/2017 no Proc. 459/15.1PILRS.L1 5ª Secção Diz o citado Acórdão que quando os factos novos não tenham como efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, mas que sejam relevantes para a decisão, a alteração deverá ser considerada não substancial e o seu conhecimento pressupõe, o recurso ao mecanismo previsto no artigo 358º, n.º 1, do C.P.P. Como refere o Digníssimo Senhor Procurador na sua Resposta, os factos apesar de não estarem na acusação, encontram-se no Pedido de Indemnização Cível, oportunamente, notificado ao Recorrente; Esses factos, não vieram a determinar nem a alteração da moldura penal ou a imputação de um crime diverso, daquele pelo qual o Recorrente foi acusado e condenado; E, citando, ainda o Acórdão, supre referido: “Ou seja, para que se verifique uma alteração substancial, ou não substancial dos factos constantes da acusação ou da pronúncia é necessário que tais factos se acrescentem ou se substituam, ou pelo contrário, se excluam alguns deles” Não houve qualquer alteração da qualificação jurídica dos factos e acresce a esta circunstância de os factos que o Recorrente alega como não pertencendo à estrutura acusatória, constarem do pedido de indemnização cível ao qual o recorrente apresentou a sua Contestação, pelo que, não pode dizer que desconhecia tal factualidade. Os factos que acrescem à matéria de facto dada como provada e que não constavam da acusação referem-se ao pedido de indemnização civil, porquanto os factos provados aí identificados constavam do pedido de indemnização cível (arts.º 13 e ss) e relevam nessa sede, “pelo que não lhe são aplicáveis as restrições decorrentes do art.º 379º/1, al. b), do Código de Processo Penal”. De facto o arguido disse que iria desligar a água e o aquecimento se a assistente e a filha não saíssem da casa. Este incidente é referido como tendo ocorrido um dia antes de a assistente e a filha deixarem a residência do arguido, o arguido acusou a assistente, junto de terceiros, de ser uma prostituta que vende o corpo. Um incidente testemunhado virtualmente por CC (testemunha de acusação), através de videochamada, no qual o arguido empurrou a assistente, tirou-lhe o telefone e perguntou ao amigo da testemunha "se era o cabrão que andava a comer a mulher dele", pondo em causa a honestidade e o comportamento da assistente. Trata-se de factos que foram mencionados no requerimento do pedido cível e portanto não são matéria ex nuova e aprimorados em julgamento.
Inexiste, pois qualquer tipo de nulidade.
Da impugnação. A este respeito impõe-se, desde logo, dizer que a avaliação da prova em primeira instância é norteada por dois princípios fundamentais: o princípio da imediação e o princípio da livre apreciação da prova. Estes princípios afetam diretamente a forma como a convicção do Tribunal é formada. O Princípio da Imediação possibilita o contacto direto e pessoal entre o julgador e a prova, que é tangível e próprio do juiz a quo. As provas são apreciadas por quem assistiu à sua produção, sob a impressão viva colhida nesse momento e formada através de elementos ou coeficientes imponderáveis. É importante notar que estes elementos imponderáveis não podem ser conservados num relato escrito das provas. Por sua vez o Princípio da Livre Apreciação da Prova, consagrado no art.º 127.º do C.P.P., não significa arbítrio. pelo contrário, exige que o julgador justifique o seu raciocínio e percurso interior para chegar à afirmação ou desconsideração de um facto. Significa que o valor a atribuir a determinado meio de prova não é tarifado ou vinculado, salvo exceções legais. O julgador deve orientar-se de acordo com os ditames da lógica e da experiência. Por exemplo, um julgador pode atribuir relevância a um depoimento em detrimento de vários e mais numerosos de sinal contrário, desde que o justifique. A convicção do Tribunal é formada livremente, de acordo com as regras da experiência, entendidas como postulados decorrentes da observação social e dos conhecimentos da técnica e da ciência. A afirmação positiva dos factos deve resultar de uma valoração racional e crítica, segundo as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, permitindo "objetivar a apreciação". Mesmo a prova indireta, que envolve presunções ou inferências, pode justificar certeza suficiente para fundar uma convicção positiva do Tribunal. Para isso, é necessário que a formação dessa convicção assegure uma valoração conjugada e coerente dos vários elementos indiciários, de forma motivada, objetivável e numa leitura consentânea com as regras da experiência. Em síntese, a convicção do Tribunal, ancorada nestes princípios, deve basear-se numa fundamentação compreensível, com opções próprias feitas com permissão da razão e das regras da experiência, ao abrigo da livre apreciação. Embora qualquer sujeito processual possa discordar do juízo valorativo, o poder de valorar a prova pertence ao Tribunal, enquanto ente imparcial e constitucionalmente designado para a função de julgar. A impugnação da matéria de facto em recurso, especificamente através da impugnação ampla prevista no art.º 412.º, n.ºs 3, 4 e 6 do C.P.P., distingue-se fundamentalmente de um novo julgamento em vários aspetos essenciais: 1.Não é um novo julgamento sobreposto: A impugnação ampla não se traduz num novo julgamento sobreposto ao realizado em primeira instância. Embora possa envolver o processo e o resultado da formação da convicção do julgador sobre a prova produzida, ela não usufrui do aporte irrepetível oferecido pela oralidade e pela imediação que caracterizam o julgamento de primeira instância. A sindicância da matéria de facto em recurso não é uma oportunidade para a segunda instância revisitar toda a prova produzida e sobrepor a sua subjetividade. 2. A impugnação, mesmo que alargada, constitui tão só o remédio jurídico apropriado para a deteção de eventuais erros in judicando ou in procedendo. Visa rever o juízo decisório e a sua verosimilhança e consistência, no cotejo com a prova produzida. Pode sindicar a suficiência ou insuficiência da prova para a materialidade considerada, bem como a capacidade e segurança do convencimento que emerge dos meios de prova, seja à luz dos critérios legais de avaliação (art.º 127.º do C.P.P.), seja sob o espectro das disposições sobre prova vinculada. 3.O exame crítico da prova efetuado na primeira instância está vinculado a critérios objetivos, jurídicos e racionais e sustentado nas regras da lógica, da ciência e da experiência comum. Para que a impugnação proceda, é mister que se demonstre a impossibilidade lógica e probatória da valoração seguida pela primeira instância e a imperatividade de uma diferente convicção. 4.Ónus do Recorrente: Na impugnação ampla, a atividade do Tribunal de recurso não se restringe ao texto da decisão, expandindo-se à análise da prova concretamente produzida em audiência de julgamento e devidamente registada. No entanto, o juízo de apreciação e conformidade far-se-á de acordo com os limites fornecidos pelo recorrente, decorrentes do cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4 do art.º 412.º do C.P.P. O recorrente deve especificar: ◦Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados. ◦As concretas provas (ou falta delas) que impõem decisão diversa da recorrida. ◦As provas que devem ser renovadas. ◦Quando as provas forem gravadas, as especificações devem ser feitas por referência ao consignado na ata, indicando concretamente as passagens em que se funda a impugnação. 5.Exigência de imposição, não mera sugestão: Não basta ao recorrente configurar hipóteses decisórias alternativas, da sua conveniência ou modo de ver, mais ou menos compagináveis com a prova produzida. É necessário que a eventual insuficiência da prova para a decisão da matéria de facto tomada, ou, na proposta de apreciação alternativa, que a prova produzida, imponham (e não apenas acomodem, sugiram ou permitam outro entendimento) como conclusão lógica, uma decisão distinta e, em concreto, aquela que na argumentação de recurso se defende. 6.Dever de fundamentação reforçado: O recorrente tem o dever de fundamentar a sua impugnação de forma a tornar evidente que as provas indicadas, aquelas que convoca, impõem uma decisão diferente, com o mesmo grau de argumentação e convencimento que é exigível ao julgador para fundamentar os factos provados e não provados. Só assim se percebe qual o raciocínio seguido para se poder afirmar que o mesmo impõe decisão diversa da recorrida. 7.Manutenção da valoração da Primeira Instância: O poder de valorar a prova e de se determinar de acordo com essa avaliação pertence ao Tribunal de primeira instância, enquanto ente imparcial e constitucionalmente designado para a função de julgar. A discordância do juízo valorativo pelo sujeito processual, mesmo que outro meio de prova se sobreponha ou outro seja questionável, não anula a prerrogativa do Tribunal a quo. Em resumo, a impugnação da matéria de facto em recurso não significa um "segundo julgamento" da prova, mas sim uma revisão controlada e limitada do processo de formação da convicção do julgador de primeira instância, exigindo do recorrente uma fundamentação robusta e a demonstração de que a prova produzida impõe uma conclusão lógica diferente daquela a que o tribunal a quo chegou. É crucial que a fundamentação do recorrente vá além de meras hipóteses decisórias alternativas ou da simples afirmação de discordância. Não basta ao recorrente configurar cenários diferentes que sejam apenas "mais ou menos compagináveis" com a prova produzida. Pelo contrário, é necessário que a prova produzida imponha (e não apenas acomode, sugira ou permita outro entendimento) como conclusão lógica, uma decisão distinta e, em concreto, aquela que se defende na argumentação do recurso.
Posto isto, o arguido recorrente visa a reapreciação da matéria de facto, dada como provada. Os pontos da matéria de facto que o recorrente impugna são os seguintes: Conhecimento em ... em 2014: Foi considerado provado que o arguido e a assistente BB se conheceram em ..., no Brasil, por volta de 2014. O recorrente impugna este facto por considerar que a única prova é que ele esteve no Brasil em 2014, não havendo prova concreta de que se tenham conhecido nessa altura, baseando-se a convicção apenas no depoimento da assistente. Factos Ocorridos em meados de Abril de 2022 (Ultimato Profissional e Insultos): Foi considerado provado que, em meados de abril de 2022, o arguido disse à assistente que, se ela se deslocasse a Portugal por compromissos profissionais, não precisaria mais voltar, forçando-a a escolher entre a família e o trabalho. Foi também considerado provado que o arguido passou a destratar a vítima, apelidando-a de "hombre" e dizendo, aos gritos, que "mulher que o marido pode sustentar e que quer trabalhar é puta". O recorrente impugna estes factos, alegando que a convicção se baseou unicamente no depoimento da assistente. Adicionalmente, o depoimento da assistente sobre a expressão "hombre" revelou-se confuso e incoerente, pois ela afirmou que era uma expressão que ele usava e que não a assumiu como um insulto verbal. Incidente nos Picos da Europa (16 de Abril de 2022): Foi considerado provado que, durante as férias nos Picos da Europa, o arguido "baixou as suas calças na frente da vítima e da sua filha de 5 anos de idade e ainda dos transeuntes e evacuou na neve". O recorrente impugna este facto na sua totalidade, alegando que não existe prova de que tenha evacuado na frente de menores ou transeuntes, nem que este ato tenha causado qualquer tipo de angústia, tristeza ou desconforto à assistente. A assistente, em audiência, relatou o momento como algo que lhe deu risada e chegou a filmar, demonstrando também incoerência sobre a existência de casas de banho no local. Factos ocorridos a 17 de Abril de 2022 (Proibição, Empurrão e Afirmação de Paternidade): Foi considerado provado que o recorrente: Proibiu a assistente de tocar na filha e de cuidar de um ferimento que esta sofreu. Empurrou a assistente com força, alegando que a filha era dele e que ela não deveria interferir na sua criação, dizendo que a filha tinha que aprender a levantar e a cuidar-se sozinha. A assistente voltou para casa chorando nesse momento. O recorrente impugna estes factos, alegando que se basearam exclusiva e unicamente no depoimento da assistente. A única prova documental (mensagem com fotografia do antebraço) menciona um tapa no braço, mas não menciona a proibição de tocar na filha, o empurrão ou as alegações de que a filha era dele, sendo o recorrente acusado de algo que o próprio documento junto não corrobora. Factos ocorridos entre Maio e Agosto de 2022 (Chamadas e Insultos Durante 40 Dias): Foi considerado provado que: O arguido contactou a vítima, dizendo que a amava e queria reatar o relacionamento. Durante cerca de quarenta dias, entre Maio e Agosto de 2022, a vítima recebeu várias chamadas telefónicas do arguido, nas quais este lhe dirigiu as palavras "sua puta, sua vagabunda", "interesseira" e "apenas te relacionaste comigo por interesse" . O recorrente impugna o período de 40 dias e a ocorrência dos insultos. A única prova documental junta pela assistente foi um print de três mensagens e uma tentativa de ligação, todas ocorridas num único dia (11 de junho), não existindo qualquer outra prova de que o recorrente tenha ligado ou escrito mensagens para proferir tais palavras durante 40 dias, baseando-se a prova apenas no depoimento da assistente. Factos adicionais (Factos Não Constantes da Acusação):para, além de alegar que não constavam da acusação (o que levaria à nulidade da sentença, que já vimos que não), foram incorretamente julgados como provados: O arguido disse que iria desligar a água e o aquecimento se a assistente e a filha não saíssem. Este facto baseou-se apenas no depoimento da assistente, sem qualquer outra prova. O arguido acusou a assistente, junto de terceiros, de ser uma prostituta que vende o corpo. O recorrente alega que a prova se baseou no depoimento da assistente e numa troca de mensagens entre ela e a testemunha do recorrente (D. DD), tratando-se de provas tiradas num contexto de "diz que disse". O incidente em que o arguido empurrou a assistente durante uma videochamada e questionou a honestidade dela, perguntando a um amigo da testemunha CC "se era o cabrão que andava a comer a mulher dele". O recorrente alega que não existiram provas credíveis de que estes factos tivessem ocorrido, nem sequer uma troca de mensagens entre a assistente e a testemunha que alegadamente os presenciou virtualmente.
Posto isto, ao recorrente não basta dizer discordar da matéria de facto dada como provada, sendo necessário que identifique devidamente quais são os pontos de facto que no seu entender foram indevidamente dados como provados e não deviam ter sido, na sua perspetiva, e qual a razão por que entende que assim deva ser([2]), indicando as provas que demonstrem de forma inquebrável e sem alternativas, o erro de decisão (ex: quando o recorrente se socorra da prova documental tem que concretizar qual o concreto documento que demonstra o erro da decisão; quando se socorra de prova gravada tem que indicar o(s) depoimento(s) em questão identificando a(s) pessoa(s) em causa, indicar a passagem ou passagens da gravação desse(s) depoimento(s) que demonstra(m) o erro em que incorreu a decisão([3])) e enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas – cfr. art. 412º nºs 3 e 4 do CPP. A exigência da lei ao estabelecer os requisitos da impugnação da matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido deve-se à circunstância de o recurso sobre matéria de facto, apesar de incidir sobre a prova produzida e o seu reflexo na matéria assente, não configurar um novo julgamento. Se estivéssemos perante um novo julgamento as especificações/requisitos seriam, obviamente, destituídas de fundamento. Mas, sendo o recurso um remédio, então o que se pretende é corrigir concretos erros de julgamento respeitantes à matéria de facto. Por isso a lei impõe que os erros que o recorrente entende existirem estejam especificados e que as provas que demonstrem tais erros estejam também elas concretizadas e localizadas, tanto mais que, segundo estabelece ainda o nº 6 de tal artigo 412º, “No caso previsto no nº 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa”([4])([5]). A jusante impor-se-á um último limite que tem a ver com o facto de a reapreciação só poder determinar alteração à matéria de facto assente se o Tribunal da Relação concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitam uma outra decisão([6]). Sobre o significado do verbo «impor» estipulado no art. 412º nº 3 b) do CPP, escreveu-se no Ac. da R.P. de 23/11/2022([7]), que “consubstancia a exigência de verificação de uma obrigação impreterível, de um imperativo, de um dever mandatório inquebrável e sem alternativas”. Normalmente os erros de julgamento capazes de conduzir à modificação da matéria de facto pelo tribunal de recurso (cfr. arts. 428º e 431º do CPP) consistem no seguinte: dar-se como provado um facto com base no depoimento de uma testemunha que nada disse sobre o assunto; dar-se como provado um facto sem que tenha sido produzida qualquer prova sobre o mesmo; dar-se como provado um facto com base no depoimento de testemunha, sem razão de ciência da mesma que permita a referida prova; dar-se como provado um facto com base em prova que se valorou com violação das regras sobre a sua força legal([8]); dar-se como provado um facto com base em depoimento ou declaração, em que a testemunha, o arguido ou o declarante não afirmaram aquilo que na fundamentação se diz que afirmaram([9]); dar-se como provado um facto com base num documento do qual não consta o que se deu como provado; dar-se como provado ou não provado um facto com base em presunção judicial erradamente aplicada([10]). A propósito, vide Ac. R. Porto de 11/06/2025, proc. nº 49/23.5PDMAI.P1 Ora, o tribunal a quo na análise critica que fez da prova concluiu que: A contraposição entre as versões dos factos apresentadas pelo arguido e pela assistente é acentuada, com a versão do arguido a ser considerada não credível e plenamente contrariada pela demais prova produzida, enquanto o depoimento da assistente se afigurou credível e coerente. As diferenças centrais focam-se na natureza do relacionamento, nos planos para o futuro, nas razões para a mudança da assistente para Espanha, e nos incidentes de agressão e insulto. Na perspetiva do arguido refere que conheceu a assistente no Verão de 2021 e que só lhe telefonou em Dezembro de 2021 quando se zangou com a companheira DD. Referiu que a assistente era uma "louca" e oportunista, nunca tendo tido qualquer interesse nela. Alegou que a assistente apareceu de surpresa à sua porta em Março de 2022, com o carro cheio e a filha, para morar com ele e casar, pensando que ele era rico. Negou querer casar ou registar uma união de facto, apesar de ter assinado o documento, não o entregou na entidade competente. Confrontado com o facto de ter realizado o empadronamento (registo de residência) e a matrícula da filha da assistente na escola espanhola, alegou que o fez porque a menina, de 5 anos, não ia à escola há uma semana, o que é obrigatório em Espanha — uma justificação que não se afigurou minimamente credível. Ponderando a versão da assistente concluiu que a assistente referiu que retomaram o contacto em Dezembro de 2021 e iniciaram uma relação amorosa em Janeiro de 2022. A assistente afirmou que o arguido a convenceu a ir morar com ele em Espanha com o objetivo de casar ou viver em união de facto, e que ela largou a casa e o trabalho que tinha em Portugal para constituir família com ele. Analisados os documentos e provas (mails trocados, mensagens de áudio) confirmou-se que eles tinham uma relação de namoro, fizeram planos para casar ou morar juntos, e que o arguido estava a ver apartamentos para ambos. O tribunal concluiu que o arguido convenceu a assistente a ir morar para Espanha, a matricular a filha e que se responsabilizou por ambas através do empadronamento com vista à sua legalização naquele país, contrariando a versão de que ela teria aparecido de surpresa. Relativamente aos insultos e agressões, o tribunal atentou na versão do arguido, o qual negou os factos que lhe foram imputados, referindo que nunca agrediu ou insultou a assistente; alegou que a assistente não deixou nada em casa dele quando foi embora, apenas lixo que ele deitou fora. Por sua vez, o tribunal a quo atentou na versão da Assistente e outras provas, mencionando que a assistente relatou que tudo corria bem, sendo tratada por "amor" e "princesa/rainha" (confirmado por mails e áudios), até ao início de abril, quando mencionou ter de ir a Portugal a trabalho. A partir daí, o arguido começou a maltratá-la, chamando-lhe "hombre," "puta" (por querer trabalhar) e acusando-a de ir a Portugal para estar com outros. A assistente referiu agressões físicas, como um sapatada na mão e o empurrão. A testemunha de acusação (CC) confirmou ter visto o arguido empurrar a assistente, tirar-lhe o telefone e insultar um amigo dela, pondo em causa a sua honestidade. A assistente teve de sair e deixar os seus pertences em Espanha, que nunca lhe foram devolvidos. As versões contrastam também quanto às acusações e insultos proferidos, antes e durante o julgamento: Embora negasse as agressões e insultos, o arguido insultou a assistente no próprio julgamento, chamando-a de "louca", "interesseira", e sugerindo que ela tinha "atividades ou negócios obscuros," pondo em causa a sua integridade moral e honestidade. O arguido e a sua mãe acusaram a assistente de tentativa de homicídio (por pôr detergente no achocolatado) e furto de coisas da casa. Apresentou queixa, mas esta veio a ser arquivada. Por sua vez, a assistente explicou que escreveu palavrões na parede (com tinta lavável) e pôs Nescafé no Colacao (sendo que não era veneno nem detergente, mas sim algo que o arguido não gostava), e que não levou nada da casa a não ser o que era seu. As testemunhas de defesa (mãe e companheira do arguido) tentaram defender a versão do arguido, referindo que a relação foi breve e que a assistente apareceu de surpresa, e também a acusaram de maltratar a filha. Contudo, a prova produzida levou à conclusão de que a assistente, que era uma mãe dedicada, maltratar a filha ou levar coisas da casa é "pouco credível". Em suma, enquanto o arguido tentou desqualificar a assistente como uma intrusa oportunista e louca que invadiu a sua vida, a assistente apresentou uma versão coerente e apoiada por provas que confirmam uma relação séria e planos conjuntos, desfeitos pelos maus-tratos e insultos do arguido. O tribunal classificou a credibilidade da assistente de forma muito positiva. O seu depoimento afigurou-se credível e coerente e, inclusive, foi a base que ajudou a descredibilizar a versão dos factos apresentada pelo arguido. Especificamente, o tribunal refere que: 1. A assistente depôs de forma credível. 2. O seu depoimento afigurou-se credível e coerente. 3. A versão da assistente estava em conformidade com o conjunto dos documentos juntos aos autos (como mails trocados, mensagens de áudio e diversa documentação). A credibilidade da assistente foi ainda reforçada pela consistência do seu relato, que levou o tribunal a concluir que ela largou a casa e o trabalho em Portugal para constituir família com o arguido em Espanha, contrariando a versão do arguido de que ela era uma "louca" e apareceu de surpresa. Além disso, as testemunhas de acusação e as ouvidas no âmbito do artigo 340.º, n.º 1, do CPP, também depuseram de forma credível, confirmando a versão da assistente. O tribunal considerou pouco credível a versão do arguido e da sua mãe de que a assistente teria maltratado a filha ou levado coisas da casa. Ouvida a prova, pôde-se constatar que o arguido, AA, revela um discurso marcado por extrema assertividade, um tom acusatório, inconsistências factuais e lógicas, e poucas hesitações na apresentação da sua versão, embora misture e altere situações frequentemente. O tom geral do arguido é altamente assertivo e combativo, especialmente ao descredibilizar a ofendida. O arguido utiliza consistentemente linguagem forte e depreciativa, classificando a vítima repetidamente como "loca", "maluca", "delincuente", e afirmando que ela só queria dinheiro. Ele chega a questionar a lógica e a sanidade mental da ofendida, referindo-se aos seus atos como "maluquis" e a situação como algo "de psiquiatria". Demonstra forte assertividade ao defender a sua esposa e mãe, afirmando amar a sua esposa há 20 anos e referindo-se a ela como "a mulher que eu amo". É assertivo ao detalhar as ações supostamente maliciosas da vítima, como pintar as paredes com cores infantis, destruir fotografias, e colocar detergente no achocolatado da filha. Em relação à acusação de ter evacuado na neve nos Picos da Europa, ele afirma assertivamente que "fazemos [cocó] todos, todo el mundo na montaña", minimizando o incidente como uma prática comum. Embora o arguido não pareça demonstrar pausas ou hesitações significativas ao apresentar o seu ponto de vista (muitas vezes falando de forma rápida e efusiva em espanhol), o discurso é interrompido e pontuado por momentos de confusão e contradição quando confrontado pelo tribunal. O arguido frequentemente digressa e retoma repetidamente os mesmos pontos (o dinheiro, a "loucura" da vítima, o desejo de regressar à esposa), o que constitui uma dificuldade em manter o foco linear quando pressionado sobre inconsistências. Há momentos de incerteza, como não saber exatamente quando a vítima saiu de casa (três ou quatro dias depois do vídeo) ou a data exata de certos documentos. Hesita sobre quantas pessoas foram aos Picos da Europa, inicialmente mencionando quatro e depois corrigindo para cinco (ele, BB, a mãe e as duas crianças). A coerência do discurso do arguido é significativamente comprometida pelas múltiplas contradições e justificações complexas apresentadas. O tribunal observa que ele "mistura aqui muitas situações, vai acrescentando, vai alterando". Revela incoerência temporal e racional a propósito da relação vs. ações, afirmando que só queria "curtir" com a vítima por um fim de semana e que a relação era casual/sexual. No entanto, também afirma que não houve sexo por não gostar de usar preservativo com quem não conhecia. Nas ações após o rompimento alega que a vítima era insuportável e queria que ela fosse embora desde cedo, mas foi com ela e as filhas de férias para os Picos da Europa no dia do seu aniversário (16 de abril). Justifica a ida à viagem (que descreve como o último dia) como uma tentativa de convencê-la a ir embora, levando a mãe para "enganar" a vítima e entregar-lhe dinheiro. Questionado sobre a ilogicidade de matricular a filha da vítima na escola e tratar de documentação (como o empadronamento e o certificado de solteiro) se a intenção era que ela ficasse apenas "uns dias" ou "uma ou duas semanas", explica que fez o empadronamento por medo de que a polícia fosse chamada devido à criança não frequentar a escola. Revela inconsistência na documentação e insultos, na medida em que nega que o documento de acordo apresentado pela vítima esteja assinado por ele, sugerindo que a sua assinatura é uma falsificação ou fotocópia de outro documento. E Apesar de negar ter insultado a vítima, ele afirma que em Espanha, um simples insulto a uma mulher é considerado violência doméstica, e admite já ter tido um processo anterior de violência doméstica (há 20 anos). Em resumo, a credibilidade do arguido foi desafiada pela sua tendência a misturar factos e apresentar justificações complexas e, por vezes, contraditórias, o que sugere uma tentativa de moldar a narrativa de forma altamente desfavorável à ofendida, enquanto simultaneamente defende os seus próprios atos como sendo motivados por medo ou obrigação legal (ex: empadronamento para evitar a polícia). A credibilidade do discurso do arguido é estruturalmente fraca devido às camadas de contradições e justificações que se sobrepõem, dificultando a distinção da verdade subjacente e nessa medida é muito baixa, revelando-se num depoimento enviesado e inconsistente, no qual a assertividade e o tom acusatório servem para justificar uma série de ações próprias que, pelo seu teor oficial (empadronamento, certificado de solteiro) e social (viagem de férias), contradizem a sua versão de um caso sexual e casual de curta duração. Por sua vez, ouvida a assistente, demonstra um discurso geralmente coerente e altamente detalhado, especialmente ao descrever a cronologia dos eventos e os episódios de conflito. O discurso estabelece um contacto inicial em 2014 no Brasil, seguido pelo reencontro em 2021 no C... em Penafiel. A mudança para Espanha em março de 2022 é apresentada como parte de um plano sério para a união de facto e casamento religioso, sendo esta intenção justificada pela busca de segurança para a filha e por um "encontro divino". A assistente é assertiva e utiliza detalhes vívidos para refutar a versão que lhe é imputada (alegadamente pelo arguido, AA), de que ela seria uma "maluca" que apareceu de surpresa e sem ser convidada. Ela insiste que os documentos (como o empadronamento e o registo da filha na escola) provam a veracidade do seu relato. A riqueza dos detalhes nos relatos de agressão verbal e física, e de comportamentos aberrantes do arguido, reforça a convicção no que é declarado. Incluem insultos como "puta madre", "hombre", e "sua puta", bem como atos como defecar na neve ou no mato e agressão física (empurrão e bofetada no braço). A assistente, que é advogada, manifesta assertivamente a sua recusa em abdicar do seu trabalho em Portugal, apesar das exigências do arguido. Ela defende a sua paixão pela profissão e a impossibilidade de devolver os honorários já recebidos. É possível inferir a presença de forte carga emocional e momentos de indignação a partir das exclamativas e da interrupção do discurso. Em vários momentos, a assistente manifesta indignação e um tom de voz elevado, especialmente quando se sente desrespeitada ou acusada de falsidade, como quando diz "Doutor, eu não sou i*****. Nós somos colegas. Primeiro senor me respeite, tá?". Ela também demonstra uma forte necessidade de se fazer ouvir e esclarecer a seriedade da situação: "Doutor, deixa falar uma coisa para o senhor, senhor, para de colocar palavras na minha boca porque também sou sua colega". Houve uma interrupção notável e uma hesitação clara ao relatar os insultos mais graves relacionados com o facto de ter que ir a Portugal, indicando dificuldade emocional em reviver o momento: "Desculpa. Nunca sentei numa cadeira assim. É assim que é difícil. Meu Deus, nunca pensei.". A assistente é levada pelo entrevistador a "apanhar" ou a detalhar eventos de forma exaustiva, o que sugere um discurso rápido e por vezes pouco conciso, mas a profundidade dos detalhes é consistentemente alta. As declarações sobre a expulsão de casa são carregadas de emoção e desespero, referindo que foi "expulsa", que voltou para casa chorando, e que ficou sem água quente e climatização após o arguido remover o botão do esquentador. A assistente frequentemente invoca evidências e testemunhas para sustentar o seu discurso, o que aumenta a perceção de assertividade. Ela nega veementemente as alegações do arguido, nomeadamente de que só deixou uma bicicleta estragada e uma mesinha, insistindo que levou a "vida toda" num camião e que o seu casaco de pele estava a ser usado pela ex-namorada (JJ). Menciona a existência de documentos (do consulado, do empadronamento, e mensagens com a mãe dele, Dona GG, e com a JJ). Ela também afirma ter vídeos que comprovam os atos aberrantes do arguido (defecar na neve/mato) e o estado de limpeza da casa quando saiu. O facto de ter trocado mensagens com a ex-namorada do arguido (JJ), que lhe confidenciou ter sido maltratada por AA e que ele espalhava rumores de que a assistente era "puta", é um ponto de coerência externa que fortalece o seu relato das agressões verbais. Em resumo, a declaração da assistente revela um relato factual muito detalhado e altamente assertivo, com forte ênfase na veracidade dos factos (muitas vezes invocando provas documentais ou visuais). Os momentos de maior intensidade emocional (como a dificuldade em relatar os insultos ou a indignação quando questionada sobre a sua sanidade ou motivos) são consistentes com a gravidade dos eventos de violência e agressão que descreve. O discurso demonstra credibilidade interna através da sua riqueza de detalhes e da firmeza com que defende a sua versão dos acontecimentos contra as alegações do arguido. A sua tentativa de construir uma "família harmoniosa com um lar limpo organizado e feliz" e a rápida deterioração dessa imagem para um ciclo de abusos em cerca de um mês é um ponto central e coerente da sua narrativa, o que aponta para uma credibilidade muito alta em face da coerência cronológica e factual, pela assertividade inabalável na refutação de contradições, e pela demonstração de profunda carga emocional em momentos críticos do relato, o que sugere a veracidade da experiência vivida. O seu depoimento apresenta integridade estrutural, congruência emocional em relação às agressões relatadas, e firmeza com que defende a sua história, citando evidências externas para contrariar a versão adversa. Ora tendo presente o disposto no artigo 127.º CPP (livre apreciação da prova), em articulação com os artigos 128.º, 129.º e 145.º CPP, não existe uma hierarquia legal de meios de prova nem uma regra de necessária pluralidade testemunhal. Quanto ao assistente, o art. 145.º, n.º 3 CPP remete expressamente para o regime do depoimento testemunhal, incluindo as regras sobre depoimento direto e indireto, sendo as suas declarações livremente valoradas como qualquer outro meio de prova. Às declarações do assistente aplicam-se as mesmas exigências de razão de ciência do art. 128.º, n.º 1 CPP, podendo estas constituir prova direta ou indireta., cabendo ao julgador extrair daí as ilações quanto à credibilidade. A jurisprudência da Relação do Porto tem entendido, em linha com outros tribunais da relação e com doutrina, que a lei não exige “duas testemunhas” nem qualquer número mínimo: o tribunal pode condenar com base, inclusive, no depoimento de uma única testemunha, desde que o explique de forma racional na motivação de facto. O que se exige é que o depoimento seja: (i) direto ou, sendo indireto, produzido sob as condições do art. 129.º CPP; (ii) internamente coerente; (iii) compatível com outros elementos constantes dos autos (documentos, perícias, declarações do arguido, dados objetivos); e (iv) submetido ao contraditório em audiência. Nos acórdãos relativos a violência doméstica e outros crimes de contexto relacional, a Relação do Porto aceita frequentemente que as declarações da vítima/assistente, mesmo quando são o principal (ou quase único) meio de prova, sustentem a condenação se o tribunal de 1.ª instância fundamentar: espontaneidade, consistência, ausência de contradições relevantes, compatibilidade com elementos objetivos (lesões, comunicações a terceiros, perícia, comportamentos subsequentes). Inversamente, quando o tribunal a quo assenta a condenação em depoimento único pouco concreto, vago, não corroborado por qualquer dado objetivo e sem análise crítica suficiente, a Relação do Porto tem anulado a decisão de facto ou ordenado novo julgamento, justamente por insuficiência ou erro na apreciação da credibilidade dessa prova isolada. A propósito, acórdão proferido no Proc. n.º 426/22.9PEGDM.P1, 4.ª Secção Criminal – crime de violência doméstica) – a Relação mantém a condenação do arguido, valorizando de forma decisiva as declarações da assistente quanto à frequência, contexto e impacto das condutas, conjugadas com elementos objetivos constantes dos autos. Ainda acórdão Proc. n.º 370/22.0JAAVR.P1. da 1ª Secção Criminal – abuso sexual de menor; in dgsi.pt em que é valorizado de forma determinante o relato da menor ofendida, destacando a descrição detalhada, a consistência interna, a explicação para as contradições pontuais e a compatibilidade com o contexto familiar, concluindo que as suas declarações, apesar de não haver prova direta abundante, são sérias, coerentes e suficientemente corroboradas por elementos externos, permitindo manter a condenação. Proc. n.º 983/20.4JAPRT.P1, 1.ª Secção Criminal – agressão sexual / violência sexual, in dgsi.pt onde a Relação sublinha que, na ausência de colaboração dos arguidos, a convicção do tribunal assentou essencialmente no depoimento da ofendida, com quem o arguido viveu em união de facto, considerando decisiva a coerência do relato, a forma como descreve a dinâmica relacional e a ausência de motivos plausíveis para falsa incriminação, pelo que a palavra da vítima é tida como bastante para sustentar a condenação. Aí se refere que “Tratando-se de crimes cometidos com resguardo, por norma, em locais escolhidos pelos agressores, tais declarações assumem especial valor, dado o ambiente de secretismo que rodeia o seu cometimento, em privado, sem testemunhas presenciais e, por vezes, sem vestígios que permitam perícia determinante. Em função destas especificidades, face ao acima dito, o tribunal atendeu essencialmente ao conteúdo marcadamente circunstanciado e descritivo dessas Declarações em relação a todos os episódios narrados, de cuja análise emerge lógica, espontaneidade e congruência na descrição e cronologia da sucessão factual dos acontecimentos em que cada uma das vítimas se viu envolvida com o(s) arguido(s), manifestamente estribadas na presença de indicadores de veracidade no relato dos factos sob referência, para o que atentamos à menção circunstanciada e pormenorizada das situações, pontuadas por explicações de circunstâncias necessariamente vivenciadas, com declarações demasiado construídas para se poder concluir tratar-se de mera confabulação, versões que encontram inteiro respaldo nas regras da experiência comum.” Posto isto, tendo presente o princípio da imediação e o acima descrito, a prova sustentada no depoimento da assistente corroborada com outros elementos de prova mails, áudios e documentação, explanados na motivação da sentença a quo tem mais consistência. E nessa medida não temos razões para descredibilizar o depoimento da assistente quanto aos diversos itens colocados em causa pelo arguido a propósito da credibilidade do depoimento da assistente. Relativamente ao uso da expressão “hombre” e os factos descritos nos Picos do Europa, importa desde logo referir que não foram estes os determinantes para se concluir pela existência de maus tratos, mas serviram sobretudo para contextualizar a dinâmica do casal. De facto, os factos utilizados pelo tribunal para considerar que houve prática de crime (imputados ao arguido) estão relacionados com o comportamento agressivo, mal-estar e insultos dirigidos à assistente durante o período da relação, e mesmo após a sua rutura. O tribunal entendeu dar como provados os factos imputados ao arguido, após analisar e conjugar a prova produzida. Os principais factos provados que fundamentam a prática do crime (agressões e insultos no contexto de uma relação) incluem: O arguido começou a maltratar a assistente. Os maus-tratos incluíram: • Dizer que mulher que o homem pode sustentar e quer trabalhar é "puta". • Acusar a assistente de ir a Portugal para "estar com outros". • Tornou-se agressivo com a filha da assistente. • Após a assistente voltar para Portugal, o arguido telefonava-lhe a insultá-la. O tribunal concluiu que "dúvidas não resultaram que o arguido insultou a assistente, nos termos constantes da acusação e outros". O arguido praticou ainda atos de agressão física contra a assistente: • Deu-lhe uma palmada na mão quando ela ia ajudar a filha dele que caiu. • Empurrou-a. • Uma testemunha de acusação, CC, que depôs de forma credível, confirmou ter visto o arguido empurrar a assistente e tirar-lhe o telefone. Os factos que demonstram ainda que o comportamento do arguido inclui o ataque à honra e integridade moral da assistente: •O arguido pôs em causa a integridade moral ou honestidade da assistente e não se absteve de a insultar pondo em causa a honestidade e comportamento da assistente dizendo que era "puta". • Acusar a assistente de ir a Portugal para "estar com outros". O tribunal considerou que a versão dos factos apresentada pelo arguido não era credível e foi plenamente contrariada pela demais prova produzida. Desta forma, os factos imputados ao arguido, que envolviam agressões verbais e físicas e colocavam em causa a honra e a dignidade da assistente, foram dados como provados. O ato de "fazer coco na neve ou no campo, à frente das crianças" foi relevado no contexto do depoimento da assistente e incluído na lista de comportamentos inadequados do arguido. Especificamente, a assistente mencionou este ato ao descrever a mudança de comportamento do arguido a partir de abril, altura em que este começou a maltratá-la após ela referir que teria de se deslocar a Portugal a trabalho. A assistente relatou que, a partir dessa altura, o arguido começou a fazer "coisas que a incomodavam (como fazer coco na neve ou no campo, à frente das crianças)". Estes comportamentos inadequados "a chocaram", fazendo parte da prova apresentada que demonstrava os maus-tratos e a agressividade do arguido. Uma vez que o tribunal considerou que a assistente depôs de forma credível e coerente e concluiu que "entendeu-se dar como provados os factos imputados ao arguido", este detalhe, embora peculiar, foi aceite como parte do conjunto de atos que constituíram o comportamento abusivo do arguido, muito embora não contestando a sua verificação, pode igualmente concluir-se que no momento da sua prática não foram considerados como ofensivos por parte da assistente, mas vistos apenas como destruidores da imagem que até então tinha do arguido, o que só por si inviabilizariam qualquer tipo de condenação. O mesmo se pode dizer para o uso da expressão “ hombre”, expressão muito usada pelos cidadãos de Espanha no estilo coloquial que lhes é peculiar, mas que de ofensivo nada tem, pelo que deve -se dar como não provado sob a al. t) dos factos não provados que os mesmos(fazer coco na neve e chamar de “Hombre”) tenham ofendido a assistente, ou seja, que com esta expressão e aquele ato o arguido quis maltratar física e psicologicamente a assistente, sua companheira, bem sabendo que com tal conduta lhe causava angústia e tristeza, pretendendo que se sentisse menorizada e humilhada, o que assim logrou, e que a afetava na sua saúde, querendo, ainda, atingi-la na sua dignidade pessoal, o que também alcançou.
Não obstante a demais matéria dada como provada seria sempre bastante para se ponderar a existência de maus tratos e de violência tal como ela está descrita no tipo legal de crime em causa.
Posto isto, o tribunal a quo não teve qualquer dúvida sobre os factos decisivos que determinaram a condenação do arguido. E pode-se dizer que o que está verdadeira e unicamente em causa no recurso é que o recorrente não se conforma com a circunstância de a sua posição sobre a matéria de facto não ter sido acolhida no julgamento proferido pela 1ª instância, aí fazendo radicar os aludidos vícios que aponta à decisão recorrida. Concluindo, nada de especial há a apontar à decisão que foi tomada com base na prova testemunhal, documental e declarações de assistente produzida, prova à qual o tribunal conferiu credibilidade, porquanto desta resulta diretamente, e com certeza, que o arguido praticou a essencialidade dos factos de que vinha acusado, não existindo violação do princípio in dubio pro reo nem da livre apreciação da prova. A perspetiva que o tribunal apresentou da prova produzida em audiência de discussão e julgamento é sustentada em razões objetivas de motivação, que explicam e baseiam o percurso efetuado para essa valoração, não merecendo reparo relevante, tendo sido estritamente observado o princípio da livre apreciação da prova (cfr. art. 127º do C. Processo Penal), não se vislumbrando que tenha sido violada uma qualquer regra da experiência comum, através do privilégio da imediação e da oralidade. Em suma a versão do arguido não impõe outra quanto à factualidade dada por provada. A interpretação da mesma poderá até ser outra, mas não enferma de forma substancial ou relevante a interpretação feita pelo tribunal a quo.
Qualificação jurídica dos factos. O recorrente considera que os factos dados como provados não configuram um plus acrescido que possa justificar a sua condenação por violência doméstica. Mas não tem razão. Embora saibamos que parte da jurisprudência reclama por esse plus, ou seja, pela ideia de coisificação, domínio do agente sobre a vitima que de alguma forma anule a sua personalidade, sabemos que outra parte da jurisprudência exige apenas a existência de uma dinâmica de casal, uma proximidade, de vínculo, que por si só justifica que qualquer ato de violência física ou psicológica de um sobre o outro integra sem mais a prática de um crime de violência doméstica. Para iniciar a aproximação à concretização do bem jurídico protegido pelo tipo legal de crime de violência doméstica, resulta manifesto que este visa proteger a pessoa individual e a sua dignidade: a ratio do tipo legal de crime não reside na proteção da comunidade familiar ou conjugal, mas antes na proteção da dignidade humana, reconduzindo-se o bem jurídico tutelado à saúde globalmente considerada. Trata-se de um bem jurídico complexo, que abrange a saúde física, psíquica e mental. Este bem jurídico pode ser afetado por qualquer tipo de comportamento suscetível de impedir, dificultar ou afetar negativamente o normal e saudável desenvolvimento da personalidade da criança ou do adolescente, afetar a dignidade pessoal do cônjuge, ex-cônjuge, ou pessoa com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga a dos cônjuges, ou prejudicar o possível bem-estar dos idosos ou doentes que, mesmo que não sejam familiares do agente, com este coabitem. O bem jurídico protegido pela incriminação da violência doméstica é complexo, abrangendo a tutela da saúde nas dimensões física, psíquica e emocional. Objeto de tutela é assim a integridade das funções corporais da pessoa - que tiver uma relação típica com o agente do crime, elencada na norma penal - nas suas dimensões física e psíquica, estando em causa, no essencial, a proteção de um estado de completo bem-estar físico e mental[4]. A respeito das relações típicas previstas no tipo legal de crime, André Lamas Leite [5] refere que se identifica no tipo legal de crime uma especial relação entre agente e ofendido, relação que «é sempre de proximidade, se não física, ao menos existencial, ou seja, de partilha (atual ou anterior) de afetos e de confiança em um comportamento não apenas de respeito e abstenção de lesão da esfera jurídica da vítima, mas de atitude pro-ativa, porquanto em várias hipóteses do art. 152º são divisáveis deveres legais de garante». Daqui conclui o mesmo autor que «o fundamento último das ações abrangidas pelo tipo reconduz-se ao asseguramento das condições de livre desenvolvimento da personalidade de um indivíduo no âmbito de uma relação interpessoal próxima, de tipo familiar ou análogo»[6]. Constitui atualmente um consenso alargado na doutrina e jurisprudência que essa especial relação de afeto e de confiança própria da relação de proximidade existencial entre o agressor e a vítima fundamenta a ilicitude e justifica a punição, não sendo necessário, para a pôr em causa, «que a conduta do agente assuma um carácter violento, no sentido de exceder o crime de ameaça e de injúria e transformar-se em maus-tratos cruel e degradante»[7]. Entre a multiplicidade de ações que podem ser tidas como maus tratos psíquicos podem ser elencados comportamentos que envolvam humilhações, provocações, críticas e comentários destrutivos ou vexatórios, ameaças, injúrias, restrições ou privações de liberdade, perseguições [8], assim como outro tipo de condutas suscetíveis de atingir a integridade psíquica ou colocar em causa o bem-estar psicológico e emocional da vítima, afetando, do mesmo modo, a sua dignidade enquanto pessoa inserida numa realidade conjugal ou ex-conjugal igualitária, atingindo o bem jurídico violado. Contrariamente à tese jurídica do recorrente, a consumação do crime de violência doméstica não exige que a conduta do agressor assuma um caráter violento, traduzido em maus tratos cruéis ou tratamento particularmente aviltante, nem pressupõe uma efetiva subjugação da vítima ao agressor. Não são, assim, exigíveis quaisquer elementos adicionais, nomeadamente o objetivo ou intenção direta de exercer domínio sobre a vítima, ou de achincalhar, ou de degradar a pessoa ou a sua dignidade, esses sucedâneos disfarçados da antiga malvadez ou egoísmo consagrados no tipo incriminador do artigo 153º do Código Penal de 1982, abandonados pelo legislador em 1995 por força de uma nova tomada de consciência da gravidade e extensão do fenómeno da violência doméstica e da necessidade de reforço efetivo da proteção das suas vítimas.
Mas, tendo presente a matéria fáctica dada por assente escusamo-nos a entrar nessa discussão, por ser evidente que esse “mais”, ainda assim, existe no caso em discussão. Tendo presente todo o enquadramento jurídico descrito pelo tribunal a quo que se mostra correto e que aqui se dá por reproduzido, não temos dúvida nenhuma que os factos demonstram claramente que a posição de domínio do arguido manifesta-se através de ações de controlo, coerção e agressão, que visavam sujeitar a assistente à sua vontade e dependência: O domínio manifestou-se quando o arguido começou a maltratar a assistente assim que ela mencionou ter de voltar a Portugal por motivos de trabalho. O arguido chamou-lhe "puta" por querer trabalhar, sugerindo que uma mulher que é sustentada por um homem não deve ter ambições profissionais ou autonomia. O arguido exerceu controlo, acusando-a de ir para Portugal para "estar com outros." Esta atitude demonstra a crença do arguido de ter o direito de controlar a vida social e sexual da assistente. O arguido convenceu a assistente, que era advogada em Portugal, a "largar a casa e o trabalho" para ir morar com ele em Espanha com promessas de casamento ou união de facto. Quando a relação falhou, ela foi forçada a voltar e a arranjar nova casa no Porto, tendo deixado os seus pertences em Espanha. O domínio foi sustentado através de agressões físicas (tapa na mão, empurrão) e verbais (insultos, telefonemas a insultar). A manifestação final de poder foi a expulsão da assistente de casa, ameaçando desligar o aquecimento e a luz, e não lhe devolvendo os pertences que teve de deixar para trás. A coisificação ocorre quando a assistente é reduzida a um objeto de uso ou propriedade do arguido, e o seu valor como pessoa (incluindo a sua integridade moral e profissional) é negado: O arguido desumanizou a assistente, tentando descredibilizá-la, chamando-a de puta, vagabunda, interesseira, não querendo que trabalhasse, pondo em causa a sua integridade moral e honestidade. A coisificação é sugerida pela forma como o arguido falou da assistente. O arguido usou a palavra "puta.” Reduzir a assistente a um objeto sexual reforça a ideia de que ela não era vista como uma parceira autónoma, mas sim como algo para ser usado e controlado. O arguido tentou apagar a importância das ações da assistente e o seu investimento na relação (largar trabalho e casa). Em suma, os factos provados demonstram que o arguido agiu num contexto de violência psicológica e física, usando insultos, agressões e humilhações para estabelecer e manter uma posição de superioridade e domínio, tratando a assistente não como uma parceira, mas como um objeto cujas aspirações e integridade moral podiam ser facilmente descartadas e atacadas. Cometeu, pois, mesmo no âmbito das duas posições jurisprudenciais, o crime de que veio acusado e pelo qual foi condenado em sede de primeira instância. O arguido não questiona a medida da pena nem a sua suspensão condicionada. Como soçobra o pedido de absolvição criminal, também soçobra o de absolvição da condenação cível, porquanto apresentado como dependente do primeiro não tendo sido questionados dos montantes fixados em concreto. * Decisão: Pelo exposto, o Tribunal da Relação do Porto decide: -Negar provimento ao recurso final interposto pelo arguido AA e, em consequência, não obstante se alterar a matéria fáctica nos termos supra expostos, embora sem relevância ao nível do enquadramento jurídico dos factos e medidas das penas, confirmar no mais o acórdão recorrido. Custas a cargo do recorrente com taxa de justiça em 4Ucs, uma vez que a alteração supra não teve qualquer repercussão na condenação que se manteve in totum. Notifique – cfr. art. 425º nº 6 do CPP.
Sumário da responsabilidade do relator. ……………………………… ……………………………… ……………………………… |