Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
21572/23.6T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA OLÍVIA LOUREIRO
Descritores: MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
RESPONSABILIDADE CIVIL
INCUMPRIMENTO DE CONTRATO-PROMESSA
Nº do Documento: RP2025112421572/23.6T8PRT.P1
Data do Acordão: 11/24/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Os mediadores imobiliários estão obrigados a deveres de cuidado, transparência e informação perante os potenciais compradores, deveres esses cuja violação culposa pode ser causa de responsabilidade civil extracontratual geradora da obrigação de indemnizar os danos decorrentes dessa conduta.
II - No caso de incumprimento definitivo do contrato-promessa pelo promitente-vendedor que seja condenado à devolução em dobro do sinal pago não pode considerar-se que o promitente-comprador sofreu um dano consistente na perda do valor do sinal imputável à mediadora que tenha omitido culposamente o dever de o informar da pendência de litígios que pudessem vir a pôr em risco a celebração do contrato prometido.
III - É ao promitente-vendedor que resolveu o contrato por não poder cumpri-lo que cabe devolver ao promitente-comprador o sinal que recebeu e fez seu.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo número 21572/23.6T8PRT.P1, Juízo Central Cível do Porto, Juiz 6.

Recorrentes: AA e A..., Unipessoal, Ldª

Recorridos: AA e A..., Unipessoal, Ldª

Relatora: Ana Olívia Loureiro

Primeiro adjunto: Manuel Fernandes

Segunda adjunta: Anabela Mendes Morais

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório:

1. AA intentou ação a seguir a forma de processo comum em 14-12-2023 contra A..., Unipessoal, Ldª (adiante A...) e B... Unipessoal, Ldª, pedindo a condenação solidária de ambas no pagamento de 72.000 e ainda de quantia a liquidar pelo Tribunal para ressarcimento de danos não patrimoniais que afirmou ter sofrido em consequência do comportamento das rés. Alegou, em suma, que celebrou com a segunda contrato-promessa de compra e venda de imóvel, mediado pela primeira, tendo por objeto fração de imóvel em construção, tendo entregue a título de sinal o valor de 36.000 €. Uma vez que a obra nunca avançou, e após sucessivas promessas de que iria prosseguir, a promitente vendedora comunicou-lhe. a 16 de setembro de 2022. a impossibilidade de cumprir o contrato e a sua resolução.

Antes do recebimento dessa missiva, contudo, a ré mediadora foi sempre a única interlocutora do autor, tendo sido os seus representantes que transmitiram ao autor que a obra, apesar de estar temporariamente parada no momento da celebração do contrato, iria ser concluída, tendo sido essa informação que o levou a decidir contratar. Veio o mesmo a apurar, mais tarde, em face da resolução do contrato pela ré promitente vendedora, que a obra estava já parada antes da celebração do contrato-promessa por causa conflitos entre aquela e o proprietário do terreno onde se encontrava a construção, nunca mais tendo sido retomados os seus trabalhos, do que sabia a ré mediadora.

Alegou que interpelou extrajudicialmente ambas as rés no sentido de lhe ser devolvido o dobro do sinal pago, ao que a promitente compradora não respondeu, tendo a mediadora alegado que tudo faria para que o autor não fosse prejudicado, sem que, contudo, tenha voltado a contactá-lo.

Em face da promessa de compra e venda que celebrara, o autor vendeu a sua casa de habitação e esteve quase um ano a habitar, por favor, a casa de um amigo. Mais tarde teve de adquirir outra habitação, de valor inferior à prometida comprar e de menor qualidade e ainda teve de suportar o pagamento de mais valias que se tivesse sido celebrada a compra e venda prometida não teria de pagar.

Descreveu ainda os padecimentos morais que sofreu e que imputou à resolução do contrato por banda da segunda ré e à violação de deveres de informação pela segunda, que diz ter agido de forma deliberada.

2. Apenas a ré A... contestou excecionando a ineptidão da petição inicial e alegando que nunca se responsabilizou perante o autor pelo sucesso do negócio que o mesmo celebrara com a co-ré, tendo atuado como mera promotora imobiliária. Mais alegou que o autor nunca interpelou a promitente-vendedora para a celebração do contrato definitivo e que o mesmo nunca foi resolvido por qualquer das partes nem se encontra definitivamente incumprido.

3. Em 27-06-2024 o autor juntou articulado em que alegou que por consulta a outro processo intentado contra a ré promitente-vendedora e relativo à promessa de venda de outra fração do mesmo imóvel, ficou ciente de que aquela nunca fora a proprietária do imóvel em construção, tendo prometido, assim, vender bem alheio.

4. Em 11-07-2024 foi proferido despacho saneador com identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.

5. A audiência de julgamento teve lugar em três sessões, em 28-02-2025, 28-03-2025 e 23-04-2025 com produção da prova admitida e debates orais.

6. Em 24-04-2025 foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e condenou solidariamente as rés a pagarem ao autor 38 500 € e juros de mora sobre o montante de 36.000€, a contar desde a citação.

II - O recurso:

É desta sentença que recorrem quer a ré A... quer o autor.


*

A recorrente A... formulou as seguintes conclusões de recurso:

a) Houve uma clara omissão por parte da sentença, ao nunca referir-se ao bem objeto do CPCV celebrado entre a 1ª Ré e o Autor, como tratar-se de um bem futuro.

b) O contrato foi celebrado em Abril de 2022 e a construção do imóvel estaria apenas concluída em Março de 2023.

c) O Autor tinha consciência desse facto.

d) A 2ª Ré não incumpriu os deveres legais de informação, lealdade, de esclarecimento e de colaboração a que se encontrava vinculada quando disse ao Autor que as obras estavam paradas temporariamente.

e) A imprecisão de tal afirmação, foi absolutamente inocente, decorrente do conhecimento que a 2º Ré tinha da obra, dos documentos, registo predial e matricial, licença camarária, das circunstâncias em que o empreendimento foi concebido e dos intervenientes na mesma.

f) Não se pode exigir da 2º Ré um conhecimento de factos, da esfera mais privada da 1ª Ré, quando os mesmos, lhe foram omitidos e não tinha a 2ª Ré meios para os descobrir.

g) Não ficou provado que o Autor só celebrou o CPCV porque a 2ª Ré afirmou que as obras estavam paradas temporariamente.

h) O Autor celebrou o CPCV porque o imóvel era mais barato e estaria pronto dentro do prazo para aplicar as mais valias.

i) A Apelante não omitiu qualquer elemento relevante ao Autor.

j) O incumprimento do contrato por parte da 1ª Ré deveu-se a circunstancialismos a que a 2ª Ré é absolutamente alheia, e da qual não tinha conhecimento, nem que poderia prever que viessem a acontecer.

k) A sentença recorrida faz uma má aplicação do direito, ao fazer alusão a um acórdão, que versa sobre factos que em nada têm em comum com os factos dos autos.

l)A Apelante nunca poderia comunicar imediatamente ao Autor a existência de litígios com o dono do terreno e a 1ª Ré, se deles não tinha conhecimento, não por negligência sua, mas porque eram privados e a mesma não lhes tinha acesso.

m) No registo predial ao contrário do que afirma a sentença nada constava, que pusesse em causa o negócio.

n) Em lado algum existia indícios de que o empreendimento não viesse a ser concluído nos exatos termos em que constava do CPCV.

o) Não existe qualquer nexo de causalidade entre a atuação da 2ª Ré e o dano do Autor.

p) Não se verificam os pressupostos da responsabilidade civil nos termos do artigo 562º do CC.

q) A Apelante terá de ser absolvida, relativamente ao pagamento ao Autor da quantia de 36.000,00 € referente ao sinal dado.

r) Como também terá de ser absolvida relativamente ao pagamento da quantia de 2.500,00 €, porquanto o Autor, sabia à data da assinatura do CPCV que as obras só estariam concluídas em Março de 2023, pelo que ele não sofreu quaisquer danos patrimoniais.

s) A douta sentença deve ser revogada, absolvendo-se a 2ª Ré do pedido e assim se fazendo Justiça”


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O autor apresentou as seguintes conclusões de recurso:

A) A decisão do Meritíssimo Juiz a quo teve como fundamento o facto de considerar que, o contrato-promessa outorgado pelas partes impõe a obrigação da mera devolução em singelo e de que a 2ª Ré perpetra com mera culpa todo o seu comportamento.

B) Em primeiro lugar, o contrato-promessa efectivamente assinado e outorgado pelas partes não dispõe que, em caso de incumprimento do promitente-vendedor, a devolução do sinal seja feita por singelo.

C) Ao invés, é dito taxativamente e foi aceite pelas partes, que a devolução tem de ocorrer em dobro do sinal prestado – vd. Documento n.º 1 junto com a Petição Inicial, concretamente sua cláusula Nona, al. a).

D) Tal e qual como foi alegado pelo Autor na sua Petição Inicial – artigo 41.º - e está conforme às suas declarações prestadas em Tribunal, e que não contraditado por ninguém

E) Sendo perfeitamente pacífico, que as partes se vincularam a uma devolução em dobro do sinal prestado no caso de haver incumprimento.

F) Pelo que, a interpretação de que o contrato-promessa outorgado impõe uma devolução em singelo trata-se de lapso e erro de apreciação da prova, que deverá ser corrigido, e, em consequência, as Rés serem condenadas solidariamente no pagamento do dobro do valor do sinal prestado, pois que era que esse o acordo contractual e a disposição legal aplicável.

G) Por outro lado, não é correcto atribuir-se mera culpa ao comportamento da 2ª Ré.

H) Na verdade, a Sentença acaba por concluir pela existência de mera culpa por banda da 2ª Ré, tanto que e só assim a pôde condenar em duas indemnizações, à luz do artigo 494.º do CC.

I) A 2ª Ré comportou-se de forma consciente, ciente de tudo, sendo parte interessada de tudo, e querendo alcançar o resultado final, comportando-se, portanto, de forma evidentemente dolosa.

J) Desde logo, em primeiro lugar, porque tudo acompanhou, no que à factualidade descrita na PETIÇÃO INICIAL diz respeito, e conhecia.

K) Devendo assim e nomeadamente o ponto 44 dos factos provados ser rectificado, pois que a 2ª Ré acompanhou, sim, a execução das obras, tal como declarado em Tribunal pelo seu representante legal e pela Testemunha BB.

L) Em segundo lugar, há dolo da Ré porque esta participa activamente, amplamente, do logro a que foi sujeito tanto o Autor como os restantes promitentes-compradores daquele edificado.

M) Tendo faltado directamente à verdade nas declarações que prestou ao Tribunal.

N) Pois que, veio o Mandatário do Autor a tomar conhecimento, já após encerramento da

Audiência, de uma plêiade de outros processos que têm por Ré a B..., Unipessoal, Lta. e a mesma mediação da A..., que demonstram não poder a 2ª Ré, A..., deixar de saber que se encontrava a mediar outorgas de contratos-promessa para bens futuros que nunca iriam tomar lugar…

O) Sendo, então, totalmente falso, descaradamente falso, o que 2ª Ré veio declarar ao Tribunal, no sentido de estar a acompanhar os clientes lesados, de os estar a representar em acção contra a unipessoal B...…

P) Pois que, estes estão a apresentar queixas-crime e a intentar acções juciais, sem terem qualquer notícia por parte da Imobiliária A....

Q) Devendo ser dado como provado que a 2ª Ré agiu com dolo.

R) E, como tal, ser não arbitrada a indemnização por danos não patrimoniais, mas ser a 2ª Ré condenada no pagamento do sinal em dobro.

NESTES TERMOS, E NOS MAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO DE APELAÇÃO E SER REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA, SENDO A MESMA SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE CONDENE AS RÉS NO PAGAMENTO DO SINAL EM DOBRO. SÓ ASSIM SE FARÁ A DEVIDA, E NECESSÁRIA, JUSTIÇA.”


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Pediu a junção de documentos que consistem em:

1- dois emails enviado por uma Srª Advogada ao seu mandatário em 5 de junho de 2025 e em 12 de junho de 2025, a dar conta do envio de documentos; entre eles os que juntou de seguida e que consistem em

2- um contrato-promessa relativo a outra fração do mesmo imóvel, em que figurava como promitente vendedora a aqui primeira ré, tendo a mediadora imobiliária sido a aqui segunda ré, datado de 16 de setembro de 2020, mas não assinado;

3- um aditamento a tal contrato datado de 26 de março de 21 dando conta de atraso na obra, mas também não assinado;

4- um outro contrato-promessa relativo à compra e venda de fração do mesmo imóvel, com diferente promitente comprador e as mesmas promitente vendedora e mediadora, datado de 20 de julho de 2021 e não assinado; e

5- uma certidão comprovativa de apresentação de queixa crime, por burla, contra a aqui primeira ré e seu legal representante, apresentada em 27 de fevereiro de 2024 no DIAP do Porto por CC.


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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III – Questões a resolver:

Em face das conclusões formuladas pelos recorrentes nas suas alegações – que fixam o objeto do recurso nos termos do previsto nos artigos 635º, números 4 e 5 e 639º, números 1 e 2, do Código de Processo Civil -, são as seguintes as questões a resolver:

1. A admissibilidade de junção de documentos pelo recorrente autor.

2. A impugnação da matéria de facto relativa às alíneas 13 e 44 dos factos provados;

3. Se deve passar a constar dos factos provados que o contrato-promessa celebrado entre as partes se referia à compra e venda de um bem futuro.

4. Se a ré A... conhecia qualquer circunstância que pudesse obstar à celebração do contrato definitivo à data da celebração do contrato-promessa, tendo-a ocultado ao autor e se atuou com dolo induzido o autor em erro.

5. Se esse seu comportamento foi causa de danos para o autor e, em caso afirmativo, em que medida.

6. Se as partes intervenientes no contrato-promessa nele estipularam que o incumprimento do promitente vendedor determinaria a devolução do sinal em singelo.


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IV – Fundamentação:

1 – Da admissibilidade de junção de documentos.

O recorrente alega, para sustentar junção de documentos em sede de recurso que o seu mandatário tomou conhecimento “já após encerramento da Audiência, de uma plêiade de outros processos que têm por Ré a B..., Unipessoal, Lta. e a mesma mediação da A...” e que deles resulta que a ré A... “não podia deixar de saber que já antes da celebração do contrato promessa objeto dos autos que se encontrava a mediar outorgas de contratos-promessa para bens futuros que nunca iriam tomar lugar”.

Não indicou, de entre os que constam da decisão da matéria de facto ou, sequer, dos que alegou na petição inicial, qual ou quais o(s) concretos(s) factos(s) que pretendia provar com base nesses documentos.

Prevê o artigo 651º, número 1 do Código de Processo Civil que: “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”.

O referido artigo 425.º do mesmo Diploma, por sua vez, estatui que: “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”.

Em acórdão de 30-04-2019 [1], o Supremo Tribunal de Justiça decidiu, como se pode ler no respetivo sumário que:

I. Da leitura articulada dos artigos 651.º, n.º 1, 425.º do CPC decorre que as partes apenas podem juntar documentos em sede de recurso de apelação, a título excepcional, numa de duas hipóteses: superveniência do documento ou necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido na 1.ª instância.

II. No que toca à superveniência, há que distinguir entre os casos de superveniência objectiva e de superveniência subjectiva: aqueles devem-se à produção posterior do documento; estes ao conhecimento posterior do documento ou ao seu acesso posterior pelo sujeito.

III. Quando o acesso ao documento está ao alcance da parte, a instrução do processo com a sua apresentação é um ónus, devendo desconsiderar-se a inacessibilidade que seja imputável à falta de diligência da parte, sob pena de se desvirtuar a relação entre a regra e a excepção ditada, nesta matéria, pelo legislador.

IV. No que toca à necessidade do documento, os casos admissíveis estão relacionados com a novidade ou imprevisibilidade da decisão, não podendo aceitar-se a junção de documentos quando ela se revele pertinente ab initio, por tais documentos se relacionarem de forma directa e ostensiva com a questão ou as questões suscitadas nos autos desde o primeiro momento.”.

Tal doutrina, que aqui se acompanha, é unânime e tem sido reiteradamente adotada pelos Tribunais de Recurso, como não podia deixar de ser, dada a clareza da redação legal.

A audiência de julgamento terminou em 23-04-2025.

Recordemos a enumeração acima feita dos documentos apresentados pelo autor/recorrente:

1 - dois emails enviado por uma Srª Advogada ao seu mandatário, em 5 de junho de 2025 e em 12 de junho de 2025, a dar conta do envio de documentos; entre eles os que juntou de seguida e que consistem em

2 - um contrato-promessa relativo a outra fração do mesmo imóvel, em que figurava como promitente vendedora a aqui primeira ré, datado de 16 de setembro de 2020 mas não assinado;

3 - um aditamento a tal contrato datado de 26 de março de 21, dando conta de atraso na obra, mas também não assinado;

4 - um outro contrato-promessa relativo à compra e venda de fração do mesmo imóvel, com diferente promitente-comprador e o mesmo promitente-vendedor, datado de 20 de julho de 2021 e não assinado; e

5 - uma certidão comprovativa de apresentação de queixa crime, por burla, contra a aqui primeira ré e seu legal representante, apresentada em 27 de fevereiro de 2024 no DIAP do Porto por CC.

Com tais documentos o recorrente pretende – o que apenas se deduz da forma como a eles se vai referindo nas suas alegações -, a prova de que a ré A... estava consciente de que a construção do imóvel que o autor prometeu comprar não iria ser concluída para sustentar a sua condenação na totalidade do pedido, o que a seu ver deve decorrer da conclusão de que agiu dolosamente.

Não indicou, contudo, qualquer concreto facto julgado não provado que queira provar ou algum facto provado cuja redação queira ver alterada e nem indicou que facto, dos por si alegados na ação, visa tal prova sustentar.

Ora o autor nunca alegou na ação que a ré soubesse que a obra estava definitivamente parada e que não iria ser concluída, o que só agora pretende que passe a ser relevado, afirmando-o pela primeira vez nas alegações de recurso (ponto 45).

Os únicos factos alegados pelo autor na petição inicial relativos às informações que a ré A... tinha e lhe ocultou à data da celebração do contrato-promessa foram os que constam nas alíneas 24º e 26º da petição inicial. Ora os mesmos ficaram provados nas alíneas 11, 12, 15, 29, 31 e 32 da decisão de facto de que resulta que a ré A... sabia, desde pelo menos março de 2022, que os trabalhos de construção do imóvel objeto do contrato-promessa estavam parados desde janeiro do mesmo ano, tendo, contudo, transmitido ao autor antes da celebração do contrato que mediou, que a obra só estava temporariamente parada.

Assim porque os documentos juntos visam provar facto não alegado – o conhecimento pela ré de que a construção não iria ser concluída pelo que nunca iriam ser celebradas as compras e vendas dos bens futuros prometidos comprar/vender -, não se admite a sua junção, sendo de ordenar o seu desentranhamento, com a consequente condenação do recorrente em multa, nos termos do disposto no artigo 443º, número 1 do Código de Processo Civil e do artigo 27, número 1 do Regulamento das Custas Processuais, que se fixa no mínimo legal de 0, 5 UCs.


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2 – Da impugnação da matéria de facto.

Cumpre antes de mais reafirmar que a fixação do objeto dos recursos se orientou pelo teor das conclusões formuladas em ambos.

Ora o autor/recorrente referiu nas suas conclusões de recurso apenas um ponto da matéria de facto que quer ver alterado: o teor da alínea 44, referida na conclusão k), sendo também em relação a tal matéria que, em sede de motivação do recurso, pede que passe a julgar-se não provada, indicando os meios de prova que a seu ver conduzem a tal decisão. Indicou e transcreveu em parte os depoimentos gravados em que sustenta a sua pretensão. Pelo que cumpriu os ónus a que alude o artigo 640º, número 1 e número 2 a) do Código de Processo Civil.


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A ré/recorrente, por sua vez, não identificou nas conclusões de recurso qualquer concreta alínea da matéria de facto por referência à sua numeração, mas referiu que “não ficou provado que o autor só celebrou o CPCV porque a 2ª Ré afirmou que as obras estavam paradas temporariamente” (conclusão g) que se percebe referir-se ao teor da alínea 13 dos factos provados) e que “não tinha conhecimento de litígios com o dono da obra porque estes eram privados” (conclusão l) que se percebe ser relativa à matéria de facto dada por provada na alínea 32 dos factos provados).

Pelo que nessa parte, suprindo este Tribunal a forma indireta, mas ainda assim percetível, como são referidas tais pretensões em sede de conclusões de recurso, pode afirmar-se que nelas há manifestação pela recorrente/ré de impugnação das alíneas 13 e 32 dos factos provados.

Todavia, tal recorrente não verteu nas suas conclusões de recurso a pretensão de impugnação de quaisquer outras alíneas da matéria de facto, pretensão que, contudo, parece querer expressar nos pontos 8º a 50º das alegações, em que afirmou discordar da decisão de facto quanto ao teor das alíneas 11, 13, 16, 21, 27, 31, 32 e 33 dos factos provados.

É nas conclusões de recurso que se fixa o seu objeto, podendo as partes restringi-lo apenas parte das questões que referem nas alegações como decorre do artigo 635.º, número 4 do Código de Processo Civil. Segundo Rui Pinto[2], o objeto do recurso “é composto pelo pedido, individualizado pelas conclusões com que se fecham as alegações”. Segundo Abrantes Geraldes[3] “a restrição do objeto do recurso pode ser tácita quando se verifique a falta de correspondência entre a motivação e as alegações, isto é quando, apesar da maior amplitude decorrente do requerimento de interposição do recurso e até da sua motivação, o recorrente restrinja o seu objeto através das questões identificadas nas respetivas conclusões”.

Ora, as conclusões de recurso da ré mediadora centram-se na alegação de que o autor sabia que estava a prometer comprar um bem futuro, que a recorrente não incumpriu qualquer dever de informação ou lealdade e de que inexiste nexo de causalidade entre o dano alegado pelo autor e qualquer atuação culposa ou omissão suas.

Relativamente ao (in)cumprimento dos ónus do recorrente que pretenda impugnar a matéria de facto o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a adotar um entendimento que visa privilegiar a justiça material em detrimento de uma decisão meramente formal de rejeição da impugnação. Nessa senda foi proferido o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 14-11-2023[4] – que decidiu que “Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações”.

Tal jurisprudência, todavia, é apenas relativa ao (in)cumprimento do ónus previsto no artigo 640.º, número 1 c) do Código de Processo Civil nas conclusões de recurso, desde que tal ónus tenha sido cumprido em sede de alegações.

Dela não se pode, pois, retirar a dispensa de indicação, de forma clara, nas conclusões de recurso de qual (ais) o(s) concreto(s) pontos que se querem impugnar, o que deve ser feito preferencialmente por via indicação da sua numeração, sendo essa a forma de os identificar que não suscita quaisquer dúvidas interpretativas.

Não obstante não ter sido essa a forma de indicação adotada pela ré em sede de conclusões das alíneas que quer ver alteradas, entendeu-se estarem suficientemente claras as pretensões de impugnação das alíneas 13 e 32.

A propósito da discordância da ré/recorrente quanto à decisão da matéria de facto, e em suma, consta apenas o seguinte das alegações do recurso (mas não das conclusões):

a) Quanto à alínea 11 - “à data da celebração do contrato os trabalhos estavam parados”: afirma a recorrente que não se descortina em que é que o Tribunal se baseou para a dar como provada, não alegando, contudo, o que pretende em concreto que seja alterado e não indicado qualquer meio de prova ou raciocínio para sustentar a sua discordância. Nada consta nas conclusões de recurso relativamente a esta matéria;

b) Quanto ao teor da alínea 13 – o que foi decisivo para o autor (a afirmação de tratar-se de algo temporário a paragem dos trabalhos) para este tomar a decisão e celebrar tal contrato- promessa” - defende a recorrente que tal deveria ter sido julgado não provado pois do teor dos emails de 21 de julho de 2022 e de 11 de outubro de 2022 resulta que o autor apenas estava preocupado apenas com a data de conclusão da obra. Como já se referiu, quanto à matéria de facto constante desta alínea, deduz-se a pretensão da recorrente de que seja julgada não provada na conclusão g).

c) Quanto à alínea 16 - “enviou a 2ª Ré na pessoa do Sr. BB, um email ao Autor no dia 24 de Maio de 2022, em que justificava o atraso da obra com a falta de validade do alvará do empreiteiro” -, alega a recorrente que o email diz muito mais do que isso, sustentando que do seu teor, na parte que transcreve, decorre a conclusão de que ela era alheia a todo “esse processo”. Afirma ainda que, na data de envio do referido email a obra já estava completa de betão, não cabendo à ré a contratação dos empreiteiros das várias artes nem a supervisão do andamento dos trabalhos. Não alega o que pretende ver alterado, se alguma coisa, quanto ao teor desta alínea, antes sustentando apenas que se deve concluir que não tinha qualquer responsabilidade na construção da obra. Nada refere quanto à pretensão de alteração desta matéria de facto em sede de conclusões de recurso.

d) Quanto à alínea 21 – “Mais nela (na carta enviada) declarando existirem processos judiciais em curso que tenham por objecto o mesmo prédio vendido ao Autor e que afinal, existe outro contrato promessa de compra e venda sobre o mesmo prédio.” - afirma a recorrente que a carta mencionada não diz o que consta dessa alínea e transcreve parte do seu teor, sem afirmar o que pretende em relação a tal alínea. Não se refere a tal facto em sede de conclusões de recurso.

e) Quanto à alínea 27 – “Sendo assumida pela imobiliária, aqui 2º Ré, na plenitude, a representação do Promitente vendedor, aqui 1º Ré”-, a recorrente afirma apenas que não entende “onde o tribunal concluiu por tal afirmação”. Não afirma o que pretende ver alterado em relação a tal matéria, nem indica quaisquer meios de prova a reapreciar para fundar a sua discordância.

f) Também quanto à alínea 31 – “Os trabalhos de construção terminaram em janeiro de 2022, devido a litigio com a dona do imóvel, a sociedade C..., SA” -, afirma apenas que não se “depreende” esta conclusão porque “os litígios se iniciaram muito antes, pelo menos desde setembro de 2021, data que a 2ª Ré tinha para celebrar o contrato definitivo com o dono de terreno” e que ela, recorrente, não sabia nem tinha como saber desses litígios já que a obra se encontrava em construção, além de que a existência de litígios entre o construtor e o dono do terreno não significava a não concretização da obra. Não indica qualquer meio de prova a reapreciar. Sustenta, de novo, que a promessa celebrada com o autor era de compra de um bem futuro e que só soube da situação em que se encontrava a obra em setembro de 2022.

g) Deste mesmo raciocínio diz que decorre não se compreender o teor a alínea 32 dos factos provados – “o que foi informado (dos litigios) pelo legal representante da primeira Ré, ao legal representante da segunda Ré, pelo menos em Março de 2022”. Não indica quaisquer meios de prova a reapreciar a propósito desta matéria, nem que decisão deve incidir sobre a mesma. Todavia, em sede de conclusões manifesta de forma percetível que pretende que tal alínea passe a julgar-se não provada quando afirma (no ponto l) que “nunca poderia comunicar imediatamente ao Autor a existência de litígios com o dono do terreno e a 1ª Ré, se deles não tinha conhecimento, não por negligência sua, mas porque eram privados e a mesma não lhes tinha acesso”.

h) Quanto à alínea 33 dos factos provados – “O qual tinha conhecimento de que o imóvel em causa nos autos era propriedade de um terceiro, com quem a primeira ré celebrara um contrato promessa de compra e venda, em 18/ 09/ 2020.” - manifesta a sua discordância formulando apenas uma questão: “com que elementos fáticos o Tribunal chegou a tal conclusão?”.

Assim, a entenderem-se as alegações acima sumariadas nas alíneas a) e c) a h) como forma de impugnação da matéria de facto, a mesma tem que ser rejeitada porque não foram cumpridos os ónus impostos pelo artigo 640.º, número 1 do Código de Processo Civil que ali se referiram.

Apenas quanto à impugnação da alínea 13) dos factos provados cumpriu a recorrente todos esses ónus.

Na motivação do recurso a recorrente omitiu em absoluto a indicação de quaisquer concretos meios probatórios que impusessem decisão diferente quanto ao teor das alíneas 11, 27, 31, 32 e 33, apenas manifestando a sua discordância quanto à decisão que os julgou provados. Pelo que, quanto a essas alíneas foi, também, incumprido o ónus previsto na alínea b) do número 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil.

Foi ainda incumprido o ónus imposto à recorrente que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto de “obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição” a “decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”, prevista na alínea c) do número 1 do artigo 640.º, pois nem na motivação de recurso a recorrente afirma que concreta decisão pretende quanto à matéria das alíneas 11, 16, 21, 31e 33.

Ora, ainda que seguindo a jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça acima referida, apenas no caso de a decisão alternativa pretendida estar omissa nas conclusões, mas conste da motivação do recurso pode tal omissão não conduzir à rejeição da impugnação da matéria de facto, devendo a motivação expressar “de forma inequívoca” a decisão alternativa pretendida.

Em face do exposto conclui-se ser apenas de admitir a impugnação do teor da alínea 13 dos factos provados e rejeita-se a impugnação da matéria de facto sobre as demais alíneas sobre cujo teor a recorrente/ré manifesta discordância.


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Da alínea 13 dos factos provados resulta, na sequência do que foi dado provado nas duas alíneas anteriores, que estando os trabalhos de construção parados à data de celebração do contrato-promessa e tendo a ré A... informado o autor de que se tratava de algo temporário tal “ foi decisivo para o autor tomar a decisão de celebrar tal contrato-promessa”.

A recorrente entende que tal facto deve passar a não provada sustentada no teor dos emails de 21 de julho de 2022 e de 11 de outubro de 2022 dos quais, a seu ver, resulta que o autor apenas estava preocupado apenas com a data de conclusão da obra e que sabia que só estaria terminada em março de 2023. Muito embora a recorrente não tenha indicado o número dos referidos documentos ou sequer a data da sua junção, constata-se que se quis referir aos documentos números 6 e 10 da petição inicial.

O primeiro desses documentos é dirigido pelo autor à ré A... e tem o seguinte teor:

“Tal como falado hoje telefonicamente, envio, em anexo, proposta de aditamento ao Contrato de Promessa de Compra e Venda celebrado para aquisição de um T1 EV no Edifício ..., no Porto.

Como disse, temo que as obras de construção do imóvel não estejam prontas em março de 2023, como me foi indicado, pois desde que assinei o CPCV os trabalhos continuam suspensos. Na altura foi-me dito que os trabalhadores estavam apenas de férias da Páscoa e nunca me passou pela cabeça que a obra estivesse parada.

Como sabe, eu tenho um prazo para fazer a escritura, porque tenho de reinvestir as mais-valias geradas pela venda da minha habitação. Também estou a morar de favor, tendo eu dito às pessoas que me acolheram que seria, no máximo, até ao segundo trimestre do próximo ano.

Para evitar problemas no futuro, o melhor seria eu passar a minha posição - que a A... comercializaria -, mas para isso é necessário alterar as condições dos reforços de sinal acordados na assinatura do CPCV.

Peço que avaliem juntamente com o promotor o documento em anexo.

Agradecendo, desde já, a atenção dispensada”

O email enviado pelo autor à promitente vendedora em 09-10-2022 (a que este responde a 11-10-2022, daí decorrendo o manifesto lapso de indicação da sua data pela recorrente) dá conta da tristeza e estupefação que sentiu quando recebeu a carta que o informava da impossibilidade de cumprimento do contrato, afirma que o mediador imobiliário sempre o “informou que as obras estavam paradas por falta de mão de obra” mesmo depois de o autor perceber que não havia movimento na mesma e que, quando a foi visitar em abril de 2022 lhe fora dito pelo consultor imobiliário DD e por um segurança que a obra estava parada devido à época da Páscoa, estando os trabalhadores de férias. Ali se afirma que “Com essa informação parti para a decisão de assinar o contrato promessa de compra e venda, que assinamos a 13 de abril de 2022, pois confiei que os trabalhos estavam parados apenas devido à época festiva da Páscoa”. O autor refere ali, ainda, os sucessivos contactos com a ré A... para saber quando recomeçariam os trabalhos, tendo a dado passo sido informado por esta de que o prazo de entrega seria muito superior ao acordado e tendo ele próprio proposto, nessa altura, a resolução do contrato mediante a devolução do sinal em singelo e tendo-lhe sido transmitido que tal não seria aceite pelo “promotor”. Nesse mesmo email o autor propõe à promitente vendedora a devolução do sinal em singelo desde que tal fosse feito “o mais rapidamente possível”, tendo em conta que precisava de adquirir outra casa para habitar.

Do teor destes documentos, portanto, não só não resulta infirmado como até plenamente confirmado o teor do facto dado por provado na alínea 13 dos factos provados, sendo absolutamente errónea a conclusão que deles quer retirar a recorrente quando afirma que o autor apenas pretendia a entrega do imóvel em março de 2023, sendo as suas únicas preocupações a conclusão da obra até essa data e o reinvestimento das mais valias.

Nem se descortina como logra a ré/recorrente cindir a preocupação do autor com o andamento dos trabalhos da sua inquietação com conclusão das obras, pois se aqueles não prosseguissem – como sucedeu-, a obra não poderia ser concluída. O que a ré promitente vendedora, aliás, transmitiu claramente ao autor em carta de 16 de setembro de 2022, em que o informou não estar em condições de continuar a construção do edifício. Alegou, para justificar a resolução do contrato que os trabalhos haviam sido suspensos de janeiro a abril de 2021 por causa da epidemia de Covid, arrancado apenas em junho de 2021 e continuado até abril de 2022, data em que foi concluída a fase de betão, após o que ficou de novo suspensa, desde maio de 2022, dado que não lhe foi possível cumprir o contrato-promessa que celebrara com “o dono do terreno”, o que o obrigou a parar a obra. Terminou comunicando ao autor que resolvia o contrato por não estar em condições de o cumprir.

Assim, dos meios de prova indicados não resulta beliscada a prova feita de que o autor decidiu celebrar o contrato-promessa objeto dos autos por estar convicto de que a paragem das obras que constatou antes da sua celebração era temporária. O que, aliás, até a lógica impunha, já que a generalidade dos compradores (eventualmente apenas não assim sucedendo com alguns investidores), não se interessaria pela aquisição de um imóvel cuja construção estivesse parada há vários por razões que não eram meramente temporárias e nem se previa que demorassem apenas um curto lapso de tempo.

Pelo que é de manter o facto da alínea 13 como provado.


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Da alínea 44 dos factos provados, que o autor impugna, consta o seguinte: “A segunda ré não acompanhava a execução das obras”.

Pretende o autor que esta alínea seja “retificada”, interpretando-se tal alegação no sentido de se julgar provado que tal ré acompanhou a obra. Ora, tal facto, relativo ao acompanhamento dos trabalhos de construção pela ré A..., não foi alegado pelo autor na petição inicial, nem na resposta à contestação, nem, tampouco, o seu não acompanhamento foi alegado pela ré na contestação. Da motivação da decisão de facto não consta qualquer menção a esta alínea nem ao facto que nela foi dado por provado, desconhecendo-se em absoluto o que levou o Tribunal a quo a dar tal facto como provado.

Ora, os factos essenciais têm que ser alegados pelas partes, nos termos do disposto nos artigos 5º, número 1 e 552.º, número 1 alínea d) do Código de Processo Civil que referem a obrigação das partes de alegarem os factos essenciais que constituem a causa de pedir ou o suporte para as exceções que invocam.

O número 2 do referido artigo 5º prevê que o juiz considere na sentença ainda outros factos, não articulados pelas partes sendo eles:

“a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;

b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;

c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.

Afirma Teixeira de Sousa[5] que “os factos essenciais são aqueles que permitem individualizar a situação jurídica alegada na ação ou na exceção; - os factos complementares são aqueles que são indispensáveis à procedência dessa ação ou exceção, mas não integram o núcleo essencial da situação jurídica alegada pela parte”. Quanto aos primeiros afirma o referido Autor que “(…) são necessários à identificação da situação jurídica invocada pela parte e, por isso, relevam, desde logo, na viabilidade da ação ou da exceção: se os factos alegados pela parte não forem suficientes para perceber qual a situação que ela faz valer em juízo (…), existe um vício que afeta a viabilidade da ação ou da exceção. É por isso que, quando respeitante ao autor, a falta de alegação dos factos essenciais se traduz na ineptidão da petição inicial por inexistência de causa de pedir (…) e que a ausência de um facto complementar não implica qualquer inviabilidade ou ineptidão, mas importa a improcedência da ação”. Já “Os factos complementares (ou concretizadores) são os factos que, não integrando a causa de pedir (porque não são necessários para individualizar o direito ou o interesse alegado pela parte), pertencem ao Tatbestand da regra que atribui esse direito ou interesse ou são circunstanciais em relação ao facto constitutivo desse direito ou interesse.” Finalmente, quanto aos factos instrumentais o mesmo Autor entende que se destinam“(…) a ser utilizados numa função probatória dos factos essenciais ou complementares(…)”e “(…) são utilizados para realizar a prova indiciária dos factos principais, isto é, esses factos são aqueles de cuja prova se pode inferir a demonstração dos correspondentes factos principais.”

O facto dado por provado na alínea 44 dos factos provados não resulta de nenhum articulado e não é um facto meramente concretizador ou instrumental à pretensão do autor (se formulado na positiva como pretende o recorrente/autor) nem à defesa (tal como ficou julgado provado).

Pelo contrário, a alegação de que a ré A... acompanhou a obra seria um facto essencial à pretensão do autor de a responsabilizar civilmente com base no incumprimento dos seus deveres de informação enquanto mediadora imobiliária. Bem como a alegação de que assim não sucedeu seria essencial à defesa da ré.

Pelo que, por não ter sido alegado, se elimina tal facto da decisão sobre a matéria de facto.


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Estipula o artigo 662.º, número 2 c) do Código de Processo Civil que a Relação deve anular a decisão da matéria de facto que repute deficiente, obscura ou contraditória sobre pontos determinados da matéria de facto, se não dispuser dos elementos que permitam sanar esses vícios.

Nas palavras de Abrantes Geraldes[6], um dos vícios da decisão da matéria de facto “pode traduzir-se na integração na sentença, na parte em que se enuncia a matéria de facto provada (e não provada) de pura matéria de direito e que nem sequer em termos aproximados se possa qualificar como decisão de facto”.

Lançando mão da dicotomia entre os conceitos de “facto material” e “facto jurídico” Alberto dos Reis[7], dando inúmeros exemplos de factos jurídicos que não deviam integrar o questionário, punha a tónica da distinção no objeto do processo como critério aferidor entre factos e direito. Entendemos transponível para o elenco de factos que deve constar da sentença o que tal autor afirmava então a propósito da seleção dos mesmos em sede de questionário: “Força é confessar que a organização dum questionário perfeito é tarefa que desafia a inteligência mais experimentada”. Admitida essa dificuldade não pode, contudo, a mesma ser ultrapassada senão pela cuidadosa destrinça, em cada litígio, do que constitui facto material e do que constitui conclusão ou asserção que contenha já raciocínio ou significado jurídico.

A ação está configurada pelo autora como destinada (no que aqui releva) à condenação da ré A... no pagamento de danos decorrentes da celebração de contrato-promessa de compra e venda que a mesma intermediou, alegando que ela era conhecedora de factos que determinaram a paragem da construção do imóvel objeto desse contrato antes da sua celebração, o que lhe omitiu, não tendo ele, promitente comprador, jamais negociado com o promitente vendedor, mas apenas com a ré mediadora, que afirmou que assumiu “na plenitude a representação do Promitente-Vendedor”.

A expressão representação pode ser usada na linguagem comum como descritiva de uma situação em que alguém age em nome de outrem, mas em linguagem jurídica tem um significado próprio, em face do regime legal da representação previsto nos artigos 258.º a 269.º do Código Civil, onde se preveem consequências jurídicas para os atos dos representantes.

No caso o autor não pretendeu usar a expressão no seu sentido comum, antes pretendendo, como agora reitera em sede de recurso, que a ré A... seja responsabilizada na mesma medida que a promitente vendedora, pedindo a sua condenação solidária no pagamento do sinal em dobro e de indemnização por danos morais, por, entre o mais alegado, sustentar que ela atuou como “representante” de tal promitente.

Ora, foi alegado e está provado qual o contrato à luz do qual a ré mediadora teve intervenção no negócio objeto dos autos: o contrato de mediação imobiliária que celebrara com o promitente vendedor, sendo no âmbito deste que se relacionou com o autor e mediou o negócio.

Neste conspecto é manifesto que redação da alínea 27 dos factos, provados: “Sendo assumida pela Imobiliária, aqui 2ª Ré, na plenitude, a representação do Promitente-Vendedor” contêm conceito de direito – a representação – que o autor alegou – sem sustentação em qualquer facto concreto -, como causa de pedir.

Tal afirmação é, além disso, também conclusiva e apenas podia ser extraída de outros factos que a suportassem.

Pelo que tal alínea será eliminada do teor dos factos provados, por não ter qualquer conteúdo factual.


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3. A ré pretende que passe a constar dos factos provados que o imóvel (fração de imóvel em construção) prometido vender era um bem futuro.

Remetemos aqui para o que acima se exarou sobre meras conclusões e conceitos de direito e o seu não cabimento na decisão de facto.

A afirmação de que o bem prometido vender era um bem futuro não pode ser vertida na decisão de facto como tal, antes devendo tal conclusão, se for relevante para a decisão, decorrer do elenco de factos provados, nomeadamente do teor do contrato-promessa.

Além disso e inequivocamente, a expressão “bem futuro” é representativa de um conceito puramente jurídico que sequer tem uso na linguagem corrente. A promessa de venda de imóvel ou fração dele em construção está especialmente prevista no artigo 410.º, número 3 do Código Civil e a compra e venda de bens futuros está regulada no artigo 880.º do mesmo diploma.

Pelo que, por não ter conteúdo factual, não tem tal matéria assento na decisão da matéria de facto, improcedendo esta via recursória.


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Em face do acima vindo de decidir, passam a ser os seguintes os factos relevantes para a decisão da causa (de que se eliminaram as alíneas 27 e 44 e em que se procedeu à sua renumeração):

1. A 1ª Ré é uma sociedade unipessoal que desenvolve a sua a atividade na área da construção de edifícios.

2. A 2ª Ré é um Empresa de Mediação Imobiliária fundada em 2008;

3. No dia 13 de abril de 2022, foi celebrado um contrato-promessa entre o autor e a 1ª ré, tendo nesse mesmo contrato sido prometido vender um prédio em fase de construção no edifício designado “..., sito em ..., no Porto.

4. A negociação e celebração do contrato foi mediada pela 2ª ré.

5. Que tinha celebrado com a primeira ré um contrato de mediação imobiliária;

6. Tendo o Autor solicitado os serviços desta na Loja de Vila Nova de Gaia.

7. E sendo que à assinatura daquele contrato-promessa assistiram BB e EE em representação da Imobiliária 2ª Ré.

8. Não tendo havido qualquer contato entre o autor e a primeira ré;

9. O Promitente-Vendedor, 1ª Ré, era da inteira confiança da Imobiliária, 2ª Ré.

10. Por conta desse Contrato-Promessa, e a título de sinal e princípio de pagamento do preço acordado, o A. pagou a quantia de €36.000,00 (trinta e seis mil euros) ao Promitente- Vendedor, aqui 1ªRé.

11. À data da celebração do contrato os trabalhos estavam parados;

12. Tendo a segunda ré informado o autor que se tratava de algo de temporário;

13. O que foi decisivo para o autor tomar a decisão de celebrar tal contrato-promessa;

14. O Autor foi pedindo explicações à 2ª Ré, sobre o andamento dos trabalhos de construção, na pessoa do Sr. BB, tendo trocado algumas mensagens, por telemóvel, em maio de 2022;

15. Sendo-lhe dadas, repetidamente, garantias de começo dos trabalhos, que foram saindo frustradas.

16. Enviou a 2ª Ré, na pessoa do Sr. BB, um email ao Autor, no dia 24 de maio de 2022, em que justificava o atraso na obra com a falta de validade do alvará do empreiteiro;

17. Atraso que, aliás, sustentou a negociação de um aditamento ao contrato-promessa, que protelasse os pagamentos de reforço de sinal e princípio de pagamento;

18. No entanto, a 22 de junho, confirmando o atraso da obra, voltava a 2ª Ré, na pessoa do Sr. BB, a dar nova garantia de retoma dos trabalhos, desta feita para o início do mês de Julho;

19. Mas assim não sucedeu, ficando os últimos pedidos de explicações do Autor, em agosto, por responder;

20. Por carta remetida pela primeira ré, enviada ao autor no dia 16 de Setembro de 2022, aquela deu conta da sua “impossibilidade de continuar a obra” e de cumprir com o contrato celebrado;

21.Mais nela declarando existirem processos judiciais em curso que tinham por objeto o mesmo prédio prometido vender ao Autor e que, afinal, existe outro contrato-promessa de compra e venda sobre o mesmo prédio.

22.A cláusula segunda do acordo em causa, estabelecia que a prometida venda da fração autónoma a designar pela propriedade horizontal, seria efetuada livre de qualquer ónus, hipotecas ou quaisquer outros encargos e/ou responsabilidades;

23.Sendo que, da cláusula quarta, constava que não existia qualquer litígio judicial ou extrajudicial, atual ou potencial, em que se discuta a titularidade da posse e fruição ou do direito de propriedade das Frações; não existirem quaisquer notificações, reclamações, ações ou processos judiciais, arbitragens ou procedimentos de qualquer natureza, que tenham por objeto ou que possam vir a afetar o direito do Segundo Outorgante sobre as indicadas frações; não existirem quaisquer outros contratos relativos às frações objeto do presente contrato, nomeadamente contratos-promessa ou contratos definitivos de compra e venda, de oneração ou de constituição de encargos ou responsabilidades de qualquer natureza sobre os mesmos, dos quais resulte ou possa vir a resultar no futuro qualquer limitação ou restrição, material, jurídica ou económica à capacidade de uso, fruição ou disposição das frações em causa pelo Segundo Outorgante; tendo o Promitente-Vendedor se comprometido, inclusive, desde a data da assinatura do presente contrato e até à celebração do respetivo contrato definitivo de compra e venda, a não constituir e a não permitir a constituição de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades sobre as Frações identificadas, comprometendo-se ainda a não dar a terceiros quaisquer direitos de natureza real ou obrigacional sobre as mesmas;

24. A segunda Ré, Imobiliária A..., tinha o exclusivo da comercialização do prédio – tanto que nos painéis publicitários que rodeavam a obra existiam apenas alusões à citada Imobiliária e nos anúncios online da referida obra é mencionada a exclusividade da mesma.

25. Tendo as rés celebrado acordo escrito denominado de mediação imobiliária em regime de exclusividade, relativa ao imóvel em causa, com a data de 16/09/2020;

26. O Promitente-Vendedor, primeira ré era da inteira confiança da Imobiliária, 2ª Ré.

27. Nunca tendo sido apresentados ou tendo estado presencialmente no mesmo espaço o autor e a primeira ré.

28. Antes da outorga do contrato-promessa em discussão nos autos, a 2ª ré garantiu que a obra estaria parada na data, mas temporariamente;

29. O sócio e gerente da 2ª ré acompanhou a promoção do projeto desde o início;

30. Os trabalhos de construção terminaram em janeiro de 2022, devido a litígio com a dona do imóvel, a sociedade C..., S.A;

31. O que foi informado pelo legal representante da primeira ré, ao legal representante da segunda ré, pelo menos em março de 2022;

32. O qual tinha conhecimento que o imóvel em causa nos autos era propriedade de um terceiro, com quem a primeira ré celebrara um contrato-promessa de compra e venda, em 18/09/2020;

33.Sendo que o direito de propriedade de tal imóvel encontra-se inscrito em favor de D..., Lda, por compra à referida sociedade C..., através da apresentação 1498, de 29/11/2023;

34.O autor solicitou à segunda ré a devolução do valor pago a título de sinal;

35.No contrato-promessa em causa, foi dispensado o reconhecimento de assinaturas pelos outorgantes;

36.O Autor confiou nos efeitos jurídicos da celebração do referido contrato-promessa;

37.Tendo estado quase um ano, durante todo o tempo em aguardava que as obras prosseguissem e pudesse ir morar para a sua nova casa, a viver de favor em casa de um amigo.

38.O autor, na data da celebração do contrato-promessa, vendeu o imóvel onde vivia,

39.Tendo depois, em virtude do não cumprimento do presente contrato-promessa, acabado por comprar outro imóvel;

40.E teve de contrair novo empréstimo no valor de €20.000,00, para adquirir o novo imóvel;

41.Situação que nunca aconteceria se tivesse comprado a casa objeto deste litígio.

42.O Autor sente-se profundamente injustiçado;

43. A segunda ré não acompanhava a execução das obras;

Não provado

1. Que o autor tenha negociado com a primeira ré os termos e condições do contrato-promessa celebrado.


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4. É em face destes factos que cumpre aferir se deve a ré A... ser responsabilizada civilmente por danos sofridos pelo autor, por conhecer qualquer circunstância que pudesse obstar à celebração do contrato definitivo à data da celebração do contrato-promessa, tendo-a ocultado, para o que atuou com dolo, induzindo o autor em erro.

Em face da prova dos factos que constam das alíneas 8, 11 a 14, 15, 17, 21 a 23 e 29 a 33 está assente que, sem nunca ter contactado previamente com a promitente vendedora, o autor negociou a promessa de compra de fração a construir em edifício cujas vendas estavam a ser promovidas em exclusivo pela A..., na qualidade de mediadora imobiliária contratada pelo construtor, tendo sido então informado por esta que muito embora os trabalhos de construção estivessem parados tal paragem era temporária. Por causa desta informação e nela acreditando o autor celebrou contrato-promessa de compra e venda de que constava que a venda seria feita livre de ónus ou encargos e de que “não existia qualquer litígio judicial ou extrajudicial, atual ou potencial, em que se discuta a titularidade da posse e fruição ou do direito de propriedade das frações” ou outros encargos ou responsabilidades de que pudesse resultar limitação ou restrição das frações pelo promitente comprador.

Ora, assim não era de facto, estando a obra parada desde janeiro de 2022, por causa de litígio entre a proprietária do imóvel (terreno onde estava a ser implantada a construção) e a promitente-vendedora, construtora que era também promitente-compradora do referido terreno. De tudo isto sabia a Ré A... no momento em que mediou a celebração do contrato-promessa de compra e venda com o autor, o que não lhe transmitiu, antes o informando apenas de que a paragem dos trabalhos era meramente temporária.

Posteriormente, mediante várias interpelações do autor com vista a inteirar-se do andamento dos trabalhos, a ré A... continuou a assegurá-lo de que as obras seriam retomadas em breve, o que nunca veio a suceder e esteve na base da celebração de um aditamento ao contrato-promessa, com fixação de novos prazos para o pagamento dos reforços de sinal acordados.

O autor apenas veio a ter conhecimento dos factos que, pelo menos desde janeiro de 2022 (cerca de quatro meses antes da celebração do contrato-promessa) vinham impedindo a continuação da construção quando a promitente vendedora lhe comunicou por carta a resolução do contrato, dando-lhe conta das razões.

É manifesto que em face destes factos se deve concluir que a ré sabia antecipadamente de um litígio entre o dono do imóvel em construção e o promitente-vendedor/construtor, que era causa da paragem dos trabalhos, tendo ocultado tais factos deliberadamente ao autor, que assinou um contrato-promessa em que constava expressamente que não existia qualquer litígio dessa natureza e com esse potencial efeito.

A ré, na qualidade de mediadora imobiliária que celebrara com o promitente-vendedor contrato para venda, em exclusividade, das frações a construir, foi a única interlocutora do autor até muito depois da celebração do contrato-promessa, nunca antes tendo ele negociado com o promitente-vendedor.

O contrato de mediação imobiliária é um tipo de contrato de prestação de serviços previsto na Lei 15/2013 de 08 de fevereiro, sendo definido o negócio pelo qual uma parte (o mediador) se obriga perante outra (o comitente) a de modo independente e mediante retribuição preparar e estabelecer uma relação de negociação entre aquele e terceiros (os destinatários) com vista à eventual conclusão definitiva de um negócio jurídico[8].

Segundo FF[9] são elementos essenciais deste contrato a obrigação de aproximação de sujeitos, a atividade tendente à celebração do negócio, a imparcialidade, a ocasionalidade e a retribuição.

Do disposto no artigo 17.º número 1, alíneas b) a d) da Lei 15/2013, resultam para o mediador imobiliário os seguintes deveres para com os interessados:

- certificar-se da correspondência entre as características do imóvel objeto do contrato de mediação e as fornecidas pelo seu cliente, bem como se sobre o mesmo recaem quaisquer ónus ou encargos;

- fornecer aos interessados toda a informação relevante de forma clara, objetiva e adequada, de modo a não os induzir em erro;

- comunicar imediatamente aos interessados qualquer facto que ponha em causa a concretização do negócio visado.

A ré/recorrente A... violou de forma flagrante estes deveres ao omitir ao promitente-comprador a pendência de um litígio entre o promitente-vendedor e a proprietária do imóvel em construção que tinha já levado, cerca de quatro meses antes da celebração do contrato-promessa, à paragem dos trabalhos de construção. Em vez disso, transmitiu-lhe apenas que a paragem das obras era meramente temporária. Podia, é certo, estar convencida disso, desconhecendo-se se sabia que tal paragem seria definitiva, mas omitiu ao autor a prestação de informação de factos relevantes para a sua decisão de contratar.

Em nada aproveita à ré/recorrente construção que ensaia em sede de recurso no sentido de que o autor prometeu comprar um bem futuro, pelo que não tinha qualquer garantia de que o mesmo viria a existir de facto.

A questão decidenda, do ponto de vista da pretensão do autor/recorrente, é completamente alheia à natureza do bem prometido vender. O facto de se tratar de uma fração de imóvel em construção não diminuía, do ponto de vista da mediadora imobiliária, os deveres impostos pelo citado artigo 17.º da Lei 15/2013.

Ou seja, apesar de ter prometido comprar um bem futuro (por não existir ainda a fração prometida comprar/vender), tinha o autor direito a exigir da mediadora transparência e rigor na informação sendo os litígios pré-existentes que levaram à suspensão da construção factos relevantes para aferir se o bem, ainda que futuro, viria de facto a existir ou, pelo menos, o risco de que tal pudesse não vir a suceder.

Resta aferir se a violação dos deveres de informação por banda de tal ré são fundamento da pretensão do autor/recorrente de a ver condenada a pagar-lhe a devolução do valor do sinal pago em dobro, ou se, pelo contrário, a mesma deve ser absolvida de todos os pedidos.

Não pode, nem isso defende o autor, sustentar-se a eventual condenação da mediadora imobiliária na mesma causa de pedir em que se estriba o pedido de condenação do promitente-vendedor, pois com este o autor celebrou um contrato, em que se estipulava a consequência para a resolução do contrato por iniciativa daquele, sendo esse clausulado contratual a fonte da obrigação em que o quer ver condenado. Quanto a tal ré, portanto, e como infra melhor se desenvolverá, estamos no domínio da responsabilidade contratual

Já a condenação da ré A..., com quem o autor não celebrou qualquer contrato, apenas pode ter por fundamento – e isso alegou o autor -, na violação das obrigações legais de informação cima enumeradas desde que delas decorra causalmente o dano que alega.

Estamos, pois, no que a esta ré respeita, no campo da responsabilidade civil extracontratual, dependendo a sua condenação da verificação dos respetivos requisitos que, como é já apodítico, mas ainda assim necessário dizer, são cinco: o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo causal entre este último e a prática do facto ilícito culposo. Tudo isto resulta do disposto no artigo 483.º, número 1 do Código Civil, sendo neste que pode sustentar-se a condenação da ré que não estabeleceu com o autor nenhuma relação contratual.

Como decorre do resumo acima feito da factualidade provada atinente a esta questão, o que à ré mediadora pode ser imputado é, por um lado, a deliberada omissão de informação relativa a litígios prévios entre o promitente-vendedor e a proprietária do imóvel (terreno onde estava a ser construído o prédio de que o autor prometeu comprar uma fração) e, por outro, a mera transmissão ao comprador de que a paragem das obras era temporária, quando bem sabia que a mesma já tinha cerca de quatro meses de duração bem como conhecia a sua causa. Sabia a ré ser falso o teor de parte do clausulado do contrato-promessa, em que se mencionava a inexistência de qualquer litígio que pudesse pôr em causa a aquisição das frações. Do que vai dito resulta já que se está perante uma conduta deliberada da referida ré, o que configura a sua culpa na modalidade de dolo, consistente na consciente e propositada omissão de informação relevante e na transmissão de informação falsa (no que tange à declarada inexistência de litígios extrajudiciais que pudessem pôr em causa a celebração do contrato prometido).

A ilicitude deste comportamento decorre da violação das regras acima transcritas, previstas no artigo 17º da Lei 15/2013, que são destinadas à proteção de terceiros ao contrato de mediação, nomeadamente os potenciais compradores que, como o autor, fazem fé no profissionalismo e na boa conduta profissional do mediador imobiliário.

O incumprimento destes deveres pode conduzir à responsabilidade da empresa de mediação imobiliária como decorre do artigo 7.º, número 3 da Lei 15/2013 que obriga mesmo as mediadoras como a ré a celebrarem contrato de seguro de responsabilidade civil para ressarcimento dos danos patrimoniais causados a terceiros que sejam decorrentes de ações ou omissões das empresas, dos seus representantes e dos seus colaboradores. Se dúvidas houvesse sobre quem são estes terceiros, o número 5 do referido artigo estatui que são “todos os que, em resultado de um ato de mediação imobiliária, venham a sofrer danos patrimoniais, ainda que não tenham sido parte no contrato de mediação imobiliária.”

Afirma Baptista Oliveira[10] que os deveres de informação previstos no artigo 17.º da Lei 15/2013 “são deveres acessórios da prestação” visando a proteção dos terceiros que tenham interesse nessa informação, destinando-se as obrigações impostas nas diversas alíneas do artigo 17.º, n.º 1, da Lei n.º 15/2013, de 08-02, a proteger interesses alheios, no caso, os dos clientes e dos destinatários do serviço de mediação imobiliária. Conclui, como nós, que a violação pela empresa mediadora imobiliária destes deveres poderá fazê-la incorrer em responsabilidade civil, desde que verificados os demais pressupostos da obrigação de indemnizar.

A respeito destes deveres e as consequências do seu incumprimento se pronunciaram já vários acórdãos desta mesma secção[11] sendo unívoco que a mediadora imobiliária pode e deve ser responsabilizada pelos danos que decorram causalmente da violação culposa dos mesmos.


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5. Resta, assim, aferir se o apurado comportamento da ré mediadora foi causa de danos para o autor e, em caso afirmativo, em que medida

O autor/recorrente pretende que a mesma seja responsabilizada solidariamente com o promitente-vendedor pela devolução do sinal em dobro.

Já a ré/recorrente, entende que não lhe pode ser imputada qualquer responsabilidade pelo pagamento dessa quantia, ou de qualquer outra, quer alegando que não omitiu qualquer dever de informação – questão em que a decisão sobre a matéria de facto deixou afastada tal via de defesa -, quer sustentando que cabe ao promitente-vendedor a devolução dos valores pagos a título de sinal.

Parece-nos líquido, salvo o devido respeito pela posição assumida pelo autor, que não há qualquer fundamento legal para a condenação da ré mediadora no pagamento do sinal em dobro. Tal condenação, que, como infra se verá, decorre quer do teor do contrato-promessa (em que foi clausulada[12] essa consequência para a hipótese de resolução do contrato pelo promitente vendedor), quer do disposto no artigo 442.º do Código Civil, está prevista quer na lei quer no contrato como obrigação do promitente-vendedor. Não há qualquer arrimo para que a mediadora, que não recebeu tal valor e nem se obrigou perante o autor à celebração do contrato prometido, seja responsabilizada pela devolução do dobro do sinal, como pretende o autor.

O sinal foi pago pelo autor ao promitente vendedor, como adiantamento do preço final da compra e venda e o mesmo fê-lo seu, tendo posteriormente resolvido o contrato por alegada impossibilidade de o cumprir.

A ré mediadora não recebeu tal quantia pelo que não tem de a “devolver” ao autor e não sendo ela parte no contrato-promessa são está submetida a qualquer obrigação contratual ou legal de devolução do sinal em dobro.

Pelo que, por absoluta falta de fundamento legal, improcede o recurso do autor no que tange à pretensão de condenação da ré mediadora no pagamento do dobro do valor do sinal que pagou ao promitente vendedor, salientando-se desde já que não se provou que o autor tenha sofrido um prejuízo/dano de valor equivalente ao dobro do sinal.


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Resta saber se, como pretende a ré/recorrente, deve a mesma ser ainda absolvida do pagamento desse valor em singelo, ao contrário do que foi decidido pela sentença recorrida.

Ou seja, há que apurar se o autor sofreu dano consistente na perda do valor do sinal que seja causalmente imputável à ré mediadora, bem como danos não patrimoniais que também sejam consequência adequada da sua conduta.

A este propósito pode ler-se na sentença recorrida apenas o seguinte: “Temos assim que a autora sofreu um dano patrimonial – a entrega do sinal – que foi causado pelas condutas concorrenciais do promitente vendedor e da mediadora”. Segue-se a análise do regime da responsabilidade solidária entre as duas rés.

A questão, todavia, parece-nos merecer melhor reflexão, pois não é líquida a afirmação do nexo causal entre a violação dos deveres de informação por banda da ré mediadora e a perda do valor do sinal. Nem, sequer, é líquido que o autor tenha sofrido dano decorrente da perda do valor do sinal, já que tal perda não é, por ora, definitiva desde logo porque foi pedida a condenação do promitente-vendedor no seu pagamento.

Embora cite, a propósito dessa questão, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça em que se condenou o promitente-vendedor à devolução do sinal em dobro e a mediadora, em regime de solidariedade, ao pagamento do mesmo em singelo, a sentença não se demora na afirmação do requisito da responsabilidade civil extracontratual que nos parece ser a pedra de toque da decisão relativa à condenação da ré mediadora: o nexo de causalidade entre a sua conduta e o dano alegadamente sofrido.

Numa situação em muito parecida com a tratada pelo Supremo Tribunal de Justiça no assinalado acórdão[13], decidiu esta mesma secção, num dos acórdãos já acima citados[14], que inexistia nexo causal entre o dano correspondente ao valor do sinal pago e a conduta culposa e ilícita da mediadora. Tal conclusão decorreu do facto de não se ter considerado existir nexo de causalidade entre a conduta ilícita e culposa da ré mediadora que foi apurada e a perda do valor do sinal pelo promitente-comprador, desde logo por não se ter provado que o mesmo não teria contratado se a informação lhe tivesse sido corretamente prestada, e ainda porque o promitente-vendedor havia sido condenado a devolver ao autor o dobro do sinal pago, o que eliminava até a existência de um dano equivalente à perda do sinal em singelo.

Tem sido afirmado por grande parte da doutrina que nosso legislador, nos artigos 483º e 563º do Código Civil consagrou a teoria da causalidade adequada. Duas afirmações podem enformar, contendo-a de forma cabal, esta teoria: a de que apenas são indemnizáveis os danos decorrentes do facto lesivo e a de que a indemnização deve ressarcir os danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

E afirmá-lo, sendo, como se disse, necessário é, também, manifestamente insuficiente no caso dos autos, como em muitos.

É preciso que se reflita sobre as exatas consequências pretendidas por tal opção legal com respeito pelo pensamento e pelo texto legislativo.

Para que se possa alcançar essa reflexão importa relembrar que, doutrinariamente, a causalidade poderia ter tido diferente tratamento.

Poder-se-ia ter optado por uma visão meramente naturalística em que tudo o que sucedesse ao facto fosse considerado como tendo sido por ele causado ainda que do ponto de vista da adequação e da probabilidade não fosse de esperar tal consequência.

Todavia, o legislador exige, mais do que isso, que haja uma decorrência não meramente física ou natural, mas também normativa.

O que significa isto? Para diferentes doutrinadores a enunciação da teoria da causalidade adequada tem diferentes formulações. Há quem acentue o escopo da norma jurídica violada[15], quem ponha maior enfoque na previsibilidade da consequência para o agente (formulação positiva), exigindo que a consequência seja o natural, o normal, o típico resultado daquela ação e quem afaste o nexo apenas quando a consequência tenha decorrido da intervenção de outro fator, extraordinário e imprevisível ou anormal (formulação negativa), bem como há quem defenda a relevância da causa virtual, a saber a que, tendo sido provocada pelo agente, podia ter causado aquele dano que, todavia, ocorreu por interferência prévia de outro acontecimento que precipitou a mesma consequência.

Estando a apreciação do nexo de causalidade a ser feita não num plano naturalístico, mas sim normativo, e sobretudo porque do que se trata é da responsabilidade civil, ou seja, da responsabilização de alguém pelo ressarcimento de um dano, é manifesto que na sua aplicação ao caso concreto sempre se terá de manter o olhar no comportamento humano do ponto de vista do dever ser.

Ou seja, não pode o intérprete acolher uma solução que permita a responsabilização por algo com que o agente não pudesse, de todo, contar.

Antunes Varela[16] defende que a formulação legal visou reagir contra a mais “acanhada” formulação do artigo 707.º do Código de 1867 que restringia a indemnização aos danos necessariamente decorrentes do incumprimento contratual, tentando-se, com a adoção do advérbio “provavelmente” ensaiar maior maleabilidade ao conceito. Aponta, todavia, que a fórmula adotada não é, mesmo assim, inteiramente feliz já que permite uma interpretação pela negativa ou pela positiva assim deixando uma liberdade ao intérprete que pode gerar incertezas.

Opta pela maior bondade da formulação negativa e sublinha, sobretudo, que esta fórmula legal impõe, além da condicionalidade (isto é, que o facto tenha sido, efetivamente, uma condição do resultado danoso) a adequação. Finalmente, este Autor afasta a adoção, sem mais, da teoria do fim tutelado pelo contrato ou pela norma legal infringida embora reconheça a utilidade de chamar à colação, no caso concreto “como um auxiliar precioso das dúvidas suscitadas”[17], a determinação dos interesses tutelados pela norma legal infringida.

Seguimos de perto o entendimento deste autor que, no caso da responsabilidade por factos ilícitos (como é o caso dos autos no que tange à ré mediadora), nos impõe o seguinte raciocínio: desde que o autor tenha praticado um facto ilícito e este tenha sido condição para a ocorrência do dano, justifica-se que seja alterada a verdade naturalística (que é a de que o dano é suportado por quem o sofre – casum sentit dominus).

Assim não será apenas caso o dano tenha, não obstante a prática da ação ilícita, decorrido de acontecimento fortuito, culpa do próprio lesado ou conduta de terceiro ou quando, ainda que estas três possibilidades se não verifiquem fosse, de todo, em todo irrazoável exigir ao agente a previsibilidade da ocorrência de um dano.

Seguindo, então, a formulação defendida por Antunes Varela (op cit página 893) teremos que:

1º – para concluirmos que há causa adequada não é exigível que o facto tenha sido a única causa do dano, sendo apenas essencial que aquele tenha sido condição deste.

2º- tão pouco é necessário que o dano seja previsível para o autor do facto. Apenas se exige que o facto seja, em relação ao dano subsequente, causa objetivamente adequada. “Se a responsabilidade depender da culpa do lesante, é imprescindível a previsibilidade do facto constitutivo da responsabilidade, visto essa previsibilidade constituir parte integrante do conceito da negligência, em qualquer das modalidades que ela pode revestir. Mas já não se exige que sejam previsíveis os danos subsequentes”.

3.º - finalmente, há que ter presente que a causalidade adequada não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano. É esse processo concreto que há de caber na aptidão geral ou abstrata do facto para produzir o dano.

Em face desta orientação, analisemos os danos invocados pelo autor e a forma como decorrem, ou não, em termos de causalidade adequada, do comportamento da ré mediadora.

Dúvidas não há que ocorre manifesto nexo entre a conduta ilícita e culposa da ré mediadora e os padecimentos morais do autor que ficaram provados. Dos factos provados resulta à saciedade que se não fosse o comportamento da ré o autor não teria sofrido tais padecimentos, pois se provou que o mesmo tomou a decisão de contratar confiando na informação da ré mediadora de que a paragem dos trabalhos de construção da fração onde pretendia vir a habitar estava temporariamente parados e porque ignorava circunstâncias que poderiam vir a atrasar/impedir a sua pretensão de vir a habitar a fração que queria adquirir. Foi a frustração deste propósito de mudar de casa em curto espaço de tempo que causou os padecimentos do autor que ficaram provados. E o atraso na construção era conhecido pela ré mediadora antes da celebração do contrato-promessa.

A esse propósito o Tribunal a quo fixou a respetiva indemnização em 2 500 € e nenhuma das partes discute tal quantificação. Pelo que nesta parte é de manter o decidido.

Quanto à perda do valor do sinal, provou-se que o autor tomou a decisão de celebrar o contrato-promessa por ter confiado na alegação da ré mediadora de que a paragem da construção que ocorria no momento da outorga era temporária. Sendo tal informação essencial para a decisão de contratar do autor, verifica-se, contudo, que não foi alegado na ação que a mesma fosse, à data, falsa, ou que, pelo menos, a ré mediadora estivesse convicta de que a obra estava já definitivamente parada[18]. O facto de a mesma saber da pré-existência de um litígio entre o construtor/promitente-vendedor e o dono do prédio onde tal construção estava a ser erigida não equivale a que soubesse que a obra não iria ser retomada ou, sequer, que havia um risco sério de que tal viesse a suceder.

Ocorreu, aliás, que apenas em setembro de 2022, cerca de cinco meses volvidos, a promitente-vendedora comunicou ao autor a impossibilidade definitiva de cumprir o contrato e lhe declarou resolvê-lo.

Acresce que, como decorre já da parte da condenação transitada em julgado (com a qual se conformou a ré promitente-vendedora), o autor viu proceder a sua pretensão de ver tal ré condenada ao seu pagamento, pelo que não pode afirmar-se sequer que o mesmo perdeu definitivamente esse valor. O mesmo é-lhe devido pela parte com quem contratou e que fez sua tal quantia tendo ela, como já decidido, a obrigação de lha devolver em consequência da resolução do contrato.

Finalmente cumpre acentuar que o valor pago pelo autor a título de sinal decorreu do cumprimento de uma obrigação contratual perante a promitente-vendedora que, por sua vez, não veio a cumprir as obrigações emergentes do contrato. Ou seja, a perda desse valor decorreu direta e necessariamente do incumprimento do contrato por banda da co-ré construtora/promitente vendedora, tendo sido esta (que é terceira no que se refere à relação estabelecida entre o autor e a ré mediadora) a causadora da perda patrimonial do autor.

De tudo o exposto conclui-se que dos factos provados não decorre a existência de um nexo causal entre a perda pelo autor do valor do sinal (que não é definitiva) e a violação dos deveres de informação por banda da ré mediadora. Antes a perda do valor do sinal será, a verificar-se definitivamente, diretamente decorrente do incumprimento do contrato por banda da ré promitente-vendedora que está já condenada a pagar tal montante ao autor.

Assim, a ré mediadora, sendo responsável pelos danos causados apenas pela sua conduta omissiva terá de ressarcir o autor pelos danos não patrimoniais apurados e cujo valor indemnizatório não discute, mas não lhe pode ser assacada a responsabilidade pela eventual perda do valor do sinal, dano que, aliás, não se verificou de forma definitiva na esfera do autor, já que cabe à co-ré o seu pagamento.

A solução encontrada pelo Tribunal a quo de responsabilização solidária dos réus pelo pagamento desse valor do sinal em singelo levaria, aliás – e por forma a evitar que o lesado ficasse beneficiado com a condenação, recebendo mais do que pagou efetivamente -, a que a ré promitente-vendedora pudesse vir a ficar dispensada, na prática, do pagamento desse montante ou de parte dele (no âmbito de um eventual direito de regresso entre os devedores solidários) em detrimento da ré mediadora, apesar de ter sido aquela a receber e a fazer seu tal valor (a título de adiantamento do preço de um bem que não veio a vender ao promitente-comprador). Ou seja, a condenação solidária da ré mediadora no pagamento desse valor poderia redundar no locupletamento da promitente-vendedora com quantia que fez sua, tendo sido ela a recebê-la do autor, podendo ficar a mesma, apesar de contratualmente responsável, beneficiada com a condenação solidária.

Também em situação idêntica a esta decidiu o Tribunal da Relação de Évora em acórdão de 25 de maio de 2023[19], que não havia fundamento para a condenação solidária da ré mediadora no pagamento do valor do sinal em singelo, porque (entre outras razões aqui não aplicáveis) “o prejuízo sofrido pelos autores corresponde ao valor da quantia entregue a título de sinal, a cuja restituição a primeira ré foi condenada, estando apenas em causa o reforço da garantia de pagamento à custa de património diverso”. Ou seja, ali se concluiu que a condenação solidária apenas reforçaria a garantia de pagamento do sinal ao credor, não tendo o mesmo direito a recebê-lo da mediadora e da promitente-vendedora, mas apenas desta.

No já acima referido acórdão desta secção TRP 5846/20.0T8MTS.P1 seguiu-se idêntico raciocínio, concluindo-se pela inexistência de nexo causal entre a conduta ilícita e culposa do mediador e a não celebração do contrato definitivo pelo promitente-vendedor (e consequente perda do sinal). Ali se diz, com inteira aplicação ao caso dos autos: “Os AA. viram-se constituídos no direito a perceber o sinal em dobro, não por via da atuação ilícita da R. mediadora, mas na decorrência direta da recusa dos promitentes compradores em celebrar o contrato definitivo. Acaso estes tivessem celebrado o contrato definitivo, pese embora a omissão de informação por banda da R. mediadora, não se teria verificado o prejuízo consistente no desapossamento do montante do sinal. Daqui se retira que a mera omissão da prestação da informação pela mediadora não constitui fundamento adequado à causação do prejuízo na esfera jurídica dos AA.. Dito de outra forma, não foi a omissão de informação que direta e necessariamente conduziu ao incumprimento definitivo do contrato promessa, constituindo os AA. no direito a ver devolvido o sinal por si prestado.”.

Por tudo o exposto, não podendo imputar-se à ré mediadora a perda do valor pago a título de sinal - perda essa que é de imputar à promitente-vendedora e por ora é apenas temporária já esta está condenada a pagá-la -, deve improceder a pretensão do autor de ver tal ré condenada no pagamento desse valor (em dobro ou em singelo), mantendo-se apenas a condenação da ré mediadora no valor de 2.500 € a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo autor.


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6. Resta conhecer da parte da pretensão do recorrente/autor relativa à condenação da ré promitente-vendedora no pagamento do sinal em dobro.

É patente, quanto a esta questão, o erro em que incorreu o Tribunal a quo que afirmou na fundamentação de direito da sentença, contra o que está provado, que as partes intervenientes no contrato-promessa nele estipularam que o incumprimento do promitente-vendedor determinaria a devolução do sinal em singelo. Tal não só não resulta do contrato dado por provado na alínea 3, como, pelo contrário dele resulta expressamente que no caso de incumprimento do contrato por parte do promitente vendedor o autor poderia exigir o reembolso do montante total entregue a título de sinal e de reforços deste em dobro.

Como salientado na sentença em trecho que nenhum dos recorrentes discute, é aplicável ao incumprimento definitivo do contrato-promessa pelo promitente vendedor o disposto no artigo 442.º, número 2 do Código Civil, de que decorre a obrigação de devolução do sinal em dobro caso o promitente incumpridor seja o vendedor.

Ao contrário do erradamente afirmado na sentença o contrato celebrado não pretendeu afastar esse regime legal não existindo nele a cláusula que por manifesto lapso se refere na fundamentação de direito, mas não consta, nem podia, dos factos provados.

Pelo que resta aferir se ocorreu incumprimento por banda do promitente-vendedor, o que a sentença também afirma e apenas a ré mediadora quer discutir, alegando que cabia ao autor interpelar a sua co-ré ao cumprimento transformando dessa forma a sua mora em incumprimento definitivo.

Tal afirmação é, salvo o sempre devido respeito, completamente incompreensível no quadro fático apurado.

Como bem salientado na sentença, ré promitente-vendedora comunicou ao autor a resolução do contrato alegando impossibilidade definitiva para o cumprir. Neste circunstancialismo não faz qualquer sentido a defesa da tese de que o autor deveria interpelar o contratante que resolveu o contrato para que o cumprisse.

A este propósito acompanha-se a fundamentação da sentença recorrida, nada mais havendo a acrescentar sobre tal questão, que aliás a ré promitente-vendedora, que se conformou com a sentença, não pôs em causa.

Pelo que nessa parte deve proceder a pretensão do recorrente/autor, de ver tal ré condenada no pagamento do dobro do valor do sinal que lhe entregou.

No que tange ao pagamento por banda desta ré de uma indemnização por danos não patrimoniais em acréscimo à devolução do sinal em dobro a mesma tem que manter-se por não ter sido objeto de recurso.


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As custas da ação deverão ser suportadas por autor e rés nas proporções dos seus decaimentos.

As custas dos recursos devem ser suportadas por recorrentes/recorridos, sendo:

- a proporção do decaimento do recurso do autor de fixar em ½ para o mesmo e ½ para a recorrida B... Unipessoal, Lda; e

- a proporção do decaimento no recurso da ré A... de fixar para esta e para o autor/recorrido em função da redução da sua condenação de 38.500 € para 2.500 €.

Tudo nos termos do previsto no artigo 527.º, número 1 do Código de Processo Civil.

V – Decisão:

Nestes termos julgam-se ambas as apelações parcialmente procedentes e em consequência:

1 – Condena-se a ré B... Unipessoal, Lda a pagar ao autor a quantia de 72 000 € a que acrescem juros de mora contados desde a data da citação, à taxa de 4%, até efetivo e integral pagamento;

2- Condenam-se ambas as rés, solidariamente, a pagar ao autor a quantia de 2 500 € a que acrescem juros de mora a contar do dia posterior ao da prolação da sentença à taxa de 4%, até efetivo e integral pagamento.


*

Vai o autor/recorrente condenado em multa, nos termos do disposto no artigo 443.º, número 1 do Código de Processo Civil e do artigo 27.º, número 1 do Regulamento das Custas Processuais, que se fixa no mínimo legal de 0, 5 UCs.

*

Custas da ação por autor e rés na proporção dos seus decaimentos.

Custas do recurso do autor por recorrente e recorrida B... Unipessoal, Lda, em igual proporção;

Custas do recurso da ré A... a cargo desta e do autor/recorrido em função da do decaimento (como acima fixado).


Porto, 24 de novembro de 2025.
Ana Olívia Loureiro
Manuel Domingos Fernandes
Anabela Morais
________________
[1] Processo 22946/11.0T2SNT-A.L1.S2 disponível em:
http://www.gde.mj.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/7b3cede04446a09c802583ee0034586b?OpenDocument
[2] Manual do Recurso Civil, Almedina, Volume I, página 292.
[3] Recursos em Processo Civil, Almedina, 7ª edição, página 135.
[4] AUJ 220/2023 de 14-11-2023
[5] Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Páginas 70 a 72.
[6] Recursos em Processo Civil, Almedina, 7ª edição, página 354.
[7] Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 3ª edição, Volume III, páginas 210 a 218
[8] Definição extraída de acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12-05-2025, TRP 148/22.0T8PRT.P2
[9] Contrato de Mediação, em Estudos do Instituto de Direito do Consumo, vol. I, Almedina, 2002, pág. 192 e seguintes.
[10] Manual da Mediação Imobiliária, Almedina 2019, pagina 109.
[11] Nomeadamente os acórdãos de 08-09-2020, TRP 674/17.3T8MTS.P1 e de 04-03-2024, TRP 5846/20.0T8MTS.P1.
[12] Ao contrário do que, por ostensivo erro, é afirmado na sentença.
[13] STJ 6686/07.8TBCSC.L1.S1 de 08-05-2013.
[14] TRP 5846/20.0T8MTS.P1 em que foi primeiro adjunto o também aqui primeiro adjunto.
[15] Menezes Cordeiro, Da Responsabilidade Civil dos Administradores das Sociedades Comerciais, 1996, p. 534 e ss.e Menezes Leitão, Direito das obrigações, 2010, p. 348.
[16] Das Obrigações em Geral, 7.ª edição, Vol. I, página 898)
[17] Op cit,, página 871 e seguintes.
[18] O que, como já acima salientado, o recorrente apenas pretendeu introduzir como argumento em sede de recurso.
[19] TRE 1996/19.4T8FAR.E2