Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
355/12.4TBSJM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ AMARAL
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
CONDOMÍNIO
LOCATÁRIO
RENDAS
RESPONSABILIDADE CIVIL
DEVER DE VIGILÂNCIA
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
Nº do Documento: RP20150122355/12.4TBSJM.P1
Data do Acordão: 01/22/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O proprietário/locador de fracção autónoma de prédio constituído no regime de propriedade horizontal não responde perante o seu locatário pelas consequências danosas decorrentes da demora na reparação dos estragos nela causados pela água caída de um tubo condutor das águas pluviais dos terraços, cuja «curva» se soltou, e que é coisa comum.
II - Não lhe sendo o evento e suas consequências imputáveis a qualquer título, não há incumprimento da obrigação, decorrente do contrato de arrendamento, de aquele assegurar a este o gozo da coisa arrendada para os fins a que se destina.
III - Compete ao locatário lesado defender os seus direitos directamente contra o terceiro lesante (condomínio), nomeadamente exigir-lhe a indemnização pelos prejuízos sofridos.
IV - Por isso, não pode ele invocar perante o locador, para se eximir à obrigação de pagamento das rendas enquanto a fracção estiver por reparar, a excepção de não cumprimento, maxime se este se inteirou que o sinistro estava coberto pela apólice de seguro contratado pelo condomínio e que o administrador logo efectuou a participação.
V - Tal como, na propriedade horizontal, o proprietário da cada fracção autónoma – enquanto titular de um direito real (absoluto) e com fundamento no estatuto deste, pode exigir (pretensão real) de qualquer terceiro, como tal se considerando o próprio condomínio, enquanto conjunto dos titulares agrupados do direito de propriedade sobre as partes comuns e, por isso, sujeito passivo, independente de qualquer actuação culposa, de um dever (obrigação propter rem ou ob rem) de manutenção, conservação e reparação dessas partes comuns – que este lhe assegure continuamente a intangibilidade da fracção e se abstenha de a lesar, também o respectivo locatário, enquanto titular de um direito de natureza e com regime mistos ou dualistas que o aproximam do ius in re, pode exercer idêntica pretensão contra o condomínio terceiro, como entidade colectiva sobre a qual impende obrigação similar.
VI - Sem embargo, no caso de a pretensão, do proprietário ou do locatário da fracção autónoma, ter por objecto a indemnização por danos sofridos com origem em coisa comum e devidos à omissão do referido dever, tal obrigação não prescinde dos requisitos da responsabilidade civil, designadamente o da culpa, ainda que presumida.
VII - A Jurisprudência mostra preocupação de assegurar a ressarcibilidade dos danos ainda que se desconheça a origem exacta do evento (vício da coisa, falta de cuidado na manutenção) e se não possa fazer a sua efectiva imputação ao responsável, generalizando o conceito de perigosidade e o consequente dever de vigilância e, consequentemente, reduzindo as hipóteses de afastamento da presunção de culpa.
VIII - Admite-se uma modalidade especial de responsabilidade delitual (um tertium genus entre a responsabilidade subjectiva e a responsabilidade objectiva) a que se associa um acrescido rigor e exigência na interpretação e aplicação dos requisitos necessários para ilidir aquela presunção, que o aproxima da responsabilidade pelo risco decorrente do dever geral de prevenção do perigo ou dos deveres de segurança no tráfego em que se insere o dever de vigilância da coisa e que impendem sobre o dominus, facilitando a reparação em detrimento da sanção.
IX - Deve o detentor da coisa – no caso, o condomínio, em particular o administrador a quem cabe, nos termos do artº 1436º, alínea f), realizar os actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns – informar-se e conhecer todas as circunstâncias relativas ao projecto e às condições em que foi e se encontra edificado o prédio (verificando as plantas das redes, sua regularidade técnico-legal, perfeita e normal funcionalidade), de modo a cabalmente sobre todas as partes comuns exercer profícua, constante e eficaz vigilância, de modo a prevenir a consumação de todas as ocorrências potenciadas pelos riscos imanentes e a evitar prejuízos que a terceiros elas podem causar.
X - Presumindo-se que o evento resultou do incumprimento do dever de vigilância, logo de culpa do condomínio, cabia a este e especialmente à ré seguradora, para quem pelo contrato de seguro transferira a sua responsabilidade civil extracontratual, alegar e provar que aquele empreendeu todas as diligências devidas de modo a convencer que nenhuma omissão censurável na vigília nem, portanto, qualquer culpa houve da sua parte na produção do resultado lesivo ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 355/12.4TBSJM.P1 – 3.ª

Relator: José Fernando Cardoso Amaral (nº 191)
Des. Dr. Trajano Amador Seabra Teles de Menezes e Melo (1º Adjunto)
Des. Mário Manuel Batista Fernandes (2º Adjunto)

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO

B…, Ldª, intentou[1] acção ordinária contra os réus (1ª) Administração do Condomínio…, (2ºs) C… e esposa D… e (3ª) E…-Companhia de Seguros, SA.

Formulou o pedido de que:

1. Seja a 1ª ré condenada a pagar a quantia de €20.000,00, e juros à taxa legal desde a citação, correspondente ao valor de equipamento danificado; e
2. A quantia de €10.800,00, a título de indemnização pela privação daquele, com juros, bem como a que, pelo mesmo dano, se vier a liquidar a partir da propositura da acção;
3. Sejam os 2ºs réus condenados a pagar a quantia de €30.000,00 a título de indemnização pela privação da fracção, com juros à taxa legal a contar da citação;
Ou, caso se venha a comprovar nos presentes autos que a responsabilidade pelos danos causados está abrangida pela cobertura do seguro:
4. Seja a 3ª ré condenada nos pedidos formulados em 1, 2 e 3.

Alegou, em síntese, como fundamentos, que, para o exercício da sua actividade (arquitectura e urbanismo), tomou de arrendamento (aos 2ºs réus, seus proprietários) a fracção C do prédio (propriedade horizontal) administrado pela 1ª ré. Esta, por lhe competir “diligenciar pelos actos de conservação das partes comuns do edifício de modo a permitir a normal fruição”, celebrou, com a 3ª ré, um contrato de seguro “multirriscos condomínios”, tendo por objecto as fracções e o edifício.
Neste, existe um tubo condutor das águas pluviais caídas nos terraços que, após descer verticalmente, entra naquela e a atravessa ao longo da lage de cobertura e que, por, na noite de 28-29/11/2009, ter chovido, se entupiu, rebentou e soltou na zona do cotovelo, transbordando para o interior.
Pela 1ª ré administração e pelos 2ºs réus senhorios “não foram tomadas diligencias” para que, “periodicamente” fosse feita limpeza dos terraços, “evitando desse modo que o cano entupisse com a entrada de detritos”, nem para “alterar a configuração do tubo” e retirá-lo da fracção.
Em consequência, o tecto falso estragou-se, o soalho flutuante levantou, a rede eléctrica entrou em curto-circuito, o sistema de telecomunicações (telefone e internet) deixou de funcionar, a fotocopiadora, scanner e plotter[2] ficaram com as partes metálicas e componentes electrónicos oxidados e cheios de detritos, tendo a sua actividade ficado paralisada.
Sofreu prejuízos correspondentes ao valor do equipamento, à privação dele e à privação do uso do locado enquanto este não foi reparado.

Contestando, a 1ª ré “Administração…” (fls. 130 a 134), impugnou, em parte, os factos, por desconhecimento, alegou que os eventuais danos estão cobertos pelo seguro e que prontamente participou a ocorrência à 3ª ré e reputou de exagerados os valores peticionados.

Os 2ºs réus (donos e senhorios da fracção), também contestando (fls. 66 a 85), admitiram, apenas, que a curva do tubo se tenha soltado, impugnaram a descrição do evento e o “quadro negro” que dizem dele e suas consequências danosas ter feito a autora, alegando que aqueles não lhes pertencem e são partes comuns, cabendo ao condomínio providenciar pela sua limpeza, conservação e manutenção. Acrescentaram que a autora, como sinistrada, não fez tudo o que devia para minorar os prejuízos, nomeadamente limpar e retirar o equipamento, a tal se devendo o estado descrito pela “F…” em que aquele acabou por ficar, e que não há razão para ela não ter aceite o primeiro orçamento de reparação elaborado pela “G…”, já exagerado, pretendendo aproveitar-se da situação para o modernizar e actualizar, pois estava obsoleto e tinha reduzido valor.
Mal tiveram conhecimento do sinistro, logo se inteiraram e verificaram, junto da administração, que esta o tinha participado à seguradora e que a apólice cobria o risco. Nunca, antes de 21-09-2011, data em que reclamaram à autora o pagamento das rendas em débito, esta lhes comunicara estar privada do uso do locado por causa do sinistro, pois, se o tivesse feito, logo teriam providenciado, disponibilizando-lhes um de vários outros espaços que tinham então devolutos. Nunca o mesmo lhes foi entregue para reparação, tendo sido a administração do condomínio quem a efectuou e a seguradora quem a pagou, pelo que nenhuma responsabilidade têm na respectiva privação. A autora podia ali continuar a laborar, como continuou, e só dispensou uma empregada por dela não precisar, devido à crise. O pedido é exageradíssimo. Há nele má fé e abuso de direito.
Em reconvenção, formularam o pedido de condenação da autora no pagamento das rendas de Julho de 2010 a Maio de 2011 (11 meses x 300€) e respectiva indemnização de 50%, no total de 4.950€ (além de juros), entendendo que a autora não podia deixar de as ter pago, por não ter lugar a excepção de não cumprimento do contrato.

Contestou, ainda, a 3ª ré “E…” (fls. 94 a 101), aceitando uma parte e impugnando outra, alegando que a sua responsabilidade se limita à extracontratual do condomínio, sendo a autora um terceiro, e depende dos termos e condições do contrato de seguro, no qual se prevê a exclusão dos danos devidos a notória falta de manutenção do edifício e suas instalações, bem como os de natureza consequencial, tais como perda de lucros ou rendimentos. Refutou os valores peticionados e qualquer responsabilidade pela demora na resolução do sinistro, seja quanto ao equipamento, seja na reparação da fracção, atribuindo-a à própria autora.

Esta ainda replicou (fls. 227 e 228), mas apenas quanto à matéria do pedido reconvencional, reiterando que deixou de pagar as rendas por estar impedida de utilizar a fracção, não tendo os réus senhorios diligenciado pela sua reparação com a urgência necessária.

Proferido saneador e feita a selecção dos factos considerados relevantes, realizou-se a audiência de julgamento, conforme as diversas actas.
Na sentença, de 04-12-2013, exarada a fls. 347 a 378 dos autos, foi incluída a decisão sobre a matéria de facto e, por fim, proferida decisão sobre o mérito da causa, de cujo epílogo – depois de se ter entendido que a reconvenção improcede – consta:
“Julgo a acção parcialmente procedente e:
3.1. Condeno a Ré, “E…-Companhia de Seguros, S.A.”, a pagar à Autora, “B…, Lda:
-€10,000, a título de indemnização pelos equipamentos danificados;
-As quantias despendidas com o pessoal desde o evento danoso até Fevereiro de 2010.
-€7.500,00, a título de indemnização pelos prejuízos causados com a mora na resolução do sinistro.
-€240,00, despendidos com a vistoria da “F…”.
-Os juros moratórios desde a citação, à taxa legal, até integral cumprimento.
3.2. Condeno os RR., C… e D…, a pagar à Autora a quantia de €10.000,00, acrescida dos juros moratórios desde a citação, à taxa legal, até integral cumprimento.
3.3. Absolvo o Réu “Administração do Condomínio” de tudo o que lhe vinha pedido.
3.4. Custas na percentagem de 40% para a Ré “E…”, 40%, para os Réus C… e esposa e 20% para a Autora.”
Os 2ºs réus não se conformaram e interpuseram recurso para esta Relação, concluindo assim as suas alegações (fls. 384 a 408)[3]:
“I. Os RR. divergem da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal a quo e por isso a impugna, quanto aos quesitos 5º, 6º, 7º, 9º, 11º, 21º, 22º, 28º, 32º, 35º, 36º, 38º e 46º da Base Instrutória (BI).
II. Quanto aos quesitos 5º, 6º, 7º e 11º da BI, dados como provados, a prova sobre eles produzida não poderia conduzir a essa conclusão, como se colhe dos depoimentos da testemunhas …. . A prova produzida só pode levar a concluir que o tubo de descarga de águas pluviais desce desde o terraço de cobertura para o tecto falso da fracção “C”, a cerca de um metro da parede lateral, desconhecendo-se porque razão se desprendeu, tendo a água provocado a derrocada de quatro placas de tecto falso em gesso, de cerca de 2m2, numa área total de 90m2 (conforme consta da matéria assente).
III. Deverão ser dados como não provados os quesitos 5º, 6º, 7º e 11º da BI.
IV. O quesito 9º da BI contrariamente ao decidido pelo Senhor Juiz a quo deve ser dado como não provado, tendo em consideração os depoimentos das seguintes testemunhas, única prova produzida sobre este facto: …., porque nenhum dos depoimentos esclareceu como, quando e onde foi feita a limpeza do concreto terraço e tubo.
V. O Mmo Juiz deu como não provado o quesito 21º quando o teria que dar como provado, não só por força dos depoimentos das testemunhas sobre esta matéria, já espelhados na conclusão II, mas também porque deu como provado o quesito 20º; ou, quando muito, teria que o dar como provado de forma restritiva. Assim, deverá este quesito ser dado como provado ou, ser dado como provado que apenas ficaram deteriorados cerca de 2 m2 de placas de tecto falso.
VI. O quesito 22º foi dado como provado pelo tribunal a quo mas não se fez prova suficiente nem convincente para ter chegado a tal conclusão, tendo sobre esta matéria prestado depoimento as testemunhas …. que nada sabiam de concreto. Assim, este quesito deve ser dado como não provado.
VII. O facto alegado no quesito 28º da BI foi dado como provado em parte pelo tribunal a quo, mas o certo é que não há prova produzida que possa levar a tal conclusão, tendo em conta os depoimentos das testemunhas …. .A primeira testemunha nada soube dizer quanto a esta matéria e as outras duas são técnicos de empresas diferentes, com interesses divergentes, não podendo o tribunal valorizar, como fez, um depoimento em detrimento de outro, quando ao mesmo tempo, na fundamentação, entende que ambos prestaram depoimentos esclarecedores, rigorosos e genuínos, dizendo quanto ao último que “elaborou o relatório de fls 141 e sgs, com informação abundante e esclarecedora (…) e do qual o Tribunal também se serviu para a fixação dos factos” (sic). Assim, é de estranhar que o mesmo Tribunal que tanto valoriza o depoimento e relatório da testemunha não considere o valor do equipamento que ela referiu em audiência de julgamento.
VIII. O quesito 28º da BI deve ser dado como não provado.
IX. O tribunal a quo deu como provado o quesito 32º da B.I. e fê-lo sem qualquer fundamento porque não há documentos nos autos que levem a essa conclusão e os depoimentos das testemunhas sobre esta matéria são inconclusivos porque nada dizem de concreto: …Assim, o quesito 32º da BI deve ser dado como não provado.
X. O quesito 35º da BI foi dado como provado pelo Juiz a quo. Porém os depoimentos das testemunhas … não permitem chegar a tal conclusão porque não se fez qualquer prova quanto a esta matéria, devendo este quesito ser dado como não provado.
XI. Ao quesito 36º da BI foi dada resposta negativa quando a prova produzida é suficiente para a matéria deste quesito ser dada como provada, como se pode verificar dos depoimentos das testemunhas: ….
XII. O quesito 36º da BI deverá ser dado como provado.
XIII. O quesito 38º da BI foi dado como provado quando todos os depoimentos demonstram o contrário, não só os que se fazem referência na alínea K) destas conclusões, como também os depoimentos de…., razão porque este quesito deve ser dado como não provado.
XIV. O tribunal a quo deu como provado o quesito 46º da BI, sem sustentação alguma, quer porque não a tem nos documentos juntos aos autos, quer porque não a obteve com os depoimentos das testemunhas em audiência de julgamento: … Nenhuma das testemunhas afirmou em audiência de julgamento que a A. comunicou directamente ou por interposta pessoa aos locadores que estava privada do uso do estabelecimento por causa da alegada inundação.
XV. O quesito 46º da BI deve ser dado como não provado.
XVI. Da correcção do elenco dos factos provados e ou não provados, decorre inelutavelmente que os RR. …, devem ser absolvidos do pedido e condenada a A. no pedido reconvencional contra ela deduzido. Porém, assim não se entendendo, no que se não concede, a decisão sempre teria de ser revogada pela má aplicação do direito à matéria fáctica.
XVII. O tribunal a quo entendeu julgar improcedente o pedido reconvencional deduzido contra a A. por considerar que esta não teve na sua disponibilidade o locado, abrigando-se para esta decisão na figura da excepção de não cumprimento do contrato prevista no art. 428 n. 1 do Cód. Civil. Ora, como resulta da análise à matéria de facto e à prova produzida, os quesitos 36º, 38º e 46º da BI deverão ser dados como provados (36º) e não provados (os outros, respectivamente), o que tem como imediata consequência a inaplicabilidade do regime da excepção de não cumprimento e a condenação da A. no pedido reconvencional. A obrigação de proporcionar o gozo da coisa é uma obrigação sem prazo ou dia certo para o seu cumprimento, enquanto que o pagamento da renda é uma obrigação a termo, com dia certo, razão porque, faltando a interdependência recíproca das duas obrigações, não se pode aplicar o regime da excepção de não cumprimento. Assim não se entendendo, no que não se concede, sempre se terá de considerar que só pode ser aplicada a excepção de não cumprimento quando haja privação do gozo do imóvel por causa imputável ao senhorio. Porque a A. nunca invocou qualquer fundamento para o não pagamento das rendas, a não ser quando foi interpelada para as pagar, não se aplica a excepção de não cumprimento, devendo a A./reconvinda ser condenada ao pagamento das rendas de Julho de 2010 a Maio de 2010, no total de três mil e trezentos euros.
XVIII. Não existe nexo de causalidade entre o acidente e os danos que são reclamados aos recorrentes, porque o locado continuou em condições de ser utilizado; a A. nunca comunicou aos locadores (recorrentes) directa ou indirectamente, desde a data do sinistro até à altura em que estes reclamaram os pagamentos das rendas em débito (Setembro de 2011), que o locado não estava em condições dela ali exercer a sua actividade; cabia à A. comunicar aos senhorios que o estado do locado não lhes permitia exercer a sua actividade e isso não o fizeram.
XIX. A A. nunca deixou de funcionar por causa das condições em que o locado se encontrava mas, se deixou de funcionar, só pode ter sido porque as máquinas (scanner e plotter) não estariam em condições de utilização sem reparação. Ora, se houve atraso na reparação das máquinas ou se estas nunca chegaram a ser reparadas ou se a A. não se entendeu com a seguradora ou com o tomador do seguro (R. Condomínio) quanto a essa matéria, não é por causa imputável aos recorrentes, que são alheios à situação.
XX. A A. não fez prova alguma de que perdeu trabalho em consequência do acidente e se pagou ao seu pessoal não fez mais do que a sua obrigação porque com as trabalhadoras tinham com ela celebrado contrato de trabalho e a situação da empresa não se alterou com o sinistro.
XXI. Mesmo que se quisesse admitir que a A. informou os senhorios que o locado não estava em condições de funcionamento, o que não se aceita, aquela (A.) sempre poderia ter realizado as obras fazendo a consequente retenção das rendas, de acordo com o previsto no artº 1036º do Código Civil. Se os locadores estivessem em mora a A. não só poderia ter realizado as obras, como as devia ter realizado, de forma a minorar os seus alegados danos e não esperar que, numa altura de acentuada crise no sector da construção, no qual a A. está inserida, os locadores substituíssem os desejados clientes e obtivesse deles um enriquecimento sem justa causa. Não é pelo facto dos locadores terem conhecimento do sinistro que se poderá daí retirar que também tinham conhecimento do alegado estado do locado.
XXII. A A. nunca informou os senhorios, de forma alguma, da necessidade de realização de obras para que o locado pudesse cumprir o fim a que se destinava; A A. continuou a funcionar depois do acidente como até ali o tinha feito; A A. vinha a acumular sucessivos prejuízos em consequência da crise do imobiliário e consequente perda de clientela, como o comprovam as declarações de IRC dos últimos cinco anos, que foram juntas aos autos e o depoimento das suas testemunhas o demonstraram (contabilista e duas trabalhadoras); Se a A. não podia funcionar, o que não se admite, não era por falta de condições do locado, não era por falta de reparação de uma pequena parte do tecto ou de uma parte do piso, mas era apenas porque o equipamento que sofreu danos com o acidente (scanner e plotter) não funcionariam e porque a resolução deste problema se arrastou com as negociações com a seguradora até à sentença neste processo.
XXIII. A condenação dos recorrentes ao pagamento de uma indemnização de €10.000,00 não obedece a quaisquer critérios objectivos que fundamentem esta decisão, assentando nas premissas erradas, entre as quais que a A. “perdeu trabalho”, o que não resulta provado, até pelo resultado financeiro dos seus últimos seis anos: Em 2004 o resultado foi negativo em €440,28; em 2005 o resultado foi negativo em €24.332,47; em 2006 o resultado foi negativo em €11.782,34; em 2007 o resultado foi positivo em €5.642,00; em 2008 o resultado foi positivo em €5.964,00 e em 2009 o resultado foi negativo em €29.094,85. Tendo a A. acumulado sucessivos prejuízos; tendo sido o acidente quase no último dia de Novembro; tendo a A. no ano do sinistro obtido um resultado negativo de quase trinta mil euros (depois do acidente a A. só tinha mais um mês de actividade no ano 2009), não podia o tribunal a quo ter condenado os RR e muito menos no quantitativo em que os condenou.
XXIV. O Juiz a quo pronunciando-se sobre o pedido feito pela A. contra os recorrentes salienta que “está demonstrado que o locado não ficou em condições de a A. lá poder continuar a trabalhar”, só que isso não ficou minimamente demonstrado, sendo uma errada conclusão do tribunal, e muito menos ficou demonstrado que a A. comunicou aos locadores que o locado não ficou em condições de ser utilizado para o exercício das suas funções, não podendo, como tal, haver mora destes. Outra infeliz conclusão do tribunal a quo é que a A. “não pôde laborar no locado, perdeu trabalho e teve que pagar ao seu pessoal”. Demonstrado ficou, isso sim, através dos depoimentos das suas trabalhadoras, que a A. já há muito tempo que vinha a perder clientela e que na altura do acidente andavam a fazer o trabalho de digitalização do arquivo por falta de trabalho de projectos novos. Isto não ser valorizado é um erro gritante e inexplicável.
XXV. A Justiça neste processo só será feita com a improcedência do pedido quanto aos RR. aqui recorrentes e a condenação da A. no pedido reconvencional.
Termos em que deverá dar-se provimento ao presente recurso e, consequentemente, alterar-se a matéria de facto nos termos alegados e expresso nas conclusões e revogar-se a sentença recorrida, absolvendo-se os RR. do pedido deduzido pela A., e condenar-se a A. no pedido reconvencional contra ela deduzido pelos RR. C… e mulher, assim se fazendo JUSTIÇA.”

Por sua vez, a 3ª ré seguradora também não se conformou, interpondo recurso (fls. 412 a 429), que alegou e rematou com estas conclusões:

“1. Deve ser alterada a Douta Sentença proferida, por ter existido um evidente erro de julgamento do Tribunal a quo.
2. A resposta ao quesito 6º deveria ter merecido uma resposta diferente …devendo tal quesito ser dado como não provado ou, quando muito, provado apenas que “Na noite de 28 para 29 de Novembro de 2009, o tubo condutor de águas pluviais soltou-se”, atendendo a que da prova produzida….
3. A resposta ao quesito 28º deveria ter merecido, igualmente, uma redação diferente….
4. … a resposta a tal quesito deverá ser alterada por uma outra com a seguinte redação: “Na data do sinistro, o valor de todo o equipamento (fotocopiadora/scanner e plotter) era de € 3.900,00”.
5. De igual modo, a resposta ao quesito 32º não deveria ter sido a que consta da Sentença recorrida….
6. A resposta dada a este quesito entra mesmo em contradição com a resposta ao quesito 47º, …
7. ….
8. Deverá, pois, este quesito 32º ser dado como não provado.
9. Independentemente das alterações às respostas …, encontra-se a Sentença recorrida ferida de diversos erros na sua fundamentação, que, devidamente corrigidos, levarão a uma decisão completamente oposta à que foi, erradamente, proferida.
10. Em primeiro lugar, discutindo-se nos autos a questão da, eventual, existência de responsabilidade civil extracontratual por parte do condomínio e respondendo a Recorrente apenas na medida da existência da mesma, por virtude do contrato de seguro celebrado, importa apurar se existiu, ou não, dolo ou mera culpa por parte do condomínio na produção do evento danoso.
11. …
12. …, nunca a Autora alegou e não ficou provada a culpa da Recorrente na produção do facto danoso.
13. Por maioria de razão, assim se terá de concluir sendo alterada, no sentido que se entende ser o correto, a resposta ao quesito 6º.
14. E a ora Recorrente, na qualidade de seguradora do Réu Condomínio, só seria responsável, … na medida em que dos autos resultasse provado que o facto gerador dos danos pudesse ter enquadramento no âmbito da responsabilidade civil extracontratual do Condomínio.
15. Ora, atendendo a que não ficou provada, nem sequer foi alegada pela Autora, o dolo ou a mera culpa do Réu Condomínio na produção dos factos geradores dos danos, cometeu o Tribunal a quo um erro de julgamento ao enquadrar a obrigação de indemnizar por parte do Réu Condomínio no âmbito do Art. 483º, n.º 1 do Código Civil.
16. Mesmo que se entendesse – e nesse aspeto a Sentença é omissa, existindo, pois, nesse caso um erro, na fundamentação da Sentença – que a responsabilidade do Réu Condomínio teria enquadramento no disposto no Art. 492º do Código Civil, foi cabalmente demonstrado nos autos que nenhuma responsabilidade houve por parte deste Réu na ocorrência geradora dos danos, pois o Condomínio procedia com regularidade à limpeza dos terraços no sentido de evitar a ocorrência de entupimentos e que o “cotovelo” do cano que se soltou se encontrava numa zona compreendida entre a laje do terraço e o teto falso da fração afetada, numa zona escondida e de impossível inspeção, que nunca ocorreu uma situação semelhante à dos autos, pelo que não seria exigível que o Condomínio estivesse obrigado a efetuar qualquer manutenção do cano em causa, pelo que, mesmo nessa hipótese, estaria afastada qualquer responsabilidade por parte do Réu Condomínio.
17. Deste modo, não tendo sido imputada ao Réu Condomínio o dolo ou a mera culpa na produção do evento danoso e tendo ficado cabalmente demonstrado, pela prova produzida, que nenhuma culpa existiu por parte deste Réu, não poderá ser imputada ao Réu condomínio qualquer responsabilidade extracontratual por parte do Réu condomínio relativamente aos danos sofridos pela Autora.
18. Consequentemente, também nenhuma responsabilidade existe por parte da Recorrente ….
19. Deste modo, ocorreu um evidente erro de julgamento ao considerar-se na Sentença recorrida como provada a responsabilidade civil extracontratual …..
20. Caso assim não se entenda – o que apenas para efeito de raciocínio se admite – e, que, pelo contrário, existiu responsabilidade do Réu Condomínio, esta só poderia advir de se considerar que o entupimento que originou o sinistro teria decorrido da falta de manutenção ou de conservação do edifício, ou, então, que existia um defeito do próprio edifício.
21. Neste caso, nos termos do disposto nas cláusulas contratuais referidas na alínea D) da fundamentação de facto, que aqui se dão por reproduzidas, nomeadamente o disposto no artigo 6º, n.º 7, alínea c), 3 das Condições Gerais da apólice, tais situações encontram-se excluídas das coberturas do contrato, pelo que nenhuma responsabilidade em indemnizar a Autora poderia ser imputada à Recorrente, pelo que, igualmente, deverá a Recorrente ser absolvida do pedido contra ela formulado, pelo que a Sentença recorrida deveria, igualmente, ser revogada e substituída por outra que tal determinasse.
22. Admitindo que alguma responsabilidade poderia ser imputada à Recorrente, decorrente do contrato de seguro existente … e alterando-se a resposta ao quesito 28º …a Recorrente apenas poderia ser condenada no pagamento desta quantia à Autora, acrescida dos € 240,00 relativos à vistoria efetuada pela empresa “F…”.
23. Por outro lado, os prejuízos relativos ao custo com o pessoal, devem, pela sua natureza, ser considerados como prejuízos de natureza consequencial, ao contrário de que, também erradamente, veio a Sentença recorrida considerar.
24. Como tal, encontrando-se os prejuízos da natureza consequencial excluídos das coberturas do contrato de seguro celebrado entre o Réu Condomínio e a Recorrente, nos termos do disposto no artigo 5º, alínea d) das Condições Gerais da apólice, nunca poderá a recorrente ser condenada no pagamento de tais prejuízos à Autora, pelo que andou, também, aqui mal a Sentença recorrida ao condenar a Recorrente no pagamento dos mesmos.
25. Por último, quanto à questão da mora na resolução do sinistro, nunca deveria a Recorrente ter sido condenada no pagamento de qualquer indemnização à Autora, incorrendo, neste aspeto, a Sentença recorrida nos mais gritantes erros de fundamentação.
26. Ficou demonstrado e sobejamente provado nos autos que a Recorrente, apesar de entender que nenhuma responsabilidade lhe poderia ser imputada, pelo que supra se expôs, se propôs pagar à Autora, numa tentativa de resolução extrajudicial da questão, a quantia de € 4.623,00 ou, em alternativa, proceder à reparação dos equipamentos afetados pela água.
27. O que a Autora liminarmente recusou, exigindo que lhe fosse paga uma quantia próxima do custo que teve com a aquisição dos mesmos.
28. Prova disso é o facto de ter vindo propor a presente ação, exigindo a absurda quantia de € 20.000,00 por tais equipamentos.
29. Ficou, igualmente, demonstrado que o valor de tais equipamentos, ou seja, o valor venal dos mesmos, seria de € 3.900,00, sendo que mesmo a testemunha apresentada pela Autora H… apontou para um valor entre € 6.000,00 e € 7.000,00.
30. Em face do que ficou demonstrado, não seria, em caso algum, razoável que a Recorrente fosse obrigada a pagar à Autora a quantia por esta exigida, cedendo, assim, às infundamentadas exigências desta.
31. Deste modo, se mora houve na resolução do sinistro ela só poderá ser imputada à própria Autora e à posição intransigente e irrazoável que, desde sempre, assumiu e nunca à Recorrente que, mesmo entendendo não ser responsável pelo pagamento de qualquer indemnização, propôs pagar à Autora um quantia até superior ao valor venal dos equipamentos danificados.
32. Por outro lado, refere a Douta Sentença recorrida, para justificar a condenação da Recorrente por tal mora que (ponto 2.2. Os factos e o seu enquadramento jurídico-civil, parágrafo 29) “Durante esse período, a A. teve a sua actividade paralisada”.
33. Tal afirmação é extraída da resposta ao quesito 38º e este quesito surge na sequência de dois quesitos que estão relacionados com o estado em que ficou a fração, alegadamente de tal modo danificada que nela era impossível levar a Autora a cabo a sua atividade, pretendendo a Autora, por esse motivo, imputar responsabilidades aos Réus C… e esposa.
34. Serve-se a Sentença recorrida deste mesmo argumento para imputar a estes Réus essa responsabilidade quando refere “Neste período, sem qualquer causa justificativa, os RR. incumpriram a sua obrigação de proporcionar o gozo do locado à A.”, que “não pôde laborar no locado, perdeu trabalho e teve de pagar ao seu pessoal”.
35. A resposta ao quesito 38º, devido à sequência de quesitos onde surge este quesito, tenha sido bem ou mal proferida, relaciona-se, pois, com a alegada falta de condições da fração por falta da realização das obras e não pela falta dos equipamentos.
36. Por outro lado – e bem – ficou dado como provado que a Autora tinha ao seu alcance outros meios que colmatariam a falta dos equipamentos, pelo que nunca se poderá admitir que tenha ficado com a sua atividade paralisada devido à falta dos mesmos.
37. Alega, também a Autora, embora se entenda que não deverá ser dado como provado, que, para colmatar a falta dos equipamentos (fotocopiadora/scanner e plotter), terá recorrido ao equipamento de outros arquitetos para concluir trabalhos pendentes.
38. Ora, se alega ter recorrido ao equipamento de outros arquitetos para concluir trabalhos pendentes, também poderia a Autora ter recorrido a esses mesmos arquitetos para os novos trabalhos que lhe surgissem.
39. Ou, em alternativa, ter recorrido aos serviços de tantas empresas que existem e se dedicam à execução da impressão de trabalhos de arquitetura, como algumas das testemunhas da Autora referiram que recorreram para alguns trabalhos.
40. Ou ter recorrido aos serviços das “empresas que comercializam fotocopiadoras e scanners” que “também os alugam à peça, ou seja, é pago um valor por cada fotocópia tirada ou scannerização efectuada, o que tem um custo não superior a € 0,10, por cada fotocópia ou scannerização, a cores e incluindo o papel”, conforme resultou provado na resposta ao quesito 47º.
41. É, assim, por demais, evidente que a Autora nunca teve a sua atividade paralisada devido à falta dos equipamentos afetados pelo sinistro dos autos.
42. Resulta da Sentença recorrida uma evidente contradição ao entender que a Autora terá tido a sua atividade paralisada devido à fotocopiadora/scanner e plotter estarem avariadas, quando dá, também, como provado que a Autora recorreu aos equipamentos de outros arquitetos para finalizar trabalhos e que tinha à sua disposição a possibilidade de executar os trabalhos recorrendo aos serviços de empresas que existem no mercado e que prestam esses mesmos serviços.
43. A paralisação, se é que a houve, não terá seguramente resultado da falta dos equipamentos e, também, por esse motivo nunca poderá ser imputada qualquer responsabilidade à Recorrente.
44. Por outro lado, ainda, não logrou a Autora demonstrar nos autos é que lhe tenham surgido novos trabalhos, eventualmente e conforme é do conhecimento geral, devido à crise que afetava – e, ainda, afeta, a atividade em causa – e que tivesse de os recusar devido aos acontecimentos dos autos, tendo ficado, pelo contrário provado que “muitos dos gabinetes de engenharia fecharam e muitas empresas do sector da construção foram declaradas insolventes ou fecharam, num total, em 2010, de mais de 10.000 empresas”, conforme resposta ao quesito 48º.
45. A Sentença recorrida para além de, injustificadamente, condenar a Recorrente no pagamento de uma indemnização pela mora, fixa um valor à mesma de € 7.500,00 sem qualquer critério válido, por mínimo que seja.
46. De facto, a Sentença recorrida, fixou tal indemnização “tendo em conta a equidade prevista no Art. 566º, nº 3 do Código Civil, e ponderado o valor de faturação da A., ao longo da sua existência, a crise que assolou o mercado”.
47. Tal fundamento para a fixação da indemnização é, no mínimo, totalmente incompreensível, já que nunca ficou provado qual o valor da faturação da Autora nos anos que antecederam o sinistro, nem qual o seu valor após o sinistro, como resulta claramente das respostas negativas aos quesitos 43º e 44º. Na realidade, a Autora não fez qualquer prova do nexo de causalidade entre o sinistro dos autos e os índices de faturação da empresa.
48. Deste modo e em face do exposto, a condenação da Recorrente no pagamento à Autora da quantia de € 7.500,00, pela mora na resolução do sinistro não tem qualquer fundamento, pelo que andou, também, aqui mal o Tribunal a quo, devendo a Sentença ser alterada no sentido de não condenar a Recorrente em qualquer quantia a esse título.
Nestes termos, nos mais de Direito e sempre com o mui Douto suprimento de V. Exas., deverá dar-se provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser a Douta Sentença proferida revogada e substituída por outra que considere totalmente improcedente o pedido formulado pela Autora contra a Recorrente, absolvendo-a, consequentemente, do mesmo, com o que se fará sã e serena JUSTIÇA.”

Nas contra-alegações (fls. 432 a 435), a autora, respondeu:

-quanto ao recurso dos 2ºs réus, que os aspectos de facto questionados na respectiva decisão não têm relevância ou são impertinentes face aos termos em que formulou a sua pretensão (demora na reparação – artº 1031º, alínea b), CC); relativamente aos quesitos em que se questiona o estado da fracção, reitera o alegado quanto ao recurso da 3ª ré e acrescenta que as fotografias são esclarecedoras;

-em relação ao da 3ª ré, que a questão da pretensa irresponsabilidade está prejudicada por a recorrente ter aceitado expressamente no item 1º da sua contestação o sobre isso alegado no item 25º da pi, tratando-se de confissão expressa e assunção de responsabilidade, não se tratando de questão controvertida até porque a ré pagou ao senhorio o valor da reparação e propôs-se pagar à autora a quantia de 4.632,00€, pelo que devem improceder as conclusões 10ª, 12ª, 14ª a 21ª, 23ª a 28ª e 31ª; quanto aos danos da privação do locado e do equipamento, remeteu para os termos em que formulou a sua pretensão; quanto à alteração da matéria de facto, pugna pela improcedência.

Concluiu, pois, que deve ser negado provimento a ambos os recursos.
Foram estes admitidos (fls. 438) como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo, mais tarde, após baixa do processo para decisão e prestação da caução requerida, alterado para suspensivo (fls. 461).
Corridos os Vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta.
II. QUESTÕES A RESOLVER
Sendo as conclusões que, no recurso sobre a matéria de direito, como no que vise impugnar a decisão da matéria de facto, definem o thema decidendum e balizam os limites cognitivos deste tribunal – como era e continua a ser de lei e pacificamente entendido na jurisprudência (artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC), no caso, da análise das de ambos os apelantes, extrai-se que as questões colocadas e a resolver são as seguintes:

a) Quanto ao recurso dos 2ºs réus donos e senhorios da fracção, saber se deve ser alterada a decisão proferida sobre os quesitos 5º a 7º, 9º, 11º, 21º, 22º, 28º, 32º, 35º, 36º, 38º e 46º;
b) Se eles devem ser absolvidos do pedido na parte em que foram condenados, por não responderem pela demora na reparação da fracção; e
c) Se deve a autora ser condenada no pedido reconvencional, por inaplicabilidade da excepção de não cumprimento.
d) Quanto ao recurso da 3ª ré, saber, após resultado da impugnação da resposta dada aos quesitos 6º, 28º e 32º por ela deduzida, se o facto lesivo e consequentemente os danos dele resultantes não podem ser imputados, a título de responsabilidade extracontratual, à 1ª ré administração do condomínio (segurada) por falta do necessário pressuposto da culpa (efectiva ou presumida) e, por isso, deve aquela, como seguradora, ser absolvida;
e) Caso assim não se entenda, se se verifica exclusão da sua responsabilidade, nos termos clausulados na apólice; ou
f) Havendo alguma, se esta se limita ao valor provado, à data do sinistro, do equipamento danificado; e
g) Se os demais danos estão excluídos do âmbito de cobertura da apólice (lucros cessantes e custos de actividade);
h) Se à 3ª ré não é imputável a responsabilidade pela mora e se inexistem fundamentos de facto para ter sido fixado, a tal título, o valor indemnizatório de 7.500€.

III. RECURSOS DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

A) Pressupostos

Os pressupostos e os requisitos do recurso de decisão proferida sobre a matéria de facto, que pode conter vícios geradores de anulação ou erros de julgamento, decorrem, em geral, dos artigos 637º, nº 2, e 639º, nº 1, e, em especial, dos artºs 640º e 662º, do CPC, e podem assim esquematizar-se:

-especificação ou individualização concreta dos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados, pois não são admissíveis recursos genéricos de tal matéria[5];
-especificação, de entre os constantes do processo, nele registados ou gravados em áudio ou vídeo, dos concretos meios de prova que, na perspectiva dele, imponham a alteração dos referidos pontos daquela matéria;
-no caso de serem invocados meios probatórios que tenham sido gravados, indicação exacta das passagens da gravação em que se funda o recurso;
-em alternativa, possibilidade de o recorrente proceder à transcrição dos excertos que a parte considere relevantes;
-especificação da decisão que, no entender do recorrente, deve ser proferida (alínea c), do nº 1, do artº 640º).[6]

A simples manifestação de discordância em relação à decisão proferida, ainda que formalmente acompanhada das especificações e indicações requeridas e rematada com o concreto pedido, pode não bastar.

Com efeito, a alegação e, em particular, as conclusões devem identificar e pôr em evidência, com clareza e em forma sintética, o erro de julgamento em que o tribunal laborou ou a invalidade que cometeu, justificativos da impugnação e alegadamente causadores da pretensão recursiva, e explicitar[7] os seus concretos motivos ou fundamentos integrantes dos preconizados vícios[8], de modo a que o tribunal ad quem possa reapreciar, como é sua função, o percurso decisório trilhado pelo tribunal a quo, avaliar a razão do inconformismo manifestado e o mérito da alteração pretendida pelo recorrente e decidir sobre esta.[9]

B) Impugnação dos 2ºs réus senhorios e da 3ª ré seguradora

Impugnam e pretendem aqueles alterar as respostas dadas pelo tribunal de 1ª instância aos quesitos 5º, 6º, 7º, 9º, 11º, 21º, 22º, 28º, 32º, 35º, 36º, 38º e 46º da Base Instrutória; enquanto que esta, com idêntico desiderato, se limita aos quesitos 6º, 28º e 32º.

Eis o teor de tais quesitos:

“5º - Esse tubo desce do terraço de cobertura entra na fracção C, mencionada em B), atravessa-a ao longo da lage de cobertura, no espaço compreendido entre a lage e o tecto falso?
6º - Na noite de 28 para 29 de Novembro de 2009 o tubo condutor de águas pluviais, por virtude de entupimento, soltou-se na zona do «cotovelo» por força das águas acumuladas?
7º - Com o rebentamento do tubo as águas ficaram represadas entre a lage e o tecto falso, vindo a provocar a derrocada deste e a inundação do interior da fracção referida em B)?
9º - A 1ª R. e os 2ºs RR diligenciaram no sentido de, periodicamente, ser feita a limpeza dos terraços evitando desse modo que o cano entupisse com a entrada de detritos?
11º - Na sequência da queda de água no interior da fracção o soalho flutuante levantou?
21º - Como as placas são em gesso e este pode escurecer com a presença da água por muito tempo, apenas foram ficaram deteriorados os alegados 4,08 m2 de placas de tecto falso?
22º - A A. retirou de imediato a água do piso e retirou os equipamentos do local onde existia água no piso, quando tiveram conhecimento do sinistro?
28º - Na data do sinistro o valor de todo o equipamento (fotocopiadora, scanner e plotter) era de pelo menos 20.000€?
32º - Para concluir trabalhos pendentes a A. teve de se socorrer de equipamento de outros arquitectos?
35º - A A pediu diversas vezes à 4ª Ré que procedesse à substituição do equipamento e pela entrega à A. do respectivo valor?
36º - No estado em que ficou a fracção, a A. poderia continuar a exercer ali a sua actividade?
38º - Durante esse período, a A. teve a sua actividade paralisada?
46º - Até à data de 21 de Setembro de 2011, altura em que os 2 e 3º RR reclamaram à Autora o pagamento das rendas em débito, esta comunicou-lhes que estava privada do uso do estabelecimento por causa da inundação?”

A decisão do tribunal recorrido consistiu em julgar[10] como:

-provados, os quesitos: 5º, 6º, 7º, 9º, 11º, 22º, 32º, 35º, 38º e 46º;
-não provados, os quesitos: 21º e 36º;
-provado apenas, quanto ao 2º, que “Na data do sinistro o valor de todo o equipamento (fotocopiadora, scanner e plotter) era de €10.000.”

Os 2ºs réus apelantes pretendem que sejam julgados como:

-não provados, os quesitos 5º, 6º, 7º, 9º, 11º, 22º, 28º, 32º, 35º, 38º e 46º;
-provados, os quesitos 21º (ou, restritivamente, que apenas ficaram deteriorados cerca de 2 m2 de placas de tecto falso) e 36º.

Por sua vez, a 3ª ré apelante defende que:

-o quesito 6º seja também julgado não provado, ou, quando muito, “provado apenas que na noite de 28 para 29 de Novembro de 2009, o tubo condutor de águas pluviais soltou-se”;
-ao quesito 28º seja dada a resposta restritiva “Na data do sinistro, o valor de todo o equipamento (fotocopiadora/scnanner e plotter) era de €3.900,00”;
-o quesito 32º seja julgado não provado.

Em face dos parâmetros legais acima expostos, do teor das alegações e conclusões de cada um dos recursos nas quais, apesar da sua prolixidade, se mostram observados os requisitos exigidos para a impugnação e em que foram, designadamente, realçados e motivados os preconizados erros de julgamento e apontadas as soluções defendidas, consideram-se cumpridos, não obstante o tal propósito alegado pela apelada, os pressupostos de ambos, nesta parte, estando, pois, o tribunal ad quem colocado ante o dever de os julgar e, nessa tarefa, reapreciar o mérito do juízo empreendido e respectivo resultado, sem embargo de, oficiosamente e no uso dos latos poderes conferidos pelo artº 662º, CPC, proceder às alterações que se imponham.

Neste contexto, adiante-se, desde já, que, examinados, com atenção e cuidado, o teor dos articulados produzidos e, em função do neles alegado, a versão fáctica de cada uma das partes (e posição tomada quanto à da outra) sobre o acontecimento trazido a juízo, toda a prova documental junta, em especial o extenso, pormenorizado e fundamentado relatório de peritagem e documentos fotográficos ao mesmo anexos – clara, exuberante, aprofundada, rigorosa, vertical e credivelmente confirmados e asseverados pelo seu autor, Engº I…, inquirido como testemunha na audiência de julgamento – em conjugação com a demais prova testemunhal produzida e gravada – cujo registo ouvimos na sua totalidade e, em alguns trechos, repetidamente –, resulta clara a ideia e forçosa a necessidade de, sobretudo em aspectos ostensivamente dissonantes do que a coerência e a lógica impõem em face dos elementos de prova firmes e do que as regras da experiência comum a partir deles permitem concluir, alterar alguns segmentos da decisão proferida e que a forma e substância da respectiva fundamentação logo sugerem, como já atrás se anotou.

Vejamos.

1. Como resulta dos depoimentos testemunhais, maxime de J… e I… e, em especial, das fotografias juntas aos autos e que integram o relatório (fls. 194, 195 e 201 a 204), é patente que o tubo em questão não atravessa a lage de cobertura ao longo desta. Tal alegação, displicente e contraditoriamente feita nos itens 11 e 12 da petição e assim vazada no quesito 5º da BI, pressuporia que o tubo estava colocado na horizontal e porventura inserido na própria estrutura, hipótese, como logo se vê, sem plausibilidade e incompatível até com a alegação subsequente de que ele se encontrava, afinal, no espaço compreendido entre a lage e o tecto falso, e, aliás, com a localização que o próprio tribunal a quo julgou correctamente provada na resposta ao quesito 15º (num canto).

Resulta, pois, muito claro e até consensual, em face do que mostram as fotografias e do que disseram as testemunhas (todas afirmaram a sua visibilidade, localização, traçado) que o tubo penetra verticalmente num canto da fracção arrendada através da lage e, após a «curva», muda de direcção, passando horizontalmente no referido espaço livre e, como está visível, orientando-se, através da parede lateral, para o exterior.

Assim, tendo em conta que nem sequer terá passado pelo espírito do tribunal recorrido dar como provado que o tubo atravessa toda a cobertura ao longo desta, muito menos a própria fracção C, a resposta (restritiva e explicativa, mas conforme à prova produzida) ao quesito 5º, ficará, como decorre do preconizado pelos 2ºs réus apelantes: “Provado, apenas, que esse tubo desce, pelo exterior da parede do edifício, desde o terraço de cobertura do mesmo, penetra verticalmente, num canto da fracção arrendada, através da lage que constitui a respectiva cobertura e, a seguir a esta, descreve uma «curva» passando horizontalmente no espaço compreendido entre a face inferior daquela e a superior do tecto falso.”

2. Relativamente à resposta dada ao quesito 6º, questionam aqueles a existência de prova do entupimento do tubo e acumulação de águas, mormente que tais eventos tenham sido a causa de a «curva» se ter soltado.

Efectivamente, analisada toda a prova testemunhal e documental, sobretudo as fotografias, não se encontra nela qualquer indício de entupimento nem são perceptíveis quaisquer vestígios resultantes de tal facto, nem, de resto, se descortina qualquer razão para o mesmo. Tal como da acumulação de águas.

Com efeito, ninguém refere propriamente um rebentamento do tubo, mas apenas que ele se soltou ou desprendeu (testemunha K…) ou que a «curva» cedeu, desligou-se, separou-se (testemunha Engº I…). As fotografias apenas mostram um dos ramos desse acessório (a «curva») desligado do tubo e nenhum sinal de rebentamento. Explicaram as testemunhas que, durante o fim-de-semana em que a ocorrência teve lugar, choveu muito. Apenas a testemunha K… especula, reconhecendo não saber, com a hipótese por si pensada de se tratar de acumulação de lixos (sugerida e não explicitamente alegada nos itens 14 e 18 da pi), mas que nem a peritagem referiu.

Pressupondo-se que, obviamente, o desencaixe da «curva» do tubo foi resultado do movimento das águas correntes em queda por este, não se vê como nem onde elas se poderão ter acumulado, a não ser nos terraços, nem que esta eventual acumulação (de que não há, contudo, qualquer prova) se tenha repercutido no caudal e forçado anormalmente o desprendimento.

Foi alegado que o tubo, além das águas pluviais caídas no terraço de cobertura do prédio, recolhia também as dos terraços de outras fracções e que o nível de pluviosidade foi excessivo. De nenhum desses aspectos se encontra, contudo, prova. Fosse como fosse, os efeitos de eventual excesso de água não se repercutiriam proporcional e directamente sobre a «curva», mas apenas nos próprios terraços, sendo o respectivo volume e trânsito sempre naturalmente limitados e regulados pelas dimensões e consequente capacidade do próprio tubo receptor e condutor, e em função dos quais o sistema de ligação da «curva» devia mostrar-se segura e adequadamente ajustado.

Nesta perspectiva, não se acolhem, por com eles não se concordar, os argumentos da 3ª ré apelante, reportados ao depoimento da testemunha L…, no sentido de que foi o excesso de chuva que causou o desligamento do tubo.

Não havendo, portanto, qualquer prova de entupimentos nem de acumulação anormal de águas, o que resulta evidente e incontornável, face às regras da normalidade e da experiência comum, é que a «curva» se soltou do tubo em consequência da força da água da chuva, na ocasião caída no terraço e por ele em curso.

Tendo, pois, os apelantes (2ºs e 3ª réus) razão mas nada mais questionando quanto a tal quesito 6º, a resposta ao mesmo ficará assim e não exactamente como defendem: “Provado, apenas, que, na noite de 28 para 29 de Novembro de 2009, o tubo referido nas respostas aos dois quesitos anteriores soltou-se da dita «curva», por força das águas da chuva que caíra nos terraços”.

3. Abrangendo o quesito 7º vários factos, afigura-se-nos que, embora não devendo ser dado como não provado – tese dos 2ºs réus apelantes – parte deles efectivamente assim têm de ser julgados ou, pelo menos, não o podem ser em toda a sua plenitude, ao contrário do que entendeu o tribunal recorrido.

Já a respeito do quesito 6º se referiram as razões por que não se considera ter-se verificado qualquer rebentamento. No conceito pressupõe-se uma acção violenta, de tipo explosivo, com inerente deterioração do objecto rebentado. Nada disso aconteceu. O tubo simplesmente desligou-se da «curva» como mostram as fotos de fls. 195 e, através dessa descontinuidade, passou a jorrar água.

É absolutamente destituída de qualquer plausibilidade a alegada hipótese de as águas terem ficado represadas entre a lage e o tecto falso. Além da manifesta impossibilidade física de tal suceder, dada a natureza de tais estruturas, nada, de qualquer dos meios de prova, emerge em tal sentido. Pelo contrário.

Resultou bem claro, dos documentos, maxime das fotos, e dos depoimentos testemunhais que o tecto falso da fracção era composto por placas em gesso, quadradas (dizem as testemunhas que com cerca de 40 ou 50 cm de lado mas refere o relatório, a fls. 144, mais credivelmente, que com 60 cm), simplesmente pousadas numa estrutura metálica própria (cfr. resposta não questionada aos quesitos 17º e 18º), sem vedação, exactamente como alegado e perguntado no quesito 19º da BI. Possibilitando, assim, a passagem da água caída por cima, o gesso amolece (fica “em papa”, na expressão da testemunha M…) e desagrega-se rapidamente mais facilitando o escoamento. As testemunhas que mais prontamente acorreram (casos de K…, N…, O… e P…) referiram, aliás, apenas ter visto água a cair (e não água depositada ou represada naquela estrutura).

Não se verificou, pois, qualquer “derrocada” do tecto falso ou sequer deterioração e queda da sua totalidade.

Como também resulta claro do relatório da peritagem, das fotos e dos depoimentos testemunhais, apenas quatro ou cinco placas de gesso (K…, O…, Q…, P…) caíram estragadas (em bocados) e só essas foram substituídas (testemunha J…), embora aquele documento (fls. 144) refira como deterioradas 30. No máximo, portanto, foi de 1,80 m2 a área total em causa (as testemunhas referiram não mais de 2 m2, sendo esta a dada como provada na resposta ao quesito 20º).

Relativamente à inundação da fracção, não havendo quaisquer dúvidas que a água do tubo caiu e se espalhou pelo chão desta, ignora-se, contudo, o volume da mesma e, consequentemente, a área e altura eventualmente atingidas. Por referência à madeira flutuante, resulta não ter sido toda atingida e danificada mas apenas uma parte. Na resposta ao quesito 16 deu-se como provado que a loja tem a área de cerca de 90 m2 mas as fotos não a mostram na íntegra. A testemunha M… opinou que o soalho levantou em mais de metade, embora tivesse sido todo substituído (testemunhas Q…, J…, P…). Ignora-se, contudo, a área afectada.

Altera-se, pois, a resposta dada ao quesito 7º, nos seguintes termos: “Provado, apenas, que com a separação da «curva» do tubo, a água deste passou a cair no tecto falso, provocando a deterioração e queda de 4 ou 5 placas de gesso, correspondente a uma área de cerca de 2 m2, e espalhando-se, depois, numa parte do chão da fracção B.”

4. Lógica e inevitavelmente, embora não impugnada, a resposta dada pelo tribunal a quo ao quesito 19º, deve ser alterada, oficiosamente, em coerência com esta e com as demais, também para provado, ou seja: “Qualquer água que caia em cima dessa estrutura de imediato infiltra-se entre as placas de gesso e o alumínio, não deixando que ela (água) se acumule em demasia e por muito tempo e crie peso na estrutura, de forma a provocar a sua derrocada.”

5. Embora a autora tenha apenas alegado que (item 2) à 1ª ré administração competia “diligenciar pelos actos de conservação das partes comuns do edifício” e que (itens 18 e 19) quer por ela quer pelos 2ºs réus senhorios “não foram tomadas diligencias” para que, “periodicamente” fosse feita limpeza dos terraços, “evitando desse modo que o cano entupisse com a entrada de detritos”, nem para “alterar a configuração do tubo de modo a que o mesmo fosse retirado do interior da fracção” e nada em contrário tenha sido alegado por qualquer dos réus – que se limitaram a impugnar – o certo é que o tribunal recorrido achou por bem formular o quesito 9º ao contrário (na afirmativa), ou seja: “A 1ª R. e os 2ºs RR diligenciaram no sentido de, periodicamente, ser feita a limpeza dos terraços evitando desse modo que o cano entupisse com a entrada de detritos?”.

Sobre tal matéria, já de si muito vaga e até conclusiva, dada como provada pelo tribunal recorrido em termos não alegados, apenas duas testemunhas se pronunciaram, nenhum outro meio de prova se lhe referindo.

A testemunha Q…, ligada à administração do condomínio, limitou-se a dizer que “é sempre feita uma limpeza de telhado e caleiras, quando antecede o Inverno, este ano em Agosto foi feita limpeza geral e revisão do telhado e dos terraços também” e que, no tubo, por estar escondido dentro da loja e por cima do tecto falso, não fizeram nada.

Por sua vez, a testemunha J… referiu ser ele próprio que, como empregado da sociedade S…, Ldª, faz a manutenção do prédio, de meio em meio ano, que ainda há pouco tempo andou a limpar o telhado, caleiras, mas nunca foi aos terraços.

Ora, não há referência sequer de o prédio ter telhado, referindo-se nos quesitos 4º (este dado como provado e não questionado) e 5º apenas um terraço de cobertura, como, aliás, é frequente acontecer neste tipo de prédios, o que logo abala a credibilidade dos testemunhos.

Os dois depoimentos são desencontrados e, além disso, prestados em tom nada assertivo e convicto, mesmo muito hesitante o segundo, a reboque da instância feita. Não referem, aliás, se foi efectivamente realizada, e em concreto de que tipo, qualquer manutenção no ano da ocorrência, muito menos em data ou período próximos da mesma.

De qualquer modo a «curva» onde surgiu o problema não foi examinada nem objecto de qualquer intervenção, como reconhece a primeira testemunha.

É normal que a administração de qualquer condomínio tome para si o encargo de fazer a manutenção e por esta diligencie, no entanto fica-se na dúvida sobre se, caso algo tenha sido feito, que tipo de intervenção relativa à tubagem e ao sistema de recepção e escoamento das águas pluviais foi levada a cabo, relacionada com o problema surgido e tendente a evitá-lo.

Por tudo isso, como preconizam os apelantes, a resposta ao quesito 9º, formulado, aliás, na pressuposição de que houve um entupimento por detritos significativo de falta de limpeza mas de que, como já atrás se assinalou, não há o menor vestígio nem prova, deve ser alterada para “não provado”.

6. A pretensão dos segundos réus no sentido de que ao quesito 11º seja dada a resposta de “não provado” é manifestamente infundada. Com efeito, inquestionavelmente no pavimento caiu água do tubo. Todos os depoimentos que citam, apesar de dissonantes quanto à área, convergem na versão de que uma parte dele foi atingida e levantou. Sendo este revestido por soalho flutuante em regra muito atreito a deformação por humidades, é perfeitamente crível que tal aconteceu. As fotos juntas ao relatório de peritagem mostram soalho estragado mas não retratam toda a sua área. Como relatou a testemunha J…, que procedeu a tal obra, acabou por ser colocado um soalho novo, embora refira isso até como desnecessário, pois era pequena a parte realmente afectada.

Importando, por isso, precisar que, ao contrário do que a resposta dada pelo tribunal a quo pode induzir, não resultou demonstrado que todo o soalho levantou, decide-se alterá-la, nos termos que os próprios apelantes admitem como correcto nas suas alegações, ficando assim o quesito 11º: “Provado, apenas, que, na sequência da queda de água no interior da fracção, parte do respectivo pavimento em madeira flutuante levantou”.

7. Concomitantemente e porque a prova produzida, maxime o depoimento testemunhal prestado pela pessoa colocada em melhores condições para tal esclarecer – testemunha K…, que era empregada da autora e foi a primeira a saber da ocorrência, a deslocar-se ao local e a tomar as primeiras medidas e o tribunal a quo qualificou de “inequívoca, clara, objectiva” na descrição do sinistro e, por isso, lhe atribuiu “grande peso” na formação da sua convicção mas não tomou em conta e apreço com inteiro rigor – é absolutamente inequívoco no sentido de que não houve qualquer curto-circuito mas apenas, dada a existência de humidade no chão e paredes, foi cautelarmente desligada a energia eléctrica (“nós desligámos a luz, fui eu…não houve curto circuito”, disse ela, como ouvimos na gravação), importa corrigir, oficiosamente, a resposta dada ao quesito 12, conformando-a com a verdade, a qual ficará assim: “Provado, apenas, que a rede eléctrica teve de ser cortada”.

8. Na mesma linha, tendo em atenção a prova produzida e para evitar qualquer confusão com a matéria quesitada nos pontos 6 e 9 (que aludiam a entupimento do cano e a detritos), importa precisar a resposta dada ao quesito 14º.

Com efeito, a oxidação surgida depois naturalmente apenas se refere a partes metálicas atingidas e a tal fenómeno sujeitas com o decurso do tempo, tendo a testemunha H… – técnico da marca F… que fez a vistoria do equipamento e elaborou o relatório junto a fls. 27 e 28, datado de 18-02-2010, e cujo depoimento o tribunal recorrido qualificou de “seguro, rigoroso, isento e com fundados conhecimentos técnicos” – explicado, na audiência, que havia sinais de humidade e de corrosão, notando-se esta no “chassis” da máquina, embora o relatório a refira também a componentes electrónicas.

Relativamente aos “detritos” alegadamente caídos em cima dos equipamentos, nada mostra que estes tenham ficado “cheios”, sendo certo que de mais não se tratou do que pedaços das placas em gesso que se desfizeram com a água. Foi isto mesmo que objectiva e rigorosamente disse a testemunha K… (“o tecto falso quando caiu ficaram pedaços da placa dentro da própria máquina”).

Em conformidade, a resposta ao quesito 14º ficará assim: “Provado, apenas, que sobre a fotocopiadora, scanner e plotter, marca F…, caíram pedaços das placas do tecto falso, tendo tais equipamentos deixado de funcionar e apresentando oxidação em algumas das suas partes metálicas e electrónicas”.

9. Relativamente ao quesito 21º, que o tribunal julgou “não provado”, sem fundamento na óptica dos apelantes 2ºs réus, e que estes pretendem seja dado, total ou restritivamente, como “provado” (em consonância com a resposta inquestionada ao 20º), tendo em conta a prova produzida já analisada a propósito do quesito 7º e a resposta ora decidida a este, tem o mesmo de ser corrigido, de modo a responder-lhe em sintonia com o alegado pelos apelantes (itens 12 a 20, especialmente 18 e 19 da contestação) e em coerência com o quadro fáctico global apurado.

Na verdade, pretendendo os ditos réus clarificar o que apelidam de “quadro negro” pintado pela autora na petição acerca das consequências da queda da água do tubo e de que fazia parte a alegada “derrocada” do tecto e tendo certamente presente que a peritagem refere (fls. 144) como deterioradas por apodrecimento devido ao contágio pela água umas 30 placas, alegaram eles que não houve derrocada alguma e apenas se deteriorou uma parte da área do tecto, admitindo que outra parte tenha escurecido devido à composição das placas, o que efectivamente corresponde à prova produzida e se harmoniza com as regras da experiência comum.

Assim, a resposta restritiva a tal quesito 21º, ficará: “Provado, apenas, que o tecto falso é composto por placas de gesso, sujeitas a escurecimento em contacto prolongado com água, embora só uma área de cerca de 2 m2 se tenha deteriorado e caído”.

10. Questionam os 2ºs réus a resposta dada ao quesito 22º, argumentando que nenhuma prova foi produzida quanto à respectiva matéria e que respeita à “retirada” da água do piso e dos equipamentos do local.

Ora, tal matéria foi alegada por estes apelantes (cfr. item 54º da contestação) na perspectiva de imputarem à autora a omissão culposa da conduta que entendem devida e adequada para evitar ou minimizar os danos e, portanto, na perspectiva negativa, ou seja, argumentaram eles: se houve oxidação tal “só poderia ser porque a A. não retirou de imediato a água do piso ou não retirou os equipamentos do local onde existia água no piso”.

Apesar disso, o tribunal recorrido formulou o quesito diversamente (na afirmativa): “A A. retirou de imediato a água do piso e retirou os equipamentos do local onde existia água no piso, quando tiveram conhecimento do sinistro”.

Ora, o relatório da peritagem admite e as testemunhas que acorreram ao local (por exemplo, K…) referem que o equipamento atingido estava colocado por debaixo da parte do tecto cujas placas caíram em pedaços (precisamente sobre ele), atingindo-o. Apenas N… refere, muito vagamente, ter lá ajudado a “arrastar umas coisas”. As fotografias que o retratam parecem ter sido tiradas no interior da própria fracção. Todavia, nem delas nem de qualquer outra prova resulta esclarecido se algo foi e o que foi feito quanto à água do chão e ao equipamento, apenas referindo Q… “pensar” que este continuou lá.

Apesar de ser plausível, por coerente com o esperado das pessoas que acorreram em função das regras da experiência, a hipótese de algo ter sido feito para minimizar as consequências, a verdade é que nada de concreto se pode colher, com certeza e segurança, de qualquer dos meios de prova disponíveis.

Por isso, desconhecendo-se de todo a realidade, deve acolher-se a pretensão dos 2ºs réus e dar-se como não provado o quesito 22º.

11. Em rigorosa observância do pela autora alegado no item 27º da sua petição, por remissão para o orçamento de reparação junto como documento nº 4 a fls. 24 e 25 e de harmonia com a prova sobre tal matéria produzida, designadamente pela testemunha H… que, referindo-se à oxidação notada no equipamento, admitiu que daí poderiam advir outros problemas, importa corrigir a resposta dada ao quesito 25º.

Com efeito, a possibilidade de surgirem anomalias não contempladas no orçamento após limpeza do equipamento não foi alegada como facto natural em si mas apenas como anotação que “na parte final desse orçamento constava” e que a seguir foi transcrita (item 27º). Por isso, só deste modo podia ser quesitada e assim ser julgada.

Pelo que a resposta ao quesito 25º ficará: “Provado que na parte final desse orçamento constava que «após a limpeza dos equipamentos pode surgir anomalias não contempladas neste orçamento. Exemplo: fontes de alimentação, placas electrónicas, etc.»”.

12. Ambas as apelantes questionam a resposta pelo tribunal a quo dada ao quesito 28º em que se perguntava se o valor do equipamento, à data do sinistro, era de 20.000€ e de acordo com a qual decidiu ser de 10.000€.

A este propósito, na fundamentação, o tribunal a quo referiu que se baseou no depoimento da testemunha H…, funcionário da F…, que prestava assistência ao equipamento, concretizando: “Este depoimento foi importante quanto à determinação dos danos nos equipamentos e sua possibilidade reparação, bem como quanto ao respectivo valor. Fez a vistoria do equipamento depois do acidente. Com base nas informações que forneceu ao responsável técnico da marca, este elaborou o relatório de fls. 27/28. A reparação não garantia uma boa fiabilidade do equipamento em termos futuros. Além disso, o valor comercial da reparação também não justificava. Saliente-se, e o Tribunal seguiu esta orientação para a fixação do valor dos equipamentos dado que a testemunha é técnico sénior nesta área, que a testemunha avaliou a reparação em valor superior a €10.000,00. E este valor era maior que o valor comercial do equipamento, pelo que o seu valor tem que ser igual ou inferior a este. A testemunha fez um depoimento seguro, rigoroso, isento e com fundados conhecimentos técnicos.”.

A autora alegara, no item 41º, da pi, que, na data do sinistro, o valor de todo o equipamento era de, pelo menos, 20.000€ e peticionou tal quantia.

Os 2ºs réus invocam não haver prova que baseie a resposta dada e pretendem que o quesito seja dado como não provado, muito menos pelo valor a que chegou o tribunal, enquanto que a 3ª ré defende que deve ser provado apenas o valor de 3.900€.

Sustentam aqueles que K… não referiu tal valor e que H…, embora tenha dito que o valor em novo era superior a 10.000€ e a desvalorização de 30 a 40%, tal testemunha “meteu os pés pelas mãos”, prestou um depoimento “ziguezagueante” e não lhe pode ser dada credibilidade quanto a tal matéria. Acrescentam que tendo a testemunha I… aventado um valor de 3.450€ e sendo esta julgada credível pelo tribunal jamais poderia ter chegado ao de 10.000€ decidido.

Igualmente argumentando com o valor da aquisição, a idade do equipamento e a depreciação constante e progressiva que se verifica nos preços em novo, a apelante 3ª ré baseia-se nos mesmos dois depoimentos.

Analisemos, em pormenor a prova produzida.

Trata-se de uma fotocopiadora, scanner e plotter – únicos referidos nos itens 23º, 25º, 36º, 39º e 41º da petição e incluídos no valor peticionado.

Conforme documentos nºs 8 a 10 (fls. 30 a 32), a fotocopiadora e o scanner foram adquiridos em Março de 2000, pelo valor total de 28.100€, mediante contrato de leasing. O plotter foi adquirido em 15-12-2001, por 399,04€.

O evento ocorreu em 28/29-11-2009. Tinham, portanto, aqueles 9 anos e 8 meses de uso; e, este, quase 8 anos.

Trata-se de equipamento, como bem se sabe por resultar da experiência comum, cujo valor rapidamente muito se deprecia, não só pelo uso e pelo decurso do tempo mas, sobretudo, em função da evolução tecnológica constante e consequente desactualização inevitável e do frequente surgimento de novos modelos e versões no mercado que tornam os anteriores sem procura por obsoletos e, portanto, de baixo valor ou mesmo sem valor. Isso mesmo verberou o Mº Juiz do tribunal recorrido no decurso da instância às testemunhas.

O primeiro orçamento apresentado pela empresa “G…” (doc. 4 de fls. 24), que inclui também uma mesa de corte e monitor Nokia refere o valor de 4.623,00€ + IVA, para reparação, com a ressalva já citada.

A F…, solicitada a pronunciar-se por exigência da autora, conforme documento 6 de fls. 27 e 28, informou ter concluído que “não existe reparação possível dos equipamentos uma vez que os danos são irreversíveis” e que, “mesmo que fosse necessário orçar uma possível reparação” sempre “a mesma ultrapassaria o valor em novo destes mesmos equipamentos”.

À matéria de tal quesito foram indicadas as testemunhas M… (que o tribunal a quo referiu ter prestado “depoimento sério, rigoroso e isento, confirmando a matéria a que depôs” e que “esteve na base” da sua convicção, mas, após instância marcadamente sugestiva feita através da leitura dos quesitos, disse nada saber a ponto de o Il. Mandatário ter requerido que assim se consignasse na acta), K… (raramente “inequívoca, clara e objectiva” antes depondo com hesitações e de forma vaga sobre os pontos mais controversos e sempre induzida pelas perguntas sugestivas), H…, T… (filho do sócio gerente da autora), U…, V…, P…, L…, I… e W…, parte deles indicados indiscriminadamente a “toda a matéria”.

A testemunha K…, que, como empregada da autora, acompanhou as diligências feitas e correspondência trocada após o evento, nada mais mostrou fundadamente saber, salvo o que consta nos documentos, limitando-se a referir que o funcionário da F… (H…) avaliou o equipamento usado em 20.000€, manifestamente em contradição com o que o próprio relatou de viva voz em audiência e, portanto, sem a menor credibilidade.

A testemunha T… nada mostrou saber fundamentada, imparcial e credivelmente, tal como, obviamente, nada referiram as testemunhas U…, V…, P… e L… (nem tal era esperado, dado o tipo de participação no caso e de instância feito), limitando-se W…, empresário do ramo da electrónica industrial e colaborador da “X…” e que indicou a “G…” para elaborar o primeiro orçamento, a dizer que não sabe o valor de tal equipamento em novo, mas asseverando que o mesmo poderia funcionar perfeitamente no futuro e era reparável, pois examinou-o e não observou danos graves.

Restam, portanto, os depoimentos de H…, empregado da F…, e do Engº I…, autor do relatório de peritagem.

O primeiro, além de corroborar a ideia de que o equipamento não tinha reparação durável e susceptível de ser garantido, questionado sobre o valor comercial do equipamento à data do sinistro, começou por dizer que não sabia responder concretamente mas que o orçamento projectado pela F… era superior a 10.000€ e o valor de um equipamento novo da mesma gama era inferior ou próximo daquele, motivo por que a reparação não compensava. Reafirmou que não valia os 20.000€ alegados, não sabe o valor exacto, mas que um responsável da F… lhe apontou o de 10.000€ para equipamento novo. Acrescentou, depois, acedendo às insistências da instância e após algumas reservas e hesitações, que aquele equipamento usado em concreto valeria 60 a 70% de um novo, considerando que implicara investimento grande e de longo prazo mas que, neste ramo da electrónica, os valores se depreciam rapidamente.

Balizando, portanto, esta testemunha o valor em novo de equipamento semelhante nos 10.000€ e considerando que o sinistrado, pelo tempo de uso, valeria 60 a 70% desse – como expressamente bem precisou após intervenção clarificadora do Mº Juiz – resulta que, no máximo, em seu parecer, o valor do equipamento aqui em causa, à data do sinistro, seria de 6.000€ a 7.000€, muito abaixo portanto, do que o tribunal considerou como provado.

Sendo verdade, que o valor da eventual reparação, se efectuada pela F…, foi apontado – não exactamente assumido – como superior ao da aquisição de um equipamento novo e, portanto, a 10.000€, não se percebe como (partindo de tal testemunho que o tribunal recorrido afirma ter seguido para dar a resposta) concluiu este que o valor comercial do equipamento sinistrado “tem que ser igual ou inferior” ao da reparação e, portanto, de 10.000€, assim igualando, afinal, o valor do usado ao do novo e de todo esquecendo que a testemunha apenas admitiu ser aquele 60 a 70% deste e que ao valor do equipamento usado da autora, à data do sinistro, se referia o quesito!

A resposta dada, portanto, não tem suporte em tal meio de prova, menos ainda o tendo no depoimento da testemunha Engº I….

Na verdade, este, estribando-se no orçamento elaborado e fornecido pela “G…” (4.623€ + IVA), referiu que, no âmbito da peritagem, face à reclamação da autora, contactou uma empresa do ramo e que comercializa aquele tipo de equipamento para saber o valor em novo de um com características idênticas, calculando, em função do valor que lhe deram (e que teria sido à volta de 11.000 a 11.500€) e da idade do da autora (acima salientada), que o valor deste era inferior ao da própria reparação orçamentada por aquela firma (e que incluía já outros equipamentos), calculando o de 3.450€.

Tendo o tribunal recorrido qualificado este depoimento como “esclarecedor, rigoroso e genuíno” e dito que, no seu relatório confirmado em audiência, se baseou para fixar os factos (sendo certo que deste documento nada consta quanto ao valor do equipamento da autora à data do sinistro!), também não se entende, à semelhança dos apelantes, como, em contraste, se inclinou para o valor respondido de 10.000€.

Considerando, enfim, que à autora cabia o ónus da prova do facto por si alegado, contra ela revertendo as dúvidas persistentes; que o valor da aquisição por ela, em novo, foi necessária e significativamente aumentado pelos “custos” consabidamente elevados do leasing; a idade e o uso do equipamento; os valores da aquisição em novo, à época do sinistro, referidos por cada uma das testemunhas, afinal próximos; ponderando os depoimentos prestados, suas motivações e fontes de informação invocadas; tendo em conta a posição comercial da F… e, inevitavelmente, do seu funcionário H… (mais vocacionada para promover a vender e dar assistência do que para assumir a reparação e garanti-la e, por isso, em sobrevalorizar esta e desvalorizar o preço em novo e, assim, o valor venal do equipamento velho) e do perito Engº I… (compreensivelmente inclinada no sentido de enveredar pela reparação e de, para a justificar e relevar como a melhor solução, lhe alvitrar um valor baixo, mesmo que fora da marca e com reservas e ainda assim superior ao do equipamento usado, e inflacionar o da aquisição em novo), considera-se que os valores indicados pela testemunha H… (do preço actual em novo e da percentagem de desvalorização) são os mais fidedignos, rectos, honestos e próximos da realidade de mercado e, por isso, de atender pelo menor deles (ou seja, 60% de 10.000€) – aquele que se nos afigura melhor e com mais certeza e segurança reflectir o sentido convergente para que apontam ambas as testemunhas e estar contido na faixa de consenso revelada pelo que admitem ambas as apelantes nas suas alegações.

Deve, pois, alterar-se a resposta ao quesito 28º, nos seguintes termos: “Provado, apenas, que, na data do sinistro, o valor de todo o equipamento (fotocopiadora, scanner e plotter) era de 6.000€”.

13. No que tange ao quesito 32º, as testemunhas M…, K…, T…, únicas das indicadas a tal matéria que dela poderiam saber, referiu a primeira – a cujo depoimento, pelas ligações à autora e seu representante, tom e conteúdo do mesmo e forma sugestiva como foi instada, não atribuímos o valor, referido pelo tribunal a quo, de “sério, rigoroso e isento, confirmando a matéria a que depôs e que esteve na base da nossa convicção” – não ter conhecimento e adiantou, pelo contrário, que havia pouco trabalho e estava-se já em crise; disse a segunda, em tom hesitante e a reboque da instância feita sugestivamente com o texto do quesito, que “às vezes” recorreram ao gabinete de outros arquitectos amigos, mas normalmente mandavam “plottar” os desenhos fora, pagando, não se mostrando credível nem convincente, tanto mais que, a ter sido assim, haveria necessariamente documentos da despesa e testemunhos a prestar por esses “amigos”.

Consequentemente, a resposta ao quesito 32º, deverá ser alterada, como com razão se defende em ambos os recursos, para “não provado”, única, aliás, consentânea com a realidade provada no quesito 47º e com o procedimento normal de uma empresa organizada e responsável.

14. Além de deficientemente redigido, o quesito 35º não corresponde exactamente ao pela autora alegado nos itens 53 a 55 da sua petição, de onde foi retirado, nem a resposta dada pelo tribunal recorrido à prova produzida.

Com efeito, uma coisa é afirmar-se que a seguradora “não diligenciou pela substituição do equipamento nem pela entrega à A. do respectivo valor” no prazo de 2 meses por esta considerado suficiente para qualquer das hipóteses, outra é afirmar-se que foi “por diversas vezes instada”, sem se dizer concretamente para quê, nem como, quando, por que meios e quantas vezes.

A autora, apesar dos vários contactos documentados com a seguradora, não juntou qualquer documento porventura remetido com tal fim, como seria normal que fizesse. Os oferecidos pela 3ª ré com a sua contestação, essencialmente relativos a exigências da autora quanto ao orçamento e à entidade a incumbir da reparação, não referem concretas interpelações no preciso sentido questionado. Pelo contrário, revelam não só diligências persistentes da seguradora como, a certa altura, dificuldades desta em contactar e acertar procedimentos com o representante da autora.

A testemunha M… disse nada saber. A testemunha K…, sugestivamente instada sobre o quesito, aludiu, hesitante e vagamente, a uma carta registada, enviada passada uma semana ou um mês do evento, cujo motivo e finalidade se embaraçou nitidamente a explicar, sendo certo que a única carta de que foi junta pela própria 3ª ré cópia aos autos é a de fls. 182, datada de 15-01-2010, que apenas clama por uma resolução célere do assunto e não faz qualquer interpelação nos precisos termos questionados. De resto mais nenhuma testemunha se referiu a tal aspecto, limitando-se T… a remeter para o que seu pai e a funcionária K… lhe disseram, mas nada sabendo.

Assim, a resposta a tal quesito 35º deve ser alterada para “não provado”.

15. Temos por duvidoso que, face ao que revela a peritagem, sobretudo as fotografias com ela juntas, quanto à natureza e extensão dos estragos directa e imediatamente causados, cautelas a tomar com o manuseamento dos equipamentos eléctricos e electrónicos e ao tipo de actividade desenvolvida, exigente de segurança, ordem, conforto e boa imagem ante a clientela, que, no estado em que ficou a fracção – e era só a esse que se referia a pergunta, sem contemplar hipóteses alternativas – que a autora pudesse continuar a exercer a sua actividade na fracção arrendada, pelo menos no período de tempo subsequente ao evento e antes da limpeza, secagem, arrumações, peritagem, etc.

No sentido negativo apontam, aliás, todos os depoimentos referidos pelos apelantes, designadamente os excertos por eles transcritos. O facto de as duas funcionárias se terem mantido ao serviço da autora (pelo menos até Fevereiro seguinte) e de algum trabalho admitirem ter feito entretanto, não assegura a aptidão plena das instalações, uma vez que nem sequer precisaram o que fizeram, como, onde e que utilização lhe deram, ainda que parcial.

Apesar de não ter havido curto-circuito, todo o evento e as consequências certas dele resultantes, conjugadas com as regras da experiência, não convencem certa e seguramente da alegada possibilidade de ali a autora continuar, sem que medidas de reparação pelo menos cautelares e precárias fossem tomadas.

Sem necessidade, pois, de mais considerações, mantém-se a resposta de “não provado” dada ao quesito 36º.

16. Perguntando-se, sem qualquer contextualização, no quesito 38º, se “Durante esse período, a A. teve a sua actividade paralisada”, não pode a respectiva resposta deixar de ter em conta, por um lado, que o facto foi alegado como consequência do estado em que ficaram a fracção (cfr. resposta ao quesito 36) e os equipamentos, e, por outro, que ele se refere ao período de 30-11-2009 (data do evento) até Junho de 2011 (data em que a fracção foi entregue à A. já reparada, conforme alínea K). É o que decorre dos itens 66 e 67 da petição, de onde aquele foi parcialmente retirado e que pressupõe uma paralisação total da actividade.

Os apelantes pretendem que a resposta seja alterada para “não provado”.

Ora, como está assente, a autora tinha instalado na fracção o seu gabinete de arquitectura e dedicava-se à execução de projectos nessa área.

Das testemunhas indicadas a esta matéria, M…, que era na altura empregada da autora, fazendo um pouco de tudo, inclusive recados e tirando cópias, disse que, à data do evento, já estavam em crise, havia pouco trabalho e menos projectos, estava há semanas a fazer digitalização de documentos em arquivo, tanto que, em Fevereiro de 2010, não tendo mesmo trabalho nenhum, deixou de ser funcionária da autora e conseguiu, arranjado pelo gerente desta (Arquitecto Y…), um outro emprego, apenas tendo ficado a sua colega K….

Esta, por sua vez, confirmou isso e que continuou, apenas, a ser dada assistência a projectos anteriores e ela própria a trabalhar em arquivos, com isso salientando que não iniciaram processos novos e atribuindo tal aos efeitos do sinistro, nomeadamente ao estado das máquinas, embora referindo que, quando necessário, mandavam plottar projectos fora e admitindo que os computadores não ficaram danificados. Muito hesitante e imprecisa na matéria, não concretizou em que medida não puderam executar ali e, por isso, alegadamente teriam perdido projectos orçamentados ou baixou o número de encomendas, só após insistências aventando constrangida e hesitantemente alguns números dos pendentes e apontando um único como orçamentado e não feito mas admitindo que tal não sucedeu por causa do estado da loja. Confirmou, no entanto, que, pouco depois de a fracção lhes ter sido entregue já reparada (em Julho de 2011) a deixaram e foram para outra cuja renda era mais barata, com o pretexto inexplicado de que esta “nunca ficou em condições” – o que nem a autora alegou!

Nada disseram N… (que só foi ao local no dia do sinistro, ignorando o que se passou depois) nem, de diverso e credível, T… (filho do gerente da autora). A testemunha Q… (empregada da administração do condomínio) referiu que apenas nos dias imediatos a autora não pode continuar a trabalhar porque foi necessário proceder a limpezas, acrescentando depois que esta não estava impossibilitada de o fazer e que “dava para trabalhar perfeitamente”. As demais nada adiantaram de útil, fundado e credível.

Ora, inexistem documentos contabilísticos que esclareçam e convençam ser verdadeira a alegada paralisação e, sobretudo, que, a ter acontecido, haja uma efectiva relação dela com o sinistro (a fls. 57 e 58 está junto um simples balancete de clientes desde o início da actividade; os dados das declarações de IRC de fls. 306 a 315 e 327 a 339, nada elucidam quanto ao pretendido, não permitindo comparar os resultados anteriores ao evento com os que se lhe seguiram e tirar daí qualquer conclusão, razão por que, aliás, receberam resposta negativa os quesitos 43 e 44).

Ficou clara e é muito provável, em face das regras da experiência relativas ao declínio da actividade de construção civil, logo da arquitectura, que o volume de trabalho da autora já vinha a diminuir drasticamente, nesse sentido apontando precisamente a resposta dada ao quesito 48. O próprio Arquitecto Y…, em Janeiro de 2010, exercia já funções (como foi pelas testemunhas dito em audiência e resulta dos mails trocados) numa empresa dos …, VN de Gaia, onde até marcou reunião com representante da de peritagem (fls. 165). A actividade em causa, pela sua natureza e características, muito personalizada, permitia em elevado grau ser prosseguida noutro local. Pelo teor da correspondência expedida (cfr. fls. 178 e 182) pela autora perpassam contradições ou incongruências com o que disseram as testemunhas e, assim, uma aparente intenção de empolar consequências, com que, a serem, verdadeiras, não se coaduna a postura de falta de colaboração notada pela empresa de peritagem e bem assinalada no relatório confirmado pela testemunha Engº I…. Pouco depois de entregue a fracção, sintomaticamente a autora pôs fim ao arrendamento e mudou-se para outro local, a pretexto (dito pela testemunha K…) de a renda ser menor.

O ónus da prova do facto – sobretudo da relação da eventual paralisação, supostamente total, com o evento – impendia sobre a autora. Não nos convencemos, porém, antes duvidamos muito e nos parece até mais plausível, que, a ter ela ocorrido ou diminuído, tal seja devido ao estado em que ficou a fracção. A resposta dada ao quesito 48º mais adensa tais dúvidas.

Por isso, sem embargo das dúvidas expressas a propósito do conexo quesito 36º e até na linha destas, alterar-se-á, como defendem os apelantes, a resposta dada ao quesito 38º para “não provado”.

17. No que concerne, por último, ao quesito 46º, constata-se, mais uma vez, que, estranhamente, ele foi formulado ao contrário do alegado pelos 2ºs réus.

Com efeito, a autora, na pi, limitou-se a reconhecer e a argumentar que, desde Agosto de 2010 e até Junho de 2011, data em que lhe foi entregue a fracção já reparada, não pagou as rendas porque estava convicta que os apelantes senhorios iriam diligenciar pela sua reparação mas não o fizeram.

Em face disso, os ditos réus, contrapuseram, no item 71 da sua contestação, que “Nunca, até à data de 21 de Setembro de 2011, altura em que os RR reclamaram à A. o pagamento das rendas em débito, esta comunicou àqueles que estava privada do uso do estabelecimento por causa do sinistro”.

O tribunal recorrido, porém, quesitou: “Até à data de 21 de Setembro de 2011, altura em que os 2º e 3º RR. reclamaram à A. o pagamento das rendas em débito, esta comunicou-lhes que estava privada do uso do estabelecimento por causa da inundação?”.

Respondeu o tribunal “provado”, ou seja, que tal comunicação foi feita, defendendo os apelantes que deve ser dada a resposta “não provado”.

Efectivamente, para além do conhecimento inicial do evento, mediante comunicação telefónica que lhe foi dirigida, afirmado pela testemunha P…, irmão do réu e seu procurador em Portugal, que o levou a deslocar-se ao locado no próprio dia e a inteirar-se da situação, de nenhuma outra comunicação – que a ter existido, dada a sua importância e efeitos, deveria ter sido pela autora documentada – há qualquer prova nos autos, nem sequer indício.

A testemunha P… referiu que deu conhecimento imediato à administração do condomínio e que esta lhe referiu ter participado à seguradora (facto, de resto, dado como provado na resposta ao quesito 45º) e garantiu que tudo seria tratado com esta. De nada mais soube, a não ser depois de executada a reparação.

O próprio réu C…, ouvido em depoimento de parte, negou peremptoriamente ter recebido qualquer comunicação, por qualquer meio, directa ou indirecta.

A testemunha K… corroborou a versão da testemunha P… e acrescentou apenas que aquele réu, quando veio de França, cerca de um mês depois, esteve no local e viu tudo, mas de nenhuma outra comunicação formal mostrou saber, referindo, isso sim, insistências junto do administrador do condomínio.

A testemunha M… não foi indicada a tal matéria e nada concretizou sobre insistências com o senhorio, enquanto que a testemunha O… confirmou apenas o que se passou, quanto a P…, no dia em que foi detectado o sinistro e se deslocou ao local a transportar a K…, corroborando o que aquela disse quanto à vinda, passados uns dias, do senhorio C… e sua deslocação à fracção, onde foi com a K… também abrir-lhe a porta, acrescentando que este referiu que o assunto era com a seguradora do condomínio.

Enfim, não há qualquer prova que permita responder positivamente ao quesito 46º, tal como formulado, pelo que deve alterar-se tal resposta para “não provado”.

IV. MATÉRIA DE FACTO PROVADA

Em resultado do que se acabou de expor, fixa-se, então, o seguinte elenco de factos provados, alfabeticamente ordenado e expurgado dos não provados:

A) A 1ª R. «tem por objeto a responsabilidade pela administração» do condomínio do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na Rua … nºs …, …, …, …, … e … da cidade de S. João da Madeira […].
B) Encontra-se juntos aos autos um documento intitulado “contrato de arrendamento” subscrito pela A. e 2ºs RR., no qual se pode ler que estes últimos declararam ceder à A o uso da fração “C” do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na Rua …, … na cidade de S. João da Madeira e aquela declarou aceitar, declarando ainda que pagaria, em troca, €300 por mês, até ao dia 8 de cada mês (cfr. doc. de fls. 20 e ss, que aqui se dá por inteiramente reproduzido).
C) A 1ª R. celebrou com a 3ª Ré um contrato de seguro “multirriscos condomínios” titulado pela apólice nº ……………, com início em 01.05.1998, cujas Condições Particulares, em vigor à data de 28 e 29 de Novembro de 2009, constam de fls. 18 e ss e aqui se têm por reproduzidas. [11]
D) – No artigo 2º das referidas Condições Gerais[12] da apólice pode ler-se que: a 4ª R garantiu o pagamento de indemnizações devidas por: a. -Danos no imóvel; b. -Danos nos bens móveis pertença do condomínio, tal como definidos no artigo 1º das Condições Gerais da apólice; c. -Responsabilidade civil extracontratual dos proprietários; d. -Outras garantias devidamente especificadas nas Condições Particulares.
E) No artigo 6, n.º 7, A) e B) das referidas Condições Gerais da apólice pode ler-se que: a cobertura de “Responsabilidade Civil Extracontratual do Proprietário do Imóvel”, “garante, até ao limite dos capitais fixados nas Condições Particulares, o pagamento das indemnizações legalmente exigíveis aos segurados, por danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais e materiais causadas a terceiros com origem no imóvel”. [13]
F) No artigo 6, n.º 7, C), 3 das referidas Condições Gerais da apólice pode ler-se que: ficam excluídas, entre outras situações, da cobertura de responsabilidade civil extracontratual as indemnizações destinadas a ressarcir os danos decorrentes de: a. -Lesões e danos decorrentes de deficiências do projecto ou da construção do imóvel; b. -Lesões e danos decorrentes de, à data do sinistro, o imóvel se encontrar danificado, defeituoso, desmoronado ou deslocado nas suas fundações e ou com a sua estabilidade e segurança global afectadas; c. -Lesões e danos decorrentes de notória falta de manutenção do edifício e suas instalações.
G) No artigo 5, D) das referidas Condições Gerais da apólice pode ler-se que: aplica-se, igualmente, a exclusão geral que prevê que ficam excluídos para todas as coberturas o “Risco coberto, na medida em que constituam prejuízos de natureza consequencial, tais como a perda de lucros ou rendimentos”.
H) O objecto da cobertura integrava diversos riscos, entre eles, danos por água e responsabilidade civil extracontratual.
I) Consta das condições particulares da apólice que será debitada pela 4ª R uma franquia, em cada sinistro, na indemnização a pagar de €250 no caso de danos por água – cfr. fls. 18 que se dá por integralmente reproduzido.
J) Entre Agosto de 2010 e Maio de 2011, inclusive, a A-Reconvinda não efectuou o pagamento das rendas referidas em B).
K) Em 06 de Junho de 2011, os 2 e 3º RR. entregaram à A. a fracção reparada.
L) Em Março de 2010, o representante da A. conseguiu emprego para uma das funcionárias da A. e esta acordou cessar o contrato de trabalho.
M) Em 23.01.2012, a 4ª R emitiu um recibo de indemnização no valor de € 4.623,00.
N) Em 17.12.2010, a 4ª R procedeu à emissão do recibo de indemnização n.º ……, no valor de € 3.551,00 [€ 3.601,00 -€ 250,00.
O) A A. dedica-se à execução de projectos de arquitectura e urbanismo.
P) A A. ocupava a fração “C” do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na Rua …, … na cidade de S. João da Madeira, referida em B).
Q) Nessa fracção a A. tinha instalado o seu Gabinete de Arquitetura com o respetivo equipamento.
R) No edifício onde se integra a fracção referida em B)., para condução das águas pluviais caídas no terraço de cobertura e demais terraços, existe um tubo.
S) Esse tubo desce, pelo exterior da parede do edifício, desde o terraço de cobertura do mesmo, penetra verticalmente, num canto da fracção arrendada, através da lage que constitui a respectiva cobertura e, a seguir a esta, descreve uma «curva» passando horizontalmente no espaço compreendido entre a face inferior daquela e a superior do tecto falso.
T) Na noite de 28 para 29 de Novembro de 2009, o tubo referido na duas alíneas anteriores soltou-se da dita «curva», por força das águas da chuva que caíra nos terraços.
U) Com a separação da «curva» do tubo, a água deste passou a cair no tecto falso, provocando a deterioração e queda de 4 ou 5 placas de gesso, correspondente a uma área de cerca de 2 m2, e espalhando-se, depois, numa parte do chão da fracção B.
V) Esse tubo passa no interior da fracção referida em B).
X) Na sequência da queda de água no interior da fracção, parte do pavimento em madeira flutuante levantou.
W) A rede eléctrica teve de ser cortada.
Z) Sobre a fotocopiadora, scanner e ploter, marca F…, caíram pedaços das placas do tecto falso, tendo tais equipamentos deixado de funcionar e apresentando oxidação em algumas das suas partes metálicas e electrónicas.
AA) O tubo está localizado num canto do tecto, a cerca de 1 m das paredes laterais da loja.
AB) A loja tem cerca de 90 m2.
AC) Abaixo da lage de tecto existia e existe um tecto falso composto por placas quadradas de gesso, assentes numa estrutura de alumínio.
AD) As placas de gesso estavam e estão apenas pousadas nessa estrutura de alumínio.
AE) Qualquer água que caia em cima dessa estrutura de imediato infiltra-se entre as placas de gesso e o alumínio, não deixando que ela (água) se acumule em demasia e por muito tempo e crie peso na estrutura, de forma a provocar a sua derrocada.
AF) A água que saiu do tubo caiu e espalhou-se numa área de 2 m2 do tecto falso.
AG) O tecto falso é composto por placas de gesso, sujeitas a escurecimento em contacto prolongado com água, embora só uma área de cerca de 2 m2 se tenha deteriorado e caído.
AH) A 4ª R. contratou os serviços da empresa X…, Ldª para proceder à averiguação dos danos.
AI) Tal empresa colheu junto da firma G…, Ldª um orçamento para reparação do equipamento, cujo valor ascendia a € 5.547,60.
AJ) Na parte final desse orçamento constava que «após a limpeza dos equipamentos pode surgir anomalias não contempladas neste orçamento. Exemplo: fontes de alimentação, placas electrónicas, etc».
AK) Entre a A. e a empresa X…, Ldª foi acordado pedir à firma F…, S.A., representante da marca F… em Portugal, uma vistoria ao equipamento e um orçamento para a reparação do equipamento.
AL) Pela vistoria ao equipamento a A. pagou a quantia de 240,00€.
AM) Na data do sinistro, o valor de todo o equipamento (fotocopiadora, scanner e plotter) era de 6.000€.
AN) Diariamente, a A., utilizava o referido equipamento na execução de desenhos e projectos em suporte digital e impressão em formato A0.
AO) Para além dessa utilização na execução de projectos pendentes, estava a ser utilizado no trabalho de digitalização de todos os projectos em arquivo para suporte informático.
AP) Tal trabalho ficou por concluir.
AQ) A A. tinha ao seu serviço duas funcionárias, que auferiam os salários mensais de 450€.
AR) Até Fevereiro de 2010, a A. continuou a pagar às suas funcionárias os respectivos salários e a efectuar os descontos para a Segurança Social.
AS) Continuou contudo a A. a suportar o pagamento do salário à outra funcionária e a proceder aos respectivos descontos para a Segurança Social.
AT) A A. iniciou a sua actividade no ano de 2000.
AU) A 1ª R providenciou pela participação da inundação à 4ª R., logo após o conhecimento desse evento.
AV) As empresas que comercializam fotocopiadoras e scanners também os alugam “à peça”, ou seja, é pago um valor por cada fotocópia tirada ou scanerização efectuada, o que tem um custo não superior a €0,10 por cada fotocópia ou scanerização, a cores e incluindo o papel.
AX) Muitos dos gabinetes de engenharia fecharam e muitas empresas do sector da construção foram declaradas insolventes ou fecharam, num total, em 2010, de mais de 10.000 empresas.
AW) Após a recepção do orçamento referido em AI), o legal representante da A. – Arquiteto Y… – informou a “X…” de que pretendia que os equipamentos da marca “F…” fossem reparados pela firma “F…”, representante daquela marca em Portugal.
AX) Apenas em 18.02.2010, a A. enviou à 4ª R cópia de um fax enviado pela empresa “F…”, onde é alegado que “não existe reparação possível dos equipamentos uma vez que os danos são irreversíveis”, no que respeita aos equipamentos da marca “F…”.
AZ) No orçamento apresentado pela empresa “G…” já se encontrava englobada a reparação/substituição quer da guilhotina, quer do monitor.
BA) A A. ou a 1ª R. manifestaram à 4ª R a posição que pretendiam assumir para a resolução do assunto.
BB) Após ter recebido a participação do sinistro e solicitado a realização da peritagem supra referida, a reparação dos mesmos veio a ser orçamentada em €3.601, tendo este valor merecido a concordância da 1ª R.
BC) Nessa mesma data, foi apresentado a pagamento nos serviços da 4ª R o documento referido em N), procedendo esta ao seu pagamento, declarando a 1ª R. que nada mais teria a receber relativamente a tais prejuízos.”

V. MATÉRIA DE DIREITO

Recorde-se, antes de mais, que a autora “B…” era, apenas, titular do direito de gozo temporário, mediante contrato de arrendamento, da fracção autónoma “C” do prédio constituído sob o regime de propriedade horizontal sito em S. João da Madeira, dela sendo locadores, na qualidade de proprietários e, por isso, condóminos das partes comuns do edifício, o casal de 2ºs réus.

Alegando que o tubo condutor de águas pluviais do prédio entupiu e rebentou, transbordando para o interior do locado, causando-lhe estragos e consequentes danos patrimoniais, demandou a administração do condomínio (1ª ré), os próprios senhorios (2ºs réus), e, ainda, a seguradora (3ª ré), com a qual aquela havia celebrado um contrato de seguro.

Contra a primeira, peticionou, como indemnização:

-a quantia 20.000€, correspondente ao valor da fotocopiadora, scanner e plotter à data do sinistro, por estes terem ficado irreversivelmente estragados e a sua reparação ser tecnicamente desaconselhável e não garantida; e
-a quantia já liquidada de 10.800€ e, ainda, a que vier a ser liquidada (à razão de 400€ por cada mês) pela privação do uso de tal equipamento, demora na sua reposição ou entrega do seu valor[14];

Contra os segundos, a quantia de 30.000€ pela privação, desde a data do sinistro até Junho de 2011, do gozo do arrendado e consequente paralisação da sua actividade societária[15] (ao que estes ripostaram deduzindo reconvenção).

E, para o caso de se comprovar que a responsabilidade pelos referidos danos está abrangida pelo referido contrato de seguro, formulou-os todos apenas contra a 3ª ré seguradora.

O tribunal recorrido entendeu, como decorre da fundamentação da respectiva sentença, que “cabe à administração do condomínio responder pelos danos causados pelo rebentamento do tubo no interior da fracção” mas que, “tendo esta celebrado com a R. «E…» o contrato de seguro titulado pela apólice descrita …, cabe a esta R. ressarcir os danos sofridos pelo facto mencionado”.

Todavia, analisando-os e classificando-os, de seguida, em parte como “danos emergentes” e em parte como “lucros cessantes”, por força do estabelecido no supra transcrito artigo 5º, D), das Condições Gerais da Apólice, considerou excluídos da cobertura “os danos desta última natureza” e, portanto, que a seguradora “apenas indemnizará a A. pelo valor dos equipamentos e pelos montantes despendidos com o pessoal e com a vistoria feita pela F…”. [16]

Ainda assim, quanto aos “lucros cessantes”, entendeu que, não sendo também, qualquer deles, da responsabilidade da administração do condomínio 1ª ré por lhe não ser imputável qualquer demora, distinguiu entre os decorrentes da privação dos equipamentos e da privação das instalações:

-quanto àqueles, julgou que “existe uma situação de mora causadora de prejuízos para a autora e que a R. «E…» deve indemnizar, tudo em conformidade com o artº 804º, nºs 1 e 2 e 805º, nº 1, do Cód. Civil” e que “por não ser possível quantificar esses valores, tendo em conta a equidade prevista no art. 566º n. 3, do Cód. Civil, e ponderando o valor de facturação da A., ao longo da sua existência[17], a crise que assolou o mercado e que a indemnização hoje em dia é também vista como indemnização-sanção”, fixou-o no montante de 7.500€, no pagamento à autora dessa “indemnização pelos prejuízos causados com a mora na resolução do sinistro”, com juros, tendo condenado a ré seguradora (e ainda na dita quantia de 240,00€ referente à vistoria);

-quanto a estes, entendeu que era obrigação dos réus senhorios proceder à reparação da fracção arrendada e que, tendo demorado a cumpri-la, houve culpa sua causadora de tais danos que, equitativamente, fixou em 10.000€, no respectivo pagamento os condenando, com juros de mora desde a citação.[18]

Convergem, pois, na acção, cuja causa de pedir é complexa, e discutem-se agora no recurso, dois tipos de responsabilidade: contratual e extracontratual.[19]

a) apelação dos 2ºs réus

É com as obrigações decorrentes da responsabilidade contratual que se prendem as questões por estes colocadas.

Com efeito, nela convergem os dois pedidos cruzados: de um lado, o principal, da autora, visando obter dos 2ºs réus o ressarcimento dos prejuízos entretanto sofridos com a paralisação da sua actividade, com a “perda no volume de facturação” e concomitante manutenção de custos da respectiva estrutura (rendas, salários e encargos), em resultado da privação das instalações; de outro, o reconvencional, deduzido por aqueles, enquanto senhorios, relativo às rendas.

Tendo, neste âmbito, o tribunal a quo entendido e decidido como decidiu – ou seja, que é locatícia a responsabilidade dos 2ºs réus por tais danos e que esta impende exclusivamente sobre eles enquanto locadores e nunca sobre a 3ª ré como seguradora (a cujo contrato são alheios) e, ainda, que procede a excepção de não cumprimento quanto ao pedido reconvencional de rendas – circunscreve-se a nossa apreciação ao tema unicamente pelos 2ºs réus introduzido no objecto do seu apelo:[20]

-deve a decisão a condenar – só os 2ºs réus – no pagamento da indemnização de 10.000€ pela demora na reparação da fracção e a julgar procedente a dita excepção de não cumprimento ser revogada e, nessa sequência, serem aqueles absolvidos de tal pedido e condenada a autora no das rendas?

Pugnando por isso, argumentaram os apelantes, por um lado, que não houve incumprimento de qualquer obrigação sua; a causa dos estragos e do atraso na reparação não lhes é imputável, sendo alheios à situação; o locado continuou em condições de ser utilizado e permitia o exercício da actividade da autora locatária, nunca nada em contrário por esta lhe tendo sido comunicado ou exigido, nem decorrendo do conhecimento do sinistro, e que, se tal aconteceu, foi por inoperacionalidade dos equipamentos, devendo-se a demora ao desentendimento entre ela e a seguradora; sempre a autora poderia ter realizado a obra e retido as rendas nos termos da lei; não foi feita prova de danos causados pelo estado da fracção; o valor fixado à indemnização não assenta em factos provados nem em critérios rigorosos.

E, por outro, que a excepção de não cumprimento em que se baseou o tribunal recorrido para julgar improcedente a reconvenção é inaplicável ao caso, dada a diferente origem, natureza e independência das obrigações recíprocas; a excepção só poderia ser aplicada se a privação do gozo do imóvel lhes fosse imputável, e não é; nunca lhes foi comunicado que o estado da fracção os impedia do respectivo gozo.

Analisemos.

aa) Como, a propósito do recurso da 3ª ré, melhor se dirá, remontando a origem do evento lesivo a coisa do domínio comum, recai a obrigação de indemnização pelos correspondentes danos causados, em princípio, sobre o condomínio como entidade terceira extracontratualmente responsável – desde que observados os respectivos pressupostos.

Porém, neste caso concreto, alegando a autora ter sido lesada pela demora na reparação dos estragos da fracção e consequente privação do seu gozo, cedido pelos condóminos 2ºs réus mediante o contrato de arrendamento e estando eles, na altura, obrigados a assegurar-lho, pretendeu que estes a indemnizassem dos respectivos prejuízos, o que mereceu acolhimento pelo tribunal a quo, no pressuposto de que prevalece a responsabilidade contratual.

Ao contrário, defendem os apelantes que nenhuma responsabilidade lhes cabe, pese embora a sua condição de locadores.

Resulta do artº 1031º, alínea b), do C. Civil, que, por força do contrato de arrendamento, cabia aos apelantes não só proporcionar mas assegurar à autora tal gozo da coisa para os fins a que esta estava destinada, o que, além do mais, implica a obrigação de realizar as obras de reparação e conservação necessárias.[21]

Importa, no entanto, discernir se, nas circunstâncias dadas e em que ressalta a localização da origem do evento na coisa comum e a aleatoriedade do seu desencadeamento em relação aos locadores, todavia donos da fracção locada e danificada e, por isso, condóminos, este dever contratual se mantém.

Com efeito, como claramente resulta dos factos alegados e, sobretudo, dos provados, nenhum acto contribuinte para o sinistro foi, nem se vislumbra que pudesse ter sido, imputado aos réus senhorios. A origem deste esteve no tubo condutor, que é coisa comum e não própria deles nem integrante da fracção autónoma, e que se encontrava escondido por cima do tecto falso desta, não se tendo alegado e muito menos demonstrado que eles sequer soubessem da respectiva existência e do seu estado.

Embora seja certo que o senhorio deve assegurar ao arrendatário o gozo do locado para os fins a que se destina e, para tal efectuar as obras necessárias [22], a verdade é que não se situava na coisa locada ou em parte integrante ou componente dela, nem portanto, se relaciona com a sua esfera de domínio e actuação, enquanto proprietários e senhorios, qualquer deficiência ou falha que implicasse a necessidade de obras de conservação, manutenção ou reparação a seu cargo.

O dever deles previsto na lei e actuado pelo contrato não tem o sentido de os obrigar, apesar de se tratar de fracção autónoma arrendada, a fazer obras em partes comuns do prédio constituído em propriedade horizontal e em que a mesma se integra.[23] Logo, a responder pela falta delas, sua demora e respectivas consequências.

Decorrendo embora do artº 1037º, nº 1, do CC, que o locador não pode praticar actos que impeçam ou diminuam o gozo da coisa pelo locatário, o certo é que não tem obrigação de assegurar esse gozo contra actos de terceiro, no caso o condomínio.

Como também terceiros em relação a este e apesar de senhorios, não têm os 2ºs réus obrigação própria, individual, de vigiar, reparar e conservar tais bens (obrigação de facere) em ordem a prevenir a violação do direito de gozo da fracção, no caso pelos locatários, mas apenas o dever de “contribuir, proporcionalmente ao valor das respectivas fracções autónomas, para as despesas necessárias à prática de qualquer acto conservatório (obrigação de dare)”.[24]

Além disso, embora a natureza (obrigacional ou real) do direito do arrendatário seja doutrinária e jurisprudencialmente controvertida, reconhece-se hoje que o locador, após a entrega da coisa, “fica apenas obrigado a não impedir ou perturbar (ou, vale o mesmo, a suportar: patientia locatoris) o exercício do direito de gozo que a este [ao locatário] pertence e, quando se torne necessário (esporadicamente, portanto), a praticar os actos de conservação da coisa indispensáveis a que ela possa continuar a servir para o fim ou fins a que está afectada”. Tal o sentido do artº 1031º, alínea b), do CC.[25]

“Pertencendo, por conseguinte, ao locatário um direito de gozo que ele exerce directamente sobre a coisa, sem necessidade da cooperação activa e permanente do locador, nenhum obstáculo conceitual existe a que esse direito assuma a configuração de um ius in re”.[26]

Ao locatário é, pois, permitido defender “proprio nomine” o seu direito, “directamente adversus omnes, isto é, contra qualquer terceiro que impeça, perturbe ou ameace o respectivo exercício. O locatário pode agir por si, com plena autonomia, sem que a defesa da sua posição jurídica tenha de processar-se por intermédio ou com a cooperação do locador”. Tanto para remover a agressão como para ressarcir os seus danos e “seja qual for a natureza que esses actos revistam e o fundamento em que se apoiem”, bem como a pretensão que gerem (quiçá indemnizatória).[27]

Como salienta M. Henrique de Mesquita, remetendo para Oliveira Ascenção, a norma, de cunho realista, do citado artº 1037º, nº 1, “permite ao locatário defender autonomamente o seu direito erga omnes” e “afirma implicitamente que o locatário se pode defender directamente.”[28]

Semelhantemente, dizem os Mestres P. Lima e A. Varela que “Não se compreenderia, na verdade, que se responsabilizasse o locador por actos em que não interveio e que lhe não podem ser imputados. A defesa da posição de locatário deve caber a este, não só contra actos de terceiro, como contra os actos do próprio locador”.[29]

Assim se entende também no STJ, como resulta do Acórdão de 06-03-2008: “O locatário, possuidor em nome alheio, embora, da coisa locada, tem o direito de exigir ao lesante, seja este o locador ou um terceiro, indemnização pelo prejuízo radicado na perturbação do gozo daquela”.[30]

Nesta perspectiva e resultando claro, do alegado e provado, que jamais a autora imputou à conduta (activa ou omissiva) dos réus senhorios a causa e a culpa do acto originariamente lesivo dos seus direitos e gerador dos alegados prejuízos, conclui-se que não pode imputar-se-lhes, por àquele serem alheios, nem exigir-se-lhes, legal ou contratualmente, o dever de reconstituírem a situação que anteriormente existia ou que existiria se não fosse o evento, por tal manifestamente extravasar o vínculo contratual e radicar em facto ilícito de outrem.

Consequentemente, não pode sobre os 2ºs réus senhorios impender qualquer responsabilidade pela demora na reparação do locado, nada eles tendo a ver com a prestação em causa, que não se confunde com a derivada do contrato, não fazendo sentido, por isso, assacar-lhes incumprimento e responsabilizá-los, sequer pela mora como se fez na sentença recorrida invocando os artºs 798º e 799º, nº 1, uma vez que se não verificam, quanto a eles, os pressupostos dos artºs 804º e 805º (Código Civil).

Tal só seria viável se estivessem em causa – e não estão – actos ou omissões praticados pelos próprios locadores impeditivos ou diminuidores do gozo da coisa pela locatária ou se, ainda que praticados por terceiro e com reflexo no desenvolvimento do programa contratual, tal obrigação legalmente sobre eles persistisse e, para a cumprirem, devessem aqueles proceder à reparação da fracção em lugar daquele, buscando depois o reembolso.

Não é isso que a lei estabelece: a obrigação de assegurar o gozo da coisa cessa em face de actos de terceiro.

Do exposto logo decorre, portanto, que a condenação dos réus C… e esposa não se pode manter, devendo ser, nessa parte, revogada a sentença, assim procedendo a sua apelação.

Sem embargo, sempre se dirá estar provado que, apesar de os réus senhorios terem tomado conhecimento do sinistro, não se provou ter-lhes sido dirigida qualquer interpelação pela autora no sentido de procederem à reparação do locado. Naturalmente, estavam eles cientes do estado em que este ficou, mas daí não se pode inferir que, espontaneamente, devessem ter agido, pois conheciam as circunstâncias do evento e sabiam ser-lhe alheios (tal como ao contrato de seguro). Eles inteiraram-se de que fora feita participação, como efectivamente foi, pela ré administradora do condomínio. Limitaram-se, e mais não lhe era exigível que fizessem, a aguardar que a seguradora procedesse à reparação (ou pagasse o seu custo), sendo de notar que das cláusulas contratuais da apólice consta expressamente a sua consideração como terceiros[31] e, portanto, a prevista possibilidade de o cumprimento das obrigações decorrentes dela ser exigido pelo ocupante da fracção lesado[32], desde que reunidos os demais pressupostos clausulados.

Afinal de contas, foi isso que veio a suceder: a reparação foi orçamentada pela 3ª ré seguradora, esta pagou o respectivo valor (deduzido da franquia) à administração do condomínio segurado (que, aliás, com ele concordou) e que, por sua vez, diligenciou pela realização da obra, sem qualquer participação dos senhorios.[33] Nada mais, aliás, se sabe sobre a demora e a quem esta se deveu.

Resta acrescentar, ainda, que, por os factos provados não evidenciarem – e já mal resultar dos alegados – o pretenso dano causado pela demora na execução das obras, também a justificação, ainda que por recurso à equidade, do fixado valor de 10.000€ não convence.

Com efeito, referiu o tribunal recorrido que tais prejuízos derivaram de não ter a autora podido laborar no locado, ter perdido trabalho e pago ao seu pessoal. Todavia, não resultou provado que, em consequência do sinistro, do estado da fracção e da demora em repará-la, a autora ficou impossibilitada de nela exercer a sua actividade e com esta paralisada, nem que tenha perdido trabalho e, portanto, que teve de (inutilmente) pagar ao seu pessoal, muito menos se tal decorreu daquela circunstância ou das avarias no equipamento com base em cuja demora na reparação/substituição/pagamento a autora também, aludindo vagamente ao mesmo tipo de prejuízos, acumulou pedidos diversos, sem concretamente distinguir prejuízos de uma e outra origem – destrinça que o tribunal recorrido também não curou de fazer, condenando os senhorios e a 3ª ré.

ab) No que concerne à reconvenção, que o tribunal a quo julgou improcedente por contra ela ter entendido ser oponível a excepção de não cumprimento prevista no artº 428º, do CC, partiu este do pressuposto que “a A. não teve na sua disponibilidade o locado” no período compreendido entre Novembro de 2009 e Junho de 2010 e que “não estando os RR reconvintes a cumprir a sua prestação permanente e contínua de assegurar o gozo do locado à A., esta pode não prestar as rendas devidas pela respectiva fruição”.

Apesar de ser obrigação da autora locatária pagar a renda estipulada, nos termos convencionados, como decorre do artº 1038º, alínea a), do CC, o certo é que, logo na petição inicial, esta reconheceu que, desde Agosto de 2010 até Junho de 2011, não cumpriu, dizendo ter ficado privad do gozo da fracção e impossibilitada de nela exercer a sua actividade.

Nem aí, nem na réplica, aludiu expressamente à excepção de não cumprimento ou qualquer outra, limitando-se nesta a reiterar o que já alegara a tal propósito na petição, acrescentando que os réus não tomaram qualquer iniciativa no sentido da reparação da fracção nem diligenciaram pelas obras[34], apesar da urgência, limitando-se a acenar com a falta de fundamento e manifesto abuso de direito na formulação de tal pedido.

Resultou provado que, entre Agosto de 2010 e Maio de 2011, inclusive, a autora não pagou as rendas (ponto J dos factos assentes). Resultou não provado o quesito 37º, em que se perguntava se a A. pagou também a renda de Julho de 2010, mês em que havia desacordo e sendo certo que o ónus da prova de tal pagamento impendia sobre ela (os réus, na reconvenção, englobaram este mês, assim perfazendo 11 rendas).

Como decorre dos artºs 428º e 431º, do CC, a excepção de não cumprimento verifica-se e opera no domínio contratual, entre os contraentes ou seus substitutos.

Pressupõe a bilateralidade (sinalagma), equilíbrio, proporcionalidade e interdependência das prestações recíprocas, emana do princípio da boa fé, visa motivar o contraente ao cumprimento pontual.[35]

A obrigação em causa – a de reparação do arrendado –, como já se viu antes, não tem génese nem natureza contratual, mas extracontratual. Por ela não respondem, aliás, os réus senhorios, mas terceiros. Não há nexo de reciprocidade.

A excepção[36] não pode, pois, ser oposta àqueles.

De resto, não ficou demonstrado que a autora ficou privada, em consequência do evento, do gozo do locado ou em que exactos termos o ficou, apesar dos estragos nela produzidos, e, por isso, que não teve a disponibilidade dele em termos de se poder concluir pelo incumprimento da obrigação dos locadores e justeza e proporcionalidade da exceptio.

Razão, pois, não se descortina para que a autora tenha deixado de cumprir a sua obrigação contratual de pagar as rendas aos 2ºs réus locadores, ainda que tal acabasse por engrossar os prejuízos por ela exigíveis do eventual responsável.

Afigura-se-nos, concluindo, que os apelantes têm, também nesta parte, razão, pelo que a autora não pode deixar de ser condenada no pagamento das onze rendas em falta (11 meses x 300,00€ = 3.300,00€) e no acréscimo legal indemnizatório nos termos do artº 1041º, do CC (50% x 3.300,00€ = 1.650,00€), devido pela sua mora (total = 4.950,00€), e respectivos juros.

b) apelação da 3ª ré seguradora

Trata-se, neste recurso, sobretudo de saber se o evento não é extracontratualmente imputável a título de culpa ao condomínio e, portanto, a 3ª ré não responde pelas respectivas consequências.

ba) Como decorre do artº 1420º, do C. Civil, na propriedade horizontal cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns, embora seja incindível o conjunto dos dois direitos. Trata-se de uma modalidade sui generis de direito real em que coexistem a propriedade singular sobre cada fracção autónoma e a propriedade em comunhão sobre as partes restantes do edifício pelo conjunto dos titulares daquelas.[37]

Como qualquer proprietário de qualquer bem, também o de cada fracção autónoma do prédio (condómino), enquanto titular exclusivo do direito real, absoluto, pode, nos termos do artº 1305º, do C. Civil, exigir, de qualquer terceiro, que este se abstenha de praticar actos perturbadores do pleno gozo e fruição do bem.

Esse terceiro pode ser qualquer pessoa estranha ao prédio, outro dos condóminos ou o próprio condomínio.

Com efeito, o dever de conservar e manter um imóvel (ou parte comum), nomeadamente canalizações de água e esgotos incumbe ao proprietário (ou aos condóminos). Trata-se de obrigação propter rem ou ob rem, porque deriva do estatuto do direito real. Consequentemente, o dever de reparar defeitos, anomalias ou estragos causados em prédio vizinho ou em fracção autónoma de prédio, por deficiente manutenção da coisa ou da sua parte comum, incumbe àqueles sujeitos passivos da obrigação propter rem ou ob rem, independentemente de culpa (embora exigindo-se causalidade entre os estragos e a deficiente manutenção).

Em caso de violação daquele direito por inobservância desta obrigação, há lugar à indemnização pelos correspondentes danos, todavia de tipo extracontratual, com fundamento no disposto nos artºs 483º, e sgs., do CC, exigindo-se, pois, a verificação de culpa (ainda que presumida).[38]

Simplesmente, a autora não é condómina mas apenas locatária da fracção.

Todavia, como atrás se viu, ela pode, legitimada pelo seu direito ao gozo dela e na medida em que no mesmo lesada por acto de terceiro, ainda que seja o condomínio, defender contra este os seus interesses, ainda que indemnizatórios, nas mesmas condições dos proprietários.

Ora, apurou-se que, no edifício onde se integra a fracção locada, existia um tubo para condução das águas pluviais caídas nos terraços, o qual, descendo desde a cobertura pela parede exterior, acabava por penetrar verticalmente num canto da fracção arrendada, a cerca de um metro das paredes laterais, através da lage que constitui a cobertura desta, passando, já no interior, mediante uma «curva», a correr horizontalmente no vão compreendido entre a face inferior daquela e a superior do tecto falso.

Trata-se manifestamente de parte comum, seja por tal tubo integrar a rede de drenagem das águas pluviais, nos termos do nº 1, alínea d), seja por se tratar de coisa não afecta ao uso exclusivo de qualquer dos condóminos, conforme nº 2, alínea e), ambos do artº 1421º, do C. Civil.

Sucedeu que, no ponto onde o cano mudava de direcção, a certa altura, por força das águas da chuva que caíra nos terraços, a respectiva «curva» soltou-se e, em resultado da brecha resultante de tal separação, a água que nele corria atingiu o tecto falso constituído por placas de gesso, estragando-o em parte, caindo bocados de algumas daquelas sobre o equipamento, e espalhou-se no chão da fracção, levantando parte do respectivo pavimento de madeira.

Tendo a autora, em consequência disso, sofrido danos, ignora-se a causa original do sucedido e, bem assim, o que, na conduta da administração do condomínio, haja de concreta e efectivamente censurável e causador do evento.

É certo que a autora, na petição inicial, se referiu, em termos nada assertivos mas apenas vagamente sugestivos, a um “entupimento” e “rebentamento” do tubo e, sem com isso estabelecer uma clara e precisa conexão, que “não foram tomadas diligências … no sentido de, periodicamente, ser feita a limpeza dos terraços evitando desse modo que o cano entupisse com a entrada de detritos ou …alterar a configuração do tubo de modo a que o mesmo fosse retirado do interior da fracção” (itens 18 e 19).[39]

Todavia, como resulta da matéria de facto, não resultou provado qualquer “rebentamento”, sequer “entupimento”, muito menos a existência de quaisquer “detritos”, nem se foi, ou não, feita “limpeza” dos terraços.

Dispõe o artº 492º, no seu nº 1, que o proprietário ou possuidor de edifício ou outra obra que ruir, no todo ou em parte, por vício de construção ou defeito de conservação, responde pelos danos causados, salvo se provar que não houve culpa da sua parte ou que, mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado os danos.[40]

Nesta previsão, esclarecem P. Lima e A. Varela[41], estão incluídos desde as paredes ou muros divisórios até uma coluna, poste, antena ou andaime, etc., e, bem assim, “as partes componentes ou integrantes que, caindo, causem prejuízos, como uma simples telha ou o pára-raios do edifício” (artº 202º), pois “O que é necessário é que a obra esteja unida ao prédio ou ao solo e não se trate de coisa móvel, como um vaso colocado à janela”.

Com reitera Antunes Varela, “O proprietário ou possuidor não responde pelos riscos ou pelo perigo especial provenientes do edifício, mas só por ter culposamente deixado de observar os cuidados de construção e de conservação exigíveis para prever e prevenir o dano”[42], pelo que estamos no domínio da responsabilidade por factos ilícitos, facilitada para o lesado e agravada para o lesante pela presunção de culpa, cabendo a este ilidi-la ou alegar e provar que outras pessoas, também agindo culposamente, concorreram para a produção do dano.

Refere Manuel Henrique Mesquita[43], no âmbito das relações de natureza real, a par das normas que estabelecem limites ou restrições ao exercício dos respectivos direitos, “há outras que impõem ao respectivo sujeito a prática de determinados actos, o que forçosamente obriga a concluir que a relação jurídica real é, não apenas de poderes, conforme a doutrina geralmente a configura, mas outrossim fonte de deveres. Para caracterizar, portanto, o direito real, há que tomar em linha de conta não só o agere licere, mas também o agere debere a que o respectivo titular se encontra adstrito”.

Cita, aliás, entre os deveres de conteúdo positivo que compõem o chamado estatuto do direito real e designa por obrigações reais, propter rem ou ob rem, os decorrentes precisamente do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (como exemplo dos impostos por normas de direito público) ou, no Código Civil, do artº 1350º (como exemplo dos previstos em normas de direito privado em benefício do titular de outro direito real)[44] e do artº 1411º (como exemplo dos que beneficiam os contitulares do mesmo direito real), além de outros ainda em benefício de pessoas não determinadas através da titularidade de um direito real.[45]

Apesar da obrigação propter rem e a pretensão real se referirem a relações obrigacionais que têm como fonte o estatuto dos direitos reais, distingue-as uma da outra porquanto, na primeira, o devedor da prestação é determinado em função da titularidade de um direito real, confundindo-se no mesmo sujeito aquela posição passiva e esta activa, ao passo que, na segunda, à qualidade de titular de um direito real junta-se a de credor de obrigação destinada a protegê-lo, embora no respectivo conceito (de pretensão real) se não inclua o direito de crédito indemnizatório também originado pela violação de um ius in re e fundado no regime da responsabilidade civil porquanto este se situa fora do regime dos direitos absolutos e se apresenta com plena autonomia em relação ao direito real violado.

Assim, a pretensão real pode sempre ser exercida pelo titular do respectivo direito violado “sem necessidade de alegar e provar quaisquer danos e mesmo que ao autor da violação nenhuma culpa seja imputável”, só sendo necessário este requisito (da culpa) “de acordo com os princípios gerais que regem a responsabilidade civil extracontratual, para fazer valer pretensões indemnizatórias … quando os actos praticados por terceiros, além de criarem uma situação material desconforme com o estatuto do ius in re, causem danos ao respectivo titular”, como sucede na acção de reivindicação prevista no artº 1311º, do CC.[46]

Apesar de apenas as obrigações directamente emergentes do estatuto de um ius in re deverem qualificar-se como reais, “Por vezes, a lei impõe ao titular de um ius in re determinada obrigação, mas apenas quando ele procede culposamente.” Assim, no caso do artº 492º, nº 1, “embora o dever de indemnizar recaia sobre o sujeito de um direito real, não estamos aqui perante uma obrigação propter rem”, uma vez que aquele “não decorre directamente do estatuto real de um ius in re, mas antes de um comportamento culposo do respectivo titular”, tratando-se, pois, de obrigação autónoma, “subordinada aos princípios que regem a responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos”, apenas com a especialidade de o lesado não ter de provar a culpa efectiva, beneficiando da presunção desta legalmente imposta ao proprietário ou possuidor ou à pessoa que, por lei ou negócio jurídico, em lugar destes, esteja obrigada a conservar o edifício ou obra, a estes cabendo o ónus de a ilidir.[47]

Estabelece, por seu turno, o nº 1, do artº 493º, além do mais, que quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel (sem que tal se cinja ao proprietário, mas abranja, por exemplo, o depositário ou o simples detentor), com o dever de a vigiar, responde pelos danos que a coisa causar, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.

Trata-se de outra hipótese de presunção de culpa (ou presunção legal de responsabilidade), com a consequente inversão do ónus da prova, mas ainda assim de responsabilidade delitual e não pelo risco, inspirada na necessidade de aliviar as dificuldades de prova por parte do lesado, de facilitar a reparação e assente na ideia de que pelo obrigado à vigilância não foram tomadas as medidas de precaução necessárias para evitar o dano, embora alguns tendam a considerá-la como quase equivalente a responsabilidade objectiva ou um tertium genus em face do rigor, severidade e exigência que a doutrina e jurisprudência colocam na sua ilisão.[48]

Tal presunção de culpa é também uma presunção de ilicitude, na medida em que, perante o dano, presume-se o incumprimento do dever de vigiar, como, aliás, já referiu o STJ, por exemplo, no Acórdão de 10-12-2013[49]: “A norma do art. 493.º, n.º 1, do CC estabelece uma presunção de culpa que, em bom rigor, é, simultaneamente, uma presunção de ilicitude, de tal modo que, face à ocorrência de danos, se presume ter existido, por parte da pessoa que detém a coisa, incumprimento do dever de vigiar.”

Procurando resolver casos análogos partindo deste regime, encontramos vários arestos, apontando no sentido de que a manutenção em bom estado de funcionamento das canalizações de água de um imóvel, dos esgotos, torneiras e todos os demais componentes do respectivo sistema, constitui, pois, obrigação que decorre, desde logo e em princípio, da qualidade de proprietário do mesmo e que o cumprimento de tal obrigação, que também se insere no dever geral de prevenção do perigo ou deveres de segurança do tráfego, implica vigilância adequada e eficaz do foco de perigo em ordem a prevenir e efectuar atempadamente eventuais obras de conservação necessárias a evitar danos a terceiros.

Assim, no Acórdão da RL de 09-06-2009[50], escreveu-se: “Cabe ao condomínio, ou ao conjunto dos condóminos, reparar os danos produzidos numa fracção autónoma e provenientes de uma parte comum, por aplicação do regime contido no art. 493º, nº 1, já que, como reconhecem Pires de Lima e Antunes Varela, o proprietário está obrigado a vigiar a sua coisa, seja móvel ou imóvel; trata-se de uma obrigação “propter rem”, a que corresponde, no lado activo, um crédito “propter rem””.

Aí se citou, além do mais[51], o Acórdão desta Relação de 01-04-1993[52], segundo o qual “A obrigação do condómino de concorrer para os encargos de conservação e fruição do edifício e as obrigação do condomínio de reparar os danos causados numa fracção autónoma por infiltrações de água provenientes de uma parte comum não dimanam de contrato, mas da natureza real do instituto da propriedade horizontal (obrigações propter rem).”

Como, na mesma linha, se escreveu no Acórdão desta Relação de 07-02-2006[53], a propósito da condução e utilização de águas canalizadas, designadamente no interior de uma habitação (quiçá escondidas nas paredes e lajes), “há sempre a possibilidade de os vedantes se corromperem, as ligações colapsarem, os tubos ou as torneiras se furarem, os rotores e pressurizadores se avariarem, e de, em consequência de alguma dessas causas, se virem a registar inundações, que por sua vez são meios adequados para produzir desabamento de materiais, estragos em paredes e objectos, e ainda outros danos”.

Não se tratando, embora, como ali se entende, de uma actividade perigosa em si mas em torno da qual existe o risco potencial de ela gerar prejuízos em certas circunstâncias sobretudo ligadas à falta de vigilância constante e cuidados que o funcionamento sobretudo em razão do decurso do tempo progressivamente exige – o legislador estabelece como que uma presunção de responsabilidade fundada nos deveres que quem tem em seu poder certa coisa móvel ou imóvel tem de a vigiar e de, no cumprimento desta tarefa, tudo fazer para evitar que ela, por deterioração ou funcionamento incorrecto, cause danos. [54]

Como também se entendeu no Acórdão do STJ, de 16-06-2009[55], a propósito do artº 493º, nº 1, CC, “O dever de vigilância a que alude o mencionado preceito recai e justifica-se pela perigosidade das coisas sobre que incide, devendo considerar-se perigoso, e por isso mesmo passível de vigilância intensa e efectiva”.

Como, enfim, se sintetizou no Acórdão de 30-09-2014[56], em caso de responsabilidade por danos causados por coisas, o artº 493º, nº 1, do CC, exige os seguintes pressupostos da obrigação de indemnizar: “a) Especial aptidão da coisa, pela sua natureza, estrutura ou qualidades, para causar danos a terceiros; b) Atribuição da guarda da coisa móvel a um sujeito, a título de propriedade, ou outro, por exemplo, locação, depósito, comodato, etc.; c) Dever de vigilância do sujeito em relação à coisa potencialmente perigosa (deveres de segurança no tráfego); d) Culpa presumida a cargo do sujeito obrigado à vigilância, sem que este tenha provado a inexistência de culpa ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa (relevância negativa da causa virtual).”

E considerou-se ainda: “II – O dever de vigilância tem um conteúdo indeterminado, dependente das circunstâncias do caso, e integra-se num dever geral de prevenção do perigo ou nos deveres de segurança do tráfego. III– A norma do art. 493.º, n.º 1, do CC estabelece uma presunção de culpa que é, simultaneamente, uma presunção de ilicitude, de tal modo que, em face da ocorrência de danos, se presume ter existido, por parte da pessoa que detém a coisa, incumprimento do dever de vigiar. IV – Tendo sido a Ré a criar a fonte do perigo, ela dá origem a uma esfera de risco/responsabilidade a seu cargo. Não tendo o lesado contribuído para o dano nem pertencendo este aos riscos comuns ou correntes da vida, verifica-se, assim, necessariamente, uma conexão funcional entre o dano e a esfera de risco posta em marcha pelo lesante.”

Em situação similar apreciada recentemente no Acórdão do STJ, de 07-10-2014[57], entendeu-se: “O art. 493.º, n.º 1, do CC, é aplicável no caso de uma inundação de uma fracção autónoma, motivada pela ruptura de um terminal de uma conduta de água de climatização, noutra fracção, uma vez que o respectivo proprietário tem em seu poder o toalheiro e tubagens aí existentes, tendo o dever de vigiar esse conjunto, de forma a tomar as medidas necessárias tendentes a evitar o risco de ocorrência de algum sinistro.”[58]

Concluindo, parece-nos ser de entender que, tal como na propriedade horizontal, o proprietário da cada fracção autónoma, enquanto titular de um direito real (absoluto) e com fundamento no estatuto deste, pode exigir (pretensão real) de qualquer terceiro, como tal se considerando o próprio condomínio, enquanto conjunto dos titulares agrupados do direito de propriedade sobre as partes comuns e, por isso, sujeito passivo, independente de qualquer actuação culposa, de um dever (obrigação propter rem ou ob rem) de manutenção, conservação e reparação dessas partes comuns, que este lhe assegure continuamente a intangibilidade da fracção e se abstenha de a lesar, também o locatário da fracção autónoma, enquanto titular de um direito de natureza e com regime mistos ou dualistas[59] que o aproximam do ius in re, pode exercer idêntica pretensão contra o condomínio terceiro, como entidade colectiva sobre a qual impende obrigação similar.

Sem embargo, no caso de a pretensão, do proprietário ou do locatário da fracção autónoma, ter por objecto a indemnização por danos sofridos com origem em coisa comum e devidos à omissão do referido dever, esta não prescinde dos requisitos da responsabilidade civil, designadamente o da culpa, ainda que presumida.

É este pressuposto que a apelante 3ª ré diz não estar verificado em relação ao condomínio, como é necessário que esteja, nos termos do contrato de seguro.

Ora, olhando ao caso, sabemos que, do tubo, na zona da «curva» e por esta se ter desligado dele, jorrou água que, em vez de ser esgotada para o exterior, caiu sobre as placas do tecto e daí, juntamente com pedaços destas, sobre as máquinas e para o chão do arrendado.

Não sabemos exactamente a razão por que o referido acessório se desligou: defeito do tubo, do sistema ou material de junção e vedação, da montagem, da vetustez, da falta de reparação e conservação, excesso de pressão de água?

Cabia ao autor, em ordem a valer-se do disposto no artº 492º alegar e provar que se tratou de «ruína», no todo ou em parte, do tubo enquanto componente do sistema de drenagem de águas pluviais dos terraços do edifício e, portanto, parte integrante deste, devida a «vício de construção» ou a «defeito de conservação».[60]

Não o tendo feito, resta a hipótese mais abrangente do artº 493º, na qual cabem danos causados pela coisa sem que, contudo, haja prova daquilo que nesta ocorreu e originou o sinistro e da culpa efectiva.

Denota-se, com efeito, na Jurisprudência citada, uma evidente preocupação de assegurar a ressarcibilidade dos danos ainda que, como por exemplo, sucedeu nos casos apreciados no citado Acórdão desta Relação de 07-02-2006 ou no de 23-01-2006[61] se desconheça a origem exacta do evento (vício da coisa, falta de cuidado na manutenção) e concreta imputação ao demandado, generalizando o conceito de perigosidade e o consequente dever de vigilância e, consequentemente, reduzindo as hipóteses de afastamento da presunção de culpa.

No referido Acórdão do STJ, de 30-09-2014, cujo sumário acima se transcreveu, a propósito da aplicação de tal norma, observa-se que ela consagra uma modalidade especial de responsabilidade delitual e enfatiza-se o rigor e exigência crescentes postos pela Jurisprudência, incluindo a europeia, na interpretação e aplicação dos requisitos necessários para ilidir a presunção legal de culpa em que a mesma se fundamenta e que aproxima tal regime do da responsabilidade pelo risco decorrente do dever geral de prevenção do perigo ou dos deveres de segurança no tráfego em que se insere o dever de vigilância da coisa e que impendem sobre o proprietário.[62]

Dificultando tal ilisão e aliviando o lesado do ónus da prova da culpa, promove-se a consecução da finalidade reparatória em detrimento da sancionatória, assumindo aquela como um problema comunitário e não individual. Constrói-se, assim, um tertium genus entre a responsabilidade subjectiva e a responsabilidade objectiva.

Como é sabido e resulta das regras da experiência comum, os sistemas de canalização de águas, sobretudo em prédios, são dos que maior vigilância e cuidados exigem, particularmente quando colocados de forma ou em zonas de mais difícil acesso, observação e detecção de eventuais anomalias ou atreitas a sofrer e a expandir maiores danos e de mais difícil reparação, como era o caso.

Para isso, deve o detentor da coisa – no caso, o condomínio, em particular o administrador a quem cabe, nos termos do artº 1436º, alínea f), realizar os actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns – informar-se e conhecer todas as circunstâncias relativas ao projecto e às condições em que foi e se encontra edificado o prédio (verificando as plantas das redes, sua regularidade técnico-legal, perfeita e normal funcionalidade), de modo a cabalmente sobre todas as partes comuns exercer profícua, constante e eficaz vigilância, de modo a prevenir a consumação de todas as ocorrências potenciadas pelos riscos imanentes e a evitar prejuízos que a terceiros elas podem causar.

Quanto mais difícil o acesso e detecção de deficiências, recôndita e complicada a localização e reparação e maior a proximidade com bens de terceiros susceptíveis de, por tudo isso, serem extensa e intensamente lesados, mais elevado é o risco e, portanto, mais forte o dever de verificar o seu estado e testar o seu funcionamento com a constância necessária e adequada a remover o perigo de possíveis deteriorações e alterações materiais a qualquer momento, maxime quando naturalmente aceleradas pela vetustez.

Pode, pois, recortar-se, na situação aqui em apreço, uma especial aptidão do tubo e da «curva» em ângulo recto, face às suas características, função, forma e localização, para, de variados, possíveis e previsíveis modos (furar, rebentar, descolar, desligar, cair) gerar danos.

De tal perigosidade advinha para a administração do condomínio um especial dever de o vigiar ao longo de todo o seu trajecto e de, oportuna e eficazmente, tomar todas as providências necessárias adequadas a evitar quaisquer danos, sobretudo ao dono ou locatário da fracção dentro da qual ele passava, e de modo a que nenhuma culpa pelos ocorridos lhe pudesse ser imputada.

Como se refere no Acórdão do STJ, de 12-03-2009[63], “É insuficiente a observância dos deveres inerentes à normal diligência, pois onde a periculosidade está ínsita na acção há o dever de proceder tendo em conta o perigo; o dever de evitar o dano torna-se, assim, mais rigoroso, quando se actua com a nítida previsão da sua possibilidade, pelo que o sujeito deve adoptar, mesmo que com sacrifícios, todas as medidas aptas para evitar o dano.”

E não se diga que a parte do tubo em causa se encontrava escondida no interior da fracção autónoma e, por isso, o condomínio estava impedido de cumprir o seu dever de vigilância e, assim, dele exonerado. Podia e devia mudá-lo. Tal como podia para lhe aceder invocar o disposto no artº 1349º, do C. Civil. Não o fazendo, conformou-se com os benefícios da situação, com os riscos respectivos e a responsabilidade daí derivada.

O Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 38382, de 7 de Agosto de 1951, estabelece, no artigo 90º, que as canalizações de esgoto dos prédios serão delineadas e estabelecidas de maneira a assegurar em todas as circunstâncias a boa evacuação das matérias recebidas, devendo estas ser acessíveis e facilmente inspeccionáveis, tanto quanto possível, em toda a sua extensão, sem prejuízo do bom aspecto exterior da edificação; no artº 91º, que será assegurado o rápido e completo escoamento das águas pluviais caídas em qualquer local do prédio e que os tubos de queda das águas pluviais serão independentes dos tubos de queda dos esgotos; e, em geral, no artº 100º, que os ramais de ligação dos prédios aos colectores públicos devem ter secção útil adequada à área de drenagem e aos caudais previstos, serão solidamente assentes e facilmente inspeccionáveis em toda a sua extensão e que devem ser tomadas as disposições adequadas para garantir o perfeito escoamento e impedir a acumulação de matérias sólidas depositadas.

O Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, prevê, no artº 89º, um dever de conservação, logo de vigilância, ao estabelecer, no nº 1, que as edificações devem ser objecto de obras a tal destinadas pelo menos uma vez em cada período de oito anos, devendo o proprietário, independentemente desse prazo, realizar todas as obras necessárias à manutenção da sua segurança, salubridade e arranjo estético, enquanto que, no novo artº 100º-A[64], se consagra a responsabilidade civil dos intervenientes nas operações urbanísticas, dispondo que as pessoas jurídicas que violem, com dolo ou negligência, por acção ou omissão, os deveres inerentes ao exercício da actividade a que estejam obrigados por contrato ou por norma legal ou regulamentar aplicável, são responsáveis pelo ressarcimento dos danos causados a terceiros e pelos custos e encargos das medidas específicas de reconstituição da situação que existiria caso a ordem jurídica urbanística não tivesse sido violada.

Presumindo-se, pois, dada a aptidão danosa da coisa quando não vigiada e reparada, conservada ou mantida, que o evento resultou do incumprimento do dever de vigilância, logo de culpa do condomínio, cabia a este e especialmente à 3ª ré seguradora para quem pelo contrato de seguro transferira a sua responsabilidade civil extracontratual, alegar e provar que aquele empreendeu todas as diligências devidas de modo a poder concluir-se que nenhuma omissão censurável na vigília nem, portanto, qualquer culpa houve da sua parte na produção do resultado ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua, pois, como se diz no Acórdão do STJ, de 01-06-2006[65], a propósito do artº 493º, “As expressões "nenhuma" e "todas" significam que o legislador entendeu que podem ser eticamente imputados à culpa do lesante, danos que dela não dependeram inteiramente”.

Nada se provou sobre o acenado anormal excesso de pluviosidade. Tal como se não demonstrou que fosse desconhecida, ou pelo menos, que não pudesse nem devesse ser conhecida pelo condomínio, a existência e localização do tubo e os riscos ao mesmo inerentes (ele descia visivelmente pela parede exterior do prédio, penetrava na fracção através da lage que constituía a sua cobertura e servia de terraço à fracção superior), nem, muito menos, que a quem assim projectou, construiu e alienou o edifício seja imputável a origem do evento danoso e nada pudesse o conjunto dos proprietários fazer para o evitar.[66]

Verificam-se, pois, os pressupostos de ilicitude e de culpa para que, nos termos do artº 493º, nº 1, CC, o condomínio responda extracontratualmente pelos danos causados, e, em seu lugar, contratualmente, a ré seguradora.

É certo, note-se, que nada na sentença recorrida se concretiza quanto à culpa, mas ainda que, como alega a recorrente se trate de lapso e fosse de entender que o tribunal se quis referir – mas erradamente, por inverificação dos inerentes requisitos – ao disposto no artº 492º, do CC, nada nos impede de enveredar por diverso enquadramento jurídico, à luz do artº 5º, nº 3, do CPC.

Improcede, pois, a questão a tal respeito suscitada pela 3ª ré apelante, verificando-se os pressupostos gerais de responsabilidade.

bb) Esgrime, depois, com o argumento de que, a entender-se que existiu responsabilidade do condomínio, sempre a sua está contratualmente excluída por força do artº 6, ponto 7, alínea C), nº 3.

Simplesmente, esquece a apelante que, para tal exclusão ser aplicável, devia alegar e provar os factos integrantes de qualquer das hipóteses ali traçadas.

Não alegou sequer que os danos decorreram de deficiências do projecto ou da construção do imóvel ou de, à data do sinistro, o imóvel se encontrar danificado, defeituoso, desmoronado ou deslocado nas suas fundações e ou com a sua estabilidade e segurança global afectadas.

Quanto à notória falta de manutenção do edifício e suas instalações, limitou-se, como já se assinalou, a impugnar, por desconhecimento, o que, a esse respeito, a autora alegou nos itens 18 e 19, e a alegar que, caso tal se provasse, então estaria verificada tal cláusula de exclusão, o que não sucedeu e mesmo que se provasse nunca tal falta seria notória.

Improcede, pois, também esta questão.

bc) Havendo, pois, responsabilidade da 3ª ré, importa determinar o seu âmbito e, consequentemente, por que danos deve ser condenada.

Relativamente ao valor, à data do sinistro, do equipamento danificado, condenou-a o tribunal recorrido no pagamento de 10.000€.

Para a hipótese de haver, como há, lugar a tal condenação, questiona ela – e questiona apenas – o respectivo quantum, por referência ao do equipamento usado da autora e não da sua reparação, defendendo e aceitando que este, por efeito da alteração que preconizou ao quesito 28º, deve limitar-se a 3.900€.

Provou-se, no entanto, que tal valor era, não aquele, mas o de 6.000€, pelo que, alterando-se assim a sentença, deve ser a 3ª ré condenada a pagá-lo à autora.

bd) Subsequentemente, colocou a 3ª ré apelante a questão de os lucros cessantes e os custos decorrentes da manutenção da actividade da autora integrarem o conceito de “prejuízos de natureza consequencial” e, por isso, estarem contratualmente excluídos, por força do artigo 5º, alínea D), das Condições Gerais da Apólice, a qual prevê que ficam excluídos para todas as coberturas o “Risco coberto, na medida em que constituam prejuízos de natureza consequencial, tais como a perda de lucros ou rendimentos”.

Como tal considerou a sentença recorrida os lucros cessantes e, por eles, irresponsável a seguradora, a qual, como nela se escreve, “apenas indemnizará a A. pelo valor dos equipamentos e pelos montantes despendidos com o pessoal e com a vistoria feita pela F…”, contra isto se insurgindo a apelante, em primeiro lugar, por também estes últimos deverem ser considerados danos de natureza consequencial, portanto, excluídos; e, em segundo lugar, por não encontrar fundamento para aqueles serem determinados até Fevereiro de 2010.

Acontece que, além de, na verdade, tais danos (pagamento do pessoal e despesas com a vistoria) não serem directamente resultantes do facto lesivo antes integrarem o dito conceito, logo estarem excluídos, a autora nem sequer os peticionou, uma vez que, se limitou a mencionar os primeiros (gastos com pessoal) como pressuposto e critério de determinação do dano resultante da privação do equipamento e do gozo das instalações (e não um dano propriamente dito) e os segundos (custo da vistoria feita pela F…) a propósito das diligências realizadas para avaliar o estado do equipamento e orçamentar a sua reparação, nada pedindo.

Com efeito, recorde-se, a autora, peticionou a quantia de 20.000€ correspondente ao valor do seu equipamento danificado; a quantia de 400,00€ por cada mês pelo dano que ela própria apelida de “consequente” (item 57 da pi) da privação do equipamento (sendo de 10.800,00€ o valor liquidado e o restante a liquidar) e 30.000€ pela privação das instalações.

Inexiste, portanto, fundamento fáctico e legal para a condenação da 3º ré seguradora a pagar à autora os custos com pessoal (por si nem sequer constituintes de um dano) e a despesa com a vistoria (exigida pela autora), não se compreendendo de resto com que critério foram aqueles fixados até Fevereiro de 2010, quando é certo que, depois disso, a autora manteve uma empregada.

Nesta parte, procede a apelação da 3ª ré.

be) Rebela-se esta também contra a sua condenação pela mora na reparação dos equipamentos.

Sucede que foi com base nessa circunstância que a autora peticionou indemnização pela privação deles, a qual não deixa de ser um dano consequencial, como de resto se considerou na sentença em relação a “todos os demais” não qualificados de emergentes, e, como nela se diz, excluídos.

Porém, referindo que os “lucros cessantes, correspondentes ao período em que a A. esteve impedida de exercer a sua actividade assumem aqui uma especialidade”, pois “A demora na reparação das instalações não é imputável ao R. Administração do Condomínio” por este ter feito a participação à seguradora, nem, pela mesma razão, “A reparação/substituição dos equipamentos”, o tribunal a quo considerou verificada “uma situação de mora causadora de prejuízos para a A.”, por ela julgou responsável a ré «E…» e assim a condenou, invocando o regime dos artºs 804º e 805º, do CC, no valor de 7.500€, nada referindo quanto ao a tal propósito alegado e peticionado (dano pela privação calculado pela autora em 400€/mês) “Por não ser possível quantificar esses valores, tendo em conta a equidade prevista no artº 566º, nº 3, do Cód. Civil, e ponderando o valor da facturação da A., ao longo da sua existência, a crise que assolou o mercado e que a indemnização hoje em dia é também vista como indemnização-sanção”.

Sucede que não está provada factualidade alguma integrante de mora imputável à ré. Tal não se coloca (a autora nada questiona acerca disso) sequer quanto à reparação da fracção. Ela diligenciou de imediato pela realização da peritagem e orçamentação. Apresentou as suas conclusões. A autora não concordou em relação aos equipamentos. Exigiu que estes fossem examinados pela F…. Nisso, livre e voluntariamente, acordaram ambas as partes. Só tardiamente a autora e após insistência da ré seguradora enviou a esta o resultado do parecer da F…. Persistiu a autora em ser indemnizada por um valor próximo do peticionado (20.000€) e muito díspar do provado quanto ao do equipamento (6.000€), justamente inaceitável pela ré, não aceitando que ele fosse reparado. Ainda assim, a ré propôs-se pagar-lhe o valor da reparação calculado pela “G…”, emitindo o respectivo recibo, que a autora recusou, sem razão justificativa, até que enveredou por esta acção.

Não se vê, pois, que haja culpa da 3ª ré seguradora pela demora na reparação dos equipamentos, nem pelo pagamento do seu valor, opção que, entretanto, permaneceu controversa.

De resto, não se provam factos consubstanciadores dos danos consequentes, tal como alegados e peticionados, integráveis nos alegadamente decorrentes da privação do equipamento, designadamente que a autora, por causa disso, tivesse ficado impossibilitada de trabalhar e produzir, paralisada, que tivesse perdido quaisquer encomendas, portanto, que tivesse sofrido prejuízos. Inexistem critérios seguros para, ainda que por equidade, fixar qualquer indemnização a tal título, tanto mais que o valor da facturação de que o tribunal a quo lança mão nem sequer resultou provado (respostas negativas aos quesitos 43 e 44)!

De resto, o valor fixado a título de mora, em face dos critérios invocados, foi duplamente avaliado a propósito da condenação dos 2ºs réus senhorios.

Procede, pois, também, nesta parte a apelação, importando alterar a sentença em conformidade, salvo quanto ao ponto 3.3 – absolvição total do réu condomínio – que não foi impugnada e, por isso, está transitada em julgado.

V. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar, conforme exposto, procedentes a apelação dos segundos réus C… e esposa e, em parte, a da terceira ré «E…» e, em consequência, alterando a sentença recorrida, julgam procedentes a acção em parte e a reconvenção totalmente, pelo que, alterando os pontos 3.1, 3.2 e 3.4 e mantendo o ponto 3.3., da respectiva decisão:

a) Condenam a ré «E…-Companhia de Seguros, SA» a pagar à autora «B…, Ldª», a título de indemnização pelos equipamentos danificados, a quantia de 6.000,00€ (seis mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação, até ao cumprimento.
b) Condenam a autora «B…, Ldª» a pagar aos réus C… e esposa D…, a título de rendas e indemnização, a quantia de 4.950,00€ (quatro mil novecentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação deste pedido reconvencional.
c) Absolvem a ré «E…-Companhia de Seguros, SA» da parte restante do pedido contra ela formulado pela autora.
d) Absolvem os réus C… e esposa D… do pedido contra eles formulado pela autora.
e) Condenam nas custas, em 1ª instância, da acção, a autora e a ré seguradora, na proporção de 90% e 10%, respectivamente, e, da reconvenção, a autora, na totalidade; e, nesta instância, nas da apelação dos 2ºs réus, a autora apelada, e, nas da apelação da 3ª ré, esta e a autora apelada, na proporção de metade cada.
*
Notifique.

Porto, 22-01-2015
José Amaral
Teles de Menezes
Mário Fernandes
__________
[1] Em 10-04-2012, no 3º Juízo da ex-Comarca de São João da Madeira.
[2] Como foi aflorado na audiência e melhor se esclarece na Wikipédia, trata-se de uma impressora destinada a imprimir desenhos em grandes dimensões, com elevada qualidade e rigor, como por exemplo mapas cartográficos, projectos de engenharia e grafismo.
[3] Dada a sua extensão e prolixidade, retirámos as partes sem cabimento nelas.
[4] De que, igualmente, cortámos parcelas desnecessárias.
[5] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, página 124.
[6] Acrescento este que não constitui um verdadeiro requisito novo, pois a indicação do sentido da alteração já tinha de, inevitavelmente, resultar, ou pelo menos inequivocamente deduzir-se dos obrigatórios fundamentos a alegar e da alteração pretendida a indicar.
[7] “Na impugnação da matéria de facto, o recorrente além de aduzir um discurso argumentativo onde elenque, desde logo, as provas, deve, em seguida, produzir uma análise crítica das mesmas, pois que, verdadeiramente, só se coloca uma questão se se elaborar uma argumentação que se oponha à argumentação produzida, colocando, então, o tribunal de recurso perante uma questão a resolver” – Acórdão da Relação do Porto, de 12-05-2014 (Desemb. Manuel Domingos Fernandes).
[8] “Uma manifestação genérica de inconformismo contra a generalidade da decisão da matéria de facto, sem uma concretização mínima da matéria que os recorrentes consideram incorrectamente julgada, não observa o ónus prescrito na alínea a), do nº 1, do artº 640º, do CPC” – Acórdão da Relação do Porto, de 19-05-2014 (Desemb. Carlos Gil).
[9] Acórdão da Relação do Porto, de 17-03-2014 (Desemb. Alberto Ruço).
[10] Na fundamentação, o tribunal a quo menciona o rol das testemunhas, indica a matéria a que foram instadas, exara a sua perspectiva sobre as ligações com as partes e fontes de conhecimento do caso, a conclusão colhida sobre o seu carácter, atitude e credibilidade, o entendimento genérico tomado quanto ao resultado de cada depoimento, afirmando ter sido valorada e conjugada toda a prova pessoal e documental, mas recorrendo a expressões tabelares e sem apresentar, em termos explícitos, concretos e substanciais, o percurso crítico da apreciação feita a uma e outra e à forma como empreendeu a sua conjugação, o peso que lhe atribuiu na formação da convicção e o modo como daquela passou à decisão e resposta aos factos questionados – no que virão a notar-se algumas incongruências, que a seu tempo se referirão, e de que é exemplo o caso do quesito 8, dito como confessado pelo réu C… no seu depoimento (não assente na acta) mas, apesar disso, respondido como não provado, aliás em linha com o testemunho claro do anterior inquilino U….
[11] Mais precisamente fls. 18 e 19. Trata-se das Condições Particulares, das quais consta que o contrato garante, além do mais, os riscos de “cobertura base” referida no artigo 3 das Condições Gerais, do edifício e fracções, responsabilidade civil extracontratual como proprietário, danos em canalizações. Nos danos por água, conforme artº 6º, nº 4, abrangem-se danos nos bens seguros consequentes a ruptura, defeito, entupimento ou simples transbordamento da rede interior de distribuição de água e esgotos do edifício (incluindo nestes os sistemas de esgoto de águas pluviais).
[12] As Condições Gerais constam de fls. 236 a 247, destacando-se que: no artigo 1º, definem-se como segurados os condóminos, enquanto titulares do edifício e das fracções; como imóvel o todo constituído pelas fracções do prédio objecto do contrato e instalações fixas, tais como as de água; como terceiro, todo aquele que, em consequência de um sinistro coberto pela apólice sofra uma lesão que origine danos susceptíveis de, nos termos da lei civil e do contrato, serem reparados ou indemnizados. No artº 2º, prevê-se como incluída a responsabilidade civil extracontratual dos proprietários. No artº 3º, discriminam-se como cobertos os danos por inundações, água e em canalizações.
[13] Conforme artº 6º-7-B) “Por Terceiros entendem-se as pessoas identificadas no artº 1º que, em consequência de um sinistro coberto pelo presente contrato, sofram prejuízos susceptíveis de serem reparados ou indemnizados e, ainda, os Condóminos ou Ocupantes do imóvel seguro quando vítimas de sinistro ocorrido fora da sua habitação.”
[14] Para cujo cômputo alegou, tão só, que esse equipamento era diariamente imprescindível na sua actividade e estava a ser utilizado na digitalização de projectos em arquivo, tarefa que ficou por concluir, e que para terminar trabalhos pendentes teve de se socorrer de equipamento de outros arquitectos (o que não se provou).
[15] Cuja liquidação equitativa fundamentou apenas alegando ter pago, entretanto, as rendas até Julho de 2010, os salários e descontos para a SS de duas funcionários até Fevereiro de 2010 e, a partir daí, de uma, e só ter facturado pelos serviços prestados 910,00€ quando, desde a sua constituição, facturava uma média mensal de 57.378,72€ (facto este não provado).
[16] Sem reparar que estes dois últimos não foram autonomamente peticionados e que os gastos com pessoal só foram alegados como elemento ou critério pretensamente demonstrativo do dano sofrido pela privação das instalações.
[17] Valor de facturação que o próprio tribunal considerou “não provado” na resposta aos quesitos 43º e 44º!
[18] A reconvenção, quanto ao pedido de pagamento das rendas formulado pelos 2ºs réus contra a autora, foi julgada improcedente.
[19] Com efeito, por um lado, está em jogo a derivada do alegado incumprimento do contrato de arrendamento, na medida em que a autora imputa aos réus locadores os danos sofridos em consequência da demora por sua culpa na reparação da fracção, considerando que tal era obrigação deles derivada do negócio a que se vincularam e prevista na lei, de modo a assegurar-lhe o gozo da coisa locada; por outro, a decorrente do facto ilícito de, por culpa da ré administração do condomínio e por causa da anomalia ocorrida na coisa comum (o tubo), ter sido violado o seu direito à fruição do bem por si locado (a fracção) e dos equipamentos de sua propriedade nele existentes ao serviço da sua actividade, em consequência dos estragos provocados naquela e nestes e respectivos prejuízos.
[20] Fora do âmbito do recurso fica, assim, a hipótese de, na indemnização pelos danos da privação da fracção, a verificarem-se, vir a ser eventualmente responsabilizada e condenada a 3ª ré seguradora, como de início a autora pediu para o caso de eles se considerarem abrangidos pela apólice, uma vez que esta se conformou com a condenação dos 2ºs réus quanto a eles com o fundamento na locação e, face ao recurso destes, nenhuma posição tomou neste sede.
[21] Cfr. “Arrendamento Urbano”, de Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e J. Caldeira Jorge, Quid Juris, 2009, pgs. 182 e 183.
[22] Acórdão da RL de 18-05-2006 (Desemb. Ana Luísa Geraldes).
[23] Cfr. Acórdão do STJ, de 28-05-2003 (Consº Reis Figueira), em cujo sumário e a propósito de norma similar do então RAU se entendeu que “não pode ter o sentido de obrigar o senhorio de fracção autónoma arrendada a fazer obras de conservação ordinária em partes comuns do prédio, porque isso iria conflituar com o que se estabelece no artº 1424º do CC para a propriedade horizontal”, pois esse dever “cabe apenas ao senhorio se a sua necessidade se situa na própria fracção, porque se se localiza em parte comum, o senhorio não pode ser obrigado a fazer obras, nem as pode fazer.”
[24] Manuel Henrique Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, Almedina, Colecção Teses, 1997, páginas 319 e 320.
[25] Ob. citada, página 135 e nota 12.
[26] Ob. citada, páginas 131 e seguintes, maxime 136.
[27] Ob. cit., páginas 148 a 159 e nota 48.
[28] Ob. e loc. página 144, nota 27.
[29] Código Civil Anotado, II, 3ª edição, página 391.
[30] Processo 07B4809, relatado pelo Consº Pereira da Silva.
[31] Cfr. notas 9 e 10.
[32] Demanda directa que os nºs 2 e 3, do artº 140º, da Lei nº 72/2008, de 16 de Abril, prevêem.
[33] De resto, não sendo imputável aos senhorios a impossibilidade temporária de estes assegurarem a sua prestação, não respondem eles pela mora, nos termos do artº 792º, nº 1, do CC.
[34] A ter sido assim, não se percebe por que alegou a autora (item 64 da pi) que foram os 2ºs réus senhorios a entregar-lha já reparada em Junho de 2011…
[35] P. Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, volume I, 4ª edição, páginas 405 a 407.
[36] Só minoritariamente entendida como susceptível de conhecimento oficioso. Cfr. Acórdão do STJ, de 16-03-2010, relatado pelo Consº Alves Velho; Nuno Oliveira, “Princípios de Direito dos Contratos”, páginas 802 e sgs., Calvão da Silva, “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, página 334, José João Abrantes, “A Excepção de não Cumprimento do Contrato…”, páginas 148 e ss., e J. Lebre de Freitas , in “CPC, Anotado”, volume 2º, página 314.
[37] Um misto de propriedade singular e de propriedade mas precisamente em comunhão, como ensinava Orlando de Carvalho, in Direito das Coisas, Coimbra, 1977, página 367.
[38] Neste sentido, cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 09-05-2007 (Desemb. Vieira e Cunha).
[39] Ao passo que a seguradora, apesar de invocar a cláusula do contrato de seguro segundo a qual ficam excluídas do âmbito de cobertura as indemnizações destinadas a ressarcir danos decorrentes de “notória falta de manutenção do edifício e suas instalações”, não alegou – como lhe cabia fazer – a factualidade porventura integrante de tal excepção peremptória, limitando-se a dizer que se se provar a pela autora alegada a tal respeito nos citados itens 18 e 19, estará excluída a sua obrigação de indemnizar e não se coibindo mesmo de (como se vê no nº 3 da sua contestação) impugnar expressamente (ainda que por desconhecimento) a matéria dos mesmos dois itens 18 e 19.
[40] A prevenção dos danos susceptíveis de serem causados pelo simples perigo de ruína está contemplada no artº 1350º, CC., com este regime se harmonizando o de responsabilidade por danos. O artº 1346º proíbe ao proprietário um conjunto de actos na medida em que eles importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel vizinho ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam, tal como o artº 1347º veda a construção ou manutenção no prédio de quaisquer obras ou instalações se for de recear que possam ter sobre o prédio vizinho efeitos nocivos não permitidos por lei, mesmo quando licenciadas e desde que o prejuízo se torne efectivo, sendo devida em qualquer dos casos indemnização por este.
[41] Código Civil Anotado, volume I, 4ª edição revista, página 493. Também no Acórdão do STJ, de 16-06-2009 (Salazar Casanova) se entendeu que o disposto no artº 492º, nº 1, CC, se aplica apenas a «edifício» ou «obra».
[42] Das Obrigações em Geral, volume I, 4ª edição, Almedina, página 518, nota 1.
[43] Obrigações Reais e Ónus Reais, obra já antes mencionada, página 10.
[44] A propósito de cuja norma, da do artº 1347º (instalações prejudiciais) e do citado artº 492º (danos causados por edifícios ou outras obras) cita, na nota 17, página 19, o entendimento de Antunes Varela expresso na RLJ, nº 114º, pgs. 177 e seguintes, segundo o qual “constituem mera afloração de um princípio geral aplicável a todas as situações de perigo – princípio esse que impõe ao proprietário a obrigação de agir, tomando as medidas adequadas a prevenir quaisquer danos que de tais situações possam advir para terceiros (dever de prevenção do perigo).”
[45] Ob. cit., páginas 11, 19, 22 e 100. Como expressamente reconhece, na página 272, “a obrigação propter rem não pressupõe necessariamente um conflito de direitos reais ou entre contitulares do mesmo direito real”, pois, “fora deste domínio, deparam-se-nos inúmeras situações em que o titular de um ius in re é obrigado, nessa qualidade, a prestações de conteúdo positivo, não havendo qualquer razão para excluir estes casos do conceito de obrigação propter rem.”
[46] Ob. cit., páginas 104 a 113.
[47] Obrigações Reais e Ónus Reais, citada, página 273, nota 16.
[48] Sobre a origem, sentido e fins das presunções de culpa, bem como a sua inserção no sistema de responsabilidade civil (subjectiva e objectiva), cfr. Acórdão do STJ de 30-09-2014, abaixo indicado.
[49] Relator: Consº Nuno Cameira.
[50] Relatora: Rosa Ribeiro Coelho.
[51] P. Lima e A. Varela, in Código Civil Anotado, Vol. II, 4ª edição, pág. 495, e Manuel Henrique Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, págs. 102-104.
[52] Colectânea de Jurisprudência, 1993, Tomo III, pág. 201,
[53] Relator: Desemb. Marques de Castilho.
[54] Sobre a matéria, cfr. M. J. de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª edição, Almedina, páginas 472 e 473 (e obras aí indicadas).
[55] Relator: Salazar Casanova.
[56] Relatora: Maria Clara Sottomayor.
[57] Relator: Silva Salazar.
[58] No mesmo sentido, o já atrás citado Acórdão da RL de 18-05-2006 (Desemb. Ana Luísa Geraldes) e o do mesmo Tribunal de 29-01-2004 (Desemb. Granja da Fonseca).
[59] Manuel Henrique Mesquita, ob. cit., página 175.
[60] Como se diz no Acórdão da RP, de 07-02-2006 (Desemb. Marques de Castilho), o artº 492º, aplica-se, apenas, a vícios de construção ou defeito de conservação. Além disso, o conceito de «ruína» refere-se a «desmoronamento» (artº 1350º, CC) ou «queda» (na expressão de Antunes Varela), ou, ainda, a «desabamento» (como se diz no Acórdão do STJ, de 07-10-2014, relatado pelo Consº Silva Salazar) não propriamente a outras ocorrências que se supõem poderem ocorrer na tubagem condutora de águas pluviais. Por isso, a alegação e prova da «obra», sua «ruína» e do «vício» ou «defeito» causadores competem ao lesado (Ac. STJ, de 17-03-1977, in BMJ 265-223, de 28-4-1977, in BMJ 266-161 e da RL, de 6/6/1983, na CJ, 1983, III, página 143).
[61] Relator: Desemb. Cunha Barbosa.
[62] No mais recente Acórdão do STJ, de 07-10-2014 (relator: Consº Silva Salazar), depois de se observar que, entre outras normas, os artigos 492º e 493º, do CC, são projecções legais de um dever genérico de prevenção do perigo, ainda que não consagrado expressamente na lei, decidiu-se como aplicável o último num caso em que ocorreu inundação de uma fracção autónoma motivada pela ruptura de um terminal de conduta de água de climatização, noutra fracção, uma vez que o respectivo proprietário tinha em seu poder o toalheiro e tubagens naquela existentes e, por isso, o dever de vigiar tal conjunto de forma a, em atenção ao referido dever genérico, tomar as necessárias medidas tendentes a evitar qualquer risco de ocorrência de algum sinistro.
[63] Relator: Consº Santos Bernardino.
[64] Aditado pelo recente Decreto-Lei n.º 136/2014, de 09 de Setembro.
[65] Relator: Consº Bettencourt Faria.
[66] Tratando-se, indiscutivelmente, de coisa comum (artº 1421º, nº 1, alínea d), do CC), e prevalecendo nas relações entre condomínio e condóminos as regras gerais (artº 1422º, nº 1), na transferência da propriedade das coisas comuns do dono e construtor para o condomínio, corre por conta deste, nos termos do artº 796º, nº 1, o risco de perecimento ou deterioração da coisa por causa não imputável àquele.
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Sumário:
I)O proprietário/locador de fracção autónoma de prédio constituído no regime de propriedade horizontal não responde perante o seu locatário pelas consequências danosas decorrentes da demora na reparação dos estragos nela causados pela água caída de um tubo condutor das águas pluviais dos terraços, cuja «curva» se soltou, e que é coisa comum.
II)Não lhe sendo o evento e suas consequências imputáveis a qualquer título, não há incumprimento da obrigação, decorrente do contrato de arrendamento, de aquele assegurar a este o gozo da coisa arrendada para os fins a que se destina.
III)Compete ao locatário lesado defender os seus direitos directamente contra o terceiro lesante (condomínio), nomeadamente exigir-lhe a indemnização pelos prejuízos sofridos.
IV)Por isso, não pode ele invocar perante o locador, para se eximir à obrigação de pagamento das rendas enquanto a fracção estiver por reparar, a excepção de não cumprimento, maxime se este se inteirou que o sinistro estava coberto pela apólice de seguro contratado pelo condomínio e que o administrador logo efectuou a participação.
V)Tal como, na propriedade horizontal, o proprietário da cada fracção autónoma – enquanto titular de um direito real (absoluto) e com fundamento no estatuto deste, pode exigir (pretensão real) de qualquer terceiro, como tal se considerando o próprio condomínio, enquanto conjunto dos titulares agrupados do direito de propriedade sobre as partes comuns e, por isso, sujeito passivo, independente de qualquer actuação culposa, de um dever (obrigação propter rem ou ob rem) de manutenção, conservação e reparação dessas partes comuns – que este lhe assegure continuamente a intangibilidade da fracção e se abstenha de a lesar, também o respectivo locatário, enquanto titular de um direito de natureza e com regime mistos ou dualistas que o aproximam do ius in re, pode exercer idêntica pretensão contra o condomínio terceiro, como entidade colectiva sobre a qual impende obrigação similar.
VI)Sem embargo, no caso de a pretensão, do proprietário ou do locatário da fracção autónoma, ter por objecto a indemnização por danos sofridos com origem em coisa comum e devidos à omissão do referido dever, tal obrigação não prescinde dos requisitos da responsabilidade civil, designadamente o da culpa, ainda que presumida.
VII)A Jurisprudência mostra preocupação de assegurar a ressarcibilidade dos danos ainda que se desconheça a origem exacta do evento (vício da coisa, falta de cuidado na manutenção) e se não possa fazer a sua efectiva imputação ao responsável, generalizando o conceito de perigosidade e o consequente dever de vigilância e, consequentemente, reduzindo as hipóteses de afastamento da presunção de culpa.
VIII)Admite-se uma modalidade especial de responsabilidade delitual (um tertium genus entre a responsabilidade subjectiva e a responsabilidade objectiva) a que se associa um acrescido rigor e exigência na interpretação e aplicação dos requisitos necessários para ilidir aquela presunção, que o aproxima da responsabilidade pelo risco decorrente do dever geral de prevenção do perigo ou dos deveres de segurança no tráfego em que se insere o dever de vigilância da coisa e que impendem sobre o dominus, facilitando a reparação em detrimento da sanção.
IX)Deve o detentor da coisa – no caso, o condomínio, em particular o administrador a quem cabe, nos termos do artº 1436º, alínea f), realizar os actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns – informar-se e conhecer todas as circunstâncias relativas ao projecto e às condições em que foi e se encontra edificado o prédio (verificando as plantas das redes, sua regularidade técnico-legal, perfeita e normal funcionalidade), de modo a cabalmente sobre todas as partes comuns exercer profícua, constante e eficaz vigilância, de modo a prevenir a consumação de todas as ocorrências potenciadas pelos riscos imanentes e a evitar prejuízos que a terceiros elas podem causar.
X)Presumindo-se que o evento resultou do incumprimento do dever de vigilância, logo de culpa do condomínio, cabia a este e especialmente à ré seguradora, para quem pelo contrato de seguro transferira a sua responsabilidade civil extracontratual, alegar e provar que aquele empreendeu todas as diligências devidas de modo a convencer que nenhuma omissão censurável na vigília nem, portanto, qualquer culpa houve da sua parte na produção do resultado lesivo ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.

José Amaral