Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
130850/12.2YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDO SAMÕES
Descritores: COMPRA E VENDA
RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
ERRO-VÍCIO
ERRO SOBRE O OBJECTO
VENDA DE COISA DEFEITUOSA
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO OU INEXACTO DA PRESTAÇÃO
Nº do Documento: RP20141125130850/12.2YIPRT.P1
Data do Acordão: 11/25/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A reapreciação da prova pela Relação tem a mesma amplitude dos poderes da 1.ª instância e visa garantir um segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto impugnada, sendo de alterar sempre que não se mostre apreciada em conformidade com os princípios e as regras do direito probatório.
II - A responsabilidade pré-contratual radica na tutela da confiança e pressupõe que as partes tenham um comportamento leal e honesto, segundo as regras da boa fé, apreciada objectivamente.
III - A eficácia anulatória do erro-vício depende da demonstração, pelo declarante, do seu conhecimento, por parte do declaratário, ou do dever de este não ignorar a essencialidade do motivo sobre que recaiu o erro do declarante.
IV - O erro sobre o objecto não se confunde com os vícios que afectem uma determinada coisa, por lhe corresponderem regimes especiais.
V - Não existe erro sobre o objecto quando o comprador, conhecedor das características da prótese que adquiriu, emite a respectiva declaração negocial, independentemente das limitações e do esforço que a sua utilização veio a implicar.
VI - O regime específico da venda de coisa defeituosa confere ao comprador o direito de exigir do vendedor a reparação dela ou a sua substituição, os direitos de anulação do contrato e de redução do preço e, ainda, o de resolução e o direito à indemnização do interesse contratual negativo, sem qualquer precedência.
VII - Para além destes direitos, o comprador goza do direito de indemnização nos termos gerais da responsabilidade civil pelo interesse contratual positivo decorrente do cumprimento defeituoso ou inexacto da prestação.
VIII - Inexiste qualquer desses direitos quando o comprador não prova a existência de defeitos ou não faz atempadamente a sua denúncia.
IX - A falta de prova de erro sobre o objecto ou de fundamento para a resolução do contrato de compra e venda, por parte do comprador, jamais permite a este recusar o cumprimento da sua obrigação de pagar o preço devido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 130850/12.2YIPRT.P1

Relator: Fernando Samões
1.º Adjunto: Dr. Vieira e Cunha
2.º Adjunto: Dr.ª Maria Eiró
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto – 2.ª Secção:

I. Relatório

B…, com sede na …, …, Vila Nova de Gaia, requereu, em 7/8/2012, procedimento de injunção contra C…, residente na Rua …, n.º .., …, Paços de Ferreira, peticionando o pagamento da quantia de 8.451,92 €, correspondente ao capital de 8.100,47€, juros de mora vencidos no montante de 249,45 € e taxa de justiça paga no valor de 102,00 €.
Fundamenta tal pretensão num contrato de compra e venda, celebrado em 31/10/2011, de uma prótese eléctrica para o membro superior esquerdo, transumeral, com colocação de mão eléctrica, cotovelo eléctrico, sistema de suspensão por tirantes e luva cosmética pelo valor total de 27.000,47€, conforme factura n.º 1100277 que emitiu nessa data, mas que o requerido não pagou na totalidade, faltando pagar 8.100,47€, não obstante as interpelações efectuadas.

O requerido deduziu oposição, excepcionando a anulação do negócio por erro sobre o objecto, em face da ausência das características anunciadas da coisa vendida e da essencialidade das mesmas, e, subsidiariamente, a resolução do contrato, com fundamento nos defeitos do bem vendido. Deduziu, ainda, reconvenção, com base nas alegadas faltas de funcionalidades da prótese e da frustração das expectativas criadas, invocando culpa da requerente na formação do contrato. Concluiu pela improcedência da acção e pedindo que o autor/reconvindo seja condenado a pagar-lhe a quantia de 10.001,94 €.

Apresentados os autos à distribuição e distribuídos como acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, prevista no DL n.º 269/98, de 1/9, ao 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Paços de Ferreira[1], foi rejeitada a reconvenção, por despacho de 19/12/2012, e, após pedidos de informação e a realização de exame ao requerido, teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova nela produzida, que decorreu nos dias 20 de Fevereiro, 13 e 17 de Março e 4 de Abril de 2014.
Por fim, em 12/5/2014, foi proferida sentença que decidiu julgar a acção improcedente por não provada e, em consequência, absolver o réu do pedido.

Inconformado com essa sentença, o autor interpôs recurso para este Tribunal e apresentou a sua alegação com as seguintes conclusões:
“1ª) Deve ser alterado o ponto 10 dos factos provados com a eliminação das expressões “designadamente” e o “entre outras” por não traduzirem factos concretos, mas alegações conclusivas que não podem ser elencadas como factualidade provada, importando assim a nulidade parcial da resposta dada, nessas expressões que devem assim ser havidas por não escritas e consequentemente suprimidas;
2ª) Deve ainda ser eliminado o segmento “de acordo com a opinião dos técnicos da Requerente” no ponto 10 da matéria de facto provada, de um lado por nenhum meio de prova ter sido produzido nesse sentido, e por outro resultar claro da prova produzida que o R. criou as suas espectativas acerca deste tipo de prótese que lhe foi fornecida, já antes de contactar a autora, que não procurou esta para obter qualquer aconselhamento ou prescrição, mas tão só para que lhe fosse fornecida a prótese que encomendou e que os funcionários da autora que contactaram com o réu sobre este assunto o advertiram que a maior ou menor adaptação à prótese variava de pessoa para pessoa e dependia em muito de intenso e prolongado treino;
3ª) Os meios de prova que sustentam a conclusão anterior são o depoimento da testemunha D…, técnica protésica que prestou depoimento na sessão de 13/3/2014, nas passagens do seu depoimento acima transcritas e/ou referenciadas (passagem de 01:20 a 01:42; passagem de 04:00 a 04:50; passagem de 06:45 a 07:13;passagem de 07:13 a 08:33) e da testemunha E…, que prestou depoimento na sessão de 17/3/2014 (passagem ao minuto 13:30; passagem de 04:34 em diante; passagem de 05:58 a 06:28; passagem de 15:25 a 18:10; passagem de 22:35 a 23:00);
4ª) Tais depoimentos, das duas pessoas que estiveram com o autor na dita “consulta” são até confirmados pelas declarações do autor “Disseram-lhe que tinha condições para a prótese. Que a mão tinha essas funções e que era preciso muito treino para delas beneficiar.
Porque seriam duas articulações, donde não era como se fosse só uma mão.” e da namorada do mesmo testemunha F… em “Decidiu comprar aquela prótese porque acreditava que ia fazer quase tudo. Falava em comer de faca e garfo. Acreditava que ia fazer tudo como um membro natural. Escrever no computador. Segurar as folhas. Voltar a trabalhar. Todos acreditavam. (tudo nas declarações registadas na fundamentação a fls.222 a
224);
5ª) Deve ser alterado o ponto 12 dos factos dado como provados com a eliminação do segmento “Pela razão referida em 10.” desde logo, por não corresponder sequer ao que vem alegado em 23º e 24º da oposição do requerente, alegação de onde resulta este ponto, sendo nula a decisão que conhece de factos que as partes não nos termos do disposto no art.º 615.º n.º 1 alínea d), atento ainda o disposto no art.º 5.º n.º 1, todos do NCPCiv dado não ter ocorrido nenhuma das situações referidas no número 2 deste último;
6ª) Além disso, a resposta é ainda incorrecta dado que supunha a relação com outros factos alegados e que resultaram não provados (que lhe teriam assegurado que permitiria “escrever, manusear o rato e o teclado do computador”), pelo que está subvertida a relação para algo que foi alegado num conjunto que em parte resultou não provado, para além ainda da própria alteração acima proposta para o ponto 10. Determinar que esta remissão para esse ponto fique prejudicada, devendo assim ser eliminado o segmento referido na conclusão anterior;
7ª) Deve ser eliminado o ponto 13 dos factos provados (há lapso material ao referir 11. já que no ponto 11. não se referem quaisquer movimentos concretos, mas sim no ponto 10.), antes de mais dado não estarmos perante um facto, mas de uma conjectura que parte de factos que não resultam provados quando se afirma “Se o Réu soubesse que não lhe seria possível realizar os movimentos referidos em 11. teria adquirido uma prótese muito mais económica.”
8ª) Além disso, nem sequer se provou que o R. não conseguisse ou não pudesse vir a conseguir efectuar os movimentos referidos em 10., que em concreto são apenas os de “deslocar objectos, levar objectos e alimentos à boca e segurar folhas de papel”;
9ª) Por último, três depoimentos claramente elucidativos da necessidade prolongado e específico treino para ir adquirindo as potencialidades da prótese - depoimento das testemunha D…, técnica protésica que prestou depoimento na sessão de 13/3/2014, nas passagens do seu depoimento acima transcritas e/ou referenciadas (passagem de 09:20 a 11:55) e da testemunha E…, que prestou depoimento na sessão de 17/3/2014 (passagem ao minuto 21:00 a 22:30) e da perita Dra. G…, no seu depoimento prestado na sessão de 20/2/2014 (passagem 12;56) e relatório pericial de fls.109 e ofícios de fls79 e 94 que atestam as potencialidades da prótese e a necessidade de treino para as alcançar, que a carta de fls.165 pela data (4/11/2011) em relação à obtenção da prótese, evidencia a precipitação do R., impondo-se a eliminação deste ponto;
10ª) Deve ser eliminado no ponto 14 dos factos provados a expressão “colocou” pois não resulta de nenhum meio de prova que a A. se tenha cobrado por colocar ao R. uma prótese e, como se constata da foto de fls.149 junta pelo próprio réu, a prótese em causa, como a generalidade delas (e a totalidade das que a A. fornece), é amovível pois o próprio adquirente a coloca e retira como se infere das fls.146 a 154;
11ª) Deve ser alterado o ponto 17 dos factos dados como provados para “Em Junho de 2011, foi entregue e colocada pela Autora a referida prótese ao Réu” com fundamento na constatação de que a prótese foi na verdade entregue ao A. em junho de 2011 e não em Agosto, o que se alcança com base no depoimento do técnico que a executou e entregou ao A. em Junho
- Depoimento da testemunha H…, que prestou depoimento na sessão de 17/3/2014, passagens de 12:42 a 13:50 e 13:50 a 14:15;
12ª) Tal prova é ainda confirmada pelos depoimentos do Pai do réu – I… resumido nos registos da motivação a fls.221 “colocou a prótese em Junho de 2011” e do próprio réu a fls.223 “entre Junho e Agosto faltava entregar a luva”;
13ª) Deve ser eliminado do ponto de facto provado nº 18 o segmento incorrectamente sugestivo “encontrada pela Autora para o Réu”, já que porque não havendo outra possibilidade neste tipo de próteses não foi a solução encontrada, mas a solução existente, eliminando-se a sugestão incorrecta de que teria sido uma solução opcional encontrada pela A. para o réu de várias possíveis e alterando-se a redacção para “O encaixe possível em função das características do coto que o réu apresentava, foi o sistema de suspensão por tirantes, os quais constituem o sistema de controlo da prótese, controlando a tração que seria o mesmo numa prótese mecânica.”;
14ª) De resto, isso decorre dos depoimentos da Dra. G…, perita do J… no seu depoimento prestado na sessão de 20/2/2014 passagens de 10:00 a 11:12 e de 05:19 a 08:58, da testemunha D…, na sessão de 13/3/2014, na passagem de 14:30 a 14:50 e 27:50 a 28:30 e de Dra. E…, na sessão de 17/3/2014 (passagem de 09:58 a 11:10) e o relatório pericial de fls.109 onde se lê reportado a 18/7/2013 que “nesta data o encaixe está adaptado ao coto do utente e permite o suporte necessário e adequado à prótese” e conclui afirmando, inequivocamente, que “não existem outras soluções técnicas para a suspensão deste tipo de prótese em função das características do coto”;
15ª) Deve ser eliminado dos factos o ponto 21 dos factos dados como provados quer por o que se afirma não ter o menor assento na prova produzida, quer porque não é sequer coincidente com a alegação do próprio réu (cfr. arts. 28º e 29º da oposição onde em momento algum refere que não consegue “realizar certos movimentos com a luva”);
16ª) Em sentido contrário veio mesmo a resultar provado pelo relatório pericial do J… de fls.79 onde o referido J… alude à potencialidade da prótese fornecida ao réu para a realização das várias tarefas aí descritas incluindo “deslocar e manuseio de objectos, dependendo do seu volume e peso”, mas alertando que as potencialidades dependem sempre de vários factores em especial de “treino funcional com a prótese de forma a obter a maior eficácia e segurança no seu manuseio.”;
17ª) E, como confessa o próprio réu nas suas declarações que a Mmª Juiz a quo sumariou a fls.224, foi advertido pelos técnicos da autora que “no seu caso sempre foi alertado de que teria que teria de treinar muito. O suficiente para conseguir.”, não existindo a menor prova nos autos que o A. tenha efectuado no Hospital de Guimarães ou em qualquer outro lugar, treino de adaptação à prótese, o local, a duração e as actividades visadas, pois o R. não juntou um único documento a tal respeito, nem arrolou e produziu depoimento de algum médico ou técnico que confirmasse ter-lhe efectuado esse treino, de que modo e por quanto tempo, impondo-se que a ausência de prova determinasse o “não provado” da alegação, alteração que se requer agora ao Tribunal ad quem; 18ª) Além disso, os depoimentos das testemunhas D…, (passagem a partir de 09:20) e Dra. E…, (passagem de 21:00 a 22,30) quanto “necessidade de treino individualizado e específico e que o alcance e desempenho além de variar dependia de muito treino” confirmado pelo relatório de fls. 109 onde é claro que “o encaixe está adaptado ao coto do utente e permite o suporte necessário e adequado da prótese, o cotovelo eléctrico funciona mas a mão, dedos e luva cosmética estão danificados” que a subscritora Senhora Perita Drª G… esclareceu serem desgaste e não defeito - Passagem de 08:58 a 09:45;
19ª) Deve também ser eliminado integralmente dos factos provados o ponto 26 onde se alude “as funcionalidades que ela, habitualmente, alcança” é dizer o mesmo que nada já que, como resultou da vistoria pericial de fls.109, os componentes da prótese funcionam (ressalvado o danificado decorrente do uso como foi esclarecido em sede de audiência), tanto mais que nem sequer foi alegado ou quesitado e provado quais as ditas “as funcionalidades que ela, habitualmente, alcança” e delas não é esclarecido, concretamente, quais “não alcança;”
20ª) Além disso, da foto de fls.147 se constata que não tem qualquer influência na funcionalidade da prótese e na mobilidade das suas articulações artificiais, sejam ao nível do cotovelo, seja ao nível do pulso, seja ao nível dos dedos da mão, pelo que não se pode dizer que tais inexplícitas “funcionalidades” foram “determinantes para a sua aquisição” da prótese como erradamente se veio a dar como provado;
21ª) Ainda a este respeito, invoca-se o relatório pericial de fls.109 (ausência de qualquer deficiência de fabrico ou montagem da prótese ou na luva que impedisse ou limitasse as suas funcionalidades, e ainda o registo das declarações da namorada do réu – a testemunha F… – e do próprio réu, nos registos acima transcritos, que evidenciam as expectativas que o próprio réu criou antes de contactar a A., que nada concorreu para elas;
22ª) Deve ser eliminado o ponto 27 dos factos dados como provados, quer Recordamos aqui o que acima se disse quanto ao ponto 21. dos factos dados como provados quer pela manifesta natureza conclusiva da afirmação “informaram-no que não conseguia extrair da luva todas as funções usuais”, quer porque contrariado pela única entidade técnica consultada além da autora – o J… - referiu o que consta do ofício de fls.79 em face do que foi pedido pelo réu;
23ª) A isso acresce a total falta de prova quanto aos “médicos e técnicos que assistiram o réu em Londres”, uma equipe que não se sabe quem foi, não compareceu a depor, nem produziu para os autos qualquer meio de prova senão os e-mails de fls.155 a 162 redigidos em língua inglesa e dos quais não se retira sequer que o R. tenha sido assistido por “médicos” nem por quaisquer “técnicos” sendo que ao mesmo réu competia o respectivo ónus, antes deles sendo patente a fls.157 que “There is no need to change the hand or the elbow if you are happy with their funtion”;
24ª) Deve ser eliminado o ponto 28 dos factos dados como provados pelo simples facto que, da constatação de fls.146 a 154 se vê que a prótese é o conjunto dos componentes interligados e numa amputação distal, abaixo do cotovelo, a prótese não é aplicada no ombro, nem o cotovelo tem de ser eléctrico, não tem o menor cabimento aplicar uma prótese desta como a fornecida ao réu numa situação de amputação distal;
25ª) O erro de julgamento é patente do confronto com as referidas fotos e com as regras da lógica, pois não se coloca uma prótese de encaixe no ombro com cotovelo e mão artificiais em quem é amputado abaixo do cotovelo;
26ª) Deve ser eliminado o ponto 29 dos factos provados, quer pela natureza conclusiva, mais uma vez da expressão “actividades que planeava realizar com esta prótese” quer ainda por contrariado pelo oficio de fls.79 da entidade pericial escolhida pelo réu – o J… – onde diz o que a prótese permite ao R. fazer, desde que com treino - a foto de fls.154 e se verifica que afinal, sem treino e mesmo com o encaixe que o réu diz impossibilitar o braço de se elevar, se verifica que a mão está ao nível da cintura escapular permitindo, com a extensão do pescoço, levar objectos à boca;
27ª) Deve ser eliminado o ponto 30 dos factos dados como provados já que tento o próprio R. confirmado aa consulta de sites pela internet, basta colocar no Google “prótese para amputação transumeral” todas mostram o sistema de encaixe rígido como o que consta da do R., constantes nas fotos de fls.147 a 154, além de que no depoimento da perita do J… Dra. G… no seu depoimento prestado na sessão de 20/2/2014, Passagem de 03:46 a 05:19 e passagem de 06:30 a 08:58. acerca da informação do réu;
28ª) Deve ser eliminado o ponto 31 dos factos dados como provados desde logo, e salvo o devido respeito, devido ao mesmo erro – a alegação vaga e de natureza conclusiva partindo de premissas não demonstradas, nem concretizadas quanto ao “o impediria de realizar certos movimentos que, em abstracto, aquela determinada prótese permitiria” sem concretizar quais os “certos movimentos” que aquela prótese permitiria realizar “em abstracto” e que o réu, por causa da “solução de encaixe”, está impedido de realizar;
29ª) Além disso, as fotos de fls.146 a 149 e, em particular, a de fls.156, conjugadas com o depoimento da perita do J…, Dra. G…, nas passagens de 05:19 a 08:58 a 10:00 a 11:12 acima transcritas, e ainda a passagem de 11:22 a 12:40) bem como o depoimento do técnico protésico que conduziu o processo de fabrico da prótese – testemunha H…, que prestou depoimento na sessão de 17/3/ na passagem da gravação de 04:50 a 06:18 e de 06:20 a 07:11 e ainda de 10:07 a 13:15, permitem esclarecer como a prótese em causa, para amputação transumeral, não tinha várias soluções de encaixe possível e muito menos a autora escolheu uma que limitasse os movimentos do réu;
30ª) Além de que o “processo negocial operado entre o réu e a autora” reconduziu-se ao pedido do réu que lhe fosse fornecido um orçamento da prótese que estava determinado em adquirir – a prótese de cotovelo eléctrico e mão eléctrica como é patente do depoimento da Dra. G…, perita, na passagem de (de 02:20 a 03:11) que também, por isso, importa a eliminação do ponto 31 dos factos dados como provados;
31ª) Deve ainda ser alterada a decisão proferida com a eliminação do ponto 32 dos factos dados como provados pois, além de mais uma vez recorrer a juízos conclusivos, aqui de intencionalidade comparativa - “Tendo sido precisamente a (maior) mobilidade e autonomia que o fez optar por esta prótese em detrimento de outra mais económica.” – eles não têm assento em qualquer meio de prova;
32ª) Trata-se de inferir um estado interior do próprio réu auscultando a sua motivação para a opção efectuada, que não se vislumbra das declarações do próprio réu, nem das demais testemunhas ouvidas que esses concretos factores “maior mobilidade e autonomia” houvessem sido os decisivos para a escolha, já que a única mobilidade que está ligeiramente limitada com a colocação do encaixe é a mobilidade do ombro, mas essa limitação, como acima se referiu e demonstrou, está presente quer na mecânica, quer na eléctrica, pois o sistema de encaixe e suspensão é o mesmo;
33ª) A resposta que deu lugar ao ponto 33 da fundamentação de facto, por traduzir uma resposta nula na parte em que deixa de configurar factualidade concreta para afirmar juízos conclusivos e ainda por cima condicionais “desde que daí resultassem benefícios funcionais consideráveis” deve por isso ser eliminada.
34ª) Além de que os benefícios concretos que o réu invocava como expectáveis, já vimos que uma parte deles não eram verdadeiros (poder escrever, manusear o rato e teclado do computador); outros, foram confirmados pela entidade pericial a fls.79 como possíveis com a prótese em causa, desde que houvesse treino (deslocar objectos, segurar folhas de papel), o que esvazia de conteúdo possível a afirmação contida neste ponto que deve assim ser eliminada;
35ª) Deve, por último, ser eliminado dos factos provados, o que consta sob o n.º 36, já que se infere do depoimento do próprio Pai do I…, ouvido na sessão de 4-04-2014 das 09:49:55 a 10:45:40 nas passagens acima referida, de onde sobressai a sua parcialidade e interesse na lide, mas que acaba por confirmar que logo em Agosto o filho se desinteressou da prótese porque não conseguia fazer o que esperava com ela, sem que houvesse lugar ao treino específico e prolongado que o réu havia sido advertido que era necessário para poder esperar retirar todas as virtualidades da mesma;
E, quanto ao Direito,
36ª) Atentos os factos provados nos pontos 14 a 16 dos factos provados, resultou provada a celebração de um contrato pelo qual a autora se obrigou a fornecer um produto (concretamente uma prótese) que forneceu sendo que o réu não lhe pagou integralmente o preço acordado, e tendo entregue a prótese em Junho de 2011 (com substituição de um componente em 10/8/2011 - luva cosmética), o mesmo reconheceu a fls.36 que ficaram vencidos e em dívida € 8100,47, os quais também se provou foram objecto de diversas interpelações ao réu que não os pagou;
37ª) Atento o disposto nos arts. 406.º n.º 1, 798.º, 799.º n.º 1, 804º, 805.º n.ºs 1 e 2 e 806º e 817.º todos do CCiv, provada a obrigação e o seu incumprimento, deveria o réu ser condenado no pedido formulado de pagamento da quantia peticionada de € 8.100,49 acrescida dos juros de mora legais até integral pagamento;
38ª) Em face dos factos provados de 14 a 16, a autora não se obrigou a realizar uma obra, obrigou-se a fornecer uma prótese que é um bem móvel ainda que personalizado na medida do R., pelo que, tal como este invoca nos parece ser mais uma compra e venda do que empreitada a relação contratual estabelecida pelas partes;
39ª) Perante a natureza da A. de “um organismo público com autonomia administrativa e financeira, cujas atribuições passam pela promoção de actividades de avaliação/orientação profissional, formação profissional, readaptação ao trabalho e integração socioprofissional de pessoas com deficiência”, sem que exerça “com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios” como o exige o n.º 1 do art.º 2º da Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, com as alterações dos DL n.º 67/2003 de 08/04 e
Lei n.º 85/98, de 16/12), não lhe é esta aplicável;
40ª) Não fosse assim, então haveria caducado o direito invocado pelo réu dado o que se dispõe de forma imperativa no art.º 8º n.º 4 da referida Lei, já que a prótese foi entregue em Junho de 2011, a luva foi substituída em 10/8/2011 e o R., apenas por carta datada de 4/11/2011, comunica pela primeira vez que pretende ver a prótese devolvida e desfeito o contrato, muito depois de expirados os sete dias úteis ali previstos para o efeito, sendo que a caducidade é de conhecimento oficioso - art.ºs 298º n.º 2 e 333.º n.º 1 do CCiv;
41ª) Não resulta dos factos provados, que a A. houvesse assegurado quaisquer resultados com a prótese designadamente os alegados pelo réu como fundamento da sua excepção (escrever, manusear rato e computador), como de resto se provou até que a entidade pericial indicada pelo R. – fls.109 - veio clarificar que a prótese fornecida pela A. Tem potencialidades para permitir, segurar e movimentar objectos, levar alimentos à boca ou segurar folhas de papel, desde que haja treino especifico e exaustivo sobre cada uma dessas actividades;
42ª) Não é correcto que se conjecture que a A., alegadamente, não informou o R. das limitações do ombro devido ao tipo de encaixe, quando a mesma Mmª Juiz deu como não provado que: “A autora – enquanto entidade profissional – sabia que esses movimentos seriam impossibilitados pelo tipo de encaixe utilizado.” (cfr. ponto h) dos factos não provados);
43ª) Não é correcto que se afirme que a A., alegadamente, não informou o R. das limitações do ombro devido ao tipo de encaixe, quando a mesma Mmª Juiz deu como não provado que: “A autora – enquanto entidade profissional – sabia que esses movimentos seriam impossibilitados pelo tipo de encaixe utilizado.” (cfr. ponto h) dos factos não provados);
44ª) Além disso, dado que o R. procurou a A. depois de ter ido a França a um fabricante de próteses, de ter estado em … com uma fisiatra que lhe recomendou uma prótese mecânica (cujo encaixe é igual ao da eléctrica), estando este determinado na aquisição de uma eléctrica que, recordamos, já vinha prescrita do hospital de Guimarães (cfr. depoimento da Dra. E… acima referidos), não se vislumbra o alegado dever de informar que o réu não demonstrou sequer incumbir legal ou contratualmente à autora;
45ª) Além disso, A A. não tem culpa se o R. não fez treino específico e adequado com técnicos de terapia ocupacional familiarizados com este tipo de próteses, o que pelas razões que acima se expôs, é evidentemente a razão do desânimo do A. com a prótese;
46ª) É preciso paciência, força de vontade, que o R. não revelou ter pela forma como alega e omite o que lhe disseram em Londres, o que lhe disseram em Guimarães, de quem não fez chegar aos autos um só relatório a atestar que tivesse feito o treino adequado mas que não conseguisse usar a prótese por deficiência inerente a ela (diversamente, relatório pericial de fls.109);
47ª) Não só não se provou que a A. não procedeu de boa-fé nos preliminares, nem na execução do contrato, como o regime do art.º 227.º não prevê a extinção de obrigações das partes, mas, a obrigação de indemnização por danos causados por facto ocorrido nessa fase negocial, não tendo aqui enquadramento para determinar alteração nas prestações a que as partes se obrigaram;
48ª) Não vem provado um único facto que comprove que a A. não cumpriu a obrigação a que se vinculou, ou sequer que a cumpriu de modo defeituoso, pelo contrário, os factos provados de 14 a 16 provam que a A. cumpriu a obrigação a que se vinculou;
49ª) Também a limitação ligeira de algumas mobilidades do ombro por via do encaixe inerente à colocação da prótese para ganhar as articulações do cotovelo, pulso, mão e dedos não traduz um vício, nem um defeito, mas uma inerência que o R. não podia ignorar e que muito menos, a autora podia reconhecer como relevante para a decisão de contratar manifestada pelo R. desde o início na adquisição deste tipo de prótese, cuja solução de encaixe, seria igual numa prótese mecânica;
50ª) Muito menos se podia afirmar que a A. conhecesse a essencialidade de não haver limitação nenhuma da mobilidade do ombro com aquele encaixe, quando se deu como não provada a factualidade de suporte a essa alegação - alínea h) dos factos não provados;
51ª) Não logrando provar factos que evidenciassem o erro, a sua essencialidade para o declarante e o conhecimento ou ignorância indesculpável dessa pelo declaratário, não decretou a Mmª Juiz a quo por via da excepção invocada a pretendida anulação do negócio, único efeito que legitimaria a improcedência da pretensão da autora;
52ª) A falta de obtenção imediata dos resultados desejados que o réu foi advertido que só seriam alcançados com prolongado treino específico, por si só não basta para se falar na comprovação de “mau funcionamento” quando a perícia efectuada à prótese (flc.109) nega a ausência de defeitos e perita confirma que “ele tinha toda a função que era possível obter com aquela prótese” (cfr.3ª linha de fls.218);
53ª) E, se não há suporte factual para apelar ao regime da defesa do consumidor articulado com o DL 67/2003 de 8/4, a Mmª Juiz a quo não conclui aplicando nenhum dispositivo do referido diploma já que não condena na eliminação de defeitos, nem na substituição, nem na redução do preço, nem na resolução do contrato, desfechos típicos consequenciais da aplicação do diploma em causa que aqui, salvo melhor opinião não podem fundamentar a absolvição do réu;
54ª) Por último, não estando demonstrada a existência de defeitos na prótese, nem se podendo enquadrar como defeitos da empreitada o prematuro desinteresse do réu pela prótese, nem a inerente limitação ligeira de algumas mobilidades do ombro com o encaixe, não ocorre cumprimento defeituoso que legitimasse a excepção do não cumprimento do 428º do CCiv que, de resto, nem sequer é invocada na sentença que não contém razão substantiva para absolver o réu da obrigação de pagar o remanescente do preço da prótese que comprou e lhe foi entregue;
55ª) Violou assim a decisão recorrida o disposto art.ºs 227º, 247º, 251º, 298.º n.º2, 333º, 342.º n.ºs 1 e 2, 406.º n.º 1, 762.º n.º2, 798.º, 799.º n.º 1, 804º, 805.º n.ºs 1 e 2 e 806º e817.º do CCiv e art.ºs 414º, 607.º n.º 4, 615.º n.º 1 alínea d), da CPCiv e art.ºs 2º n.º 1 e 8.º n.º 4 da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, com as alterações dos DL n.º 67/2003 de 08/04 e Lei n.º 85/98, de 16/12.
NESTES TERMOS, E AINDA PELO MUITO QUE, COMO SEMPRE NÃO DEIXARÁ DE SER PROFICIENTEMENTE SUPRIDO, DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE A DECISÃO RECORRIDA, E SUBSTITUINDO-SE POR OUTRA QUE:
A) ALTERE A DECISÃO PROFERIDA QUANTO À MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA NOS PONTOS E TERMOS SOBREDITOS;
B) REVOGUE A DECISÃO ABSOLUTÓRIA PROFERIDA E A SUBSTITUA POR OUTRA QUE JULGANDO A ACÇÃO PROVADA E PROCEDENTE, CONDENE O RÉU A PAGAR À AUTORA A QUANTIA DE € 8.451,92, ACRESCIDA DE JUROS DE MORA VENCIDOS E VINCENDOS DESDE A CITAÇÃO COMO PEDIDO NO REQUERIMENTO INJUNTIVO, CONDENANDO O RÉU NAS CUSTAS, POR SER DE INTEIRA J U S T I Ç A!”

O réu contra-alegou pugnando pela confirmação da sentença recorrida e impugnando, a título subsidiário, a matéria de facto dada como não provada nas alíneas c), d) e e).

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.
Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões do recorrente [cfr. art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do NCPC, aqui aplicável, visto que se trata de uma sentença proferida após a data da sua entrada em vigor, numa acção instaurada depois de 1/1/2008 (cfr. art.ºs 5.º, n.º 1 e 8.º, ambos da Lei n.º 41/2013, de 26/6)], não podendo este Tribunal de 2.ª instância conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais que aqui não relevam, e tendo presente que se apreciam questões e não razões, as questões que importa dirimir consistem em saber:
1. Se pode/deve ser alterada a matéria de facto;
2. E se a acção deve proceder, porque inexiste erro sobre o objecto, culpa na formação do contrato, venda de coisa defeituosa ou incumprimento por parte do autor.

II. Fundamentação

1.De facto

Na sentença recorrida, foram dados como provados os seguintes factos:
1. A Autora é um organismo público com autonomia administrativa e financeira, cujas atribuições passam pela promoção de atividades de avaliação/orientação profissional, formação profissional, readaptação ao trabalho e integração socioprofissional de pessoas com deficiência.
2. No dia 18 de Agosto de 2010, pelas 07h00, na sequência do despiste de um veículo o Réu sofreu amputação transumeral esquerda, realizada acima do cotovelo do braço esquerdo, entre a articulação do cotovelo e a articulação do ombro.
3. O Réu contactou, entre outras instituições, a Autora, para obter informações sobre as várias próteses existentes no mercado, designadamente em Novembro de 2010, tendo tomado conhecimento da existência de várias soluções para substituição de membros amputados.
4. O Réu ansiava por uma prótese que lhe permitisse uma mobilidade, autonomia e capacidade o mais próxima possível da que teria com o membro natural amputado.
5. De acordo com as informações recolhidas, designadamente na Autora e em outras instituições, a prótese com mão biónica e cotovelo elétrico distinguir-se-ia das próteses convencionais, nomeadamente, por permitir a conjugação harmoniosa do movimento da mão e, simultaneamente, do braço e antebraço.
6. O uso da prótese faz-se mediante a colocação de um encaixe, que se traduz no elo de ligação entre o coto de amputação e os componentes da prótese, sendo certo que dependendo, para além do mais, do tamanho do coto podem existir vários tipos de encaixes e vários tipos de suspensão.
7. Em Dezembro de 2010, nas instalações da Autora, o Réu teve uma consulta com uma médica fisiatra e uma técnica ortoprotésica, funcionárias da Autora.
8. Nessa consulta, a equipa médica da Autora fez testes ao Réu e concluiu que este reunia todas os pressupostos anatómicos e fisiológicos necessários à utilização da prótese mencionada (mão biónica e cotovelo elétrico).
9. O Réu foi informado de que não existia qualquer restrição clínica ou sequer incompatibilidade técnica à utilização dessa prótese.
10. De acordo com a opinião dos técnicos da Requerente e das informações que o Réu tinha recolhido, a mão biónica, seria a que, alegadamente, possibilitaria uma qualidade de vida do Réu superior à das demais existentes no mercado, na medida em que lhe permitiria realizar diversas atividades do quotidiano, designadamente deslocar objetos, levar objetos e alimentos à boca, segurar folhas de papel para escrever, entre outras, ou seja permitiria realizar os movimentos mais próximos a uma mão natural.
11. Após, em Janeiro de 2011 e de forma mais específica, o Réu solicitou à Autora a apresentação de um orçamento para prótese de membro superior transumeral elétrica, com mão elétrica be-bionic e cotovelo elétrico.
12. Pela razão referida em 10 e considerando o orçamento/preço apresentado pela Autora, o Réu acordou com esta a aquisição e colocação de tal prótese.
13. Se o Réu soubesse que não lhe seria possível realizar os movimentos referidos em 11 teria adquirido uma prótese muito mais económica.
14. A Autora, no desenvolvimento da sua atividade, vendeu e colocou ao Réu uma prótese elétrica para membro superior esquerdo, transumeral, com colocação de mão elétrica, cotovelo elétrico, sistema de suspensão por tirantes e luva cosmética, num valor global de €27.000,47 (vinte e sete mil euros e quarenta e sete cêntimos), já com IVA, tendo emitido a fatura n° ……., que foi enviada ao requerido.
15. Para o pagamento da referida fatura, o Réu adiantou a quantia de €18.900,00 (dezoito mil e novecentos euros), sendo €12.000,00, em 10.02.2011 e os restantes €6.900,00 em 15.02.2011 (cfr. faturas de adiantamento com os n.ºs ……. e ……..
16. A Autora levou a cabo diversas interpelações tanto por via telefónica como por escrito, tendo em vista o pagamento da quantia de €8.100,47, pelo Réu.
17. Em 10 de Agosto de 2011, foi entregue e colocada pela Autora a referida prótese ao Réu.
18. A solução de encaixe, encontrada pela Autora para o Réu, possível em função das características do coto que este apresentava, foi o sistema de suspensão por tirantes, os quais constituem o sistema de controlo da prótese, controlando a tração.
19. A força necessária para acionar a mão é produzida pelo músculo existente no coto: os elétrodos colocados na prótese, em contacto com o coto e através da estimulação dos músculos, permitem o controlo dos movimentos da mão.
20. A luva cosmética estava danificada, pelo que foi substituída ainda durante o mês de Agosto.
21. Após a colocação da luva constatou-se, designadamente o Réu e os fisioterapeutas do Hospital de Guimarães, onde o Réu andava a ser acompanhado em consultas de fisiatria que, por causa do sistema de encaixe encontrado, o Réu não conseguia realizar certos movimentos com a luva, nomeadamente, o de levar objetos e alimentos à boca.
22. Nessa altura o técnico da Autora, responsável pela colocação da prótese estaria de férias, razão pela qual só no início de Setembro, o Réu conseguiu consultar o referido técnico.
23. O Réu contactou a empresa representante da marca e marcou uma consulta em Inglaterra, no Q….
24. Na consulta realizada em Londres, em 20 de Setembro de 2011, os técnicos da empresa apresentaram ao Réu algumas propostas para melhorar a performance da prótese.
25. Com base nessas propostas, o Réu deslocou-se novamente à Autora para realização de pequenos ajustes na prótese.
26. Apesar da realização destes ajustes pela Autora, o Réu nunca conseguiu extrair da luva as funcionalidades que ela, habitualmente, alcança, que lhe haviam sido comunicadas e que foram determinantes para a sua aquisição.
27. Os médicos e técnicos que assistiram o Réu em Londres, bem como os fisioterapeutas do Hospital de Guimarães, informaram-no que não conseguia extrair da luva todas as funções usuais, atendendo ao tipo de encaixe que em função das características do coto foi possível fazer, para a suspensão deste tipo de prótese, não existindo outras soluções técnicas.
28. A plena funcionalidade desta prótese é possível de obter nas situações em que a amputação do braço se verifica abaixo do cotovelo.
29. O Réu ficou consternado quando percebeu que não seriam executáveis as atividades que planeava realizar com esta prótese.
30. O Réu não detém, nem nunca deteve, conhecimentos técnicos e específicos sobre a colocação desta ou qualquer outra prótese.
31. Em momento algum do processo negocial operado entre o Réu e a Autora, foi aquele informado que a solução de encaixe empregue lhe retiraria mobilidade do ombro, e consequentemente, o impediria de realizar certos movimentos que, em abstrato, aquela determinada prótese permitiria.
32. Tendo sido precisamente a (maior) mobilidade e autonomia que o fez optar por esta prótese em detrimento de outra mais económica.
33. O custo superior da prótese adquirida face a outras existentes no mercado não era impedimento à sua aquisição, desde que daí resultassem benefícios funcionais consideráveis, como sempre foi evidente para os funcionários da Autora.
34. Em todos os momentos do iter negotii, a Autora conhecia que o propósito do Réu na aquisição da prótese, designadamente da mão biónica, era apenas o de alcançar os movimentos que não realizaria com qualquer outra.
35. A Autora referiu ao Réu que o maior ou menor sucesso da prótese - mão biónicadependeria do treino e do empenho despendido na sua utilização, tendo o Réu contratado apenas porque os considerou possíveis, independentemente das dificuldades, do tempo de treino e dos esforços que teria de efetuar.
36. O Réu é uma pessoa com um sentido de empenho, esforço e sacrifício tendo realizado treino específico no Hospital de Guimarães.
37. O Réu contactou a Autora já com algumas informações a respeito de próteses disponíveis, mais concretamente quanto ao tipo de mãos existentes e solicitou um orçamento para uma prótese do membro superior transumeral elétrica, mão elétrica e cotovelo elétricos, revelando conhecimento sobre as marcas e modelos disponíveis de mãos.

2. De direito

Aplicando o direito aos factos tendo em vista a resolução das supramencionadas questões, importa começar, como é óbvio e lógico, pela apreciação da matéria de facto impugnada, por a sua definição ser pressuposta pela respectiva subsunção jurídica.

2.1. Da alteração da matéria de facto

O art.º 662.º, n.º 1, do NCPC dispõe: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Como temos vindo a escrever noutros arestos, desta norma resulta que a modificação da decisão de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância (cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, págs. 221 e 222).
Para tanto, os recorrentes terão que observar os ónus impostos pelo art.º 640.º do mesmo Código, o qual estabelece que:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) ….”
Na reapreciação dos meios de prova, tal como no regime anterior, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, assim assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância (cfr. acórdãos do STJ de 19/10/2004, CJ – STJ -, ano XII, tomo III, pág. 72; de 22/2/2011, CJ – STJ -, ano XIX, tomo I, pág. 76; e de 24/9/2013, processo n.º 1965/04.9TBSTB.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt).
Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-as, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada” (Ac. do S.T.J. de 3/11/2009, processo n.º 3931/03.2TVPRT.S1, disponível em www.dgsi.pt).
No caso sub judice, o recorrente observou perfeitamente tais ónus, quer na alegação, quer nas respectivas conclusões, que apresentou. Por isso, impõe-se a reapreciação dos factos que questiona no presente recurso.
Na reapreciação que agora importa efectuar, procedendo a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da nossa própria convicção, por forma a assegurar o duplo grau de jurisdição sobre a mesma matéria, teremos em conta que a prova deve ser sempre apreciada segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, pressupondo o recurso a conhecimentos de ordem geral das pessoas normalmente inseridas no seu meio social, a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica, já que tudo isto contribui, afinal, para a formação de raciocínios e juízos que conduzem a determinadas convicções reflectidas na decisão de cada facto.
O Prof. Alberto dos Reis já ensinava, há muito, que “prova livre quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei” (cfr. Código de Processo Civil anotado, vol. IV, pág. 570).
A essas regras de apreciação está sujeita a prova testemunhal, como expressamente dispõe o art.º 396.º do Código Civil.
Dada a sua reconhecida falibilidade, impõe-se uma especial avaliação crítica com vista a uma valoração conscienciosa e prudente do conteúdo dos depoimentos e da sua força probatória, devendo sempre ter-se em consideração a razão de ciência do depoente e as suas relações pessoais ou funcionais com as partes.
Há, ainda, que apreciar a prova no seu conjunto, conjugando todos os elementos produzidos no processo e atendíveis, independentemente da sua proveniência, em face do princípio da aquisição processual (cfr. art.º 413.º do NCPC).
E, nessa apreciação global, o julgador poderá lançar mão de presunções naturais, de facto ou judiciais, isto é, no seu prudente arbítrio, poderá deduzir de certo facto conhecido um facto desconhecido (art.ºs 349.º e 351.º, ambos do C. Civil).
Como corolário da sujeição das provas à regra da livre apreciação do julgador, consagrada no art.º 607.º, n.º 5, do NCPC, impõe-se-lhe indicar “os fundamentos suficientes para que através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado” (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 348 e Ac. da RC de 3/10/2000, CJ, ano XXV, tomo IV, pág. 27).
Porém, a aludida apreciação jamais poderá ser feita de forma arbitrária.
Com efeito, como já escrevemos nos nossos recentes acórdãos de 1 de Julho e de 30 de Setembro de 2014, respectivamente, nos processos n.ºs 232/08.3TBMTR-A.P1 e 52135/13.3YIPRT.P1, não se tratando de um caso de excepção de prova legal, a livre apreciação da prova não é arbitrária, discricionariamente subjectiva ou fundada em mero capricho, devendo, outrossim, o julgador observância a regras de experiência comum, utilizando como método de avaliação da aquisição do conhecimento critérios objectivos, genericamente, susceptíveis de motivação e controlo[2].
Por seu turno, como é sabido, as regras da experiência são “ou o resultado da experiência da vida ou de um especial conhecimento no campo científico ou artístico, técnico ou económico e são adquiridas, por isso, em parte mediante observação do mundo exterior e da conduta humana, em parte mediante investigação ou exercício científico de uma profissão ou indústria”[3], que permitem fundar as presunções naturais, não abdicando da explicitação de um processo cognitivo, lógico, sem espaços ocos e vazios, conduzindo à extracção de facto desconhecido do facto conhecido, porque conformes à realidade reiterada, de verificação muito frequente e, por isso, verosímil”[4].
Na transição de um facto conhecido para a aquisição ou para a prova de um facto desconhecido, têm de intervir as presunções naturais, como juízos de avaliação, através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam, fundadamente, afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, anteriormente não conhecido, nem, directamente, provado, é a natural consequência ou resulta, com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.

Os factos cuja resposta o recorrente impugnou são os que foram dados como provados sob os n.ºs 10, 12, 13, 14, 17, 18, 21, 26 a 33 e 36. Relativamente aos dois primeiros, quarto e quinto, apenas pretende uma alteração parcial, e quanto aos restantes quer a sua eliminação do elenco dos factos provados.
Esses factos foram dados como provados na sentença recorrida. Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, quanto aos factos impugnados e outros com eles relacionados, a Ex.ma Juíza que presidiu à audiência de discussão e julgamento e proferiu a sentença escreveu:
“…Assim, quanto aos factos vertidos em:
- 1), 14) a 16):
As partes por acordo admitiram a compra de tal equipamento, preço e condições do seu pagamento. Tal factualidade apurou-se ainda da prova testemunhal e das declarações de parte.

- 3) a 13) e 17) e sgts.:
De toda a prova produzida, incluindo dos esclarecimentos prestados pela Exma. Perita, das declarações de parte, dos depoimentos de I…, F… e mesmo do depoimento apresentado pelas Autoras resulta que o Réu, antes de adquirir a prótese contactou a Autora e outras instituições, procurou informações via internet e outras, quanto ao modo de financiamento e preços, ansiando por uma prótese que lograsse substituir da melhor maneira o braço perdido. O seu esforço concentrou-se essencialmente nas informações respeitantes às funcionalidades da mão. Não pensou no encaixe. Foi a Autora que encontrou a forma de encaixe. Hipoteticamente a mão biónica era o que de melhor existia no mercado. Optou por comprar e pedir a sua colocação à autora. Teve em atenção o preço apresentado pela Autora e o facto de esta já ter colocado uma mão biónica.
Ademais decorre dos depoimentos das testemunhas da Autora que esta, antes da colocação da prótese, nunca informou o Réu da forma de encaixe e do facto de tal lhe ir limitar os movimentos.
Saliente-se que o depoimento destas testemunhas, no geral, afigurou-se credível, sendo que quanto à forma de encaixe, si afigurou ao tribunal que não disseram tudo o que sabiam. Referiram ou «não sei» ou «não me lembro», o que denotou que pura e simplesmente, em todo o decorrer das negociações, mormente aquando as consultas, nada informaram quanto ao tipo de encaixe e consequências daí advenientes, não obstante as consultas que o Réu teve. A verdade é que por causa do sistema de encaixe, o único que seria possível, o Réu não logrou, tirar todas as funcionalidades que a mão poderia proporcionar. O Tribunal acreditou no Réu quando disse que toda a sua informação se teria limitado à mão e até ao cotovelo, mas não se pensou no sistema de encaixe. Aliás se tivermos em atenção as regras de experiência comum, forçoso é concluir que ninguém pretenderia comprar uma prótese se soubesse que o sistema de encaixe não iria permitir o seu devido uso. Não se apurou foi a razão de a Autora não ter informado o Réu, sendo que, conforme referiu o réu e outras testemunhas, à data dos factos a Autora nunca tinha colocado uma prótese igual a um amputado como o Réu.
Em suma no geral os depoimentos afiguraram-se credíveis, não obstante as testemunhas da Autora não terem admitido a falta de informação prestado ao Réu quanto ao sistema de encaixe e consequências daí resultantes, preferindo responder a tais questões de forma evasiva ou dizendo, no caso da testemunha H…, que o Réu teria de saber qual o sistema de encaixe, já que seria o único possível e constava do orçamento. Efetivamente não parece credível que o Réu perante tal orçamento pudesse concluir que, por causa do encaixe, não poderia mover o braço.
A salientar também a manifesta isenção do pai do Réu que de todo o modo e quanto aos factos de que demonstrou conhecimento direto se afigurou credível.
Enfim o Tribunal, sem tomar o teor dos depoimentos das testemunhas da Autora, na parte em que referem que o Réu teria que ter conhecimento do sistema de encaixe e consequências daí resultantes, bem como que a informação que possuía fosse suficiente para concluir nesse sentido, valorou a seguinte prova:
Pela Exma. Perita foi esclarecido que já tinha visto o Réu, uma primeira vez, em 10.11.2010, no âmbito de uma consulta por iniciativa do Réu. Supõe que era para averiguar de uma solução para o seu caso. Tinha tido o acidente há dois ou três meses. Nessa altura propôs-lhe uma prótese mecânica, mas ele estava convencido que queria uma elétrica e por isso não se mostrou interessado. Tirou o raio x, explicou-lhe as possibilidades que existiam e depois apresentou-lhe as suas conclusões que consistiriam numa prótese mecânica. Mas o Réu já estava informado sobre o que queria e quando o convocaram para o Hospital ele não aceitou porque não queria a prótese mecânica. Depois, em 18 Julho de 2013, viu-o novamente, no âmbito destes autos. O sistema de suspensão disponível para o tipo de coto do Réu, correspondia ao que lhe foi aplicado, o qual era suspenso por tirantes. Esse sistema interfere no desempenho dos vários componentes de próteses. O encaixe suporta a prótese. Mas tem que se fazer uma suspensão ao outro ombro com os tirantes. No caso do Réu, considerando o tipo de coto, esta seria a única forma de suspensão, mesmo que se optasse pela prótese mecânica. Salvo na cosmética, pois nesta seria só necessário o encaixe, já que não tem nada que articule. O Réu quando compareceu em Julho levou duas próteses, uma cosmética e uma elétrica. Os danos referidos a fls. 109 decorrem do uso da prótese. As mãos e os dedos não estão a funcionar. A prótese tem que ir à revisão, todos os anos. Para além do tipo de prótese existe uma alternativa cirúrgica, mas não se coloca numa primeira fase. Está descrito teoricamente mas não faz nem nunca acompanhou qualquer colocação cirúrgica de prótese, mas pode existir, ainda está em estudo. Não faz parte do habitual. Quem procura os serviços da Autora não vai à procura de intervenção cirúrgica, já que ali não se faz. O Réu nunca quis a prótese mecânica. As pessoas pensam que uma prótese lhes vai permitir fazer tudo o que o membro faz, o que não é verdade, quando está em causa todo o membro. O que também era pouco provável com naquele tipo coto, ou seja face às características de amputação não é possível. Se tivesse outra amputação, abaixo do cotovelo, já teria outras possibilidades. Apesar de tudo o Réu consegue fazer funcionar a prótese. Fez boa adaptação e consegue muitas coisas, ficando até surpreendida. Mas o Réu queria mais e estava à espera que não tivesse timing diferentes … isso não é possível com um cotovelo elétrico. Ele queria muito mais do que aquilo que pode ser neste momento. Explicou-lhe que não conseguiria mais por causa do cotovelo. Numa primeira consulta não sabe se lhe foi explicado. Normalmente só quando experimentam é que se vão apercebendo e formulando as questões. A questão do Réu era se tinha possibilidade de usar uma prótese, e tinha, mecânica ou elétrica. Dessa consulta foi tratado a aplicação de uma prótese elétrica ou mecânica. As outras questões são colocadas posteriormente quando não conseguem determinados atos. Normalmente na primeira consulta essa questão não se coloca. É preciso que o utente tenha já uma informação muito grande. O doente tinha muita informação ao nível da funcionalidade em geral e não ao nível concreto ou pessoal dele. Pode teoricamente ser possível tudo e depois não o lograr fazer em concreto. Repete que o sistema de suspensão era o mesmo quer na mecânica quer na elétrica. A suspensão por tirantes retira amplitude e mobilidade à prótese. É possível fazer tudo, levantar o braço ou outros, mas há timings diferentes. Haveria uma limitação de 10 ou 15 graus. Sem a prótese não tem limitações. Não é tão limitado como o diz o Dr. K…. O seu colega pode estar a usar o menos 5 ou menos 10. O encaixe é rígido, por isso essa estrutura limita a atividade muscular que está por baixo. Por exemplo não consegue dobrar até ao ombro. É provável que não o consiga totalmente (menos 5 graus). Comparação com o relatório do Dr. K…. Com a prótese não pode ir buscar uma coisa em cima. Para esticar o braço tem que fletir o cotovelo e depois ... tem que fazer em várias formas. Consegue esticar mas em ritmos diferentes. Ele consegue esticar, mas primeiro tem que dar ordem para esticar o cotovelo e depois ir ao copo. Não o faz de forma harmoniosa. Pode segurar num copo de água ou numa garrafa. Mas para o levar à boca tem que deslocar a cabeça ao copo ou para a mão. A prótese é demasiado grande e pesada para funcionar sozinha. Tem que usar o tronco, mas é inerente a qualquer amputação. Uma prótese não é um robot, mesmo que seja elétrica. Tem que acionar o próprio corpo. O punho e a mão pesam mais que o próprio membro. Na sua primeira consulta não vai explicar tal, só se o doente abordar a questão. Pensa que não deve ter abordado a questão. Sugeriu a mecânica porque a funcionalidade obtida com a elétrica seria semelhante e só depois experimentar a elétrica. A sua opção é mecânica para o doente saber utilizar. O doente tem que usar sempre o outro membro. Tem doentes que funcionam com a mecânica muito bem, com as suas limitações claro. Tem uma vantagem na elétrica que é o punho e a mão. Poder pegar em qualquer objeto. O que não é possível com a mecânica. Levar algo à boca é que tem que ser como referiu acima. A mão por controlo bioelétrico permite uma função testar melhor, mas não consegue reproduzir tudo. Também depende do cotovelo. Tem vários doentes que preferiram só a cosmética, por causa da dificuldade. Em termos do que se faz lá fora pensa que se usa mais este tipo de prótese para amputações abaixo do cotovelo. Supõe que ele ainda não teria essa consciência, porque a seguir à amputação a pessoa pensa que vai poder tudo. Essa consciência só se tem experimentando e por isso acha que se tem que começar pela mecânica. Em Julho ele disse-lhe que não queria a prótese porque não conseguia fazer o que fazia com os outros membros. Ele chegou à conclusão de que se soubesse que iria ter tantas limitações não iria aceitar. Ele tinha toda a função que era possível obter com aquela prótese. Poderia ter optado por uma prótese mecânica. Os valores entre uma e outra são muito diversos. Por isso é também uma razão porque não faz prescrições para as elétricas porque não têm a funcionalidade que se propõem fazer. Mas poderia por a hipótese no caso de o doente querer experimentar. Poderiam experimentar, mas não seria a primeira opção. Por aquilo que ele lhe disse na consulta acha que não teria optado se soubesse o que poderia ter experimentado e verificado. Ele estava convencido que podia fazer mais, mas depois verificou que não. Também as coisas são obtidas com treino próprio e acompanhado com técnicos. Se ele soubesse que só podia fazer aquilo... Ele estava convencido que iria ser em tudo semelhante à mão natural. Utilizações com a prótese: Escrever: não, porque era do lado esquerdo. Consegue apoiar o papel. Segura numa folha. Desloca objetos, no mesmo plano, mas não para cima ou acima do plano da cintura escapular, desloca de um lado para outro. Manusear máquinas? Depende se for no mesmo plano. Não obrigue a puxar. A esquerda limita. Pode usar um lado ou outro. Tendo em conta que é um lado não dominante ele até consegue fazer coisas muito boas. Se fosse um membro dominante seria pior. Não pode utilizar a faca e o garfo. O sistema de encaixa limita os movimentos.
Pelas testemunhas foi dito que:
D…, ortoprotésica. Inquirida a toda a matéria da oposição disse que trabalhou para a Autora desde 1992 ou 1991 até 2011 e no âmbito dessas suas funções conheceu e contactou com o réu. A sua especialidade era a ortoprotesia. O primeiro contacto que teve com o Réu foi quando este solicitou um orçamento para a aquisição de uma prótese. O Réu já tinha orçamentos e sabia o que pretendia adquirir. Pretendia uma prótese totalmente elétrica para transmutação acima do ombro, com cotovelo e mão elétrica. A memória que tem é que ele queria um orçamento já para uma prótese em concreto. Como achou que tal decisão deve ser bem pensada sugeriu consulta de avaliação. O que foi feito. Foi uma consulta conjunta em que esteve presente. Agora não trabalha na Autora, mas recorrendo à sua memória sabe que já teria feito consultas, inclusive no exterior do país e tinha tomado já uma opção. Manifestou vontade no que pretendia adquirir. Na consulta foi avaliada a pessoa, analisada a causa da amputação... esclareceram a pessoa do tipo de próteses possível. Deixam sempre a decisão final à pessoa. Como a amputação é transumeral à esquerda e é destro falaram-lhe das próteses mecânicas, estéticas e das híbridas e ainda totalmente elétricas. O Réu já tinha uma decisão tomada, de acordo com as suas investigações. É difícil dar opiniões a uma pessoa que está fragilizada... Falaram-lhe da possibilidade de ir de uma mais simples para mais complexa. Tentaram fazer com que o Réu decidisse em consciência. Deram exemplos. Sugeriram que falasse com outras pessoas. Tomando em conta que não é o membro dominante também referiram que a prótese cosmética também era válida. Repete que acima de tudo tentaram esclarecer e não tomar a decisão. Afirma que não disse que dava para escrever. O réu é dextro. Mas permitiria segurar um objeto fino. Mas não disse nestes termos. Deslocar objetos? Sim, tal como a mecânica ou hibrida, desde que devidamente treinada. Manusear o rato? Sim tal como a mecânica ou híbrida, desde que devidamente treinada. Mas considerando que o Réu é dextro não referiu tal. O Réu já tinha preferência pelo tipo de prótese. Levar alimentos à boca? Pode ser, desde que treinado. Devem ter falado, porque faz parte do protocolo. As mecânicas e híbridas também o permitem. Atenção que a prótese é sempre insuficiente. De certeza que lhe referiram que pode não conseguir. Tem que haver treino. Segurar folhas de papel para escrever? Não sabe se disse, mas acha possível com treino intensivo. Não se recorda do comprimento do coto, mas o sistema de tirantes é usado como coadjuvante. Mas deve ter sido usado por causa do comprimento do coto. Poderia ter sido usada uma válvula e outras soluções, incluindo cirúrgicas, que cá não fazem. Para segurar um cotovelo e mão biónica não haveria outra solução. De certeza que foi explicado o sistema, mas não se recorda se na primeira reunião foi pormenorizado o sistema de tirantes. Não chegou a ver o Réu com a prótese. Não sabe se ainda estava na Autora. O Réu era um amputado em que qualquer prótese era viável. Deram preços. Nunca foi consultada por causa de qualquer reclamação. Desconhece quaisquer relatórios quer de Londres quer de Guimarães. Não se fez acompanhamento, provavelmente porque não estava previsto. Se ele fez em Guimarães estes à partida também deviam ter formação. Se o encaixe padece de uma irregularidade que é a de retirar mobilidade do ombro. Para assegurar que a prótese fique segura tem que ultrapassar o ombro e limita o movimento deste. Nunca corresponde ao membro em falta. A mecânica seria pelo menos igual quanto à mobilidade dos membros. O interesse do Réu era realizar movimentos que não realizaria com outras próteses? A consulta visou esclarecer para a pessoa tomar uma decisão consciente. Não vê como possível ter tido qualquer tipo de palavras para que o réu concluísse nesse sentido. Nunca o informaram de que com tal encaixe não poderia movimentar o ombro? Quem tem aquele tipo de amputação está limitado. Têm próteses para mostrar. Deve ter levado o que estava disponível. Mas estes tipos de próteses são feitos por medida. Com certeza que deram todos os esclarecimentos. Como colocava a prótese e a tirava de certeza que deram a informação. Sugeriram um cotovelo dinâmico? Sabe que fizeram mais que uma proposta a pedido da pessoa. Primeiro era tudo da mesma marca. Depois não, mas compatíveis. O Réu já teria consultado outros. Já tinha outros orçamentos. As próteses têm limitações, nenhuma substitui integralmente o membro. Reuniu com o Réu, não se lembra bem, mas várias vezes. Os contactos prévios foram consigo. Era a responsável pela elaboração dos orçamentos. O réu já tinha feito pesquisas de certeza. Entendem sempre que as pessoas se apresentam fragilizadas. O réu tinha consultado outros locais e pessoas. Se achava que a prótese era só para o braço ou mão, não sabe. Não sabe como lhe explicaram. Na internet aparece a prótese como um todo. A consulta era para esclarecer o tipo de componentes, próteses, questão de encaixe. Teria de ser informado de tudo, sendo certo que também depende das dúvidas apresentadas. Restrições ao tipo de prótese? O réu nem sequer queria a consulta. O acompanhamento clínico não correu na Autora. Fizeram a avaliação do coto para propor a melhor solução. As limitações do coto são feitas por quem o acompanha. Não é fisiatra. Foi pedida a colocação de uma prótese. Mas concluíram que não havia restrição clínica à colocação da prótese em causa? Sim. Atenção a prótese é tudo. Não apenas o cotovelo ou a mão biónica. Não existe nenhuma prótese que se aproxime da mão natural. Mas são as mais naturais. Permitem mexer vários dedos e não apenas dois ou três como a mecânica. A utilização depende depois do treino. As próteses elétricas são as que potencialmente têm mais funções. Explicam o tipo de próteses e as expectativas. Aconselharam em se aproximar de alguém com o mesmo tipo de problema. A tecnologicamente mais elevada pode não ser a mais adequada em determinado período de tempo. O réu estava convencido que iria substituir na íntegra o membro? Repete que o que tem ideia é que a pessoa já vinha informada. Informaram de outras alternativas. Tentaram esclarecer de modo a pessoa decidir por si e não influenciar. Pode comer de faca e garfo. A mecânica também permite. O grau de satisfação pode ser obtido com diferentes tipos de próteses. Foi explicado as condicionantes na sua utilização. Faz parte do protocolo. Reitera que a tomada de decisão é do próprio. A sua função não é desanimar. Apenas informa para a pessoa decidir. As limitações por vezes são ultrapassadas. Cita exemplos de pessoas que sem os 4 membros fazem o que as pessoas com membros não conseguem. Quando a prótese é muita curta não é possível segurá-la com outros modos. Precisa de sistema de suspensão com tirantes. Diferenças entre a prótese em causa e a mecânica? Os preços são diferentes. A mecânica custa 5 ou 6 mil. Limita a amplitude da cintura escapular. As vantagens que se retiram são diminuídas por causa da limitação da cintura escapular? Não. São limitadas de igual modo em todos os tipos de próteses. O réu foi informar-se sobre próteses e componentes. Deram-lhe outras informações. Sabe que ele foi a outros locais antes. O contacto que teve com o réu foi para pedir orçamento para uma prótese concreta. Afirma que o Réu teve consciência. Disseram-lhe o que era possível fazer com uma e com outra. A consulta visava o esclarecimento. Com toda a certeza que a informação foi prestada. Limitação 5 graus. Depende dos bordos do encaixe. Permite diferenciar os tipos de dedos. Depois de algum treino pode usar diferentemente os movimentos dos dedos. Levar alimentos à boca sem se debruçar? A limitação pode ser 30 ou outra. Do tipo de treino e da afinação que exista acha que será possível. Mas no caso concreto não sabe. Não viu o Réu com a prótese. Admite que há movimentos que não pode fazer. Conhece pessoas que comem de faca e garfo, inclusive com próteses mecânicas. O que tem de memória é que ele já teria feito uma opção. Certamente já teria uma expetativa. Pensa que não fez investimento só na internet. Prestou-lhe toda a informação e o que fazia cada uma. A opção da pessoa foi escolher uma hipótese. Não sabe se o réu era uma pessoa motivada. Não o acompanhou depois. A colocação da prótese foi em Junho e já lá não estava. Pode só ter sido colocada passados uns meses por causa da chegada dos materiais mas não sabe em rigor. Há elaboração de moldes, colocação de tirantes, medidas. Não pode levantar cima dos 90 graus.
E…, casada, médica Fisiatra, trabalha desde 1997 para a Autora. Inquirida aos factos vertidos nos itens 13 a 24, 30, 37, 38 da oposição e da resposta disse que teve contacto com o réu numa consulta. A Autora é uma associação de direito público e é subsidiado pelo Centro de Formação Profissional Serviços diferentes e independentes. A sua atividade é prescrever produtos de apoio. Foi há mais de 3 anos. Consultou apontamentos, tirados na altura. O Réu compareceu para pedir orçamentos. Observou-o a pedido de outros colegas do B…. Para tentar dar conselhos sobre o tipo de próteses. Terá sido o B… que pediu a consulta. Falou com o Réu sobre o tipo de próteses. Ele estava a ser seguido num hospital. Já tinha a prescrição da prótese e a consulta visava a questão do cotovelo. Não fez a prescrição porque o Réu já a tinha. Habitualmente a prescrição é da fisiatria. O próprio não lhe solicitou a prescrição. Já tinha feito pesquisas de mercados. Tinha ido a França, à L…. Já se tinha informado do tipo de próteses possíveis. Ficou definido cotovelo elétrico ou mecânico, mas em ambos os casos com mão biónica. Foi encaminhado o orçamento destas duas possibilidades. Quanto à solução do encaixe, já não tem memória do que foi feito ou do que falaram. Acredita que se falou. Mas neste momento não tem bases para dizer que foi falado. A suspensão por tirantes não foi uma hipótese colocada. Teria mesmo de ser. Tem ideia que uma luva cosmética lhe foi mostrada que é o revestimento final. No caso da mão biónica a luva tem de ser diferente. A prótese estética pode ser mais perfeita do que uma que implique movimento. Não pode ser tão elaborada porque impediria movimentos. Estavam também presentes, uma irmã do Réu e a D. M…. Prótese elétrica ou mecânica? Seria sempre uma decisão do próprio. Adquiriu uma prótese elétrica e mão biónica, que também é elétrica. Não lhe garantiram que escreveria, tanto mais que é a mão não dominante. Não lhe garantiram nada. A mecânica e a mão biónica permitem fazer pressão, mas tem a certeza que não tentaram induzir nesse sentido. A consulta era para ter a certeza que conseguiam transmitir que havia outras próteses possíveis. O réu já tinha aquela ideia, mão biónica e prótese elétrica. Até costumam sugerir que as pessoas contatem outros utilizadores. É o mais sofisticado que existe, mas tal não quer dizer que a pessoa consiga retirar o potencial na sua globalidade. Faz parte da prática sugerir e por isso quase garante que lhe disseram que o teria feito. O cotovelo Hosmer é da L…. A mão é de outro. Não se recorda se lhe disseram se podia manusear o rato, mas não acredita que sim porque o rato é manuseado com a mão direita. Ou se podia mexer nas teclas. Desde que devidamente treinada pode manusear o teclado com os dedos. Mas com treino muito específico e individualizado. Disseram ao réu que os resultados dependiam muito do treino. Não tem memória de o réu lhe ter perguntado se podia manusear objetos e levá-los à boca. Pode fazer a apreensão e depois o cotovelo teria que dobrar, logo conclui que o poderia fazer. Mas não é como usar o corpo normal. Trata-se de reaprender todos os gestos. Uma pessoa jovem que tenha a expetativa de funcionalizar o braço esquerdo é normal a escolha da elétrica. Há estudos que dizem que quanto mais recentemente começarem a utilizar a prótese mais hipótese têm de o cérebro se conseguir adaptar a tal. Segurar com pressão qualquer prótese mecânica ou bioelétrica permite, sendo que esta tem sensores que permite dosear a força. Não sabe se se falou sobre isso. Tem a certeza que não o fez optar por esta prótese. Sabe que o réu fez testes mas consigo apenas fez a consulta e não o acompanhou mais. No caso de o réu não havia restrição clinica para o uso deste tipo de prótese. Não o viu a utilizar o tipo de prótese. O treino de adaptação é feito por terapia ocupacional. Não sabe onde o réu a fez. Estaria a ser seguido no Hospital de Guimarães. A vontade do utilizador é importante e nem sempre a prescrição é limitativa, pois deixa em aberto várias hipóteses. Não pode afirmar se o réu já tinha prescrição médica. A dúvida na sua consulta era sobre o tipo de cotovelo. O resto estaria já decidido. Não tem ideia de ter falado sobre os tirantes. O réu queria algo que se aproximasse mais de uma mão. A mão biónica seria a prótese mais desenvolvida em abstrato. O tipo de tirantes usado limitava as outras potencialidades, mas na situação do réu não havia outra maneira para sustentar a prótese. A final refere que não sabia se o réu já tinha prescrição. Refere que o que o réu pode fazer numa secretária não fica limitado, já que as tarefas acima é que podem ficar limitadas. O movimento da abdução, flexão e extensão ficam limitados. Mas no dia a dia não precisam de todas as funções. O próprio encaixe limita a flexão do ombro. A contração do músculo é que faz ativar. A biónica tem funcionalidades diferentes. Faz conjunto de pinça. Tem o potencial de movimentar os dedos. Faz atividades do dia a dia. Mas pressupõe um treino específico. Mas mesmo com treino e em relação ao movimento do ombro não pode ultrapassar. Acima do nível do ombro ou a este nível não pode. Não pode dizer os graus. Provavelmente é muito difícil estender o braço, mas em concreto não sabe. Depende de muitas circunstâncias. Há uma interação muito completa. Não induziu o réu a adquirir este tipo de prótese nem ninguém o fez na sua presença. Se foi pedida a sua intervenção é porque se entendeu que lhe poderiam explicar melhor. Tem a certeza que não foi induzido a adquirir este tipo de prótese. Este tipo de próteses tem altas potencialidades, mas nem tudo o que se vê na internet é verdadeiro. Tentaram esclarecê-lo sobre a prótese potencialidades e restrições. Foi por achar que estava mais fragilizado que fizeram a consulta. A consulta foi marcada na tentativa de esclarecer. Não foi outro foi ajudar e fazer com que tivesse consciência do que estava a adquirir. O próprio não solicitou a prescrição. Ficou decidido o envio de dois orçamentos e nada mais. O B… já tinha colocado uma mão biónica, mas não em situação idêntica à do réu, só com o elemento mão. Que se recorde com mão biónica nunca fez, mas ele teve possibilidade de ver como funcionava uma mão biónica. Habitualmente é comunicado tudo, incluindo os tirantes. Sempre que é possível os técnicos trazem os tipos de próteses em questão para se explicar melhor. O primeiro contato foi em Novembro e viu-o em Dezembro. Não teve informação quanto ao orçamento e na altura não tinha ideia dos preços. Tem noção da diferença de preços. Mas não sabe quantificar. Garante ao tribunal que não induzir o réu de que poderia usar a luva conforme o referido no artigo 30° da contestação.
H…, técnico ortoprotésico na autora, desde 1992 até à presente data. Conhece o réu só por ser cliente do B…. Viu-o algumas vezes. Não teve intervenção nos preços. Inquirido aos factos dos artigos 27 a 30, 32, 37 e 38 da contestação e da resposta disse que apenas conheceu o réu após a encomenda da prótese, sendo que quando chega a fabrico já está tudo decidido. O tipo de prótese era para uma amputação transumeral com cotovelo elétrico e mão biónica. Fez a execução do molde, o encaixe dos componentes, etc. Teve algumas visitas durante o processo de fabrico. Se calhar uma dúzia. Começou por tirar o molde sobre o membro amputado de modo a fazer o encaixe. O réu não fez perguntas em especial, mas foi-lhe explicitando como o faz com todas as pessoas. Depois do molde fez a estrutura (ver fls. 146). O molde foi colocado para ver como estava e depois fazer definitivo. É um material só para prova. Foram feitos os ajustes para depois fazer o encaixe final. Testaram o encaixe final. Mesmo ao nível dos sensores. Tudo é testado antes. O processo foi concluído em Junho. Ao abrigo da garantia substituíram a luva. Mas não foi consigo pois estava de férias. O Réu disse-lhe que tinha ido a Inglaterra, que a prótese estava ajustada, mas podiam fazer melhoramentos. Fizeram essas alterações a seu pedido. Assinou o termo de receção quando recebeu a prótese. O início de produção foi em Fevereiro. A questão do defeito foi alertado pelo B…, mas o réu falou de um casamento e levou-a assim. Nunca reclamou qualquer defeito. Pensa que teve uma reclamação com a questão da mão. Nunca ele disse que não era aquilo que queria. O colega disse-lhe que o réu depois o iria contactar na sequência de uma visita em Inglaterra onde foi pedir uma opinião. Fizeram ajustes em conformidade. Nessa altura o senhor já usava a prótese. Fazia abertura e o fecho da mão e do braço. Afirma que teria sempre que existir um encaixe rígido. Nunca lhe falou do tipo de encaixe, pois o réu já trazia informação... O pedido de intervenção foi depois de Agosto. Nunca lhe apresentou quaisquer queixas nem sabe se apresentou a alguém. Numa das alturas o réu estava a fazer treino ocupacional e uma médica que trabalhava em Guimarães ligou-lhe para fazer melhoramentos ao nível da amplitude de encaixe. Foi o que fez em Outubro e depois não soube mais nada. Mesmo na mecânica teria que haver o mesmo tipo de encaixe. Na altura o réu achava que tinha melhorado. Como o coto é curto chega a uma altura que tem limites. O réu esteve com a prótese a fazer treino. Depois da colocação é que tem a noção de tudo. Com o encaixe de prova já tem noção das limitações da cinta escapular. O réu já sabia como ia ser feita a prótese e que ia ser suportada por tirantes. Não há outra suspensão. No próprio orçamento discriminam-se os componentes. Não sabe se lhe foram explicados. Pensa que o treino era no Hospital de Guimarães e teve contacto com um médico de lá por causa da movimentação. Por causa do encaixe há limitações, mas os amputados têm aptidões diferentes. A partir de Outubro nunca mais viu o réu. Não sabe até que ângulo tem limitações. Disse ao réu que não podia fazer mais porque necessitava de tal sistema para segurar a prótese. Alterou uma válvula para melhorar o encaixe. O elástico seria também para melhorar. Isto em Outubro. Antes com sugestão da Dra. N… já tinha tido alterações. A queixa do réu foi só quanto ao movimento de abdução, daí a colocação do tirante extensor, para aumentar o ângulo. Depois nunca teve mais queixas. O réu nunca lhe demonstrou qualquer desilusão.
O…, gestor da Autora, tem as funções de coordenar a equipa de trabalho. Trabalha para a autora desde 1996. Inquirido aos factos vertidos nos itens 1 a 5 e 23 a 26 da oposição disse que não teve contacto com o Réu. Sabe que ele pediu orçamento para o fornecimento de uma prótese. Não sabe se já vinha definido o tipo de prótese. Houve um pedido de avaliação. Desenhar a situação mais adequada. É um organismo público. Visam prescrever e fabricar produtos. As pessoas são avaliadas e é prescrita a melhor solução. Também fornecem produtos de apoio. Sabe o que foi fornecido. Sabe o valor com recurso a elementos que traz escritos. Fizeram faturas. Só tem uma fatura com este. O réu pagou uma parte aquando a adjudicação, no valor de 70%. Está em dívida €8.100,47. Foram emitidos recibos. Interpelaram o réu para efetuar o pagamento. Fizeram ajustes posteriores em Outubro.
I…, casado, marceneiro, pai do Réu. Inquirido a toda a matéria disse que acompanhou tudo o que sucedeu na consequência do acidente do seu filho. O Réu era marceneiro de móveis e trabalhava consigo na oficina. Estavam todos os dias juntos. Depois do acidente o Réu viu-se com um braço amputado e queria arranjar uma prótese. Queria o melhor que houvesse. Andou a procurar, com a ajuda da sua outra filha, várias situações. Quando chegavam a casa relatavam o que se tinha passado. Ao mesmo tempo o réu andava a fazer tratamentos no Hospital de Guimarães. Esteve hospitalizado e depois ia dia sim dia não para a fisioterapia. Foi lá que fez os tratamentos. Por iniciativa própria procuraram arranjar uma prótese melhor. Pesquisaram na internet e foram a vários sítios para ver onde arranjavam melhor para substituir o braço. Chegaram à Autora. Disseram que ia comer de faca e garfo. Amarrar os cordões. Que ia fazer alguns serviços no trabalho. Mas a final não foi assim. Foram lá muitas vezes. Não sabe se iam a consultas. Não sabe dizer onde foram em concreto. O réu continuou a viver consigo e a trabalhar com as limitações inerentes, mas sem fazer o trabalho que antes do acidente fazia. O dinheiro para a prótese foi do salvado do carro (10.000,00) e depois com as suas economias ajudaram o Réu. Optou por comprar nesse B… porque lhe deram aquelas indicações. Não sabe descrever o tipo de prótese. Sabe que comprou a mais avançada. Não tinha outro tipo de informação para além da internet. Tentaram pesquisar para ver qual era a melhor situação. A prótese não funciona. Conclui que o réu foi seduzido a engano. O Réu foi muitas vezes à Autora. A situação é que a prótese não funciona por causa do encaixe do ombro e por isso não conseguia fazer nada. Não levantava o braço. A mão e o cotovelo sim, mas o encaixe. Eles influenciaram a compra e a final não fazia nada. Em abstrato faria todas as funções. No Hospital de Guimarães não subscreveram nada, acha. A compra da prótese foi motu próprio. Chegaram a ir a Inglaterra e disseram-lhe que não resolvia nada. Colocou a prótese em Junho de 2011. Em Agosto terá substituído uma luva. Em Guimarães diziam que não mas o B… ia dizendo que ele ia conseguir. O Réu estava convencido que aquilo ia funcionar. Mas a verdade é que não funciona. É como se fosse a cosmética. Não consegue mobilizar o braço. Não sabe responder. Disseram sempre que aquilo ia funcionar. E a final aquilo não funcionou nada. Após o acidente o seu filho sempre se esforçou. Nunca baixou os braços. Se para funcionar a prótese apenas dependesse do trabalho do seu filho conseguiriam. Foi a Inglaterra para ver se existia outra alternativa para ver se aquilo funcionava. Foi por sua própria iniciativa, para tentar resolver a situação. Disseram-lhe que não dava para trabalhar. Não sabe se lhe sugeriram algo. Em Guimarães também lhe disseram que com o tipo de encaixe não conseguiam. O B… sempre lhe disse que ia conseguir. Que o braço ia funcionar. Não ia lá com treinos, por causa do encaixe. Entretanto a prótese foi encostada e compraram outra estética. Não compraram no B…. Quiseram devolvê-la, porque não funcionava. O que faz a estética faz a outra que é nada. Se ele soubesse da limitação não compraria. Só não pagou porque não funciona. Quando veio do J…, inicialmente, vinha satisfeito. Ele chegou a dizer que até ia conseguir fazer móveis. Estava convencido que, da maneira que lhe diziam, que ia conseguir. Depois ficou desmotivado. Quem o acompanhou foi sempre a irmã. Tinha mais conhecimentos e sabia falar inglês. Depois de ir a Inglaterra ficou convencido que não iria tirar proveito da prótese. Se houvesse soluções ele esforçar-se-ia. Eles sempre lhe disseram que a prótese ia funcionar. Nunca ouviu falar da questão do encaixe. Esta devia ser uma das primeiras próteses que fizeram. Se calhar também estavam às escuras. Terá sido uma experiência nova para eles. Acha que não lhe falaram do encaixe. (Falou de forma emotiva porque em causa está o dinheiro do filho que andou a pagar o carro durante anos e depois deu o dinheiro do salvados para pagar e ficou sem o carro e em causa está também o seu dinheiro, já que ajudou a pagar a prótese. Ainda está sempre com o filho. Não sabe quanto tempo o filho usou a prótese. Não sabe ao certo. Talvez um ano ou mais de um ano. No princípio ia ao Hospital. Depois acabou a fisioterapia. Não sabe se foi um ano ou mais. Em Guimarães ele foi para treinar, mas não conseguiram. Fez a fisioterapia até ao limite que eles entenderam e depois não. Foram a Inglaterra. Depois o B… quis o resto do dinheiro e foram lá para devolver. O advogado diz que foram 3 meses. No B… eles enganaram. Foi exibido à testemunha a foto de fls. 154. Nunca se apercebeu de o braço subir e descer com a prótese. Não sabe se a prótese subia até ao ponto de fls. 154. Em casa diz que a prótese não trabalhava. Nunca viu a prótese na posição de fls. 154. Acha que levantava com o auxílio da outra mão. A mão mexia. A mão estética não. Em Inglaterra disseram que por causa do encaixe não funcionava. Não sabe se em Inglaterra quiseram vender outra igual, mas com um encaixe diferente ou se o seu filho queria um desconto do B….
F…. Inquirida a toda a matéria disse que namora com o réu desde há cerca de 4 anos. O seu namorado foi partilhando consigo o que se passava. Esteve internado no Hospital de Guimarães. Teve alta cerca de 3 semanas depois. Iniciou a fisioterapia. Quando procurou o C… estava a fazer fisioterapia. Consultou o B…. O réu falou-lhe disso. Também lhe falou de outra loja em Matosinhos. Fizeram pesquisas na internet. Reagiu bem. A sua irmã também. Foi uma pesquisa incessante. Todos ajudaram. Não sabe se houve uma prescrição, sabe que a médica lhe falou disso. O Réu falou-lhe. Fizeram buscas, mas não percebiam. Procuraram o mais parecido com o membro natural. Ia muitas vezes a Guimarães falar com a médica. Optaram por comprar o mais parecido com o membro natural. Foi com o Réu cerca de três vezes ao B…. Mas foi para fazer o molde para o encaixe. Depois foi para trocar a luva. Nessa altura já falou do encaixe. Depois uma última vez tendo em vista melhoramentos na prótese. Preocupou-se em saber o que a mão fazia e o ombro. Decidiu comprar aquela prótese porque acreditava que ia fazer quase tudo. Falava em comer de faca e garfo. Acreditava que ia fazer tudo como um membro natural. Escrever no computador. Segurar as folhas. Voltar a trabalhar. Todos acreditavam. Depois da consulta. Não estava presente, mas o Réu nunca lhe disse nem lhe falou do encaixe. Ninguém lhe tinha falado no encaixe. Chegaram a ver vídeos. Mas eram vídeos em concreto com as mãos. A pessoa fazia tudo com a mão e por isso optaram por ela. Não sabia que o encaixe limitava o uso da prótese. Ele não foi informado. Se fosse isso teria condicionado a sua escolha. Ele acreditava que iria fazer muito mais. Não o acompanhou sempre nas consultas. O molde só se faz uma vez. Foi um processo natural. Sabia que tinha que ter um encaixe, mas não fazia ideia. Na altura falaram do acidente e de casos similares. Não percebiam de nada. Mas não houve qualquer tipo de conversa. Depois foram trocar a luva, já não sabe por que razão. Não sabe o tempo que mediou entre a colocação da prótese e da luva. Sabe que o Sr. H… estava de férias. O Réu entre a colocação e o trocar da luva esteve sempre a fazer fisioterapia. Foi lá, no Hospital de Guimarães, que lhe disseram que o tipo de encaixe estava a tirar os movimentos e que não ia conseguir fazer o que pretendia. O encaixe era duro e o réu não conseguia levantar o braço totalmente, só conseguia até à cinta. Conseguia esticar o braço mas não ao nível do ombro. Conseguia deslocar o braço, mas pouco. Não chegava com a mão ao ombro. Tudo porque o encaixe era duro. Esticar o braço para trás também não. Conseguia fazer movimentos. Pegava numa garrafa ou copo perfeitamente, mas não chegava à boca. Agora usa uma estética. Não pega em objetos, mas faz quase o mesmo. Só desistiu da prótese porque não retirava vantagens. Antes, treinava e acreditava que ia conseguir. Andou sem prótese e só depois comprou a estética. O Réu não fazia os movimentos que conseguia fazer sem prótese. Tem ideia que a própria médica de Guimarães falou com alguém do B… e quando foram trocar a luva ele já falou dessa questão. E ela disse que o Sr. H… não estava. Depois de o B… dizer que não havia outra forma de encaixe foram a Inglaterra. Lembra-se que foi lá outra vez e que colocaram uma válvula, mas não sabe se foi antes ou depois. Era possível fazer alguns melhoramentos, mas tinha que ser acompanhado diariamente. Com a válvula não tirou grandes benefícios. A partir da colocação da válvula não houve mais conversa. O que queria era ver a situação do encaixe resolvida. Mas a resposta foi a presente ação. Ele quis devolver a prótese, pois não a usa. Tentaram conversar para chegar a um entendimento. Ele tinha motivação extra. Disseram-lhe que o encaixe o ia limitar mas ele treinou sempre. Não desistiu logo. Acreditava que conseguia. A ideia da válvula foi uma das opções do sr. S…, em Inglaterra. Depois o B… não estaria disponível para mais. Disse que seria uma questão de treino. O Sr. H… disse que era o possível a fazer. Não fez o acompanhamento diário que foi sugerido em Londres. Quando o réu veio de Londres vinha entusiasmado. Achava que era possível fazer algo. Acreditava que ele ia fazer tudo. Antes de adquirir a prótese foi a … e também depois de ir a Londres. Foram sugeridos melhoramentos. Não se lembra se foi sugerido outro tipo de encaixe. Antes de ir ao B… foi a … e a Matosinhos. Foi a França também à L…. É o mais avançado em próteses de membros superiores. Viu imagens. Não se recorda como era o encaixe. Fizeram todos uma busca, mas a sua fixação era a mão. Ver o que a mão fazia. Quando veio de … já vinha com a ideia de uma prótese que faria tudo. Não tem a ideia de lhe terem sugerido qualquer prótese. O Réu não tinha expectativa quanto ao encaixe. Chegou a ver a mão a funcionar. Não conseguia. Podia segurar uma caneta. Com a mecânica não viu. Não levantava a mão à altura do ombro. Segurava o pão mas não o levava à boca. Viu-o a tentar beber e não conseguia (Atenção bebe-se com a mão direita). Quando fez o molde para o encaixe viu. Depois constatou que o limitava. Não sabe se o encaixe é igual ao da internet. Foi a Inglaterra e depois sugeriram um novo. Mandou fotos da prótese. Inglaterra referiu que poderia ser possível fazer um novo encaixe. Esses e-mail foram anteriores, antes de o verem. Depois quando o viram não sabe. Depois outro e-mail a dizer que funcionava bem. Depois dos e-mails foram lá. O acompanhamento diário era para fazer melhoramentos. Não sabe quais eram os melhoramentos. Não sabe qual o período necessário para treinar a prótese. Não assistiu à conversa com a ortoprotésica. Não ouviu o que lhe garantiram. Não sabe quem sugeriu a consulta. Ele foi para pedir um orçamento ou obter informações.
Declarações de parte do réu sobre os factos referidos em 3 a 11, 13, 16 a 47,49 a 53, 54 e 55, 74 a 75, 78, 79 e 80 da contestação.
Inquirido disse que trabalha em móveis. Teve um despiste de automóvel. Sofreu lesões. Necessitou de uma prótese. Fez investigações para saber o que havia. Primeiro na internet. Visitou sítios. Foi a …, foi à Autora e a Matosinhos. Também foi uma vez a França. Perguntava o que existia no mercado. Fez a pesquisa e as perguntas sempre focadas nas potencialidades da mão. Quanto à solução de encaixe nunca lhe passou pela cabeça nem ninguém o alertou. Não sabia como ia ser e o que resultaria daí. Quando foi à Autora já sabia o que existia no mercado em termos de mão. Foi lá para pedir a opinião e conhecer alguns produtos que tinha visto apenas na internet. Foi a Autora que pediu uma avaliação para ver se tinha força muscular. Para ver a articulação. Não escolheu o tipo de encaixe. Para o tipo de prótese em causa não existia outra. Foi avaliado na consulta. Disseram-lhe que tinha condições para a prótese. Que a mão tinha essas funções e que era preciso muito treino para delas beneficiar. Porque seriam duas articulações, donde não era como se fosse só uma mão. Já sabia essa informação e eles confirmaram por referência à mão. Disseram-lhe que a mão tinha essa potencialidade, teria que ver se é direita ou esquerda. Não consegue segurar uma folha. O indicador fica esticado mas não consegue mexer o braço de um lado para o outro. Disseram que a mão faria muitos movimentos de forma mais natural. É preciso treino para abrir um dedo e outro, separar os movimentos todos. Com o sistema de encaixe nem com treino consegue. Isso foi detetado na garrafa. Só conseguia mexer a mão e o cotovelo. A conversa foi sempre dentro das potencialidades da mão e só falaram do cotovelo depois da mão. Comprou a prótese pela informação que tinha, testemunhos e artigos e pelo B… que lhe confirmou. A negociação demorou dois ou três meses. Pediu orçamentos no padrão ortopédico. Foi contemporâneo com o de Matosinhos. Optou pelo B… por ser mais barato e ter boas referências. Foram eles que colocaram a primeira mão biónica. Em Guimarães a fisiatra acompanhou o processo de forma isenta e soube sempre desta história e ia concordando com o que ia investigando. O hospital não tinha verbas. Soube sempre do que ia fazer até comprar. Também pediu conselhos. Quase toda a gente dizia que aquela prótese tinha mais possibilidades. A de … não disse que não tinha, mas no seu caso como era a primeira prótese aconselhou -o a optar primeiro pela mecânica. Se soubesse o resultado que ia ter não teria optado pela mão biónica. Fez os testes à condição física. Tinha as potencialidades físicas, força suficiente e mobilidade para suporte a prótese e fazê-la funcionar. Fez fisioterapia para ter os músculos prontos para a prótese. Não viram qualquer restrição clinica para usar a prótese. Foi inicialmente ao B… para pedir informações e saber valores. E depois pedir orçamento final. Esteve em outros no ..., em … e em França. Confirma o artigo 22. Depois de tudo definido deram-lhe o orçamento completo. Confirma 25 a 26. Entre Junho e Agosto faltava entregar a luva. Só em 10.08 foi quando substituíram a luva. Referiu nessa altura da falta de mobilidade. Disseram-lhe que em Setembro quando o Sr. H… viesse de férias resolviam. Pensou sempre que iria fazer as tarefas que a sua mão esquerda. Em setembro o tal Sr. H… disse que nada havia a alterar para assegurar a mobilidade do ombro. Antes nunca tinham falado do sistema de encaixe se iria ou não limitar. Falaram da funcionalidade da mão em abstrato? Sim porque a diferença estava na mão o resto é tudo mais ou menos igual. Os cotovelos é tudo igual. A diferença é da mão. E até existiam mais caras. As conversas foram sempre ventradas na mão. Depois é que falaram do cotovelo. A 20.09 foi a Londres. Porque o Sr. H… disse que não havia nada. A médica de Guimarães mandou e-mail para Londres e depois foi lá porque são os representantes da marca da mão. Deram-lhe a ideia da válvula e da colocação de um elástico. Disseram que tinham que ir mexendo para a ir mexendo e não cair. Foram fazendo tentativas e ajustes. Disseram que por uma questão de garantia deviam ser feitos em Portugal. Explicou isso no B…. Disseram-lhe que não havia mais nada a fazer. Conseguia mexer a mão. Mas nunca iria retirar potencialidades a 100%. Dava para melhorar. O B… garantiu-lhe. Não lhe disse o que não ia fazer. Ao comprar a mão pensou que ia fazer e ninguém lhe disse que não iria conseguir. Pensa que o B… deveria saber que não ia conseguir. Mas pensa que era a primeira mão biónica com o tipo de amputação que tinha. Quanto ao 44 foi o que retirou na internet e lhe foi dado. Ninguém lhe disse nem sequer em outros centros que por causa do encaixe não iria conseguir fazer. Conseguia mexer a mão e o cotovelo. O propósito era conseguir realizar o maior número de movimentos possíveis. Com a estética e com a mecânica consegue-se fazer algumas coisas. A biónica era do mais avançado. O B… deveria saber que os movimentos ficariam impossibilitados. Se calhar não pensaram nisso por ser a primeira prótese. Disseram-lhe que as pessoas conseguiam tirar maior proveito do treino. No seu caso sempre foi alertado de que teria que teria de treinar muito. O suficiente para conseguir. Dependeria de treino apenas, pois a sua situação física tinha sido avaliada. Quanto ao item 50 disseram-lhe que era mais difícil chegar lá mas possível. Acreditou sempre. Treinou durante cerca 4 ou 5 meses. Em Guimarães disseram-lhe que lhe tinham que dar alta. Não poderia lá estar pois ocupava o lugar de outro e não resolvia o seu problema. O B… sabia a sua vontade e não o esclareceu. Usou a prótese ainda durante um ano. Depois foi entre advogados. A última vez que foi ao B… disseram-lhe que tinha que pagar. Quanto ao artigo 74 a mão tinha essas possibilidades que foram retiradas com o resto. Quanto o 75 sim. Houve a consulta. Processo com uma senhora. Depois o técnico. Nunca lhe falaram da situação de encaixe. As conversas que teve foi sempre sobre a mão. Disseram-lhe para falar com outros amputados? Sim. Mas disseram-lhe que não tinham ninguém com mão biónica e cotovelo. Nunca conseguiu falar com outros. Eles não tinham nenhum doente nem conheciam ninguém com o seu tipo de amputação. Teria que fazer fisioterapia. Ao fim de um ano ainda andava a fazer fisioterapia para potenciar a prótese. Quando foi a … queria uma mão biónica e a Dra. Doutora aconselhou a mecânica.”

Do confronto de toda a prova produzida e reanalisada nesta sede, segundo critérios de valoração racional e lógica, com recurso aos conhecimentos de ordem geral das pessoas normalmente inseridas no meio social dos intervenientes processuais e as regras da experiência comum, não podemos ficar com a convicção com que ficou a Ex.ma Juíza do tribunal recorrido.
Aliás, esta, de forma algo contraditória, assenta a sua convicção em depoimentos que não a suportam, conforme resulta dos próprios resumos que elaborou.
Assim, relativamente às circunstâncias do negócio, as únicas testemunhas que revelaram ter conhecimento directo foi a D…, a E… e o H…. Os depoimentos destas testemunhas mostram-se isentos, desinteressados, transparentes e sinceros, sendo, por conseguinte, credíveis e convincentes. Apesar de ter sido (no caso da D…) ou ainda serem funcionários do autor (no caso da E… e do H…), em parte alguma se constatou qualquer falta à verdade, por acção ou omissão, não se compreendendo a imputação que lhes é feita quanto à falta de informação sobre o encaixe e funcionamento da prótese adquirida pelo réu.
Elas foram unânimes ao relatar a forma como este as contactou para a aquisição da prótese e as diligências que efectuaram para esse efeito. Sobretudo as duas primeiras, que o receberam logo no início, foram peremptórias ao afirmar que o réu já tinha uma decisão tomada sobre a prótese que pretendia adquirir, pois já tinha obtido informações em vários locais, nomeadamente na internet, em França e no J…. Acrescentaram que realizaram uma consulta, onde prestaram todos os esclarecimentos ao réu, sem terem qualquer influência sobre ele na escolha de qualquer tipo de prótese. A Sr.ª Perita G…, médica fisiatra do J…, ao prestar os esclarecimentos que lhe foram solicitados, também referiu que o réu, aquando de uma consulta que ali ocorreu, em 10/11/2010, lhe referiu que queria uma prótese eléctrica e que já estava informado sobre o que queria, não obstante ela lhe ter aconselhado uma mecânica. Acrescentou aquela Perita que o sistema de suspensão é o mesmo em ambos os tipos de prótese e que ambos limitam os movimentos. O H… que executou o molde e procedeu ao encaixe dos componentes e montagem da estrutura disse que o réu já trazia informação sobre a prótese e, durante o processo de fabrico, foi contactado por ele várias vezes, tendo-lhe prestado todos os esclarecimentos que solicitou, explicando-lhe o que se fazia em cada momento, nomeadamente aquando do encaixe de prova e do encaixe final. O processo de execução ficou concluído em Junho de 2011, tendo a prótese sido entregue ao réu nessa altura apenas com um pequeno defeito na luva, porque manifestou urgência devido a um casamento, defeito esse que foi logo reparado em Agosto seguinte. Entretanto, soube que o réu foi a Inglaterra, onde aprovaram o trabalho efectuado, referindo apenas que havia que fazer pequenos ajustes. Esses ajustes foram feitos, bem como melhorou a amplitude ao nível do encaixe depois de a Dr.ª N…, médica do Hospital de Guimarães, lho ter solicitado.
A “informação clínica” de fls. 109, referente a uma consulta efectuada ao réu em 18/7/2013, no âmbito deste processo, pelo Serviço de Reabilitação Geral de Adultos do J…, refere, além do mais, que “A prótese transumeral que trouxe possui encaixe rígido de contacto total com válvula distal, suspensão por tirantes, cotovelo eléctrico com comando por interruptor “microchip” ao tirante axilar oposto e mão biónica “bebionic” com eléctrodos colocados na face anterior e posterior do coto”, “… o encaixe está adaptado ao coto do utente e permite o suporte necessário e adequado à prótese…”, “O sistema de suspensão é necessário para auxiliar a suspensão desta prótese e ao mesmo tempo para o comando do cotovelo. Esta suspensão limita a amplitude da cintura esquerda nos vários planos”, “Não existem outras soluções técnicas para a suspensão deste tipo de prótese em função das características do coto”.
Em face destes elementos, bem como das fotos de fls. 146 a 154, muito se estranha a formação da convicção com base nos depoimentos das testemunhas arroladas pelo réu e nas declarações por este prestadas.
Aqueles depoimentos são, clara e manifestamente, interessados no desfecho da acção. O do primeiro, I…, por ser o pai do réu, ter despendido dinheiro com a aquisição da prótese e viverem e trabalharem em economia comum. O da segunda, F…, por ser a namorada do réu. Nenhum assistiu à negociação da aquisição da prótese, pois não acompanharam o réu aquando da primeira consulta, altura em que ficou definido o tipo da mesma. Quem o acompanhou foi a sua irmã, P…, a qual não chegou a ser inquirida, por ter sido prescindida (cfr. acta de fls. 203). Ainda assim, não deixaram de afirmar que o réu estava bem informado acerca da prótese que queria, frisando o I… que ele “queria arranjar uma prótese, o melhor que houvesse…”, que o problema é o encaixe e que a usou um ano ou mais, acabando por encostá-la quando viu que não lhe permitia fazer tudo o que queria, designadamente na sua arte de marceneiro.
A F… também afirmou (como consta da respectiva motivação) que o réu “decidiu comprar aquela prótese porque acreditava que ia fazer quase tudo”, “Acreditava que ia fazer tudo como um membro natural”.
Nas declarações que prestou, o réu confessou que se informou sobre os vários tipos de prótese, em vários locais, designadamente, através da internet, em …, em França e no autor; que neste lhe foi entregue um orçamento, em Janeiro de 2011, tendo em vista a aquisição da prótese, naquele ou noutro local; que não existia outro tipo de encaixe para o tipo de prótese que pretendia; que comprou a mão pela informação que já tinha obtido e que foram confirmadas pelo autor; e que a prótese lhe foi entregue antes de 10 de Agosto de 2011, data aposta no termo de recepção de fls. 36, que corresponde à data da substituição da luva.
Quaisquer outras afirmações por ele proferidas são irrelevantes por não conterem factos que lhe são desfavoráveis, não sendo, sequer, caso de livre apreciação (cfr. art.º 466.º, n.º 3, do NCPC).
Dito isto, vejamos cada um dos factos impugnados:
10 – As expressões “De acordo com a opinião dos técnicos da Requerente” e “entre outras” devem ser excluídas, porquanto a primeira não se mostra provada, pelas razões supra referidas, e a segunda é um campo aberto e contém um juízo conclusivo que não pode constar dentre os factos provados, por nada delimitar e não constituir um verdadeiro facto, devendo ser considerada não escrita, não obstante a revogação do art.º 646.º, n.º 4, do anterior CPC (cfr., neste sentido, o acórdãos deste Tribunal de 7/10/2013, processo n.º 488/08.1TBVPA.P1, in www.dgsi.pt). Mas o mesmo já não sucede com o advérbio “designadamente”. Com efeito, este sintagma adverbial não contém qualquer juízo conclusivo, representando antes o modo de designar, de indicar, denominar. Inserido numa oração, o advérbio tem um sentido especificativo com que se pretende particularizar algo ou alguém, de entre uma série de elementos indiscriminados de um conjunto. Assim, tal como acontece no presente caso, é-lhe conotada uma noção de exemplificação, representando a ideia de advérbio de inclusão, nada obstando à sua inclusão na matéria de facto provada (cfr. acórdão do STA, de 15/5/2003, processo n.º 01802/02, in www.dgsi.pt).
12 – O segmento “Pela razão referida em 10” não foi alegado (cfr., designadamente, art.ºs 23.º e 24.º da oposição), como, aliás, reconhece o réu/recorrido.
Este, nas contra-alegações, sustenta que pode ser considerado por se tratar de concretização dos factos alegados e resultar da instrução da causa.
Permitimo-nos discordar.
De acordo com o preceituado no n.º 1 do art.º 5.º do CPC, “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas”.
E, segundo o n.º 2 do mesmo artigo, “Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções”.
O recorrido parece integrar o aditamento feito na segunda parte da alínea b).
Porém, o segmento assim aditado aos factos provados não constitui nenhuma concretização dos que haviam sido alegados. Não é com o sentido dado como provado com referência à matéria alegada nos art.ºs 23.º e 24.º da oposição. E também não pode ser relativamente à matéria alegada nos art.ºs 16.º a 18.º do mesmo articulado pela simples razão de que foi dada como não provada.
Não se tratando de factos instrumentais, complementares ou concretizadores dos que haviam sido alegados, não pode aquele segmento conclusivo ser dado como provado, sob pena de nulidade por excesso de pronúncia que é de evitar [art.º 615, n.º 1, d), 2.ª parte do NCPC].
Acresce que o mesmo nem sequer resultou provado da discussão da causa, como se depreende do que se deixou dito aquando da análise da prova produzida.
Deve, pois, ser eliminado.
13 - Para além de não se mostrar provado o que nele se afirma, a remissão feita para o n.º 11 é, manifestamente, incorrecta, pois ali não são mencionados quaisquer movimentos concretos, mas sim no n.º 10. E, quanto a estes, nem sequer está demonstrado que estivesse impossibilitado de os praticar, pois, conforme consta da informação de fls. 79, prestada pelo J…, a prótese em causa “permite obter as diversas actividades, nomeadamente: deslocar e manuseio de objectos, dependendo do seu volume e peso; movimentar o rato e/ou teclado do computador; segurar folhas”, dependendo a sua funcionalidade de: “Encaixe bem adaptado com eléctrodos em locais seleccionados de acordo com avaliação clínica e ortoprotésica; treino funcional com a prótese, de forma a obter maior eficácia e segurança no seu manuseio. Este treino é realizado no âmbito da intervenção em Terapia Ocupacional, requerendo um acompanhamento frequente pela equipa multidisciplinar…, bem como a persistência do Utente no exercício/treino nas múltiplas actividades”.
A necessidade de treino e persistência do utente foi reforçada no ofício de fls. 94, do mesmo J…, e foi reafirmada em audiência pela Ex.ma Perita G… e pelas testemunhas D… e E….
Deve, assim, ser eliminada a matéria deste número.
14 – Relativamente a este ponto, o recorrente insurge-se contra o predicado “colocou”.
E tem razão. Com efeito, a prótese que o autor forneceu ao réu é um objecto amovível, tal como resulta da prova produzida, designadamente das fotografias juntas aos autos de fls. 146 a 154. Daí que seja de excluir aquele verbo, de forma a evitar a formulação de qualquer ideia ou juízo de que houve uma operação de fixação.
17 – Neste ponto, o recorrente insurge-se contra a data da entrega da prótese, sustentando que foi em Junho e não em 10 de Agosto de 2011.
E tem razão, mais uma vez. Na verdade, o próprio réu declarou que a recebeu antes de 10 de Agosto de 2011, altura em que foi substituída a luva e assinou o termo de fls. 36. O seu pai também afirmou que recebeu a prótese em Junho de 2011. O mesmo afirmou a testemunha H…, técnico protésico que executou a prótese, dizendo que o réu a recebeu concluída em Junho de 2011 e levou consigo, necessitando apenas de ser substituída a luva, o que foi feito posteriormente na altura em que assinou o termo de recepção de fls.36. Refira-se que o facto de neste termo constar a data de “10/08/2011” não significa que a prótese tenha sido entregue só nessa data, pois ali também consta a declaração de o réu “ter recebido”.
Deve, assim, ser rectificada aquela data e, por uma questão de harmonização com a matéria do ponto 14, ser eliminada a referência à colocação.
18 - A expressão “encontrada pela Autora para o Réu” deve ser eliminada, por ser conclusiva e incorrectamente sugestiva, porquanto não foi uma solução “encontrada” pela autora e era a única solução possível e existente. É o que resulta, desde logo, do relatório de fls. 109, a que já se fez alusão, onde consta, claramente, que “Não existem outras soluções técnicas para a suspensão deste tipo de prótese em função das características do coto”. E é o que comprovam as declarações da Ex.ma Perita Dr.ª G… e os depoimentos das testemunhas D… e Dr.ª E….
A primeira afirmou que, no presente caso, a suspensão ao ombro contralateral teria que ser feita sempre, quer se tratasse de uma prótese eléctrica ou mecânica. A segunda explicou que a solução de encaixe utilizada na prótese não podia ser outra dado o tipo de amputação. E a terceira disse que “qualquer prótese para aquele tipo de amputação teria de ter o encaixe” e “para uma amputação transumeral e curta, como era o caso, tem sempre de ser feita com envolvimento do ombro”.
21 – A matéria deste ponto não coincide com o alegado nos art.ºs 28.º e 29.º da oposição e não se mostra minimamente comprovada, tendo sido produzida contraprova, como resulta do que se disse, o que nunca permitia dar tal matéria como provada.
26 – A matéria aqui vertida contém juízos conclusivos, vagos e errados, não suportados pela prova produzida.
Tais juízos são patentes nas expressões “as funcionalidades que ela, habitualmente, alcança”, “nunca conseguiu extrair da luva” e “foram determinantes para a sua aquisição”. Para além de se desconhecer que funcionalidades são essas, é manifesto que a luva não permite qualquer funcionalidade, já que se limita a revestir a mão biónica até ao encaixe, sem ter qualquer influência na funcionalidade da prótese e na mobilidade das suas articulações. E mesmo esta funcionava, sem qualquer deficiência, ainda que sem satisfazer as pretensões do réu, porque criou altas expectativas, devido à sua legítima ambição de querer parecer uma pessoa absolutamente normal, sem que para tal tivesse contribuído o autor.
Deve, por isso, ser eliminada esta matéria.
27 – A matéria constante deste número, para além de conclusiva, também não se mostra minimamente provada.
A natureza conclusiva está bem patente na expressão “informaram-no que não conseguia extrair da luva todas as funções usuais”. A falta de prova radica na ausência de meios probatórios bastantes para concluir que tenham sido “médicos e técnicos que assistiram o Réu em Londres”, não resultando essa qualidade dos emails juntos aos autos, ainda que em língua inglesa, sem qualquer tradução para português, em desrespeito pelo preceituado no art.º 134.º do NCPC, e sem que comprovem o que foi dado como provado. O mesmo se diga da prova testemunhal produzida, designadamente dos depoimentos do seu pai e da sua namorada.
Deve, assim, também ser eliminada.
28 – O afirmado neste número não faz qualquer sentido, pois estamos perante uma amputação transumeral e uma prótese concebida para essa amputação, sendo contra as regras da lógica confrontá-la com a funcionalidade de uma prótese para uma amputação distal, portanto abaixo do cotovelo.
29 – Inexiste prova bastante a comprovar este facto. Para além de ter sido dada como não provada a maioria dos factos que alegara acerca das tarefas que pretendia executar, tanto mais que é destro e a prótese se destinou ao braço esquerdo, a matéria aqui em causa não foi suficientemente comprovada, dada a falta de prova minimamente consistente a sustentá-la.
30 – A matéria incluída neste ponto é desmentida pelas declarações do próprio réu, referenciadas na motivação da decisão de facto, donde resulta que ele fez buscas e procurou informações, procurando obter conhecimentos acerca da prótese que se propôs adquirir. Os conhecimentos obtidos foram mesmo dados a conhecer à Ex.ma Perita Dr.ª G… quando o consultou em Novembro de 2010. Daí que não possa dar-se como provada tal matéria.
31 – A matéria aqui incluída é vaga e conclusiva, partindo de premissas não demonstradas nem concretizadas quanto ao segmento “o impediria de realizar certos movimentos que, em abstracto, aquela determinada prótese permitiria”.
Desconhecem-se os “certos movimentos” que a prótese permitiria realizar “em abstracto” e que o réu, por causa da “solução de encaixe”, está impedido de realizar.
Já dissemos que o sistema de encaixe adoptado era o único possível.
Como é manifesto, esse sistema de encaixe rígido assente no ombro, dada a curta extensão do coto, limita a mobilidade do ombro. Essa limitação é inerente à colocação da prótese. Mas se traz limitação parcial na mobilidade do ombro, também traz a vantagem de permitir recuperar outras mobilidades que não tinha sem ela, a saber: a do cotovelo, do punho, da mão e dos dedos da mão.
O réu deslocou-se às instalações do autor, durante o processo de fabrico da prótese, onde fez moldes para o encaixe, fez provas do encaixe provisório e do encaixe final, foi informado acerca das questões que colocou ao respectivo técnico, levantou a mesma prótese e andou com ela desde Junho até Agosto de 2011, sem qualquer reclamação, só invocando a limitação de movimentos depois de lhe ter sido pedido o pagamento do resto do preço, no valor de 8.100,47 €, que nem sequer pôs em causa.
Acresce que o “processo negocial” resumiu-se à obtenção de um orçamento de uma prótese que o réu já havia decidido adquirir e à redução do respectivo preço.
32 – Desconhecem-se os meios de prova que basearam a afirmação aqui contida, nem a mesma resulta dos que foram produzidos e ora reapreciados, sendo que eles comprovam que o réu já havia tomado a decisão de adquirir uma prótese eléctrica quando contactou o autor.
33 – Aqui, estão incluídos juízos conclusivos e desprovidos de qualquer suporte factual, pelo que não podem ser atendidos.
36 – As afirmações inseridas neste número também não encontram suporte na prova produzida, sendo irrelevante o depoimento do pai do réu, face à parcialidade e interesse que manifestou na causa, e não sendo bastante o do H…, como sustenta o recorrido.
A matéria dada como provada nestes últimos números deve, pois, também ser dada como não provada.

Nas contra-alegações, a título subsidiário e invocando o disposto no art.º 636.º, n.º 2, do CPC, o recorrido requereu a alteração da decisão sobre a matéria de facto no sentido de serem dados como provados os factos dados como não provados nas alíneas c), d) e e).
Estas alíneas têm o seguinte teor:
c) “Na data em que os técnicos da Autora procederam à colocação da luva, o Réu alertou-os para o facto de não conseguir realizar certos movimentos, uma vez que a própria prótese o impedia de ter mobilidade.
d) O Réu conseguiu consultar o referido técnico que, todavia, lhe disse nada poder fazer para solucionar o problema, em razão do que não poderia realizar os referidos movimentos.
e) O Réu não retira desta prótese vantagens adicionais em relação às próteses mecânicas.”

Na motivação da decisão de facto, atinente a esta matéria, a Ex.ma Juíza exarou:
“Nenhuma prova credível e convincente se fez de que … na data em que os técnicos da Autora procederam à colocação da luva, o Réu alertou-os para o facto de não conseguir realizar certos movimentos, uma vez que a própria prótese o impedia de ter mobilidade, que o Réu conseguiu consultar o referido técnico que, todavia, lhe disse nada poder fazer para solucionar o problema, em razão do que não poderia realizar os referidos movimentos, que o Réu não retira desta prótese vantagens adicionais em relação às próteses mecânicas …”.
Apesar de excessivamente resumida e repetitiva da matéria de facto não provada, não podemos deixar de concordar que nenhuma “prova credível e convincente” foi feita relativamente a esta matéria.
Com efeito, o H…, reportando-se a uma pretensa reclamação perante uma colega, apenas referiu, de forma dubitativa, que pensa que ela disse que ele depois o queria contactar para fazer uma pequena rectificação, o que é manifestamente insuficiente para dar como provada tal reclamação, não obstante ter efectuado os ajustes em conformidade com o que lhe foi pedido.
As declarações do réu de nada servem por se tratar de factos que lhe são favoráveis.
O depoimento da sua namorada, F…, é insuficiente, parcial e pouco convincente.
O depoimento do pai do réu, I…, é parcial, interessado, pouco credível e nada convincente.
Por isso, não podem ser dados como provados os factos que o recorrido quer ver considerados como tal.

Assim, por tudo o exposto, do confronto de toda a prova produzida, segundo critérios de valoração racional e lógica, com recurso a conhecimentos de ordem geral e às regras da experiência comum, não podemos deixar de alterar a matéria de facto nos seguintes termos:
A)Considerar provado o seguinte:
10 – De acordo com as informações que o Réu tinha recolhido, a mão biónica, seria a que, alegadamente, possibilitaria uma qualidade de vida do Réu superior à das demais existentes no mercado, na medida em que lhe permitiria realizar diversas actividades do quotidiano, designadamente deslocar objectos, levar objectos e alimentos à boca, segurar folhas de papel para escrever, ou seja permitiria realizar os movimentos mais próximos a uma mão natural.
12 - Considerando o orçamento/preço apresentado pela Autora, o Réu acordou com esta a aquisição e colocação de tal prótese.
14 - A Autora, no desenvolvimento da sua actividade, vendeu ao Réu uma prótese eléctrica para o membro superior esquerdo, transumeral, com colocação de mão eléctrica, cotovelo eléctrico, sistema de suspensão por tirantes e luva cosmética, num valor global de €27.000,47 (vinte e sete mil euros e quarenta e sete cêntimos), já com IVA, tendo emitido a factura n.º ……., que foi enviada ao requerido.
17 – Em Junho de 2011, foi entregue pela Autora a referida prótese ao Réu.
18 – O encaixe possível em função das características do coto que o réu apresentava foi o sistema de suspensão por tirantes, os quais constituem o sistema de controlo da prótese, controlando a tração.
B) Declarar não provados e eliminar do elenco dos factos a matéria supra mencionada na fundamentação de facto sob os n.ºs 13, 21, 26 a 33 e 36.
C) Manter como não provados os factos assim considerados sob as alíneas c), d) e e) da sentença recorrida.

2.2. Da procedência da acção

Resulta da matéria de facto provada sob os n.ºs 14 a 16 que estamos perante um contrato de compra e venda, celebrado entre o autor e o réu, nos termos do qual aquele vendeu a este a prótese ali melhor identificada pelo preço de 27.000,47 €, do qual já pagou 18.900,00 €, faltando pagar 8.100,47 € (cfr. art.º 874.º do Código Civil).
Assim foi configurada a acção e como tal foi interpretada pelo réu na oposição, onde também qualifica o contrato como de compra e venda.
Não se vislumbram razões para a qualificação feita na sentença recorrida, diversa da indicada pelas partes nos articulados.
Ainda que não estivesse sujeita à qualificação jurídica feita pelas partes, a Ex.ma Juíza teria sempre que fundar essa qualificação nos factos provados. E eles não permitem fazer qualificação diversa daquela. Inexiste, por conseguinte, qualquer contrato de prestação de serviços, nomeadamente de empreitada, desde logo, porque o autor não se obrigou a realizar certa obra ou a proporcionar certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual (cfr. art.ºs 1154.º e 1207.º, ambos do Código Civil). Muito menos que tivesse sido praticado um acto médico, aquando da colocação da prótese. Essa colocação não implica a prática de tal acto nem a prestação de serviços. O que se verificou foi a encomenda e a compra de uma prótese, ainda que um dos seus componentes (o encaixe) tenha sido feito à medida do réu.
A obrigação de pagar o preço constitui um dos efeitos essenciais do contrato de compra e venda [cfr. art.º 879.º, al. c), do Código Civil].
Apesar de ter reconhecido, em 10/8/2011, que se encontrava vencida e em dívida a parte restante do preço, no montante de 8.100,47 €, o réu deduziu oposição à injunção onde lhe foi pedido o pagamento de tal quantia, invocando a anulação do negócio por erro sobre o objecto e, subsidiariamente, a resolução do contrato, com fundamento em defeitos da prótese vendida, bem como, ao que parece, para efeitos de reconvenção, a culpa na formação do contrato.
A sentença, de forma confusa, atabalhoada e misturando vários regimes, acabou por verificar, ao que parece, a sua existência, muito embora não tivesse retirado dali as respectivas consequências, omitindo pronúncia expressa sobre cada uma dessas pretensões.
Continuando em causa no recurso, vejamos cada uma delas.
Começando por esta última, importa logo dizer que, tendo sido alegada como fundamento da reconvenção, rejeitada esta, por decisão transitada em julgado, torna-se inútil a sua apreciação.
Ainda assim e para o caso de se entender que também foi invocada como fundamento da oposição, há que dizer que os factos aqui dados como provados não permitem assacar qualquer responsabilidade ao autor na formação do contrato, por inexistência de “culpa in contraendo”.
Relativamente a esta culpa, dispõe o art.º 227.º, n.º 1, do Código Civil o seguinte:
“Quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”.
A responsabilidade daqui decorrente assenta na designada tutela da confiança, exigindo-se que os contratantes tenham um comportamento leal e honesto e devendo apreciar-se a boa fé a partir da sua modalidade objectiva, o que implica a apreciação do comportamento das partes tal como ele é exteriorizado e nunca em termos dos seus processos internos ou subjectivos. Segundo Ana Prata, a razão subjacente a este instituto radica na tutela da confiança do sujeito, na correcção, na honestidade, na lisura e na lealdade do comportamento da outra parte, quando tal confiança se reporte a uma conduta juridicamente relevante e capaz de lhe provocar danos, por ele ser autor ou o seu destinatário (cfr. Notas Sobre Responsabilidade Pré-contratual, pág.25).
Ora, no presente caso, salvo o devido respeito, não se descortina de que modo o autor violou a tutela da confiança não agindo com boa fé negocial, apreciada esta objectivamente, independentemente daquilo que eventualmente sejam as convicções subjectivas das partes relativamente às intenções de cada uma delas.
Concluímos, portanto, pela inexistência de qualquer responsabilidade pré-contratual considerando-se que o autor informou o réu em conformidade com os compromissos por si assumidos, designadamente sobre as funcionalidades da mão biónica integrada na prótese que lhe vendeu.
Passando ao erro-vício invocado a título principal na oposição:
Como é sabido, este erro tem consagração legal no art.º 251.º do Código Civil que dispõe:
“O erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratário ou ao objecto do negócio, torna este anulável nos termos do artigo 247.º”.
Por sua vez, este preceitua:
“Quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponde à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro”.
Só interessa aqui considerar o erro-vício ou erro-motivo, previsto naquele normativo, relativo ao objecto do negócio, por ser esse o invocado, o qual, como se sabe, é diferente do erro na declaração, que está previsto neste último preceito, para o qual remete aquele, mas que não se pode confundir como ele. No caso do erro-vício, há conformidade entre a vontade real e a vontade declarada, tendo apenas a primeira sido formada em consequência do erro sofrido pelo declarante. Já no erro obstáculo ou erro na declaração formou-se, sem erro, certa vontade, mas declarou-se outra (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 3.ª edição, págs. 231 e 234).
Em ambos os casos, a anulabilidade a que dão lugar depende da verificação dos requisitos neles previstos, a saber:
- que o erro seja essencial ou causal;
- que a essencialidade do elemento sobre que recaiu o desconhecimento ou a falsa representação da realidade, passada ou presente relativamente ao momento da formação do negócio, fosse conhecida pelo declaratário ou, pelo menos, não devesse ser ignorada por este.
Deste modo, a eficácia anulatória depende da “demonstração, pelo declarante, do conhecimento, por parte do declaratário, ou do dever de este não ignorar a essencialidade do motivo sobre que recaiu o erro do declarante” (cfr. Ana Filipa Morais Antunes em anotação ao citado art.º 251.º, no Comentário ao Código Civil, Parte Geral, pág. 597).
Importa, ainda, esclarecer que o erro sobre o objecto “não se confunde com os vícios que afectem uma determinada coisa, atenta a existência de ónus, limitações ou defeitos, inviabilizando ou frustrando a utilização a que se destinaria o objecto”, por lhe corresponderem regimes especiais, não se devendo também olvidar que a relevância anulatória do erro-vício é limitada pela verificação dos aludidos requisitos, protegendo-se assim a confiança que o declaratário razoavelmente depositou na manutenção do negócio jurídico e acautelando-se os seus interesses, bem como a certeza e a segurança do tráfego jurídico (cfr. autora e obra, referidas em último lugar, págs. 596-598 e Carvalho Fernandes ali citado).
Por outro lado, ainda, importa ter presente que o erro, como falsa representação da realidade, só pode referir-se a circunstâncias contemporâneas da conclusão do negócio ou do acto jurídico, pelo que não se trata de discernir sobre eventuais erros sobre o futuro (cfr., por todos, António Pinto Monteiro, Erro e Vinculação Negocial, Almedina, Coimbra, 2002, págs. 18 a 20, citado no acórdão de 15/1/2013, processo n.º 2688/10.5TBVNG.P1, em que interviemos como 2.º Adjunto).
Ainda que se tenha provado que o réu sofre limitações na movimentação da prótese e muito embora ansiasse por uma prótese que lhe permitisse uma mobilidade, autonomia e capacidade o mais próxima possível da que teria com o membro natural amputado (facto n.º 4), o que era do conhecimento do autor (facto n.º 34), também não é menos verdade, porque provado, que o autor lhe referiu que o maior ou menor sucesso da prótese dependeria do treino e do empenho despendido na sua utilização, tendo o réu contratado porque os considerou possíveis, independentemente das dificuldades, do tempo de treino e dos esforços que teria de efectuar (facto n.º 35).
Deste modo, o réu decidiu adquirir a prótese, independentemente das limitações e do esforço que teria de fazer.
Decidiu, assim, agir e contratar, mesmo sabendo das limitações e restrições, não tendo sido induzido em erro pelo autor.
Emitiu a sua declaração negocial, ao outorgar o aludido contrato, conhecendo a realidade tal como ela contemporaneamente se apresentava, sem que o autor a tivesse distorcido ou omitido.
Destarte, inexiste o invocado erro-vício, pelo que jamais poderia obter a anulabilidade do contrato.
Subsidiariamente, o réu/recorrido invocou a resolução do contrato com fundamento em defeitos da prótese que adquiriu.
A este respeito, o art.º 913.º do Código Civil estatui:
“1. Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes.
2. Quando do contrato não resulte o fim a que a coisa vendida se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria”.
Os Professores Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, vol. II, 2.ª edição, pág. 187, escreveram:
“... este artigo 913.º cria, efectivamente, um regime especial para as quatro categorias de vícios que nele são destacadas:
a) Vício que desvalorize a coisa;
b) Vício que impeça a realização do fim a que ela é destinada;
c) Falta das qualidades asseguradas pelo vendedor;
d) Falta das qualidades necessárias para a realização do fim a que a coisa se destina.
Equiparando, no seu tratamento, os vícios às faltas de qualidade da coisa, a lei evitou as dúvidas que, na doutrina italiana por ex., se têm suscitado sobre o critério de distinção entre um e outro grupo de casos.
Como interpretativo, manda o n.º 2 atender, para a determinação do fim, à função normal das coisas da mesma categoria. ...”.
Para se aferir da correcta execução da prestação do contratante vendedor releva saber se a coisa vendida é hábil, idónea, para a função a que se destina, já que, como se viu, a lei consagra um critério funcional.
A venda da coisa pode considerar-se defeituosa quando, numa perspectiva de “funcionalidade”, contém:
“Vício que a desvaloriza ou impede a realização do fim a que se destina; falta das qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização do fim a que se destina. Nesta medida, diz-se defeituosa a coisa imprópria para o uso concreto a que é destinada contratualmente – função negocial concreta programada pelas partes – ou para a função normal das coisas da mesma categoria ou tipo se do contrato não resultar o fim a que se destina (art.º 913º, nº 2)” – cfr. “Compra e Venda de Coisas Defeituosas - Conformidade e Segurança”, de Calvão da Silva, pág. 41, citado no acórdão do STJ de 18/1/2011, proferido no processo n.º 1313/03.5TBEPS.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt, que aqui estamos seguindo, e os nossos acórdãos de 22/5/2012, proferido no processo n.º 610/06.2TBOVR.C1.P1 e de 30 de Abril de 2013, proferido no processo n.º 2830/11.9TJVNF.P1 que aqui também seguimos e reproduzimos, nesta parte).
“A coisa é defeituosa se tiver um vício ou se for desconforme atendendo ao que foi acordado.
O vício corresponde a imperfeições relativamente à qualidade normal das coisas daquele tipo, enquanto a desconformidade representa a discordância com respeito ao fim acordado.
Os vícios e as desconformidades constituem defeito da coisa” – cfr. “Direito das Obrigações” – de Pedro Romano Martinez, edição de Maio 2000, pág. 122-123, ali citado.
Como é afirmado no referido acórdão, “Da conjugação do disposto nos arts. 913º, nº 1, e 914º do Código Civil com os arts. 908º a 910º e 915º e segs., do mesmo diploma, resulta que o comprador de coisa defeituosa goza do direito de exigir do vendedor a reparação da coisa; de anulação do contrato e do direito de redução do preço e também do direito à indemnização do interesse contratual negativo.”
Calvão da Silva, na obra citada, pág. 56, escreveu:
“Além da anulação do contrato e da redução do preço, cumuláveis com a indemnização, o regime da venda de coisas defeituosas reconhece ainda ao comprador um quarto direito: o direito de exigir do vendedor a reparação da coisa ou, se for necessário e esta tiver natureza fungível, a substituição dela (art.º 914.º, 1ª parte); mas esta obrigação não existe, se o vendedor desconhecia sem culpa o vício ou a falta de qualidade de que a coisa padece (art.º 914.º, 2ª parte).
Esse desconhecimento tem de ser alegado e provado pelo próprio vendedor, visto tratar-se de facto impeditivo do direito contra si invocado pelo comprador (art.º 342.º, nº 2) e estar obrigado a prestar a coisa isenta de vícios ou defeitos.
Equivale a dizer, noutra formulação, que o direito à reparação ou substituição da coisa repousa sobre a culpa presumida do vendedor, cabendo a este ilidir tal presunção mediante prova em contrário (art.º 350.º, nº 2), isto é, a prova da sua ignorância, sem culpa, do vício ou da falta de qualidade da coisa, como facto impeditivo do direito invocado pelo comprador...”.
Pedro Martinez, no Direito das Obrigações - Parte Especial, também escreveu: “O regime do cumprimento defeituoso, estabelecido nos arts. 913.º e segs. do Código Civil, vale tanto no caso de ser prestada a coisa devida, mas esta se apresentar com um defeito, como também para as hipóteses em que foi prestada coisa diversa da devida (o chamado aliud)” (pág. 124). E, na pág. 126, afirmou: “As consequências da compra e venda de coisas defeituosas determinam-se atentos três aspectos: em primeiro lugar, na medida em que se trata de um cumprimento defeituoso, encontram aplicação as regras gerais da responsabilidade contratual (arts. 798º ss. Código Civil); segundo, no art. 913º, nº 1, do Código Civil faz-se uma remissão para a secção anterior… Nos termos gerais, incumbe ao comprador a prova do defeito (art. 342º, nº l Código Civil) e presume-se a culpa do vendedor, se a coisa entregue padecer de defeito (art. 799º, nº l, Código Civil)”.
Atento o disposto no art.º 916.º do Código Civil, para que haja responsabilidade pela venda de coisa defeituosa é necessário que o comprador, previamente, denuncie ao vendedor o vício ou a falta de qualidade da coisa, excepto se este tiver actuado com dolo (n.º 1), devendo a denúncia ser feita até 30 dias, depois de conhecido o vício e dentro de seis meses após a entrega da coisa (n.º 2), sendo que estes prazos são, respectivamente, de um e cinco anos, quando a coisa vendida é um imóvel (n.º 3, introduzido pelo art.º 3.º do citado DL n.º 267/94).
Este artigo estabelece, claramente, um prazo de caducidade, o qual foi harmonizado com o regime da empreitada.
De harmonia com o art.º 914.º do Código Civil, o comprador tem o direito de exigir do vendedor a reparação da coisa, ou, se for necessário, e ela for fungível, a respectiva substituição.
Não é consensual o entendimento segundo o qual os direitos conferidos ao comprador pelos art.ºs. 905.º a 911.º (aplicáveis por remissão do art. 913.º, n.º 1), 914.º e 915.º, todos do Código Civil, tenham, necessariamente, de ser exercidos por uma determinada ordem ou precedência.
Embora haja quem defenda a exigência legal de observância dessa ordem, também há quem entenda que esses direitos podem ser exercidos autonomamente, sem a sujeição a uma ordem de precedência rígida.
Entre os primeiros, encontra-se Pedro Romano Martinez defendendo que aqueles meios não podem ser exercidos em alternativa, porque “Enquanto o cumprimento da prestação acordada for possível, mediante a eliminação do defeito ou através da sua substituição, não pode estar aberto o caminho para a resolução do contrato, nem para a redução do preço; estas exigências são colocadas em vez da pretensão do cumprimento”, acrescentando que “No sistema jurídico português há uma espécie de sequência lógica: em primeiro lugar, o devedor (vendedor) está adstrito a eliminar os defeitos ou a substituir a prestação; frustrando-se estas pretensões, pode ser exigida a redução do preço ou a resolução do contrato” (in Cumprimento Defeituoso, em especial na compra e venda e na empreitada, Almedina, 2001, pág. 392).
Neste sentido, pronunciou-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/1/2008, proferido no processo n.º 07B4302, entendendo que: “Na hipótese de compra e venda de coisa defeituosa, os direitos à reparação ou à substituição, contemplados no art.º 914.º do Código Civil … não constituem paradigma de concorrência electiva de pretensões, não absoluta embora, … por acontecer eticização da escolha do comprador através do princípio da boa fé, antes tais díspares meios jurídicos facultados a quem compra, no caso predito, não podendo ser exercidos em alternativa, por subordinados estarem a uma espécie de sequência lógica: o vendedor, em primeiro lugar, está adstrito a eliminar o defeito, tão só ficando obrigado à substituição, a antolhar-se como não possível, ou demasiado onerosa, a reparação” (in www.dgsi.pt).
Entre os defensores da segunda tese, parece colocar-se João Calvão da Silva, visto defender que “existe uma concorrência electiva de pretensões: o comprador poderá, conforme lhe aprouver, anular o contrato se se verificarem os requisitos legais da anulação por erro ou dolo …, ou reduzir o preço, com eventual indemnização (art. 911.º, ex vi art. 913.º), ou exigir o exacto cumprimento mediante a eliminação dos defeitos ou a substituição da coisa (art. 914.º)”, sem contudo deixar de esclarecer que “a concorrência electiva das pretensões reconhecidas por lei ao comprador não é um absoluto: sofre em certos casos atenuações e a escolha deve ser conforme ao princípio da boa fé,…” (in Compra e Venda de Coisas Defeituosas, Almedina, 2002, págs. 77 e 80).
Seguiram este segundo entendimento os acórdãos do STJ, de 18/12/2008, proferido no processo n.º 08B4008, e de 6/11/2007, no processo n.º 07A3440, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, tendo-se afirmado no primeiro que “é de natureza alternativa o exercício pelo comprador de coisa defeituosa dos concernentes direitos no confronto do vendedor” e no segundo que “o comprador pode escolher e exercer autonomamente a acção de responsabilidade civil pelo interesse contratual positivo decorrente do cumprimento defeituoso ou inexacto, presumidamente imputável ao devedor, sem fazer valer outros direitos, ou seja, sem pedir a resolução do contrato, a redução do preço, ou a reparação ou substituição da coisa”.
Esta Relação também já perfilhou este entendimento, defendendo que os aludidos direitos conferidos ao comprador são específicos, diferenciados e autónomos, não tendo, necessariamente, de ser exercidos por uma determinada ordem ou precedência, podendo optar por qualquer um deles (cfr., entre outros, os acórdãos de 4/3/2008 e 9/12/2008, proferidos nos processos n.ºs 0726550 e 0825686, respectivamente, ambos acessíveis em www.dgsi.pt e o nosso acórdão de 13/7/2011, proferido no processo n.º 1533/10.6TJPRT.P1 que aqui estamos vindo a seguir).
Já parece existir consenso, tanto ao nível da doutrina como da jurisprudência, quanto ao dever de denúncia a que o comprador está legalmente obrigado, previamente ao exercício de qualquer dos direitos que a lei lhe confere, excepto se o vendedor tiver usado de dolo, tal como resulta do citado art.º 916.º, n.º 1, sob pena de caducidade nos termos referidos (v.g. Pedro Romano Martinez, ob. cit., pág. 331; João Calvão da Silva, ob. cit., págs. 73 e 74; Luís de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. III (Contratos em Especial), 6.ª edição, Almedina, 2009, pág. 129; e os acórdãos do STJ de 29/1/2008 e de 21/5/2009, processos n.ºs 07B4540 e 08B1356 e desta Relação de 8/2/2010, processo n.º 3958/06.2TBGDM.P1, todos acessíveis em www.dgsi.pt).
E também é pacífico que o direito de resolução do contrato não consta entre os direitos consagrados no regime específico da venda de coisa defeituosa, previsto nas normas acima citadas, pelo que se torna necessário recorrer às normas gerais.
Quanto ao cumprimento defeituoso, não estando especialmente previsto, há que recorrer também às normas gerais.
O nosso Código Civil, por inspiração da doutrina alemã, reconhece, ao lado da falta de cumprimento e da mora, uma terceira forma de violação do dever de prestar que é o cumprimento defeituoso, inexacto ou imperfeito da obrigação (cfr. art.º 799.º n.º 1).
O Prof. Antunes Varela considera existir cumprimento defeituoso em todos os casos em que o defeito ou irregularidade da prestação - a má prestação - causa danos ao credor ou pode desvalorizar a prestação, impedir ou dificultar o fim a que este objectivamente se encontra afectado, estando o credor disposto a usar de outros meios de tutela do seu interesse, que não sejam o da recusa pura e simples da aceitação (cfr. Das Obrigações em Geral, vol I, 6.ª ed. pág.128).
O Prof. Almeida Costa considera que a inexactidão do cumprimento se traduz num defeito ou vício da prestação que não envolve uma sua falta de identidade ou quantidade, sendo elemento individualizante a tipicidade dos danos causados ao credor, pois que o incumprimento definitivo ou a mora, em si mesmos, não seriam susceptíveis de produzir tais danos (cfr. Direito das Obrigações, 5.ª ed., págs. 901 e 902).
O Prof. Baptista Machado considera que por cumprimento inexacto deve entender-se todo aquele em que a prestação efectuada não tem os requisitos idóneos, a fazê-lo coincidir com o conteúdo obrigacional, tal como este resulta do contrato e do princípio geral da correcção e da boa fé. Considera, ainda, que a inexactidão pode ser quantitativa (prestação parcial a que se seguem os efeitos do não cumprimento no que respeita apenas à parte da prestação não executada: a mora ou o incumprimento definitivo) e qualitativa (traduz-se tanto numa diversidade da prestação, como numa deformidade, num vício ou falta de qualidade da mesma ou na existência de direitos de terceiro sobre o seu objecto), aplicando-se o regime do cumprimento inexacto ao caso de inexactidão qualitativa (cfr. Pressupostos de Resolução por Incumprimento - in Obra Dispersa; vol. I, pág. 169).
O Prof. Menezes Cordeiro, que usa a denominação de cumprimento imperfeito, diz que ele é um incumprimento que desencadeia todos os mecanismos previstos perante a inobservância das obrigações e acrescenta que, na tradição da violação positiva do contrato, abrange duas grandes áreas: a violação dos deveres acessórios e a realização inexacta da prestação principal. E remata “o cumprimento inexacto é, globalmente, um acto ilícito, quando a inexactidão seja provocada pelo devedor, o que aliás se presume – artigo 790.º/1. Tanto assim que dá lugar a imputação de danos ao devedor, sendo os danos avaliados em função da totalidade do acto” (cfr. Tratado de Direito Civil Português, II, Direito das Obrigações, Tomo IV, 2010, págs. 199 e 203).
Destes ensinamentos extrai-se a ideia de que o cumprimento defeituoso, inexacto ou imperfeito oferece autonomia quando, por um lado, causar ao credor prejuízos que a mora ou o não cumprimento definitivo seriam, só por si, insusceptíveis de produzir, e, por outro lado, quando a prestação efectuada não coincide, por falta de qualidades que a coisa devia possuir, com a prestação efectivamente devida (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, vol. II, 4.ª ed., pág.54).
No presente caso, o autor estava obrigado a entregar ao réu a prótese sem vícios ou defeitos, em conformidade com o contrato de compra e venda entre eles celebrado e de harmonia com o disposto nos art.ºs 406.º, n.º 1, 408.º, n.º 1, 762.º e 879.º, al. b), todos do Código Civil.
Tendo feito a entrega da prótese, conforme acordado, em Junho de 2011, foi usada pelo réu, pelo menos, até 10 de Agosto do mesmo ano sem revelar qualquer defeito para além da luva que foi nessa data substituída.
O autor cumpriu, assim, a sua prestação a que se vinculou com a celebração do contrato.
Em bom rigor, dos factos provados não resulta que a prótese fosse entregue com algum defeito que a impedisse de realizar o fim a que se destinava, muito menos que ela não tivesse as qualidades asseguradas pelo vendedor. O facto de o encaixe limitar os movimentos não é bastante para o qualificar como defeito, pois a prótese apresenta as características contratadas e aquela limitação não resulta dela, mas do seu uso, sendo que, e para além disso, tal limitação era bem conhecida do comprador.
Não pode assim afirmar-se que houve cumprimento defeituoso por parte do autor, nem que ele seja ilícito, pelo que não faz sentido falar em culpa, ainda que presumida, nos termos do n.º 1 do citado art.º 799.º. Muito menos afirmar que houve incumprimento do contrato imputável ao autor, como faz a sentença recorrida.
Não houve cumprimento defeituoso do referido contrato de compra e venda, na medida em que a prótese vendida, objecto mediato do mesmo contrato e sua prestação principal, não apresentava vícios, deformidades e defeitos que permitam qualificar o cumprimento como defeituoso, inexacto ou imperfeito.
Também não houve incumprimento definitivo, visto que a prestação foi cumprida no prazo que foi fixado, não tendo o autor recusado prestá-la (art.º 808.º, n.º 1, do Código Civil), nem sequer houve incumprimento da obrigação de eliminação de defeitos, o que daria ao réu o direito de exigir do demandante a reparação da prótese nos termos do citado art.º 914.º e indemnização pelo dano excedente.
Voltando ao direito de resolução, invocado na oposição, importa dizer que ele não existe, nos termos gerais, por não ser caso abrangido pelo art.º 432.º, n.º 1, do Código Civil.
Como é sabido, o direito de resolução de qualquer contrato, enquanto meio de extinção do vínculo contratual, quando não convencionado pelas partes (como foi o caso), depende da verificação de um fundamento legal, correspondendo, nessa medida, ao exercício de um direito potestativo vinculado (cfr. art.º 432.º, n.º 1 do Código Civil), tanto mais que os contratos devem ser pontualmente cumpridos (cfr. art.º 406.º, n.º 1 do mesmo Código).
Por isso mesmo, a parte que invoca o direito à resolução fica obrigada a alegar e a demonstrar o fundamento que justifica a destruição do correspondente vínculo contratual.
Além de pressupor o incumprimento definitivo de uma prestação contratual, a resolução exige a gravidade da violação, sendo esta apreciada não em função da culpa do devedor mas das consequências desse incumprimento para o credor (cfr. Pedro Romano Martinez, “Da Cessação do Contrato”, 2.ª edição, pág. 146, e acórdão desta Relação de 8/2/2011, proferido no processo n.º 155/2001.P1, em que interviemos como adjunto).
Não é, por conseguinte, qualquer incumprimento, ainda que definitivo, que viabiliza a resolução.
Atento o disposto no art.º 808.º, n.º 1 do Código Civil, são duas as causas que podem originar o incumprimento definitivo, a saber: a perda objectiva do interesse do credor no cumprimento da prestação (causa objectiva) e o decurso do prazo suplementar ou admonitório de cumprimento estabelecido pelo credor (causa subjectiva).
A estas duas causas a doutrina e a jurisprudência aditam uma outra: a declaração expressa do devedor em não querer cumprir.
A interpelação admonitória a que se refere a segunda parte do n.º 1 do citado art.º 808.º tem como elementos indispensáveis: a) a intimação para o cumprimento; b) a fixação de um termo peremptório para esse cumprimento; c) a admonição ou a cominação de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo.
Para além deste regime geral de resolução, existe outro previsto na denominada lei de defesa do consumidor (Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, e subsequentes alterações), à qual também está sujeito o autor, atento o disposto no seu art.º 2.º.
Uma dessas alterações foi introduzida pelo DL n.º 67/2003, de 8 de Abril, que transpôs para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, disciplinando certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, através da aprovação de um novo regime jurídico para a conformidade dos bens móveis com o respectivo contrato de compra e venda, celebrado entre profissional e o consumidor (cfr. art.ºs 1.º e 2.º, n.º 1, ambos do citado Decreto-Lei).
Assim, de acordo com o art.º 4.º da referida Lei n.º 24/96, na redacção que lhe foi dada por este Decreto-Lei, “os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou, na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor”.
“Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato” (art.º 4.º, n.º 1, do DL 67/2003).
Qualquer um destes direitos pode ser exercido livremente pelo consumidor perante a existência de falta de conformidade do bem vendido, com a única restrição dos limites impostos pela proibição geral do abuso de direito.
Para exercer os seus direitos, o consumidor deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de dois meses, caso se trate de bem móvel, ou de um ano, se se tratar de bem imóvel, a contar da data em que a tenha detectado (art.º 5.º-A, n.º 2, do DL n.º 67/2003, aditado pelo DL n.º 84/2008, de 21/5).
Caso o consumidor tenha efectuado a denúncia da desconformidade, tratando-se de bem móvel, os direitos atribuídos ao consumidor nos termos do artigo 4.º caducam decorridos dois anos a contar da data da denúncia e, tratando-se de bem imóvel, no prazo de três anos a contar desta mesma data (art.º 5.º-A, n.º 3, do DL 67/2003).
No presente caso, o direito de resolução, invocado e reconhecido na sentença, não assenta em qualquer dos primeiros fundamentos, acima referidos, mas numa pretensa violação da lei de defesa do consumidor.
Contudo, também inexiste direito de resolução ao abrigo deste regime, mais precisamente do disposto no art.º 4.º, n.º 1, do citado DL n.º 67/2003, porquanto não se verifica o pressuposto da sua aplicação que é a “falta de conformidade do bem com o contrato”.
Na verdade, os factos provados não demonstram essa desconformidade, nem é caso subsumível a alguma das presunções previstas no n.º 2 do art.º 2.º do citado DL n.º 67/2003.
Acresce que o réu não cumpriu o ónus de denúncia no prazo de dois meses, indispensável para poder vir invocar o direito de resolução. Note-se que a prótese lhe foi entregue em Junho de 2011, a luva que apresentava defeito foi substituída em 10 de Agosto seguinte e só comunicou que pretendia resolver o contrato por carta de 4/11/2011.
Resulta do exposto que não pode ser aqui reconhecido qualquer direito ao réu, com base no invocado defeito, designadamente o de resolução do contrato que nem sequer pediu, pois limitou-se a invocar a resolução e a concluir pela sua absolvição do pedido formulado na petição inicial.
Ao réu competia, enquanto comprador, cumprir a obrigação de pagar o preço, procedendo ao pagamento da factura que falta pagar, no valor de 8.100,47 €, ainda em dívida, tal como reconheceu e foi convencionado.
Isto, porque o contrato deve ser pontualmente cumprido e a obrigação cumpre-se quando o devedor realiza a prestação a que está vinculado (art.ºs 406.º, n.º 1 e 762.º, n.º 1, ambos do Código Civil).
Não tendo feito esse pagamento, nem tendo provado, como lhe competia nos termos do art.º 342.º, n.º 2, do Código Civil, qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito invocado pelo autor, nada mais resta senão a sua condenação no pagamento do peticionado preço e juros de mora, atento o disposto nos art.ºs 798.º, 804.º, 805.º, n.º 2, al. a) e 806.º, n.ºs 1 e 2, todos daquele Código.
Procede, por conseguinte, a apelação, pelo que a sentença recorrida não pode subsistir, procedendo, consequentemente, a acção.
Sumariando em jeito de síntese conclusiva:
1. A reapreciação da prova pela Relação tem a mesma amplitude dos poderes da 1.ª instância e visa garantir um segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto impugnada, sendo de alterar sempre que não se mostre apreciada em conformidade com os princípios e as regras do direito probatório.
2. A responsabilidade pré-contratual radica na tutela da confiança e pressupõe que as partes tenham um comportamento leal e honesto, segundo as regras da boa fé, apreciada objectivamente.
3. A eficácia anulatória do erro-vício depende da demonstração, pelo declarante, do seu conhecimento, por parte do declaratário, ou do dever de este não ignorar a essencialidade do motivo sobre que recaiu o erro do declarante.
4. O erro sobre o objecto não se confunde com os vícios que afectem uma determinada coisa, por lhe corresponderem regimes especiais.
5. Não existe erro sobre o objecto quando o comprador, conhecedor das características da prótese que adquiriu, emite a respectiva declaração negocial, independentemente das limitações e do esforço que a sua utilização veio a implicar.
6. O regime específico da venda de coisa defeituosa confere ao comprador o direito de exigir do vendedor a reparação dela ou a sua substituição, os direitos de anulação do contrato e de redução do preço e, ainda, o de resolução e o direito à indemnização do interesse contratual negativo, sem qualquer precedência.
7. Para além destes direitos, o comprador goza do direito de indemnização nos termos gerais da responsabilidade civil pelo interesse contratual positivo decorrente do cumprimento defeituoso ou inexacto da prestação.
8. Inexiste qualquer desses direitos quando o comprador não prova a existência de defeitos ou não faz atempadamente a sua denúncia.
9. A falta de prova de erro sobre o objecto ou de fundamento para a resolução do contrato de compra e venda, por parte do comprador, jamais permite a este recusar o cumprimento da sua obrigação de pagar o preço devido.

III. Decisão

Pelo exposto, julga-se a apelação procedente, revoga-se a sentença recorrida e condena-se o réu a pagar ao autor a quantia de 8.100,47 €, acrescida dos juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa legal, até integral pagamento.
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Custas em ambas as instâncias pelo réu/apelado.
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Porto, 25 de Novembro de 2014
Fernando Samões
Vieira e Cunha
Maria Eiró
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[1] Depois, por força da extinção daquele, redistribuídos à Secção Cível – Instância Local de Paços de Ferreira J1 do Tribunal da Comarca de Porto Este.
[2] TC, de 19-11-1996, Pº nº 1165/96, BMJ nº 491, 93.
[3] Vaz Serra, citando Nikisch, in “Provas, Direito Probatório Material”, BMJ nº 110, 97.
[4] STJ, de 9-2-2005, Pº nº 04P4721, www.dgsi.pt