Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
573/18.1JAAVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ PIEDADE
Descritores: PORNOGRAFIA DE MENORES
Nº do Documento: RP20200422573/18.1JAAVR.P1
Data do Acordão: 04/22/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AUDIÊNCIA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O mero recebimento e posse – no “messemger” da rede social “facebook” – pelo agente de fotografias (sem roupa, em nu integral, exibindo os seios e a zona genital) enviadas por uma adolescente de 16 anos de idade, quando mantinham uma relação de namoro, sem as mostrar a outrem, as ceder, ou de qualquer forma as divulgar ou exibir, não integra o conceito de «utilizar menor em fotografia pornográfica».
II - E «pedir» ou «incentivar» o envio dessas fotografias, em contexto de um namoro com uma adolescente de 16 anos de idade não integra o conceito de «aliciar para esse fim» a menor em causa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. Nº 573/18.1JAAVR.P1

Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro,
Aveiro – JC Criminal – Juiz 1
Acordam, em Audiência, os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

No Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Aveiro – JC Criminal – Juiz 1, processo supra referido, foi julgado B…, tendo sido proferido Acórdão com o seguinte dispositivo:
“III - Decisão.
Nos termos e pelos fundamentos expostos acordam os Juízes que constituem este Tribunal Colectivo em:
I – Absolver o arguido B… da prática como autor material, na forma consumada e em concurso real de infracções de: um crime de ameaça agravada previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 153º nº1 e 155º nº1 alínea a) do Código Penal; um crime de sequestro agravado previsto e punido pelo artigo 158º nº1 e nº2 alínea b) do Código Penal; um crime de ofensa à integridade física simples previsto e punido pelo artigo 143º nº1 do Código Penal; um crime de sequestro agravado previsto e punido pelo artigo 158º nº1 e nº2 alínea b) e de um crime de maus tractos previsto e punido pelo artigo 152º-A nº1 alínea a) do Código Penal, por que vinha acusado, sem prejuízo da diferente qualificação jurídica dos factos apurados.
II - Julgar improcedente, por não provado, o pedido de indemnização civil deduzido por C…, em representação do seu neto D… contra o arguido B…, absolvendo-o do mesmo.
III - condenar o arguido B… pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real de infracções:
a) Pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, n.º 1, alínea b) e nº2 alínea a) do Código Penal (praticado na pessoa de G…), na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão;
b) Pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, n.º 1, alíneas b) e c) do Código Penal, (praticado na pessoa de E…), na pena de 3 (três) anos de prisão;
c) Pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido nos termos do disposto nos artigos 143º, n.º 1 e 41º nº1 do Código Penal (praticado na pessoa de F…), na pena de 1 (um) ano de prisão;
d) Pela prática de um crime de pornografia de menores, previsto e punido pelo artigo 176º nº1 alínea b) do Código Penal, na pena de 1 (um) e 9 (nove) meses de prisão;
e) Pela prática de um crime de pornografia de menores, previsto e punido pelo artigo 176º nº1 alínea b) do Código Penal, na pena de 1 (um) e 9 (nove) meses de prisão.
IV - Operando o cúmulo jurídico das penas referidas em III – a), b), c), d) e e), condenar o mesmo arguido, na pena única de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão.
V – Condenar o arguido B…, nos termos do disposto no artigo 152º nº4 do Código Penal, na pena acessória de proibição de contactos por qualquer meio, com a ofendida G…, pelo período de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses.
VI - Condenar o arguido B… - ao abrigo do disposto no artigo 69º - B, nº 2 do Código Penal, na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujoexercício envolva contacto regular com menores, pelo período de 10 (dez) anos;
- ao abrigo do disposto no artigo 69º - C, nº2, na pena acessória de proibição de assumir confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores pelo período de 10 (dez) anos.
VII - Condenar o arguido B…, nos termos do disposto no artigo 82º-A do Código Penal (por força do disposto no artigo 21º da Lei nº112/2009 de 16-09 e do disposto no artigo 16º nº2 da Lei nº130/2015 de 04-09), a pagar as seguintes quantias, a título de indemnização:
- À vítima G…, a quantia de €1.000,00 (mil euros);
- À vítima E…, a quantia de €2.000,00 (dois mil euros);
- À vítima H…, a quantia de €1 000,00 (mil euros).
VIII – Custas.
Na parte cível: sem custas nesta parte, atento o valor peticionado e o disposto no artigo 4º alínea n) do Regulamento das Custas Processuais.
Na parte crime: condenar o arguido nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UC, bem como nos encargos a que a sua actividade deu lugar (artigos 513º, n.ºs 1, 2 e 3, e 514º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e 8º, n.º 5, do Regulamento das Custas Processuais).
IX - Determinar, nos termos do disposto no artigo 109º do Código Penal, a perda a favor do Estado do telemóvel apreendido nos autos, providenciando-se, oportunamente pela destruição dos conteúdos de cariz pornográfico e ordenar a entrega dos demais objectos apreendidos, cumpridas as formalidades legais previstas no artigo 186º do Código de Processo Penal.
Deposite-se o presente acórdão.
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Deste Acórdão recorreu o Arguido/Condenado B…, formulando as seguintes conclusões:
“1 - A ofendida ao enviar voluntariamente fotos de si desnuda ao arguido fê-lo no uso da liberdade de auto determinação sexual que lhe cabe e sem que se possa entender que foi utilizada pelo recorrente para efeitos do disposto no art. 2º l76 nº 1 alínea b) do CP.
2- A gravação ou envio de materiais de conteúdo lascivo no âmbito de uma relação de teor sexual e destinando-se os mesmos ao uso pessoal dos próprios, não se pode qualificar como pornográfica para efeitos de incriminação penal nos termos do disposto no art. 176º nº 1 alínea b) do CP.
3- Ao não entender assim violou o douto acórdão sob recurso o supracitado preceito legal.
4- Dos factos dados como provados não se pode inferir que o recorrente tenha solicitado à ofendida por mais que uma vez o envio por esta de fotografias, termos em que a condenação do arguido pela prática de dois crimes de pornografia de menores, representa insuficiência da matéria de facto para a decisão nos termos e para os efeitos previstos na alínea a) do n.º2 do art.2º 410 CPP.
5 - O facto de as fotografias terem sido enviadas em espaço temporal relativamente curo e no âmbito de relação que arguido e ofendido mantinham entre si permite concluir pela existência de uma única resolução criminosa e nesses termos de um único crime de pornografia de menores. Ao não entender assim violou o douto acórdão sob recurso o disposto no nº 1 do art. 2º 302 Cl’.
6 — A reduzida ilicitude, quase nula, dos crimes de pornografia de menores praticados pelo arguido deveriam ter determinado para estes pena coincidente ou ainda mais próxima do mínimo legal. Ao não entender assim violou o douto acórdão sob recurso o disposto no nº2 ido artº 712 CP.
7 — Os factos praticados pelo arguido são de ilicitude mediana e reduzida tendo o mais grave dos mesmos merecido a pena de três anos de prisão. A sua personalidade caracteriza-se como impulsiva relevando os crimes praticados ainda mais da pluriocasionalidade que de uma personalidade ou carreira criminosa.
Assim e atendendo sobretudo à ilicitude dos factos globalmente considerada entendemos como adequada para efeitos do disposto no nº 1 do artº 772 CP, nesse sentido divergindo do douto acórdão sob recurso, a pena de quatro anos e meio de prisão efectiva correspondente à pena mais elevada acrescida da sua metade”.
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Em 1ª Instância, o MºPº defendeu a improcedência do recurso, concluindo:
1) “Resulta do texto do Acórdão e da matéria de facto fixada que “ em data não concretamente não apurada do Verão de 2016, quando se encontrava na residência da sua mãe e em data não concretamente apurada de Outubro de 2016, a H…, através da rede social “Facebook”, enviou ao arguido, a pedido deste que a incentivou a tal, um número indeterminado de fotografias suas, sem roupa, em nu integral exibindo os seus seios e a sua zona genital “ e que “ tais fotografias , foram tiradas pela ofendida com recurso à câmara do telemóvel por si habitualmente usado ”, sabendo o arguido que lhe estava legalmente vedada a detenção das fotografias da ofendida , menor de idade e em poses pornográficas, e que ao incitá-la a tirar e remeter –lhe tais imagens , o fazia com o propósito único de satisfazer os seus desejos sexuais através da visualização das mesmas, o que quis “ (pontos 38,39, 40 dos factos provados do NUIPC Nº 1/17.0GCAAGD).
I) A situação de existência de um aliciamento da menor numa relação de pretenso namoro ou relacionamento afectivo não afasta a ilicitude da conduta, nem se evidencia como causa de desculpabilização ou de atenuação da culpa, pois é evidente que se não houvesse qualquer tipo de relacionamento - a menos que a menor apresentasse problemas psiquiátricos - não seria razoável compreender-se a que propósito iria realizar aquele género de fotos para enviar ao arguido.
II) Com a norma incriminadora em apreço, o legislador pretendeu inequivocamente abranger no conceito de menor todo e qualquer jovem de idade inferior a dezoito anos, acreditando que a defesa de pessoas
III) particularmente indefesas passa por disposições deste tipo em nome da protecção penal da liberdade e autodeterminação sexual dos que eventualmente estarão mais fragilizados em razão das contingências dessa idade, associada em regra à menor vivência e imaturidade.
IV) O critério de” pornográfico” é um conceito que deve ultrapassar os limites do erótico ou estético e ser mais que a mera representação do corpo humano, sendo certo que das referidas fotografias não se vislumbra a prática explicita de qualquer ato sexual. Contudo, não se tratam de fotografias artísticas de nu integral ou de meras imagens desnudadas, já que estas sobrevalorizam a exposição lasciva de partes intimas da menor, o que objectivamente ultrapassa os limites do ético e pouco tem a haver com qualquer estética erótica.
V) O Recorrente conformou-se com a matéria de facto fixada e como tal não há espaço para meras hipóteses conjunturais, importando relembrar aqui que o Tribunal concluiu que, a partir da fundamentação testemunhal, o arguido “insistia com a H… para se fotografar nua e com o rosto visível, o que terá sucedido igualmente com duas outras menores colegas da H…” (Convicção do Tribunal sobre a factualidade dada como provada e descrita nos pontos 34 a 41).
VI) Se a convicção do Tribunal recorrido perante a prova produzida na imediação do julgamento foi a de que houve uma renovação implícita da vontade e subsequente resolução criminosa, tão pouco resulta do texto da decisão ora recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, a invocada insuficiência da matéria de facto, conforme exige o disposto no art.º 410, n. 2 do CPP.
VII) O principio da livre apreciação da prova prevista no art.º 127 do CPP impede a nosso ver que o Tribunal de Recurso fixe uma nova convicção, tendo apenas que avaliar se a convicção expressa pelo Tribunal Recorrido tem razoável apoio na prova produzida em julgamento conjugada com os demais elemento de prova constantes dos autos e se reconduz a decisões objectivas
VIII) e motivadas, susceptíveis de controlo dos critérios lógicos que explanam os pressupostos valorativos do julgador em conformidade com critérios de experiência comum e do homem médio.
IX) O Acórdão não padece de qualquer vício e a convicção do Tribunal Colectivo surge fundamentada da análise global e crítica de toda a prova produzida e não de partes desagregadas ou baseadas em meras hipóteses.
X) A pena única aplicada mostra-se equilibrada, pois pese a ilicitude mediana, o número de crimes em apreço, a intensidade do dolo, as razões de prevenção geral e especial, bem como a personalidade evidenciado pelo arguido sem qualquer demonstração de arrependimento ou crítica das suas condutas, a que acresce uma postura de banalização e minimização da sua responsabilidade, não justificam qualquer redução da pena aplicada”.
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Neste Tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se, igualmente, em Audiência, pela improcedência do recurso.
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Com interesse para a decisão a proferir, é o seguinte o teor do Acórdão recorrido
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Factos Provados:
“I) - NUIPC n.º 31/16.9GDAVR.
1. G… e o arguido B…, mantiveram um relacionamento amoroso, sem coabitação, no período compreendido entre Junho de 2015 e Dezembro de 2015.
2. Por motivos não concretamente apurados, a relação de namoro começou a deteriorar-se, passando a mesma a ser pautada por discussões e agressões verbais frequentes, dirigidas pelo arguido à G….
3. Em datas que não foi possível apurar, quando se encontravam juntos, quer na casa da G…, sita na Rua …, na …, em …, quer na Rua, em Aveiro, o arguido dizia à G… “que a matava”, “que havia de lhe incendiar o carro”, “que mataria o seu filho”, este à data com 6 anos de idade, desta forma causando à mesma, medo e insegurança.
4. No dia 03-02-2016, o arguido remeteu diversas mensagens escritas do tipo SMS à G…, através de telemóvel, dizendo que lhe batia e que a havia de matar, causando medo e mau estar na pessoa da mesma, que temia o arguido.
5. A G…, no mesmo dia, cerca das 12h00, dirigiu-se ao Posto Territorial da GNR de …, a fim de solicitar protecção e quando a mesma se encontrava no interior do referido posto, recebeu uma chamada telefónica do arguido, tendo este afirmado, “se a bófia estiver aí a ouvir não tenho medo de me virar a um bófia, eles levam nos cornos…não tenho medo de ir preso outra vez…abriste guerra contra o diabo… nunca mais vais andar descansada, vou andar sempre atras de ti…podes dizer à bófia que vão ter de andar comigo 24 sobre 24 horas que eu vou-te fazer marcação cerrada, e sabes qual vai ser o resultado? Eu vou para a cadeia, mas tu não vais gozar com mais ninguém…sei onde tu moras e onde trabalhas…já estive preso por tentar matar um bófia…vou até às ultimas consequências e se tiver que ser preso, eu vou preso…”. Em virtude disso, a G… sentiu medo e chegou a recear pela sua vida e integridade física, receando andar sozinha na rua, desta forma a humilhando e a limitando na sua liberdade.
6. No dia 09-02-2016, cerca das 22h35, o arguido enviou nova mensagem escrita para a G…, dizendo-lhe, “já passou da hora, tens 5 minutos para estares aqui com a minha caderneta”.
7. A G…, temendo o arguido, deslocou-se à estação de serviço da I…, sita na auto-estrada A-.., na …, no sentido Aveiro-…, com a finalidade de lhe entregar a caderneta da J… pertencente ao mesmo e que estava na sua posse.
8. No local, cerca da 01h05 do dia 10-02-2016, a G… entregou ao arguido a solicitada caderneta.
9. Em circunstâncias não concretamente apuradas, a G… acompanhou o arguido até ao interior da residência deste, sita na Rua …, n.º …, na …, onde pernoitou, saindo da mesma no dia 10-02-2016, acompanhada do arguido.
10. No dia 11-02-2016, cerca das 22h47m, o arguido dirigiu-se junto da residência da G… e enviou-lhe através de telemóvel, uma mensagem SMS que dizia, “vens cá fora, ou queres que eu vá aí dentro? Tens dois minutos”.
11. No dia 12-02-2016, a G… apresentava, vestígio cicatricial punctiforme, no dorso da mão esquerda com 0,1 cm de diâmetro, lesão que lhe determinou um dia de doença.
12. Ao actuar da forma e nas situações descritas, o arguido sabia que estava a maltratar física e psicologicamente, de forma reiterada, pessoa que tinha sido sua namorada e a violar os deveres de respeito e solidariedade que sabia lhe incumbirem, querendo agir da forma por que o fez.
13. Agiu o arguido sempre de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e penalmente punida.
II) - NUIPC n.º 319/18.4GBILH.
14. À data dos factos que infra se descrevem, E…, e o arguido B…, viviam em condições análogas às dos cônjuges há cerca de oito anos, partilhando cama, mesa e habitação que ocupavam na Rua …, n.º …, na ….
15. O arguido e a E…, têm em comum três filhos menores.
16. No dia 01-08-2018, a E…, encontrava-se no interior do estabelecimento comercial, pertencente a uma sua amiga, denominado “K…”, sito na localidade da …..
17. Cerca das 15h00, e por razões não apuradas, o arguido surgiu no referido estabelecimento e dirigiu-se junto da zona da cozinha, local onde se encontrava a E…, acompanhada de F….
18. A F…, vendo que o arguido queria entrar na cozinha, tentou impedir a sua entrada, todavia, o arguido empurrou-a com força, contra a porta da cozinha e contra uma escada, acabando esta por embater com a cabeça e costas na parede e cair ao chão, causando-lhe dores e ferimentos.
19. De seguida, o arguido entrou na cozinha e fechou a porta.
20. Ali, o arguido abeirou-se da E… e deferiu-lhe diversos golpes no corpo, nomeadamente na cara, no tronco e no braço esquerdo.
21. Como consequência necessária e directa da sua conduta, o arguido causou à E… dor e limitação dos movimentos de rotação e abdução do membro superior esquerdo; escoriação localizada na face externa do terço superior do antebraço esquerdo medindo 2cmX1cm, lesõesessas, que lhe determinaram 6 dias de doença sem afetação da capacidade de trabalho.
22. O arguido, com a sua conduta, causou à ofendida F… equimose arroxeada localizada na face posterior do terço distal do braço esquerdo, medindo 2 cmX1cm e dor e limitação dos movimentos de rotação do membro superior direito, lesões essas que lhe determinaram 6 dias de doença sem afectação da capacidade de trabalho.
23. Ao actuar da forma e na situação descrita, o arguido sabia que estava a maltratar física e psicologicamente a mulher com quem vivia em união de facto e mãe de três dos seus filhos e a violar os deveres de respeito e solidariedade que sabia lhe incumbirem, querendo agir da forma por que o fez.
24. O arguido, agiu com o propósito consumado, de atingir e lesar o corpo e a saúde da F…, bem sabendo que, tais agressões seriam susceptíveis de ofender o corpo e a saúde desta, o que lhe foi indiferente, por ter sido querida a respectiva conduta.
25. Agiu sempre o arguido agiu de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e penalmente punidas.
III) - NUIPC n.º 573/18.1JAAVR)
26. No dia 08-10-2018, cerca das 17h30 a E…, acompanhada da mãe do arguido, L… e de M…, deslocou-se ao Restaurante, denominado “N…”, sito na Rua …, na ….
27. Após conversa telefónica com o arguido, a E… saiu do restaurante, indo ao encontro do mesmo que se encontrava na Rua a estacionar o respectivo veiculo, com a matrícula .. – DG - .. de marca Renault ….
28. No momento em que a E… se aproximou do arguido, este empurrou-a, agarrou-a num braço e torceu-lho por forma a causar-lhe dor e a obrigá-la a prostrar-se no solo de joelhos.
29. Ato contínuo, empurrou-a até ao carro, onde ela entrou, sentando-se no banco da frente do lado do condutor.
30. Dentro do veículo, o arguido, já sentado no banco do condutor, agarrou a E… pelos cabelos puxando-os, causando-lhe dores, tendo colocado depois o veículo em andamento, levando-a consigo contra a sua vontade.
31. Com toda a conduta acima descrita, o arguido quis, como conseguiu, molestar o corpo e a saúde física e psíquica da E…, atentando ainda contra o seu são equilíbrio emocional, bem sabendo que mantivera com ela uma relação análoga às dos cônjuges, e que tinham em comum três filhos.
32. Ao atuar da forma descrita, quis colocar a ofendida dentro da viatura e circular com esta, tudo contra a vontade da mesma.
33. Agiu sempre de modo livre, voluntário e consciente, não ignorando que toda a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.
IV) – NUIPC n.º 1/17.0GAAGD
34. H…, nasceu no dia ..-04-2000.
35. Em data não concretamente apurada de maio de 2016, a H…, iniciou um relacionamento de namoro, sem coabitação, com o arguido B…, também conhecido por B1….
36. A H…, nessa altura, encontrava-se institucionalizada no Centro Social Paroquial O…, em Águeda.
37. O arguido e a H…, contactavam entre si, para além do mais, através da plataforma “Messenger” da rede social “Facebook”, utilizando, para tanto, ela o perfil “H…” e ele o perfil “B1…”.
38. Em data não concretamente apurada do Verão de 2016 e em data não concretamente apurada de outubro de 2016, quando se encontrava na residência da sua mãe, a H…, através da rede social “Facebook”, enviou ao arguido, a pedido deste, que a incentivou a tal, um número indeterminado de fotografias suas, sem roupa, em nu integral, exibindo os seus seios e a sua zona genital.
39. Tais fotografias, foram tiradas pela ofendida com recurso à câmara do telemóvel por si habitualmente utilizado.
40. Sabia o arguido que lhe estava legalmente vedada a detenção das fotografias da ofendida, menor de idade e em poses pornográficas, e que, ao incitá-la a tirar e remeter-lhe tais imagens, o fazia com o propósito único de satisfazer os seus desejos sexuais através da visualização das mesmas, o que quis.
41. Sabia o arguido que todas as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
V) – NUIPC n.º 1336/18.0T9AVR.
42. D… nasceu em 02-07-2016 e é filho de P… e do arguido B….
43. O menor D…, foi confiado à guarda e cuidados da avó materna, C…, desde julho de 2016, por decisão do Tribunal de Família e Menores de Aveiro, correndo também a favor do menor o processo de promoção e proteção n.º 232/14.4T8AVR-A.
44. No fim de semana de 24-03-2018 para 25-03-2018, o menor D… foi entregue aos cuidados do arguido seu pai, com quem passou o referido período de tempo.
45. No dia 26-03-2018, cerca das 08h30m, o arguido deixou o seu filho D… na residência da avó materna, imediatamente antes de a mesma o levar à creche, tendo ali permanecido durante o dia.
46. No mesmo dia, cerca das 18h00m, a avó materna do menor, C…, foi à creche buscar o neto, tendo sido alertada pela Diretora Técnica da Creche que a criança se encontrava com as costas e a barriga com hematomas e nodoas negras e que o mesmo não havia estado bem-disposto, desde a hora em que foi entregue na creche, estando aborrecido e sem apetite.
47. Ao ser observado no Serviço de urgência do Centro Hospitalar Q… no dia 26-03-2018, o D…, apresentava: hematoma na região frontal direita já a ser reabsorvido; petéquias na hemi-face direita, (região malar e infra-palpebral); na face dorsal do tronco/região lombar foram observados múltiplos hematomas, cerca de dezoito hematomas e ainda dois hematomas no abdómen.
48. Submetido a exame médico-legal de caracter urgente no dia 27-03-2018, no GML de Aveiro, o menor apresentava:
- Na cabeça - equimose arroxeada e amarelada (em reabsorção) na metade direita da região frontal (medindo 2,5cmX2cm); área de pontuado hemorrágico petequial interessando as regiões zigomática e bucal direitas (medindo 5cmX3,5cm); equimose arroxeada com pontuado hemorrágico na pálpebra inferior direita (medindo 1,5cmX0,3cm) e escoriação com crosta cicatricial na face posterior do pavilhão auricular direito (medindo 0,2cm de diâmetro)
- No tronco - equimose amarelada na região escapular direita (medindo 1,5cmX1cm); múltiplas equimoses acastanhadas com halo amarelado, dispersas pela metade direita da região dorsal e região lombar direita, a maior das quais medindo 5,5cm X3cm e a menor medindo 1cm de diâmetro, ocupando o conjunto de tais lesões uma área de 14cmX11,5cm; área equimótica acastanhada no hipocôndrio esquerdo medindo 3,5cm X1,5cm
- No membro superior direito - área de pontuado equimótico avermelhado no terço proximal da face posterior do braço, de maior eixo sensivelmente longitudinal (medindo 3cmX0,5cm)
- No membro inferior esquerdo equimose acastanhada no terço médio da face anterior da perna, medindo um centímetro de diâmetro.
49. O arguido respondeu e foi condenado: a) em 22/10/2013, no âmbito do processo sumário nº2465/03.0PTAVR, pela prática, em 21/10/2003, de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de multa; b) em 6/5/2004, no âmbito do processo abreviado nº50/03.5 GCILH, pela prática, em 1/9/2003, de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de multa; c) em 16/6/2004, no âmbito do processo sumário nº465/04.1GBILH, pela prática, em 29/5/2004, de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de multa; d) em 21/2/2008, no âmbito do processo sumário nº33/08.9GTAVR, pela prática, em 25/1/2008, de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de 8 (oito) meses de prisão suspensa na sua execução por 1 (um) ano; e) em 9/5/2013, no âmbito do processo comum singular nº480/12.1GBILH, pela prática, em 4/8/2012, de um crime de detenção de arma proibida, numa pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão substituída pela prestação de trabalho a favor da comunidade e, posteriormente suspensa; f) em 12/4/2016, no âmbito do processo comum singular nº222/15.0GAILH, pela prática, em 2/6/2015, de um crime de ameaça agravada, numa pena de multa que veio a ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade; g) em 13/12/2017, no âmbito do processo comum singular nº82/17.6GAALB, pela prática, em 6/10/2016, de um crime de ameaça agravada numa pena de 4 (quatro) meses de prisão substituída por multa; h) em 24/4/2008, no âmbito do processo abreviado nº290/07.8GTAVR, pela prática, em 27/7/2007, de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de multa; i) em 11/9/2008, no âmbito do processo sumário nº693/08.0GBILH, pela prática, em 3/9/2008, de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de 10 (dez) meses de prisão suspensa na sua execução por 1 (um) ano; j) em 29/4/2008, no âmbito do
processo comum singular nº123/07.5GBMIR, pela prática, em 28/10/2007, de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de 4 (quatro) meses de prisão suspensa na sua execução por 1 (um) ano; k) em 12/5/2008, no âmbito do processo comum singular nº439/07.0GBILH, pela prática, em 10/9/2007, de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de 8 (oito) meses de prisão suspensa na sua execução, por 1 (um) ano, substituída por prisão em regime de permanência na habitação; l) em 15/5/2008, no âmbito do processo abreviado nº494/07.3GTAVR, pela prática, em 2/11/2007, de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de 3(três) meses de prisão suspensa na sua execução por 1 (um) ano; m) em 16/6/2008, no âmbito do processo comum singular nº471/07.4GBILH, pela prática, em 21/3/2007, de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de 8 (oito) meses de prisão suspensa na sua execução por 1 (um) ano; n) em 11/7/2008, no âmbito do processo comum singular nº76/07.0 PBAVR, pela prática, em 11/1/2007, de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de detenção de arma proibida, numa pena de 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 (um) ano; o) em 11/9/2008, no âmbito do processo sumário nº693/08.0GBILH, pela prática, em 03-09-2008, de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de multa; p) em 12/9/2008, no âmbito do processo abreviado nº909/08.3PTAVR, pela prática, em 09-12-2007, de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de multa; q) em 17/6/2009, no âmbito do processo comum singular nº254/08.4GCAVR, pela prática, em 9/6/2008 de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de 10 (dez) meses de prisão efetiva; r) em 10/11/2009, no âmbito do processo comum singular nº88/08.6GBILH, pela prática, em 19/1/2008, de um crime de condução sem habilitação legal, de um crime de injúria agravada e de um crime de resistência e coação sobre funcionário, numa pena de 3 (três) anos de prisão suspensa na sua execução por igual período; s) em 18/5/2010, no âmbito do processo sumário nº2678/09.0PTAVR, pela prática, em 19/11/2009, de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de prisão por dias
livres; t) em 16/12/2010, no âmbito do processo comum singular nº856/08.9GBILH, pela prática, em 27/10/2008, de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa por igual período; u) em 12-07-2018, no âmbito do processo comum singular nº701/17.4GBILH, pela prática, em 26/11/2017, de três crimes de ameaça agravada e de um crime de injúria, numa pena de 8 (oito) meses de prisão suspensa por 1 (um) ano, tendo a respetiva condenação transitado em julgado em 01-10-2018.
50. O arguido nasceu e cresceu em …, concelho de Ílhavo, no seio de um agregado familiar constituído pela progenitora e três descendentes, sendo B… o mais novo. O agregado familiar era de condição socioeconómica humilde e a subsistência era assegurada pelo trabalho da mãe, como operária fabril numa empresa de pescas e como empregada doméstica.
O progenitor, servente da construção civil, possuía outro agregado familiar e negligenciou as suas responsabilidades económicas e afetivas perante o arguido e os irmãos pelo que estes beneficiavam da ajuda da avó materna, num contexto de família alargada, mas socioeconomicamente modesta, para satisfação de necessidades básicas de subsistência. Neste contexto, o desenvolvimento psicossocial e afetivo do arguido caracterizou-se pela ausência de regras bem definidas e consistentes e pela escassa supervisão e controlo sobre o seu comportamento.
51. Em idade própria, ingressou na escola iniciando um percurso marcado por baixo aproveitamento, indisciplina e hiperatividade. No decurso do seu percurso escolar, foi sinalizado como uma criança muito problemática e o agregado familiar beneficiava de apoio por parte de instituições da rede de apoio social da sua comunidade de inserção. Neste contexto de distúrbio do comportamento e carências socioeconómicas, com 9 anos de idade, foi internado no Centro Educativo S…, em Aveiro, onde permaneceu até aos 17 anos de idade. Nesta instituição, concluiu o 7.º ano de escolaridade
e frequentou vários cursos de formação profissional nas áreas de serralharia, jardinagem e calçada portuguesa.
O arguido iniciou o consumo de haxixe e cocaína enquanto se encontrava institucionalizado no Centro Educativo S…, no contexto de grupos de pares com semelhantes problemáticas.
Com a saída do Centro Educativo S…, foi residir para junto da mãe e irmãos e iniciou-se na vida ativa trabalhando na construção civil.
52. Com 18 anos de idade, iniciou uma relação amorosa com T…, então com 27 anos, operária fabril numa empresa de pescas. Desta relação nasceram três filhos. A relação conjugal terminaria por volta de 2011 por o arguido ter iniciado nova relação com E…, da qual nasceram mais três filhos.
53. Desde agosto de 2018 até à sua detenção à ordem dos presentes autos, em Outubro do mesmo ano, o arguido residia em …, numa habitação arrendada, com condições de habitabilidade, integrada em meio de características urbanas. Coabitavam com o arguido, U…, sua namorada, de 22 anos de idade, desempregada e a filha desta, com 2 anos de idade. Trabalhava numa empresa local de mudanças, exercendo as funções de motorista e auferindo a quantia de €900,00 (novecentos euros) mensais, valor que assegurava a sua subsistência e do agregado familiar.
54. O arguido é conhecido na comunidade de inserção por ser pai de dez crianças, fruto de relações com diferentes mulheres, e pela exposição mediática dos factos do presente processo, sendo conotado com comportamentos desviantes e conflitos com a Justiça.
55. Demonstra competências básicas ao nível da capacidade de aprendizagem, capacidade de utilização dos conhecimentos e capacidade de lidar com fontes de informação escrita. Demonstra, igualmente, capacidades de pensamento e raciocínio crítico, como competências de resolução de problemas pessoais, incluindo o pensamento alternativo e consequencial. No que diz respeito a competências interpessoais e sociais, designadamente
competências de resolução de conflitos, comunicação, negociação, descentração e autocontrolo, são residuais no arguido.
56. O arguido ingressou no Estabelecimento Prisional V…, em 10.10.2018. Entre Novembro de 2018 e Janeiro de 2019, frequentou o curso de pintor da construção civil dinamizado pelo Centro Protocolar de Formação Profissional para o Sector da Justiça. Presentemente, encontra-se na situação de inactivo.
Em 16.05.2019, foi punido com a medida disciplinar de permanência obrigatória no alojamento, pelo período de 25 dias, por posse de telemóvel, em 18.02.2019. Recebe visitas da mãe, da irmã e das ex-companheiras com regularidade. Estes manifestam disponibilidade para o apoiar durante a após a reclusão.
57. Avaliada a personalidade do arguido, interpretaram-se dados e concluiu-se da seguinte forma:
- Na avaliação do desempenho intelectual assinalam-se competências cognitivas correspondentes à média para a sua faixa etária, dispondo de recursos e estratégias adaptativas com vista à resolução problemas concretos e à tomada de decisão. A sua estrutura de funcionamento permite-lhe lidar com a realidade envolvente de acordo com as situações práticas do quotidiano. A sua capacidade de reflexão e elaboração assenta num estilo de pensamento concreto, realista, embora simplificado, acerca do mundo e da vida, tendendo a interpretar os acontecimentos de acordo com suas convicções, crenças pessoais, experiências e vivências.
- Apresenta uma capacidade intelectual dentro da média para a sua faixa etária, evidenciando um estilo de pensamento simples e concreto, que lhe permite discernir as normas sociais básicas, embora na implementação prática denote dificuldades.
- Mostra-se pouco tolerante e flexível para aceitar opiniões alheias, ou até normas sociais, quando não correspondem aos seus interesses e expectativas.
Neste sentido poderá fazer escolhas e manifestar ações pouco ponderadas pela dificuldade em abdicar da sua perspetiva subjetiva.
- Relativa estabilidade emocional e bem-estar subjetivo, embora com tendência, em determinadas circunstâncias, a impulsividade no pensamento e na ação. A pouca tolerância à frustração e a predominância do comportamento orientado para satisfação das suas necessidades e desejos, poderá levá-lo a agir de forma irrefletida e inconsequente, sem ponderar o impacto que as suas ações têm nos outros.
- Possível estrutura da personalidade caracterizada pela pouca flexibilidade e rigidez de crenças, impulsividade ao nível do pensamento e ação, com tendência a actuar de forma mais centrada nos seus interesses, por vezes agressiva e pouco convencionais.
- Verificam-se interações afectivas precoces insatisfatórias (pai abandónico; mãe negligente) com os adultos de referência, em que os papéis parentais ficam questionados e dão lugar a recordações negativas e penalizadoras da parentalidade.
- No seu percurso vivencial destacam-se a disfuncionalidade familiar e a baixa condição socio cultural que, por razões protectivas, implicaram que o seu crescimento tivesse decorrido dos 9 aos 17 anos de idade em instituição de acolhimento e protecção de crianças jovens em risco.
- Tendência para se relacionar, ser sociável e disponível, envolvendo-se com os outros sem reservas, numa busca constante de afecto, pela necessidade extrema de estabelecer relações próximas, particularmente, com aqueles que nutrem por ele, sentimentos positivos gratificantes.
- O seu estilo de funcionamento interpessoal, afirmativo e optimista, amante da diversão, apreciando a excitação e estimulação de experiências novas, poderá facilitar actuações desajustadas. A tendência para a aventura e risco, para a impulsividade e despreocupação, poderá suscitar défices na regulação emocional e no autocontrole e potenciar respostas agressivas quando colocado perante situações percebidas como adversas.
- Apresenta um padrão de relações interpessoais íntimas instáveis e concomitantes a relações múltiplas e ocasionais, com dificuldade em estabelecer limites e tendência para atos impulsivos.
- Em termos práticos, a nível profissional e económico, revela expectativas elevadas e a intenção de prosseguir e atingir resultados favoráveis, motivado para satisfazer os interesses para si próprio e para a família. Neste sentido a busca constante de novas oportunidades profissionais, no país e no estrangeiro, parecem corroborar a presença de uma estrutura de funcionamento permeável e a abertura a novas experiências. Não obstante, a impulsividade e falta de antecipação que o caracteriza podem resultar numa planificação de estratégias menos consistente, em detrimento de resultados desejáveis e duradouros.
- A preferência pela novidade e diversidade nas situações de maior risco pelo desafio que importam sobrepõe-se à capacidade de planeamento, antecipação e prevenção.
- Ao nível do desenvolvimento sexual não são assinaladas situações desajustadas ou indicadores de risco que possam ter repercussões negativas na vivência íntima e no comprometimento dentro de uma relação.
- Mostra competências críticas perante crimes de idêntica natureza aos que está indiciado. No entanto, e relativamente aos ilícitos em apreço, sobressai no seu relato uma compreensão subjectiva dos acontecimentos, com a minimização das suas responsabilidades e dos seus actos, predominando sentimento de vitimização perante a sua situação actual. Possui crenças de legitimação e banalização da pequena violência, a par com a minimização as situações de violência conjugal.
- Encontramos elementos de referência positiva no seu núcleo afectivo, a companheira actual e os filhos das duas relações conjugais, que acompanham o arguido e disponibilização apoio, com importância para a estruturação do seu projecto de vida”.
*
Qualificação Jurídica
“Do crime de pornografia de menores previsto e punido pelo artigo 176º do Código Penal.
O artigo 176º do Código Penal é do seguinte teor, na redacção em vigor à data da prática dos factos e actualmente:
“1 - Quem:
a) Utilizar menor em espectáculo pornográfico ou o aliciar para esse fim;
b) Utilizar menor em fotografia, filme ou gravação pornográficos, independentemente do seu suporte, ou o aliciar para esse fim;
c) Produzir, distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder, a qualquer título ou por qualquer meio, os materiais previstos na alínea anterior;
d) Adquirir ou detiver materiais previstos na alínea b) com o propósito de os distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder;
é punido com pena de prisão de um a cinco anos.
2 - Quem praticar os actos descritos no número anterior profissionalmente ou com intenção lucrativa é punido com pena de prisão de um a oito anos.
3 - Quem praticar os atos descritos nas alíneas a) e b) do n.º 1 recorrendo a violência ou ameaça grave é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.
4 - Quem praticar os actos descritos nas alíneas c) e d) do n.º 1 utilizando material pornográfico com representação realista de menor é punido com pena de prisão até dois anos.
5 - Quem, intencionalmente, adquirir, detiver, aceder, obtiver ou facilitar o acesso, através de sistema informático ou qualquer outro meio aos materiais referidos na alínea b) do n.º 1 é punido com pena de prisão até 2 anos.
6 - Quem, presencialmente ou através de sistema informático ou qualquer outro meio, sendo maior, assistir ou facilitar acesso a espetáculo pornográfico envolvendo a participação de menores de 16 anos de idade é punido com pena de prisão até 3 anos.
7 - Quem praticar os atos descritos nos n.ºs 5 e 6 com intenção lucrativa é punido com pena de prisão até 5 anos.
8 - A tentativa é punível.”
O ilícito em causa foi introduzido aquando da reforma do Código Penal de 2007 e a redação do artigo foi alterada, e de forma substancial, pela Lei nº103/2015 de 24-08.
A tipificação na nossa lei penal do crime de pornografia de menores decorre da transposição para o direito interno nacional das Convenções de Direito Comunitário e Internacional de que Portugal faz parte, à luz do artigo 8º da CRP.
Como refere a exposição de motivos: “…Protocolo Facultativo à Convenção sobre Direitos da Criança, relativo à venda de crianças, prostituição infantil e pornografia infantil, adotado em Nova Iorque, em 25 de Maio de 2000, aprovado pela Resolução da Assembleia da República nº 16/2003, de 5 de Março, e ratificado pelo Decreto do Presidente da República nº 14/2003, de 5 de Março; Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional e Protocolo Adicional relativo à prevenção, à repressão e à punição do tráfico de pessoas, em especial de mulheres e crianças, aprovados pela Resolução da Assembleia da República nº 32/2004, de 2 de Abril, e ratificados pelo Decreto do Presidente da República nº 19/2004, de 2 de Abril.
Pretendeu a referida reforma promover uma proteção mais intensa e adequada das crianças e adolescentes, ampliando-se o seu âmbito de aplicação a todos os menores até aos18 anos de idade, e não apenas até aos 16 anos, como resultava da lei anterior.
O preceito prevê cinco crimes distintos: a) a utilização ou aliciamento, com vista à sua utilização, de menor de 18 anos, em espetáculo, fotografia, filme ou gravação pornográficos [nº1 alíneas a) e b)]; b) a produção, distribuição, importação, exportação, divulgação, exibição e a cedência de materiais pornográficos [nº1 alínea c)]; c) a aquisição ou detenção de materiais pornográficos com o propósito de distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir
ou ceder esses materiais [nº1 alínea d); d) a aquisição, detenção, acesso, obtenção ou facilitação do acesso a materiais pornográficos [nº5]; e) a assistência ou facilitação do acesso a espetáculo pornográfico, envolvendo a participação de menores de 16 anos de idade, por parte de pessoa maior de idade [nº6].
Em qualquer destes crimes, o bem jurídico protegido é a autodeterminação sexual do menor de 18 anos (no último caso, também, de menor de 16 anos).
A Decisão-Quadro Relativa à Luta Contra a Exploração Sexual de Crianças e a Pornografia Infantil define pornografia infantil como “… qualquer material pornográfico que descreva ou represente visualmente crianças reais envolvidas em comportamentos sexuais explícitos ou entregando-se a tais comportamentos, incluindo a exibição lasciva dos seus órgãos genitais ou partes púbicas; pessoas reais com aspecto de crianças envolvidas nesses comportamentos ou entregando-se aos mesmos; ou imagens realistas de crianças não existentes envolvidas nesses comportamentos ou entregando-se aos mesmos…”
Quanto ao grau de lesão do bem jurídico, estamos em presença de um crime de perigo abstracto e, quanto à forma de consumação do ataque ao bem jurídico, perante um crime de mera actividade.
Quanto ao elemento subjectivo do tipo, trata-se de um crime doloso, exigindo-se que o agente actue com dolo em qualquer das suas modalidades.
Analisando o caso dos autos, verifica-se que a H… tinha, à data da prática dos factos, 16 anos de idade (nasceu em ..-04-2000).
Por outro lado, tendo em conta a factualidade descrita nos pontos 35. a 41., dúvidas não há de que o arguido praticou factos que preenchem os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de crime de pornografia de menores.
Com efeito, o arguido, em duas ocasiões distintas levou a menor, aliciando-a, a fotografar-se nua, exibindo os seios e a zona genital e a remeter-lhe essas fotografias que manteve na sua posse o que, parece-nos, cai na previsão da alínea b).
Assim, o arguido praticou, em autoria material e na forma consumada, dois crimes de pornografia de menores previsto e punido pelo artigo 176º nº1 alínea b) do Código Penal”.
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Medida da Pena
“Realizado o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido importa determinar a natureza e medida da sanção a aplicar.
O crime de violência doméstica praticado pelo arguido e que teve como vítima, G…, é punido, nos termos do disposto no artigo 152º n.º 1, alínea b) e nº2 alínea a) do Código Penal com pena de prisão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.
O crime de violência doméstica praticado pelo arguido e que teve como vítima, E…, é punido, nos termos do disposto no artigo 152º, n.º 1, alíneas b) e c) do Código Penal com pena de prisão de 1 (um) a 5 (cinco) anos.
Acresce que, nos termos do disposto nos nºs 4 e 5 do mesmo preceito legal, podem ser aplicadas ao agente condenado pelo crime de violência doméstica, as penas acessórias de proibição de contacto com as vítimas e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de 6 (seis) meses a 5 (cinco) anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica, devendo, em caso de aplicação da primeira, o seu cumprimento ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
O crime de ofensa à integridade física simples é punido, nos termos do disposto nos artigos 143º, n.º 1, 41º nº1 e 47º nº1 do Código Penal com pena de prisão de 1 (um) mês a 3 (três) anos ou com pena de multa de 10 (dez) até 360 (trezentos e sessenta) dias.
Cada um dos dois crimes de pornografia de menores praticado pelo arguido é punido, nos termos do disposto no artigo 176º nº1 alínea b) do Código Penal com pena de 1 (um) a 5 (cinco) anos.
Acresce que, nos termos do disposto nos artigos 69º-B nº2 e 69º-C nº2 do código Penal, podem ser aplicadas ao agente condenado pelo crime de pornografia de menores (artigo 176º do Código Penal), as penas acessórias de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período fixado entre 5 e 20 anos e de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adopção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período fixado entre cinco e 20 anos.

Face ao disposto no artigo 70º do Código Penal, dever-se-á optar pela aplicação de pena não privativa da liberdade sempre que determinado ilícito for punível com pena privativa e não privativa, em alternativa, desde que com tal pena se realizem as finalidades da punição.
Ora, no caso subjudice, e no que concerne ao crime de ofensa à integridade física simples em que o arguido vai condenado, há que proceder a tal ponderação e escolha e, entendemos que, apesar de as necessidades de prevenção geral não se oporem à opção pela pena não privativa da liberdade, as exigências de prevenção especial não aconselham a tal opção.
Com efeito, à data da prática do crime (01-08-2018), o arguido já contava 17 condenações pela prática de crime de condução sem habilitação legal; 2 condenações pela prática de crime de detenção ilegal de arma; 2 condenações pela prática de crime de ameaça agravada; 1 condenação pela prática de crime de resistência e coação sobre funcionário e 1 condenação pela prática de crime de injúria agravada. Depois daquela data, veio a ser condenado, ainda, pela prática de três crimes de ameaça agravada e de um crime de injúria.
Entre as penas aplicadas, para além da pena de multa, o arguido já foi condenado em penas de prisão substituídas por multa, em penas de prisão suspensas na sua execução, em penas de prisão efectiva, em penas de prisão
por dias livres e em pena de prisão substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade.
É manifesto que o arguido tem uma trajectória de prática de crimes, que a pena de multa não revela aptidão para interromper.
Assim, opta-se pela aplicação de pena de prisão.
A medida da pena é fixada nos termos do artigo 71º nºs 1 e 2 do Código Penal, sendo que a pena concreta é sempre limitada no seu máximo pela medida da culpa, limite este inultrapassável, sendo que, nos casos de comparticipação e por força do artigo 29º do Código Penal, cada comparticipante é punido segundo a sua culpa, independentemente da punição ou do grau de culpa dos outros comparticipantes.
Como refere Figueiredo Dias, “dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas do ordenamento jurídico”.
Dentro desta moldura atuam razões de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, quando tal se imponha, pois se o agente não se mostrar carente de socialização, por se encontrar socialmente integrado, então a medida encontrada terá apenas a função de suficiente advertência, baixando a medida para o limiar mínimo.
Relativamente aos cinco ilícitos, e no que à prevenção especial concerne, o quadro relevante é o que segue:
- O arguido não demonstrou qualquer arrependimento ou crítica sobre as suas condutas, negando a prática dos factos, mesmo no que concerne à vítima F…, sustentando não ter tido intenção de a agredir, quando é certo que a agrediu violentamente fazendo-a cair ao chão. Ainda nesta perspectiva, o arguido assumiu a conduta no que diz respeito ao crime de pornografia de menores, mas minimizando-a e desculpando-a como se se tratasse de conduta entre adultos quando, na verdade, a vítima tinha apenas 16 anos de idade e foi por ele aliciada e incentivada a fotografar-se nua e a enviar-lhe tais fotografias.
Esta atitude revela que o arguido não fez qualquer juízo crítico e de censura conducente a qualquer arrependimento, pois a sua postura em relação aos factos não é demonstrativa ou sequer, indiciadora, desse sentimento de auto-responsabilização.
Por outro lado, é revelador de ausência de qualquer censura ou arrependimento o facto de nunca ter adoptado qualquer comportamento tendente a compensar as vítimas, seja através do pagamento de qualquer indemnização pelos danos causados, seja através de qualquer compensação de natureza moral como seja um pedido de desculpas.
- A conduta anterior e posterior aos factos, revela que o arguido já foi, por diversas vezes, solenemente advertido, com condenações, a maioria delas pela prática de crime de condução sem habilitação legal, mas também pela prática de crimes de detenção de arma proibida, de resistência e coação sobre funcionário, de injúria agravada e simples e de ameaça agravada, circunstância que não o impediu de voltar a delinquir.
- O arguido nasceu e cresceu em …, concelho de Ílhavo, no seio de um agregado familiar constituído pela progenitora e três descendentes, sendo B… o mais novo. O agregado familiar era de condição socioeconómica humilde e a subsistência era assegurada pelo trabalho da mãe, como operária fabril numa empresa de pescas e como empregada doméstica. O progenitor, servente da construção civil, possuía outro agregado familiar e negligenciou as suas responsabilidades económicas e afectivas perante o arguido e os irmãos pelo que estes beneficiavam da ajuda da avó materna, num contexto de família alargada, mas socioeconomicamente modesta, para satisfação de necessidades básicas de subsistência. Neste contexto, o desenvolvimento psicossocial e afectivo do arguido caracterizou-se pela ausência de regras bem definidas e consistentes e pela escassa supervisão e controlo sobre o seu comportamento. Em idade própria, ingressou na escola iniciando um percurso marcado por baixo aproveitamento, indisciplina e hiperactividade. No decurso do seu percurso escolar, foi sinalizado como uma criança muito problemática e o agregado familiar beneficiava de apoio por parte de instituições da rede de apoio social da sua comunidade de inserção. Neste contexto de distúrbio do comportamento e carências socioeconómicas, com 9 anos de idade, foi internado no Centro Educativo S…, em Aveiro, onde permaneceu até aos 17 anos de idade. Nesta instituição, concluiu o 7.º ano de escolaridade e frequentou vários cursos de formação profissional nas áreas de serralharia, jardinagem e calçada portuguesa. Iniciou o consumo de haxixe e cocaína enquanto se encontrava institucionalizado no Centro Educativo S…, no contexto de grupos de pares com semelhantes problemáticas. Com a saída do Centro Educativo S…, foi residir para junto da mãe e irmãos e iniciou-se na vida activa trabalhando na construção civil. Com 18 anos de idade, iniciou uma relação amorosa com T…, então com 27 anos, operária fabril numa empresa de pescas. Desta relação nasceram três filhos. A relação conjugal terminaria por volta de 2011 por o arguido ter iniciado nova relação com E…, da qual nasceram mais três filhos. Desde agosto de 2018 até à sua detenção à ordem dos presentes autos, em Outubro do mesmo ano, residia em …, numa habitação arrendada, com condições de habitabilidade, integrada em meio de características urbanas. Coabitavam com o arguido, U…, sua namorada, de 22 anos de idade, desempregada, e a filha desta, com 2 anos de idade. Trabalhava numa empresa local de mudanças, exercendo as funções de motorista e auferindo a quantia de €900,00 (novecentos euros) mensais, valor que assegurava a sua subsistência e do agregado familiar.
O arguido teve, pois, um percurso de vida marcado pela disfuncionalidade do agregado familiar de origem, institucionalização precoce e adopção, também precoce, de comportamentos ilícitos e aditivos.
- A sua imagem social não é favorável, uma vez que, é conhecido na comunidade de inserção por ser pai de dez crianças, fruto de relações com diferentes mulheres, sendo conotado com comportamentos desviantes e conflitos com a Justiça.
- A sua conduta em meio prisional, apesar do apoio dos que lhe são próximos também é merecedora de reparos, já que resultou provado que, tendo ingressado no Estabelecimento Prisional V…, em 10.10.2018, em 16.05.2019, foi punido com a medida disciplinar de permanência obrigatória no alojamento, pelo período de 25 dias, por posse de telemóvel, em 18.02.2019. Mais se provou que recebe visitas da mãe, da irmã e das ex-companheiras com regularidade. Estes manifestam disponibilidade para o apoiar durante a após a reclusão.
- O estudo sobre a personalidade do arguido, confirma características que, de todo o modo, já se manifestavam nos factos, no seu percurso de vida e na sua postura em relação às vítimas das suas condutas ilícitas. Assim, deste ponto de vista, salienta-se, para além de tudo o mais que consta do ponto 57. dos factos provados que:
a) A sua capacidade de reflexão e elaboração assenta num estilo de pensamento concreto, realista, embora simplificado, acerca do mundo e da vida, tendendo a interpretar os acontecimentos de acordo com suas convicções, crenças pessoais, experiências e vivências.
b) Mostra-se pouco tolerante e flexível para aceitar opiniões alheias, ou até normas sociais, quando não correspondem aos seus interesses e expectativas. Neste sentido poderá fazer escolhas e manifestar acções pouco ponderadas pela dificuldade em abdicar da sua perspectiva subjectiva.
c) A pouca tolerância à frustração e a predominância do comportamento orientado para satisfação das suas necessidades e desejos, poderá levá-lo a agir de forma irreflectida e inconsequente, sem ponderar o impacto que as suas acções têm nos outros.
d) Possível estrutura da personalidade caracterizada pela pouca flexibilidade e rigidez de crenças, impulsividade ao nível do pensamento e acção, com tendência a actuar de forma mais centrada nos seus interesses, por vezes agressiva e pouco convencionais.
e) o seu estilo de funcionamento interpessoal, afirmativo e optimista, amante da diversão, apreciando a excitação e estimulação de experiências novas, poderá facilitar actuações desajustadas. A tendência para a aventura e risco, para a impulsividade e despreocupação, poderá suscitar défices na regulação emocional e no autocontrole e potenciar respostas agressivas quando colocado perante situações percebidas como adversas.
f) apresenta um padrão de relações interpessoais íntimas instáveis e concomitantes a relações múltiplas e ocasionais, com dificuldade em estabelecer limites e tendência para atos impulsivos.
g) mostra competências críticas perante crimes de idêntica natureza aos que está indiciado. No entanto, e relativamente aos ilícitos em apreço, sobressai no seu relato uma compreensão subjetiva dos acontecimentos, com a minimização das suas responsabilidades e dos seus atos, predominando sentimento de vitimização perante a sua situação atual. Possui crenças de legitimação e banalização da pequena violência, a par com a minimização as situações de violência conjugal.
O mesmo estudo aponta para a existência de elementos de referência positiva no seu núcleo afetivo, a companheira atual e os filhos das duas relações conjugais, que acompanham o arguido e disponibilização de apoio, com importância para a estruturação do seu projeto de vida.
Em suma, do ponto de vista da prevenção especial, as necessidades reveladas no caso são muito relevantes e prendem-se essencialmente com o facto de o arguido não ter feito um juízo de censura efetivo sobre a sua conduta o que, aliado às características da sua personalidade, potencia o risco de voltar a delinquir.
Relativamente aos crimes de violência doméstica o quadro relevante é o que segue:
- A ilicitude dos factos situa-se a um nível médio baixo, no caso da vítima G…. Com efeito, em relação a ela, o arguido manteve apenas uma relação de namoro durante cerca de 6 meses e as condutas assumidas restringem-se a ameaças. Já no caso da vítima E…, trata-se da mãe de três dos seus filhos, com quem partilhou cama e mesa durante cerca de 8 anos e os episódios descritos nos autos são de grande violência física, integrando a conduta descrita uma situação de privação de liberdade da vítima o que trona a ilicitude, neste caso, muito mais elevada.
- A intensidade do dolo, que é direto (forma mais grave de culpa).
- As necessidades de prevenção geral são assinaláveis, tendo em consideração que este é um problema social muito grave e as condutas como a do arguido, que conhecem grande mediatização, são fortemente rejeitadas pela consciência coletiva.
Relativamente ao crime de ofensa à integridade física simples, o quadro relevante é o que segue:
- A ilicitude dos factos é média. A agressão traduziu-se em empurrão que fez a vítima cair ao chão, daí resultando lesões que demandaram para cura 6 dias. Não obstante, tratou-se de agressão em local público, tendo a vítima a intenção de impedir o arguido de agredir, como agrediu, a sua companheira E….
- A intensidade do dolo, que é direto (forma mais grave de culpa).
- As necessidades de prevenção geral não ultrapassam aquilo que é habitual neste tipo de ilícito.
Relativamente aos crimes de pornografia de menores, o quadro relevante é o que segue:
- A ilicitude dos factos situa-se acima da média. As fotografias que incentivou a menor a tirar de si mesma e a enviar-lhe, permitem a identificação desta, o que acentua a potencialidade de causar danos à vítima. Mais, o arguido aproveitou o facto de se tratar de menina que estava acolhida em instituição, o que era do seu conhecimento, não desconhecendo, por isso, as fragilidades emocionais que estas adolescentes apresentam, tratando-se de “presas” fáceis de ludibriar
e seduzir. Para além disso, o arguido manteve este material pornográfico na sua posse, usando-o como que aprouve, durante cerca de um ano.
- A intensidade do dolo, que é direto (forma mais grave de culpa).
- As necessidades de prevenção geral são assinaláveis. O crime de pornografia de menores é um ilícito que repugna de forma acentuada à consciência jurídica geral. O crescente uso das redes sociais e dos meios tecnológicos para expor crianças à lascívia de adultos mal formados, para além de suscitar um sentimento de repugnância, faz com que a comunidade sinta que as suas crianças estão expostas a grande risco, que muitas vezes é criado de forma insidiosa e dificilmente detetável, mesmo quando as crianças têm supervisão adequada dos seus comportamentos. Aliás, o legislador de 2015 traduziu precisamente esse sentimento da comunidade ao elevar a pena de prisão para o dobro no que tange ao ilícito antes previsto no nº4 e, hoje, previsto no nº5 do artigo 176º, eliminando a possibilidade de aplicação de pena de multa. O caso em apreço impõe fortes exigências de prevenção geral, atento o facto de, nesta comarca, em especial, ser muito significativo o número de crimes de natureza sexual tendo como vítimas crianças o que merece forte censura e repúdio por parte da comunidade, a exigir o reforço da norma violada.
Assim, consideramos adequado condenar o arguido:
- Pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, n.º 1, alínea b) e nº2 alínea a) do Código Penal, que teve como vítima, G…, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão;
- Pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, n.º 1, alíneas b) e c) do Código Penal, que teve como vítima, E…, na pena de 3 (três) anos de prisão;
- Pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido nos termos do disposto nos artigos 143º, n.º 1, 41º nº1 e 47º nº1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;
- Pela prática de cada um dos dois crimes de pornografia de menores, previsto e punido pelo artigo 176º nº1 alínea b) do Código Penal, na pena de 1 (um) e 9 (nove) meses de prisão;”.
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Em exame preliminar, foi determinado o não conhecimento do recurso interlocutório interposto pelo arguido/condenado, por falta de manifestação de interesse na apreciação do mesmo.
Foi considerado nada obstar ao conhecimento do recurso da decisão final, sendo ordenada a realização de Audiência, como requerido.
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Na Audiência com a presença dos sujeitos processuais que teriam de obrigatoriamente ser convocados – o M.P. e o defensor -, e do arguido cuja comparência também foi ordenada, foram debatidas as questões enunciadas no recurso.
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Colhidos os Vistos, efectuada a Audiência, cumpre apreciar e decidir.
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Das conclusões, delimitadoras do respectivo objecto, extrai-se que o arguido/ condenado B…, circunscreve o seu recurso a questões de Direito, pretendendo suscitar as seguintes questões:
- Não preenchimento do tipo legal do crime de pornografia de menores p. e p. pelo art.º 176 nº 1 alínea b) do C.P.;
- Inexistência de pluralidade de infracções quanto àquele tipo legal;
- Medida das penas parcelares aplicadas pela prática daquele crime.
- Medida da pena única fixada.
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O recorrente encontra-se condenado pela prática, em concurso real de:
- um crime de violência doméstica (na pessoa da G…) na pena de 2 anos e 9 meses de prisão;
- um crime de violência doméstica (na pessoa da E…) na pena de 3 anos de prisão;
- um crime de ofensa à integridade física simples (na pessoa da E…) na pena de 1 ano de prisão;
- dois crimes de pornografia de menores (referentes à H…) na pena de 1 ano e 9 meses de prisão, por cada um deles;
- na pena única de 5 anos e 4 meses de prisão.
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Invocado não preenchimento do tipo legal do crime de pornografia de menor p. e p. pelo art.º 176 nº 1 alínea b) do C.P.
A este respeito, os factos objectivos(materiais) provados são os seguintes:
“34. H…, nasceu no dia ..-04-2000.
35. Em data não concretamente apurada de maio de 2016, a H…, iniciou um relacionamento de namoro, sem coabitação, com o arguido B…, também conhecido por B1….
36. A H…, nessa altura, encontrava-se institucionalizada no Centro Social Paroquial O…, em Águeda.
37. O arguido e a H…, contactavam entre si, para além do mais, através da plataforma “Messenger” da rede social “Facebook”, utilizando, para tanto, ela o perfil “H…” e ele o perfil “B1…”.
38. Em data não concretamente apurada do Verão de 2016 e em data não concretamente apurada de Outubro de 2016, quando se encontrava na residência da sua mãe, a H…, através da rede social “Facebook”, enviou ao arguido, a pedido deste, que a incentivou a tal, um número indeterminado de fotografias suas, sem roupa, em nu integral, exibindo os seus seios e a sua zona genital.
39. Tais fotografias, foram tiradas pela ofendida com recurso à câmara do telemóvel por si habitualmente utilizado.”
Na qualificação jurídica destes factos, foi considerado que o recorrente, «em duas ocasiões distintas levou a H… (que tinha, à data da prática dos factos, 16 anos), aliciando-a, a fotografar-se nua, exibindo os seios e a zona genital e a remeter-lhe estas fotografias que manteve na sua posse, o que preenche a previsão da alínea b do nº1 do artigo 176: “quem utilizar menor em fotografia, filme ou gravação pornográficos, independentemente do seu suporte ou o aliciar para esse fim”».
No recurso alega-se que “a ofendida ao enviar voluntariamente fotos de si desnuda” ao recorrente “fê-lo no uso da liberdade de auto determinação sexual que lhe cabe e sem que se possa entender que foi utilizada pelo recorrente para efeitos do disposto no art. 176 nº 1 alínea b) do CP”.
“A gravação ou envio de materiais de conteúdo lascivo • no âmbito de uma relação de teor sexual e destinando-se os mesmos ao uso pessoal dos próprios, não se pode qualificar como pornográfica para efeitos de incriminação penal”, na referida previsão.
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Vejamos:
Começando pelos factos e a forma como se encontram descritos (“da mihi factum, dabo tibi jus”, primeiro os factos depois o Direito), desde logo ressalta
que parte dos susceptíveis de integrar a previsão legal em causa, não se encontram expressamente enunciados.
Repare-se que o sujeito da acção é a suposta vítima: “- em data não apurada do verão de 2016, e de Outubro de 2016, a H… enviou, através do “facebook”, ao recorrente “a pedido deste, que a incentivou a tal, um número indeterminado de fotografias suas, sem roupa, em nu integral, exibindo os seus seios e a sua zona genital”, tiradas através da câmara do seu telemóvel.”
O “recebimento” e a “posse” pelo recorrente das fotografias são apenas deduzíveis do descrito.
(Somente a respeito da determinação da medida concreta da pena surge referido que a posse dessas fotografias durou “cerca de um ano”, o que não tem apoio na matéria de facto provada.)
Isso conduz a que na descrição do elemento subjectivo – dolo e consciência da ilicitude –, esse sim, necessariamente deduzível dos factos objectivos (materiais) considerados provados, se proceda a uma dedução que não tem correspondência no anteriormente descrito: “sabia o arguido que lhe estava legalmente vedada a detenção das fotografias da ofendida (…) ”.
Tal, implicando o estabelecimento de uma dedução lógica que a matéria de facto objectiva não comportava, é susceptível de consubstanciarum erro notório na apreciação da prova de tais factos subjectivos, vício da decisão sobre a matéria de facto, previsto no art. 410º, nº 2, al. c) do CPP (do conhecimento oficioso).
No entanto, reconhecendo-se que é, neste caso, particularmente porosa a “fronteira” entre o que constitui a descrição do elemento subjectivo do tipo com base nos factos objectivos, e a qualificação jurídica destes, ir-se-á proceder a essa subsunção dos factos objectivos (incluindo os acima mencionados, apenas deduzíveis) ao Direito aplicável.
Até porque, sem prejuízo da necessária precedência da análise dos factos à aplicação do Direito, se os objectivos não integrarem a previsão, tornar-se-á inútil a correcção dos subjectivos.
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A previsão em causa é a seguinte:
Art. 176º
Pornografia de menores
1- Quem:
b) Utilizar menor em fotografia, filme ou gravação pornográficos, independentemente do seu suporte, ou o aliciar para esse fim;
É punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.
No caso a parte da previsão cujo preenchimento se discute, restringe-se a “utilizar menor em fotografia” pornográfica, ou a “aliciar para esse fim”.
Antes de a interpretar e subsumir aos mencionados factos materiais/objectivos, convém relembrar alguns princípios elementares, regentes em matéria de interpretação e aplicação da lei:
- Interpretar a Lei é fixar-lhe o seu sentido e alcance. Para isso o intérprete não se deve cingir à letra da Lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada – art. 9º do C. Civil.
Significa isto que, à apreensão literal do texto – o ponto de partida de toda a interpretação – se devem juntar a interpretação sistemática, lógica, racional ou teleológica, e histórica.
Tem também de se ter presente os princípios específicos em matéria de Direito Penal, veiculados no art. 1º, nº 3, do CP, interditando o recurso à analogia ou à interpretação extensiva para qualificar qualquer facto como crime.
Paralelamente, e por força da nossa integração no sistema jurídico supra-nacional da União Europeia, o princípio do primado deste, impõem que às disposições legais nacionais seja atribuído um sentido conforme ou compatível com as disposições da Comunidade Europeia, tal como decorre dos arts. 10º/2º parágrafo e 249º/3º parágrafo do Tratado da Comunidade.
*
Assim, verificamos antes de mais que a actual versão da previsão em causa, foi introduzida pela Lei 59/2007, de 04/09 (a Lei 103/2015, 24/08 não a alterou), sendo alargada a criminalização até aí existente aos actos - entre outros - consistentes na “utilização de menor em fotografia” pornográfica, independentemente do seu suporte, ou “o aliciar para esse fim”.
O cerne da interpretação aqui a realizar, consiste pois na definição e delimitação do que se deve entender por “utilizar”, por “aliciar”, e por “pornografia de menores”.
No léxico da língua Portuguesa o verbo “utilizar”, significa “tornar útil, empregar utilmente, servir-se de, tirar partido de, aproveitar”. (cfr. dicionário da língua Portuguesa, Porto Editora, 8ª ed.).
Numa definição, no âmbito da previsão, “utilizar menor significa servir-se dele como participante a qualquer título (actor, modelo), fazendo fotografias (…), com qualquer dos meios que tais alíneas se referem” (Ana Paula Rodrigues, “Pornografia de Menores”, Rev. do CEJ, 2011, v.15, p. 268).
No léxico da língua Portuguesa o verbo “aliciar” significa “atrair com falsas promessas”, “induzir a actos”, “seduzir”. (cfr. dicionário da língua Portuguesa, Porto Editora, 8ª ed.).
Numa definição, no âmbito da previsão, “entende-se por aliciamento uma qualquer acção de sedução, no sentido de induzir, atrair a criança a comportamentos de cariz sexual, por meio de conversas e outras condutas (ex. prometer presentes, dinheiro, fama) através da internet e outros meios de comunicação a distância, de modo a abarcar o agressor que começa por aliciar na mira de convencer o menor a intervir efectivamente” (Maria Carilho Fernandes, in Revista de Direito e Segurança, Ano 11, nº 4, p. 55-87).
No léxico da língua Portuguesa “pornografia” significa “arte ou literatura que tem por assunto actos obscenos”, “devassidão” (cfr. dicionário da língua Portuguesa, Porto Editora, 8ª ed.).
Não existe na Legislação Penal Portuguesa – nomeadamente no art.º 176 do CP – uma definição de “pornografia de menores”.
No entanto essa definição encontra-se em instrumentos jurídicos europeus e internacionais transcritos para a ordem interna Portuguesa.
Assim, no Protocolo Facultativo à Convenção sobre Direitos da Criança (ONU, 2000), relativo à venda de crianças, prostituição infantil e pornografia infantil, esta surge definida na alínea c) do art. 2º:
“Pornografia infantil significa qualquer representação, por qualquer meio, de uma criança no desempenho de actividades sexuais explícitas reais ou simuladas ou qualquer representação dos órgãos sexuais de uma criança para fins predominantemente sexuais”.
A Convenção sobre o Cibercrime (COE 2003) define pornografia infantil no nº 2, do art. 9º, como “(…) todo o material pornográfico que represente visualmente: a) um menor envolvido em comportamentos sexualmente explícitos;
b) Uma pessoa com aspecto de menor envolvida em comportamentos sexualmente explícitos;
c) Imagens realistas de um menor envolvido em comportamentos sexualmente explícitos”.
Finalmente (mas sem ser exaustivo), a Directiva do Parlamento e Conselho Europeu, 2011/92/EU, de 13/12/2011, relativa à luta contra o abuso sexual e a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil define esta última, no art. 2º, al. c), da seguinte forma:
i) “Materiais que representem visualmente crianças envolvidas em comportamentos sexualmente explícitos, reais ou simulados ou
ii) Representações dos órgãos sexuais e crianças para fins predominantemente sexuais,
iii) Materiais que representem visualmente uma pessoa que aparente ser uma criança envolvida num comportamento sexualmente explícito, real ou simulado, ou representações dos órgãos sexuais de uma pessoa que aparente ser uma criança, para fins predominantemente sexuais, ou
iv) Imagens de crianças envolvidas em comportamentos sexualmente explícitos ou imagens realistas dos órgãos sexuais de crianças para fins predominantemente sexuais”.
Nesta mesma Directiva, no art. 2º, al. a), define-se “«criança», uma pessoa com menos de 18 anos de idade”, fazendo-se equivaler o conceito de “criança” ao de “menor”.
Também a Convenção dos Direitos da Criança, (ONU 1989) observa que crianças são todos os seres humanos até aos 18 anos de idade.
Constata-se, assim, que nestes diversos instrumentos jurídicos da ONU e da União Europeia, se incluem os adolescentes no conceito de “crianças”.
No entanto, como é sabido, é diferente (e progressiva) a maturidade física, emocional e cognitiva das crianças e dos adolescentes, sendo normalmente esses dois grupos demarcados pelo começo da puberdade.
Disso mesmo se faz eco, o art. 12º da assinalada Convenção dos Direitos da Criança, onde se reconhece a progressiva maturidade e autonomia da “criança” até atingir os 18 anos, assegurando-lhe o direito de formular os seus próprios juízos, expressar as opiniões livremente sobre assuntos que lhe digam respeito, devendo levar-se em consideração esses direitos em função da sua idade e maturidade.
Assim, demarcar os limites de idades que classificam a pessoa como uma “criança” ou “adolescente” é imprescindível para vários fins incluindo o Penal.
Tal como refere Maria Carrilho Fernandes (na já referenciada Revista de Direito e Segurança, Ano 11, nº 4, p. 55-87), o “conceito de maioridade, associada a idade, leva a que, relativamente a alguns crimes de natureza sexual, o mesmo acto praticado por menores de idades distintas suscita juízos de censura Penal diferentes, reconhecendo-se que a autonomia sexual apresenta diferentes matizes conforme a idade, numa lógica de progressiva aquisição da capacidade de decidir”.
Na Revista de Estudos Demográficos nº 55, “Crianças e Adolescentes em Portugal”, surge referido que em demografia classifica-se como crianças o

grupo etário do 0 aos 14 anos e os adolescentes o grupo etário entre os 15 e os 19 anos.
Na nossa Ordem Jurídica, o conceito de menor é fornecido no art. 122º do CC, que determina só se atingir a maioridade aos 18 anos.
No entanto, essa distinção e diferente tratamento a que acabámos de fazer referência, surge consagrada na nossa Ordem Jurídica em pontos tão fundamentais – e para aqui de enorme relevância – como o casamento, e a imputabilidade penal.
A imputabilidade, ou seja, a atribuição a uma pessoa da responsabilidade pela prática de um acto ilícito tipificado como crime, inicia-se aos 16 anos de idade –cfr. art. 19º do CP (“a contrario”).
Ou seja, ao indivíduo com 16 anos é reconhecida a capacidade de avaliar os actos que pratica e se determinar de acordo com essa avaliação.
Paralelamente, podem contrair casamento, os indivíduos com idade igual ou superior a 16 anos (e inferior a 18), desde que autorizados pelos pais, ou suprida essa autorização pelo Conservador do Registo Civil, quando razões ponderosas o justifiquem e lhes for reconhecida suficiente maturidade física e psíquica – cfr. arts. 1.600, 1.601, 1.604 e 1.612 do Código Civil, devidamente conjugados.
Voltando à previsão do art.º 176 do CP, reconhecendo a inexistência de uma definição normativa de “pornografia de menores”, por Mouraz Lopes/Tiago Milheiro (Crimes Sexuais, 2ª. ed. ª, Almedina, p.172) é preconizado que na interpretação do conceito se leve em consideração o contexto em que se desenvolvem os comportamentos de natureza sexual.
Dessa mesma obra, consta a referência a um elemento histórico, relevante, no âmbito do debate Parlamentar sobre a redacção do art.º 176, que se reporta à rejeição de uma proposta (projecto de lei nº 772/XII, 4.ª), no sentido de se acrescentar à previsão um “n.º 6” nos seguintes termos: “para efeitos de aplicação do presente artigo, considera-se como pornografia de menores todo o material que represente visualmente menor envolvido em comportamentos sexualmente explícitos, reais ou simulados, ou qualquer representação dos órgãos sexuais de menor, com fins sexuais” (p.219/220).
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Tendo presente estes elementos interpretativos, passando à subsunção dos factos objectivos supra referidos à previsão, parece-nos adequado considerar que:
- o mero recebimento e posse pelo recorrente - no Messenger da rede social “Facebook” - de fotografias (sem roupa, em nu integral, exibindo os seus seios e a sua zona genital) enviadas por uma menor adolescente de 16 anos de idade, quando mantinham uma relação de namoro, sem as mostrar a outrém, as ceder, ou por qualquer forma divulgar ou exibir, não integra o conceito de “utilizar menor em fotografia pornográfica”;
- o “pedir” e “incentivar” o envio dessas fotografias, num contexto de namoro com uma adolescente de 16 anos de idade, não integra o conceito de “aliciar para esse fim”, a menor em causa.
Se a uma adolescente com essa idade é atribuída, para efeitos penais, capacidade para avaliar os seus actos e se determinar de acordo com essa avaliação e lhe é conferida a faculdade de contrair casamento (mediante determinada condições), tem de se admitir que o envio de fotos nuas ao namorado, ainda que a pedido e incentivada por este, se inscreve no âmbito da autonomia de vontade que nessa idade já lhe é reconhecida.
Na outra vertente (a que para aqui interessa), o recebimento e posse dessas fotografias pelo namorado (o aqui recorrente), ainda que pedindo e incentivando esse envio, não configura a “utilização de menor em fotografia pornográfica” ou o “aliciamento para esse fim”.
Em complemento, acrescente-se que contrariaria o princípio da subsidiariedade do Direito Penal, e da sua intervenção mínima – que tem de ser válido para todas as espécies de crimes, independentemente da sua “ressonância” na opinião pública – a censura e punição penal do recebimento e posse daquelas fotografias, no contexto e circunstâncias acima definido.

Em conclusão, a provada conduta do recorrente não integra a previsão do art. 176º, nº 1, al. b) do CP (Pornografia de menores).
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Não se mostrando preenchida a previsão em causa, perdem utilidade as duas questões seguintes suscitadas no recurso: “inexistência de pluralidade de infracções quanto àquele tipo legal; medida das penas parcelares aplicadas pela prática daquele crime”.
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Medida da pena única
Aos Tribunais de Relação compete decidir de facto e de Direito (art. 428º do CPP), modificando a decisão sobre a matéria de facto, entre outros casos, se a mesma tiver sido impugnada nos termos do nº 3 do art. 412º [431º, al. b)], incumbindo-lhes retirar da procedência do recurso as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida (art. 403º, nº 2, do CPP).
Tendo em conta que se não mostram praticados os dois crimes de pornografia de menores, previstos no art. 176º, nº 1, al. b) do CP, punidos cada um deles com a pena de 1 ano e 9 meses de prisão, há que proceder à reformulação da pena única aplicável ao concurso real de infracções subsistente.
Esse concurso, mostra-se agora integrado pelos seguintes crimes:
- um crime de violência doméstica (na pessoa da G…), pena de 2 anos e 9 meses de prisão;
- um crime de violência doméstica (na pessoa da E…), pena de 3 anos de prisão;
- um crime de ofensa à integridade física simples (na pessoa da F…), pena de 1 ano de prisão.
Consequentemente, a pena única a aplicar tem como limite mínimo 3 anos de prisão e como limite máximo 6 anos e 9 meses de prisão – art. 77º, nº 2 do CP.
Na determinação da sua medida há que considerar (art. 77º, nº 1 do CP):

- o grau global de ilicitude dos factos, referenciado pelo modo como foram executados e gravidade das suas consequências (em relação ao crime de que é vítima a E…, o grau de ilicitude mostra-se elevado, “trata-se da mãe de três dos seus filhos, com quem partilhou cama e mesa durante cerca de 8 anos e os episódios descritos nos autos são de grande violência física, integrando a conduta descrita uma situação de privação de liberdade da vítima”; em relação ao crime de que é vítima a G…, o grau de ilicitude é baixo, as condutas punidas restringem-se a ameaças; em relação ao crime de ofensa à integridade física, de que é vítima a F…, a agressão consistiu apenas num empurrão que fez a vítima cair ao chão);
- o grau global de censurabilidade dos factos, praticados com dolo directo, sendo especialmente censuráveis os referentes à E…;
- as exigências preventivas especiais, decorrentes da personalidade manifestada nos mesmos com propensão para o uso de violência em relação às mulheres com quem se relaciona, e da prática anterior de crimes de detenção de arma proibida, resistência e coacção sobre funcionário, ameaça agravada, injúria e numerosos crimes de condução sem habilitação legal;
- as exigências preventivas gerais, de maior relevo quanto ao crime de violência doméstica de que é vítima a E….
Ponderados e conjugados estes factores, mostra-se adequada a pena única de 4 anos e 6 meses de prisão.
*
Não aplicação da pena substitutiva de suspensão da execução da pena principal
Após a entrada em vigor da lei 59/2007 de 04/09, passou a ser possível a suspensão da execução de penas de prisão até 5 anos (anteriormente esse limite era de 3 anos), nos termos da redacção do nº 1 do art. 50º do CP, por essa Lei introduzida.
Estabelece esse art. 50º, nº 1, do CP que “o Tribunal suspende a execução da pena de prisão se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua

vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias destes, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
No caso, atendendo ao referido quanto ao grau de ilicitude e censurabilidade dos factos, e à personalidade do recorrente, quer a manifestada nos factos, revelando propensão para o uso da violência em relação às mulheres com quem se relaciona, quer a derivada da prática anterior de crimes, nomeadamente contra a autoridade pública e a segurança rodoviária, é de concluir que a simples censura dos factos e ameaça da prisão não realizam de forma adequada, as finalidades retributiva, preventiva, psico-pedagógica, e de protecção da Colectividade, inerentes à aplicação da pena.
Em conclusão, não se aplica essa pena substitutiva.
*
Não havendo lugar à condenação do recorrente pela prática dos dois crimes de pornografia de menores em causa, deixa de subsistir o fundamento para a aplicação das seguintes penas acessórias:
“- ao abrigo do disposto no artigo 69º - B, nº 2 do Código Penal, na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, pelo período de 10 (dez) anos;
- ao abrigo do disposto no artigo 69º - C, nº2, na pena acessória de proibição de assumir confiança de menor, em especial a adopção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores pelo período de 10 (dez) anos”.
Pela mesma razão, deixa de existir fundamento legal para a condenação em indemnização à H… “decorrente do disposto no artigo 82º-A do Código Penal, por força do disposto no artigo 21º da Lei nº112/2009 de 16-09 e do disposto no artigo 16º nº2 da Lei nº130/2015 de 04-09”.
*
Em conclusão, o recurso merece com estes fundamentos provimento, devendo o Acórdão recorrido ser alterado, nos termos acabados de expor.
*
Nos termos relatados, decide-se julgar procedente o recurso, alterando-se o dispositivo do Acórdão recorrido, pela seguinte forma:
– Absolver o arguido B… da prática como autor material, na forma consumada e em concurso real de infracções de: um crime de ameaça agravada previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 153º nº1 e 155º nº1 alínea a) do Código Penal; um crime de sequestro agravado previsto e punido pelo artigo 158º nº1 e nº2 alínea b) do Código Penal; um crime de ofensa à integridade física simples previsto e punido pelo artigo 143º nº1 do Código Penal; um crime de sequestro agravado previsto e punido pelo artigo 158º nº1 e nº2 alínea b) e de um crime de maus tratos previsto e punido pelo artigo 152º-A nº1 alínea a) do Código Penal, por que vinha acusado, sem prejuízo da diferente qualificação jurídica dos factos apurados.
– Absolver o arguido B… da prática, em autoria material e concurso real, de dois crimes de pornografia de menores, previstos e punidos pelo artigo 176º nº1 alínea b) do Código Penal,
- condenar o arguido B… pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real de:
a) um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, n.º 1, alínea b) e nº2 alínea a) do Código Penal (praticado na pessoa de G…), na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão;
b) um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, n.º 1, alíneas b) e c) do Código Penal, (praticado na pessoa de E…), na pena de 3 (três) anos de prisão;
c) um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido nos termos do disposto nos artigos 143º, n.º 1 e 41º nº1 do Código Penal (praticado

na pessoa de F…), na pena de 1 (um) ano de prisão;
- Efectuando o cúmulo jurídico das penas supra referidas, condenar o arguido, na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.
– Condenar o arguido B…, nos termos do disposto no artigo 152º nº4 do Código Penal, na pena acessória de proibição de contactos por qualquer meio, com a ofendida G…, pelo período de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses.
- Condenar o arguido B…, nos termos do disposto no artigo 82º-A do Código Penal (por força do disposto no artigo 21º da Lei nº112/2009 de 16-09 e do disposto no artigo 16º nº2 da Lei nº130/2015 de 04-09), a pagar as seguintes quantias, a título de indemnização:
- À vítima G…, a quantia de €1.000,00 (mil euros);
- À vítima E…, a quantia de €2.000,00 (dois mil euros);
- Julgar improcedente, por não provado, o pedido de indemnização civil deduzido por C…, em representação do seu neto D…. contra o arguido B…, absolvendo-o do mesmo.
Mantém-se, em todo o restante não transcrito, o dispositivo do Acórdão recorrido.
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Sem Custas.
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Porto, 22/04/2020
José Piedade
Horácio Correia Pinto
António Gama