Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
45/14.3TBVFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
PRESTAÇÃO DE CONTAS
OBRIGAÇÃO DO ADMINISTRADOR
CESSAÇÃO DA OBRIGAÇÃO
Nº do Documento: RP2016053045/14.3TBVFR.P1
Data do Acordão: 05/30/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 626, FLS.356-378)
Área Temática: .
Sumário: I - Na reapreciação da prova a Relação goza da mesma amplitude de poderes da 1.ª instância e, tendo como desiderato garantir um segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto impugnada, deve formar a sua própria convicção.
II - A acta da assembleia de condóminos é um documento escrito que apenas tem como finalidade reproduzir aquilo que se passou na assembleia de condómino, ou seja, não constitui qualquer documento negocial ad substantiam nem ad probationem.
III - Daí que a sua existência possa ser provada pelo recurso a qualquer outro meio de prova, nomeadamente testemunhal ou confissão, expressa ou presumida.
IV - Nos termos do artigo 1436º nº 1 al. j) do C. Civil umas das funções do administrador é prestar contas a assembleia, as quais devem ser apresentadas na reunião a ter lugar na primeira quinzena de Janeiro-artigo 1431.º nº 1 do mesmo diploma legal.
V - Ora, não sendo apresentadas, qualquer condómino ou a respectiva administração mandatada para o efeito, pode pedir a quem exerceu funções de administração que preste contas reportadas ao período em causa.
VI - A obrigação de prestar contas deve recair sobre quem cobra as receitas e efectua as despesas comuns, no fundo, aquilo que constitui não só o núcleo da actividade de administração do condomínio, mas também o próprio objecto da acção de prestação de contas, tal como o define o artigo 941.º do CPCivil.
VII - A obrigação de prestação de contas do mandatário (aplicável ao administrador do condomínio) só se extingue quando sejam aceites e aprovadas pelo mandante e não cessa com a simples prestação extrajudicial de contas, cessa apenas com a aprovação de tais contas por parte de quem tem o direito de as exigir.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 45/14.3TBVFR.P1-Apelação
Origem-Comarca de Aveiro-St. Mª Feira-Inst. Local-Secção Cível- J3
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Sousa Lameira
2º Adjunto Des. Caimoto Jácome
5ª Secção
Sumário:
I- Na reapreciação da prova a Relação goza da mesma amplitude de poderes da 1.ª instância e, tendo como desiderato garantir um segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto impugnada, deve formar a sua própria convicção.
II- A acta da assembleia de condóminos é um documento escrito que apenas tem como finalidade reproduzir aquilo que se passou na assembleia de condómino, ou seja, não constitui qualquer documento negocial ad substantiam nem ad probationem.
III- Daí que a sua existência possa ser provada pelo recurso a qualquer outro meio de prova, nomeadamente testemunhal ou confissão, expressa ou presumida.
IV- Nos termos do artigo 1436º nº 1 al. j) do C. Civil umas das funções do administrador é prestar contas a assembleia, as quais devem ser apresentadas na reunião a ter lugar na primeira quinzena de Janeiro-artigo 1431.º nº 1 do mesmo diploma legal.
V- Ora, não sendo apresentadas, qualquer condómino ou a respectiva administração mandatada para o efeito, pode pedir a quem exerceu funções de administração que preste contas reportadas ao período em causa.
VI- A obrigação de prestar contas deve recair sobre quem cobra as receitas e efectua as despesas comuns, no fundo, aquilo que constitui não só o núcleo da actividade de administração do condomínio, mas também o próprio objecto da acção de prestação de contas, tal como o define o artigo 941.º do CPCivil.
VII- A obrigação de prestação de contas do mandatário (aplicável ao administrador do condomínio) só se extingue quando sejam aceites e aprovadas pelo mandante e não cessa com a simples prestação extrajudicial de contas, cessa apenas com a aprovação de tais contas por parte de quem tem o direito de as exigir.
*
I-RELATÓRIO

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
Condomínio Edifício …, sito na Rua …, nº .. a .., freguesia …, concelho de Gondomar, intentou a presente acção declarativa sob a forma especial de prestação de contas contra B…, Lda, com sede na Rua …., nº .., freguesia …, concelho de Santa maria da Feira, peticionando que esta preste contas, referente ao período de gestão do Bloco .., integrado no Edifício …, no período compreendido entre 1 de Dezembro de 2012 e 1 de Novembro de 2013, sob cominação de não poder deduzir oposição às contas que o autor apresente.
Alegou, para tanto e em síntese, que é um condomínio do prédio Edifício …, do prédio urbano sito na Rua …, nº .. a .., da freguesia …, concelho de Gondomar, sendo que a Ré é uma sociedade comercial que exerce a sua actividade comercial na execução de serviços de jardinagem, limpeza, manutenção e administração de condomínios, sendo o prédio do condomínio composto por quatro blocos de fracções, tendo cada bloco uma entrada individual, nomeadamente Bloco .., .., .. e .., constituídos por fracções autónomas destinadas a habitação e comércio.
Mais alegou que se realizou uma assembleia extraordinária a 2 de Fevereiro de 2012, nos termos da qual foi deliberado e aprovado permitir que o Bloco .. fosse gerido pela Ré, representada por C…, no período compreendido entre 1 de Dezembro de 2012 e 30 de Outubro de 2013, delegando-lhe poderes de gestão do Bloco .., relativamente ao espaço físico comum do referido bloco (entrada do bloco, elevadores, electricidade da escadaria e quotizações), permanecendo o demais na administração do condomínio. Por fim, alegou que no dia 30 de Outubro de 2013 a Ré cessou o seu mandato, tendo-se realizado a 1 de Novembro de 2013 uma assembleia extraordinária para prestação de contas da sua gestão, não tendo comparecido na reunião, não prestando contas do seu exercício.
*
A Ré contestou a obrigação de prestar contas, porquanto as mesmas já foram apresentadas e aprovados em sede de assembleia de condóminos do Bloco .. sendo certo que a Ré também não tem legitimidade para apresentar contas, uma vez que esta cedeu a sua posição contratual que detinha no contrato de prestação de serviços de administração do condomínio do referido Bloco à sociedade “D…, Lda”, contrato esse a que não foi levantada qualquer objecção pelos condóminos do Bloco .. e dos condóminos dos restantes blocos, pelo que foi tacitamente aceite a cessão.
*
O Autor respondeu, reiterando que a Ré não prestou contas, desconhecendo o acordo de cessão da posição contratual.
*
Seguindo o processo os seus regulares trâmites foi realizado o julgamento com observância das formalidades legais tendo, a final, sido proferida sentença que concluiu pela existência da obrigação da Ré de prestar contas, determinando a sua notificação para as apresentar dentro de 20 dias, sob pena de lhe não ser permitido contestar as que o Autor apresente.
*
Não se conformando com a sentença assim proferida veio a Ré interpor o presente recurso, concluindo as suas alegações nos seguintes termos:
1. Os pontos 7, 8, 10, 11, 13, 14, 18 e 19 dos factos dados como provados na sentença ora recorrida foram erradamente julgados, por não terem suporte de prova nos autos, chegando mesmo a ser contraditórios com a prova que resulta dos documentos juntos aos autos e prova documental e testemunhal em sentido diverso, que implica que tais pontos concretos devam ser alterados.
2. Relativamente aos pontos 1, 2, 3 e 4 dos factos não provados na sentença, da conjugação da prova que consta dos autos, quer documental, quer testemunhal que demonstram esses factos, pelo que devem os mesmos serem dados como provados.
3. O Bloco .. do Edifício … é servido por partes comuns que lhe são exclusivamente inerentes, não servindo outros blocos e, pelo menos, desde 2012 que tem uma administração autónoma, sem prejuízo da coordenação com a administração geral das partes comuns relativas a todos os blocos.
4. Situação esta que é perfeitamente possível por a lei não proibir directamente a fragmentação da propriedade horizontal ou do condomínio para efeitos de administração–cf. Ac. do STJ de 16-10-2008, processo n.º 08B3011, e Acs. TRP, de 16-10-2012, processo n.º 1859/11.1YYPRT-B.P1, e de 30-11-2015, processo n.º 3361/09.2TBPVZ.P1, todos disponíveis em www. dgsi.pt.
5. Face às actas juntas pelo autor verifica-se que a assembleia a que se reporta o ponto 7 dos factos dados como provados na sentença ocorreu em 2013 e não em 2012, como erradamente foi dado como provado.
6. Naquela ata de 2 de Fevereiro de 2013 foi deliberado consentir a administração autónoma do Bloco .., não tendo sido definido o tempo de duração da administração do Bloco .. pela ré (aplicando-se o critério supletivo de administração por um ano), nem ficou a constar qualquer delimitação temporal relativamente à autonomia da administração desse Bloco .., contrariamente ao que foi dado como provado no ponto 7 dos factos dados como provados na sentença.
7. Relativamente ao ponto 7 dos factos dados como provados na sentença, de acordo com o conteúdo da ata de 2 de Fevereiro de 2013 e dos depoimentos prestados em audiência, devia antes ter sido dado como provado o seguinte:
- A 2 de Fevereiro de 2013 realizou-se uma assembleia, na qual foram os condóminos informados de que o Bloco .. se encontrava a ser administrado pela ré desde Dezembro de 2012, não tendo sido levantada qualquer objecção;
- Naquela assembleia de 2 de Fevereiro de 2013 foi deliberado e aprovado que o Bloco .. continuasse a ser administrado pela ré.
8. Por não ter sido junta a acta de eleição de E… como administrador para o ano de 2012, existindo mesmo a ata de 20 de Janeiro de 2012 (junta com a petição inicial como Doc. 1) na qual é feita a eleição como administrador para o período de 20 de Janeiro de 2012 a 31 de Janeiro de 2013 empresa “F…, Lda.” (cf. página 1 da ata de 20 de Janeiro de 2012, junta com a P.I. como Doc. 1), no ponto 10 dos factos dados como provados apenas podia ser dado como provado o seguinte: Com excepção das funções que tinham sido atribuídas à ré, a administração das áreas e serviços comuns relativas a todos os blocos e as dos restantes blocos (.., .. e ..) eram exercidas por um único administrador…
9. O ponto 11 dos factos dados como provados é contraditório com o direito, uma vez que o autor enquanto condomínio é administrado pelo administrador que por sua vez é que está dotado de personalidade jurídica e este é que atua em representação do autor, devendo então ficar a constar como provado o seguinte:-As despesas com as áreas e serviços comuns relativamente aos quatro blocos, nomeadamente as fossas e electricidade das garagens continuavam a ser geridas por administrador eleito para o efeito.
10. Perante o depoimento da testemunha E…, que se intitulou como administrador do condomínio geral do Edifício … no ano de 2012, a instâncias do advogado da ré, respondeu o seguinte:
Advogado da ré: - Certo? E os serviços que eram prestados pelo senhor C… eram pagos também pelo Bloco .., é isso? Portanto, não era o condomínio, não era o senhor E… que pagavam a esta empresa. Era o próprio Bloco .., os condóminos do Bloco .. que pagavam os serviços a esta empresa, estou certo?
Testemunha: - Exactamente.
Advogado da ré: - E que pagavam também as suas próprias despesas, com excepção da luz das garagens e das fossas, que aí teriam de lhe pagar a si. A única excepção seria a G…, estou certo?
Testemunha: - Exacto.
Advogado da ré: - Que pagava directamente ao senhor. Portanto, para todos os efeitos o senhor era administrador do condomínio e a G… pagava-lhe toda a prestação de condomínio e esse dinheiro serviria para quê? Para pagar a luz das garagens e as fossas?
Testemunha: - A luz das garagens e as fossas. Impunha-se, por isso, que relativamente ao ponto 12 dos factos dados como provados fosse aditado o seguinte: … e entregar à Autora, mensalmente, a comparticipação para as demais despesas do referido Bloco, o que era feito através da comparticipação da condómina G… paga directamente ao administrador das áreas e serviços comuns relativos a todos os blocos.
11. O ponto 13 dos factos dados como provado é meramente conclusivo e não constituí matéria de facto, mas antes e somente de matéria de direito.
12. O ponto 14 dos factos dados como provados foi incorrectamente julgado, na medida em que por remissão para o documento que consta no ponto 23 dos mesmos factos provados, para além de revelar a contradição entre estes dois pontos, o documento designado por “Cessão de posição contratual”, junto pela ré por requerimento de 12-03-2014 (a fls. 48) conjugado com a acta n.º 3 de 31 de Outubro de 2013, junta pela ré na sua contestação como Doc. 3 e acompanhados pelas declarações prestadas pelas testemunhas C… e H… evidenciam uma outra realidade.
13. A testemunha C… prestou um depoimento claro, sem qualquer contradição e mesmo assumindo os factos que podem determinar que seja a sua empresa a prestar contas e não a ré, por isso, merecedor de credibilidade na sua totalidade, explicando ao tribunal tudo o que sucedeu durante o período que foi sócio da ré e como se desenrolou posteriormente, com conhecimento pormenorizado dos factos, ao contrário, da testemunha arrolada pelo autor, I…, que nem sequer consta nas atas juntas aos autos pelo autor como estando presente nas respectivas assembleias, mostrando pouco conhecer dos factos em causa.
14. Pela testemunha C… foi referido:
Advogada do autor: - Está aqui a discutir-se a cessão de posição contratual e eu gostava de saber de que forma é que transmitiu aos restantes blocos essa cessão que foi realizada entre a B… e a D…?
(…) Testemunha: - Não, eu falei com os meus condóminos.
(…)M. Juíza: - Falou com quem?
Testemunha: - Falei com a minha assembleia de condóminos.
(…) Testemunha: - Falei exclusivamente como bloco ...
(…) Testemunha: - Em assembleia. A assembleia foi feita e foi falado em assembleia.
M. Juíza: - Convocou uma assembleia para este efeito?
Testemunha: - Não foi só para esse fim. Foi para fim para dar término à B… e ... para dizer que se abrira uma em … - a D….
M. Juíza: - Está a falar desta assembleia da ata n.º 3?
Testemunha: - Sim.
M. Juíza: - Convocou a assembleia que deu lugar a essa ata. - Foi aí nessa que conhecimento.
Testemunha: - A B… de … passou para D….
0:19.15:
Advogado da ré: - Pronto senhora doutora agora qual é a pergunta? É se os condóminos do bloco .. aceitaram a transmissão independentemente dos nomes das empresas? Se alguma vez foi colocado em causa...
Testemunha: - Aceitaram conforme a ata.
M. Juíza: - Está assinada. Está assinado.
Advogado da ré: - Portanto manteve-se a posição independentemente... nenhum dos condóminos do bloco .. levantou problemas relativamente à designação das empresas, se era uma ou se era outra?
Testemunha: - Aceitaram por unanimidade dos presentes.
Advogado da ré: - E continuou assim?
Testemunha: - Exactamente.
0:19:50:
M. Juíza: -Muito bem. o senhor C… independentemente, na prática não mudou nada porque o senhor era sócio gerente de uma empresa passou para outra. Na prática as pastas continuam no seu poder porque é o mesmo?
Testemunha: - Exactamente.
M. Juíza: - E não foi entregue ao administrador dos outros condóminos porque continuou a administrar o bloco .., ficou com as pastas...?
Testemunha: - Exactamente.
M. Juíza: - Não obstante ser de empresas diferentes?
Testemunha: - Correto.
15. Este depoimento é corroborado pela testemunha H…:
0.11.26:
Advogada do autor: - Em relação à cessão da posição contratual de que forma é que comunicaram essa cessão aos outros blocos?
Testemunha: - A cessão de quê?
Advogada do autor: - A cessão da posição contratual da J… para C…?
Testemunha: - Isso foi apresentado ao nosso bloco. (..)
Advogada do autor: - Mas sabe se foi apresentado aos outros blocos?
Testemunha: - Não sei. Não se sei foi apresentada, se não. Sei que foi aprovado no nosso e eles voltaram a ficar.
16. De acordo com o documento que consta no ponto 23 dos factos dados como provados em 11 de Junho de 2013 a ré celebrou com a sociedade “D…, Lda.” a cessão da administração do Bloco .., cedendo a sua posição nas respectivas contas bancárias, e esta declarou aceitar aquela cessão.
17. Ora, a referida cessão operou de imediato a transmissão da administração do Bloco .. para aquela sociedade, a qual foi validada, com o consentimento, pelo menos tácito, na assembleia de condóminos do Bloco .., realizada na assembleia de 31 de Outubro de 2013, tal como referiu a testemunha C… e I…, produzindo efeitos e tornando-se plenamente eficaz entre as partes (a ré, sociedade cessionária e Bloco ..).
18. Para esta cessão se tornar eficaz, basta e apenas deve ser consentida pelos condóminos do Bloco .. e não pelos restantes condóminos: por se tratar somente de um assunto relativo ao Bloco .., tão-só relativamente às partes comuns do Bloco .., dentro da autonomia que lhe foi concedida, não podendo nem tendo a ré cedido a sua posição ou administração nos restantes Blocos ou condomínio geral, por não ter sido eleita para esse cargo; e ainda porque apenas pode envolver as quotizações que são entregues pelos condóminos do Bloco .., permanecendo a situação dos restantes blocos e condóminos sem alterações.
19. Reforçando esta ideia, no que concerne ao direito de voto tratando-se o Bloco .. dotado de áreas e instalações comuns próprias, os restantes condóminos dos outros blocos estão impedidos de decidir sobre matérias que apenas digam respeito e da responsabilidade dos condóminos referentes ao Bloco .., no seguimento do que preconiza Sandra Passinhas, in “Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, 2.ª Edição, Almedina, pág. 241: “… nos termos do artigo 1424.º, n.º 3, as despesas relativas às partes comuns dos prédios que sirvam exclusivamente alguns condóminos ficam a cargo dos que dela se servem. Esta norma autoriza-nos a concluir que, quando se trate de deliberações atinentes a estas despesas, o direito de voto cabe apenas aos condóminos interessados.”.
Exemplifica aquela autora o seu raciocínio da seguinte forma:” Por exemplo, num único edifício, com várias “torres”, as despesas como a porta de entrada de cada edifício devem ser suportadas pelos condóminos que aí habitam”, situação em tudo idêntica à que se descreve nos presentes autos. Remata ainda a mesma autora afirmando peremptoriamente que o direito de voto, nestes casos, cabe somente aos condóminos que residem nessa parte do edifício. A opinião contrária geraria uma intromissão injustificada em assuntos alheios, que a proximidade física ou a ligação funcional não justificam”.
20. Logo, por maioria de razão, é aplicável a deliberação sobre a cessão da posição contratual relativamente à administração do Bloco .., o raciocínio acima expendido, implicando que os restantes condóminos que estejam impedidos de votar sobre esse assunto, constituindo-se uma assembleia restrita de condóminos para esse efeito, aliás no seguimento e conforme exposto no acórdão do Tribunal da Relação do Porto acima citado, proferido no processo n.º 3361/09.2TBPVZ.P1, de 30-11-2015, disponível em www.dgsi.pt
21. Relativamente à segunda parte do ponto 14, reiterando que a obrigação de prestar contas deve ser discutida em sede de matéria de direito, e dada como provada por mera remissão para a ata em causa.
22. Assim, em relação ao ponto 14 dos factos dados como provados, deveria o mesmo ser decomposto da seguinte forma:
- Em 11 de Junho de 2013 a ré cedeu à sociedade “D…, Lda.” as funções de administração do Bloco .., incluindo a posição nas respectivas contas bancárias, que passaram a ser desempenhadas por esta sociedade.
- A ré cessou nessa altura as funções de administradora do Bloco ...
- Em 1 de Novembro de 2013 realizou-se uma assembleia extraordinária com o ponto 1 da ordem de trabalhos: “Apresentação das contas pela administração do Bloco .. respeitantes ao ano 2012/2013”.
23. No que diz respeito ao ponto 15 dos factos dados como provados importa referir que a acção de prestação de contas, cuja disciplina consta dos artigos 1014º e seguintes do Cód. De Processo Civil, tem como objecto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se. A obrigação do administrador constitui aplicação do princípio geral de que quem administra bens ou interesses alheios está obrigado a prestar contas da sua administração ao titular desses bens ou interesses.
24. Apesar de constituir um centro de imputação de interesses comuns, organizado e funcionalmente representado pelos seus órgãos, que são a assembleia de condóminos e a administração (cf. artigo 1430.º do Cód. Civil), o condomínio não goza de personalidade jurídica e também não é um património autónomo, afigurando-se antes um património de afectação especial. Por sua vez, cada condómino está obrigado a concorrer para os encargos de conservação e fruição das partes comuns do edifício e pagamento de serviços de interesse comum na proporção da sua fracção autónoma, de harmonia com a regra supletiva constante no n.º 1 do artigo 1424.º do Cód. Civil. Daqui decorre não ter o condomínio autonomia patrimonial, antes constituindo o resultado das mencionadas contribuições dos condóminos, meio instrumental necessário à administração das partes comuns do edifício.
25. No que à prestação de contas respeita (que é somente o que se discute na presente acção especial), a partir do momento em que foi concedida a autonomia ao Bloco .. e nessa medida as contas relativas a esse Bloco se encontram separadas dos restantes blocos, o titular ou beneficiário desse direito é o conjunto dos condóminos do Bloco .., como um corpo colectivo por eles formado, reunido em assembleia cabendo à mesma a titularidade desse direito e a legitimidade para aprovar as respectivas contas.
26. A prestação de contas apenas relativas ao Bloco .. e aprovação das mesmas em assembleia geral de condóminos constituída por todos os condóminos constituí um esvaziar de sentido e de utilidade a autonomia que lhe foi concedida, revela-se um manifesto excesso por parte dos poderes da assembleia geral, mas sobretudo o exercício indevido de um direito que apenas compete aos condóminos do Bloco .., uma vez que são só as suas contribuições e não as dos outros condóminos é que estão em causa.
27. Sendo a âmbito da administração e das contas delimitado ao Bloco .. deve também o correspondente direito de voto e a aprovação das respectivas contas naturalmente circunscreverem-se a este. Já os restantes condóminos encontram-se também impossibilitados de votar sobre esta matéria como supra se deixou exposto.
28. De resto, a forma utilizada pelo condomínio geral, a de convocar uma assembleia para se apresentar, discutir e aprovar especificamente as contas do Bloco .., portanto afastando a unicidade de administração e contabilidade de condomínio, reitera a existência de contas separadas relativamente ao Bloco .. e não pode senão determinar que o correspondente direito seja exercido por aqueles que contribuem com as suas quotizações para as contas do Bloco .., isto é, os próprios condóminos do Bloco ...
29. Pelo que a legitimidade para aprovar as contas compete à assembleia formada pelo conjunto dos condóminos do Bloco .. e não em assembleia geral de condóminos como requerido nos presentes autos.
30. Conforme a acta n.º 3 de 31 de Outubro de 2013, junta com a contestação da ré como Doc. 3, foi elaborado o relatório de contas referente ao período de 1 Novembro de 2012 a 31 de Outubro de 2013, e o mesmo foi apresentado em assembleia de condóminos do Bloco .., realizada naquela data, cujas contas foram aprovadas por estes condóminos.
31. C… entregou o referido relatório à condómina H… que por sua vez o apresentou na assembleia de condóminos convocada para esse efeito pelo administrador dos restantes blocos e áreas comuns relativas a todos os blocos, tudo como resulta do depoimento desta testemunha:
0.07.41: Testemunha: - Fui eu, que ele deu-me um papel que foi eu apresentar...
(…)
M. Juíza: - A senhora esteve a ver esta ata e disse que esteve presente nesta ata, que foi quando foi que lhe deram conhecimento, quando a senhora teve conhecimento da mudança do nome da sociedade para administrar o Bloco .. e aprovar estas contas. Neste caso concreto houve uma reunião, uma assembleia, só para apresentação de contas do Bloco ..?
0.08.30
Testemunha: - Porque foi com nós. O senhor esteve durante um ano a administrar a nossa entrada e apresentou-nos as contas. Nós concordamos com as contas que lá estavam apresentadas.
0.09.15
Testemunha: - E depois no outro ano a seguir, ou quinze dias ou um mês, que houve outra reunião, porque não pôde haver porque não havia condóminos, ele deu-me o papel das contas para eu apresentar, que ele não podia estar presente. Houve, que o senhor doutor esteve presente...
M. Juíza: Qual é o papel?
Testemunha: - Que estivemos sempre presentes nas reuniões com as contas.
0.09.33
M. Juíza: - Então este senhor C… deu-lhe o papel das contas de 2012 e 2013?
Testemunha: - Sim senhor.
M. Juíza: - Que papel lhe deu?
Testemunha: - Deu-me a apresentação de contas que eu apresentei na reunião.
M. Juíza: - Mas ...
Testemunha: - Das contas, daquilo que ele recebeu, daquilo que ele pagou...
M. Juíza: - O relatório de contas?
Testemunha: - Sim.
M. Juíza: Depois desta reunião?
Testemunha: - Sim.
M. Juíza: - Que já tinham sido aprovadas as contas?
Testemunha: - Sim.
M. Juíza: - Pelos condóminos do bloco ..?
Testemunha: - Sim. E depois nós apresentamos as contas à administração inteira...
M. Juíza: - Espere. Veja se é assim, depois da apresentação que está aqui esta ata, que está aqui o seu nome, não é, H…, fracção AG, que a senhora assinou...
Testemunha: - Sim.
M. Juíza: - Depois desta reunião que os senhores aprovaram estes (imperceptível) este senhor deu-lhe o relatório de contas?
Testemunha: - Sim.
M. Juíza: - E a senhora foi levar a uma reunião dos outros três blocos?
Testemunha: - Sim. Onde me disseram que não entendiam nada daquilo...
M. Juíza: - Entregou. A quem é que entregou concretamente o relatório? Qual foi a pessoa a que entregou?
Testemunha: - Fui eu que entreguei tanto ao administrador que estava, que é o senhor E…, como à Dr.ª que lá estava, que disseram, ao acaso, que não recebiam aquilo.
M. Juíza: - Portanto, entregou ao senhor E… e a outra pessoa?
Testemunha: - Sim.
M. Juíza: - Uma cópia do relatório de contas?
Testemunha: - Sim.
M. Juíza: - Do ano 2012 a 2013, é isso?
Testemunha: - Sim.
M. Juíza: - O que saiu desta assembleia?
Testemunha: - Sim.
32. Por seu lado, a testemunha C… disse:
M. Juíza: - O que aconteceu é que relativamente a estas contas deste período, 11/2012 a 31/10/2013 o bloco .. fez uma reunião à parte?
Testemunha: - Fez.
M. Juíza: - Então e não era para ser uma única assembleia?
Testemunha: - Não, a assembleia, aliás, quando foi convocada pelos outros blocos, ou seja, pelo condomínio geral, conforme está a dizer, foi convocada a dizer além da apresentação de contas, as contas do bloco .., mesmo na própria convocatória era à parte. (o que corroborado pela própria ata de 1 de Novembro de 2013).
(…)M. Juíza: - Então por que é que depois fizeram isso que o senhor disse e quando a D.ª H… foi entregar a acta?
Testemunha: - Não foi a acta, foi o relatório de contas. Foram as contas apresentadas em assembleia.
M. Juíza: - Foi entregar?
Testemunha: - O relatório de contas. As contas em si. As contas que foram apresentadas na assembleia geral do condomínio.
M. Juíza: - De que ano?
Testemunha: - Desse mesmo ano.
M. Juíza: - 2013?
Testemunha: - Sim.
M. Juíza: - E o que estava lá?
Testemunha: - Tudo o que foi recebido e tudo que foi despendido e o que estava em falta de liquidação das fossas.
M. Juíza: - Mas contrariamente ao que se passava não foi uma única reunião. Levou já o relatório de conta...
Testemunha: - Exactamente. Aprovado pelo bloco ...
M. Juíza: - Pois é isso. Contrariamente ao que disse que realizava-se uma assembleia, uma única assembleia para os quatro blocos...
Testemunha: - Pelo condomínio geral.
M. Juíza: - Sim para o condomínio geral, para os quatro blocos.
Testemunha: - Sim.
M. Juíza: - Neste caso em 2013 realizou-se a assembleia para prestação de contas só do bloco .. que é esta acta e depois esta senhora levou o relatório de contas já aprovado.
Testemunha: - Exactamente. Por aquele bloco. Aprovado pelos condóminos que me pagavam.
M. Juíza: - Mas há contas que são comuns de todos?
Testemunha: - Naquele relatório de contas não. O único relatório de contas que tem que aprovar as partes comuns é o condomínio geral. Tem que apresentar...
M. Juíza: - Então o que faz parte deste relatório que entregou à D.ª H…?
Testemunha: - De tudo que diga respeito ao bloco .., individualmente.
(...)
0:16:33
Advogado da ré: - Foi entregue aos condóminos?
Testemunha: - Sim.
M. Juíza: - Já está...
Advogado da ré: - E a senhora H… encarregou-se depois...
Testemunha: - Exactamente. De entregar ao condomínio geral.
33. Posto isto, perante a prova produzida em audiência, em relação ao ponto 15 dos factos dados como provado, devia antes der dado como provado o seguinte:
- Apenas C… foi avisado ou interpelado para comparecer na assembleia de condóminos realizada em 1 de Novembro de 2013.
- Em 31 de Outubro de 2013 foi realizada uma assembleia de condóminos do Bloco .., na qual foram discutidas e aprovadas as contas do exercício de 1 de Dezembro de 2012 a 31 de Outubro de 2013.
- Naquela assembleia foi entregue o relatório de contas daquele exercício à condómina H… que por sua vez o apresentou na assembleia de condóminos convocada pelo administrador dos restantes blocos e das áreas comuns de todos os blocos.
34. Relativamente ao ponto 18, não pode o tribunal a quo presumir a existência do “remanescente da receita obtida” quando no seu próprio entender ainda não foram prestadas contas, nem foi produzida qualquer prova nesse sentido, pelo que esta parte deve ser eliminada como facto provado.
35. O ponto 19 é desde logo consumido pela primeira parte do ponto 18 (“apesar de interpelada, a ré, até à data, não prestou contas…) e é apenas de índole processual, por isso a contestação da ré nos presentes autos, cuja resposta só pode ser alcançada da conjugação dos factos com a subsunção jurídica que, ao fim ao cabo, se traduzem na decisão final que vier a ser tomada.
36. Por outro lado, discorda-se do julgamento da matéria de facto quanto aos factos julgados como não provados nos pontos 1, 2, 3 e 4 da sentença recorrida.
37. Embora o tribunal a quo tenha dado resposta negativa relativamente ao facto que consta como não provado no ponto 1, partindo do documento referido no ponto 23 dos factos dados como provados na sentença, passando pelas circunstâncias em que ocorreu a cessão da administração do Bloco .., ele ressalta das regras de experiência comum.
38. Como se verifica dos depoimentos acima transcritos das testemunhas C… e H…, e pelo conteúdo da ata n.º 3, junta na contestação como Doc. 3, não restam dúvidas de que pelos condóminos não foi levantada qualquer objecção a cessão da administração do bloco .. da ré para a sociedade “D…, Lda.”.
39. Como já tivemos oportunidade de expor acima, o consentimento para a cessão da administração da ré àquela sociedade depende apenas da vontade dos condóminos do Bloco .. e não dos demais, pelo que o ponto 2 dos factos dados como não provado devia pelo contrário ter sido dado como provado.
40. No que respeita ao ponto 3 dos factos dados como não provados, cumpre referir que a consequência da cessão da posição contratual provada no ponto 23 dos factos dados como provados na sentença é a transmissão da administração do Bloco .. da ré para a sociedade “D…, Lda.”, a qual aceitou essa cessão. Ora, naturalmente essa transmissão implica que todos os elementos e documentos relativos à mesma tenham sido transmitidos para esta sociedade, caso contrário não teria aceite a cessão.
41. Para além disso, a testemunha C… corroborou tal facto:
0:19.15:
Advogado da ré: - Pronto senhora doutora agora qual é a pergunta? É se os condóminos do bloco .. aceitaram a transmissão independentemente dos nomes das empresas? Se alguma vez foi colocado em causa...
Testemunha: - Aceitaram conforme a ata.
M. Juíza: - Está assinada. Está assinado.
Advogado da ré: - Portanto manteve-se a posição independentemente... nenhum dos condóminos do bloco .. levantou problemas relativamente à designação das empresas, se era uma ou se era outra?
Testemunha: - Aceitaram por unanimidade dos presentes.
Advogado da ré: - E continuou assim?
Testemunha: - Exactamente.
M. Juíza: -Muito bem, o senhor C… independentemente, na prática não mudou nada porque o senhor era sócio gerente de uma empresa passou para outra. Na prática as pastas continuam no seu poder porque é o mesmo?
Testemunha: - Exactamente.
M. Juíza: - E não foi entregue ao administrador dos outros condóminos porque continuou a administrar o bloco .., ficou com as pastas...?
Testemunha: - Exactamente.
M. Juíza: - Não obstante ser de empresas diferentes?
Testemunha: - Correto.
42. A administração do Bloco .., não obstante formalmente ser atribuída à ré, sempre foi aquele C… que tratou dos assuntos relativos a este condomínio. Naturalmente que quando este era sócio da ré possuía os documentos da administração do Bloco .., em nome da ré, a partir do momento em que o mesmo saiu da ré e passou a exercer as funções de administração do Bloco .. em nome da sociedade que entretanto criou, a ré de deter aqueles documentos por intermédio daquele C…, estando por isso impossibilitada objectivamente de prestar contas mesmo que se entenda recair sobre si essa obrigação.
43. Por último, em relação ao ponto 4 dos factos dados como não provados, independentemente da validade da deliberação que foi tomada na assembleia de 31 de Outubro de 2013, relativamente ao Bloco .., a qual nunca foi impugnada, apesar do tribunal a quo ter dado tal facto como não provado é incontroverso que a referida assembleia se realizou e que na mesma foram discutidas e aprovadas as contas da administração do Bloco .. relativas ao exercício de 1 de Novembro de 2012 a 31 de Outubro de 2013, conforme resulta da ata n.º 3 junta com a contestação como Doc. 3 e do depoimento das testemunhas C… e H…, cujos declarações deixamos transcritas a propósito do ponto 15 dos factos dados como provados na sentença (pág. 28 a 33 do presente recurso).
44. Pelo que se requer a esse Venerando Tribunal profira decisão no sentido de determinar a alteração da matéria de facto dado como provada e não provada nos termos acima enunciados.
*
Devidamente notificado contra-alegou o Autor concluindo pelo não provimento do recurso.
*
Após os vistos legais cumpre decidir.
*
II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
*
No seguimento desta orientação são as seguintes as questões a decidir:
a)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto.
b)- saber se a Ré está, ou não, obrigada a prestar contas.
*
A)-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

É a seguinte a factualidade que vem dada como provada pelo tribunal recorrido:
1. O Autor é um condomínio, designado de Condomínio do Prédio Edifício …, do prédio urbano sito na Rua …, nº .. a .., da freguesia .., concelho de Gondomar, contribuinte nº ……….
2. A Ré é uma sociedade comercial que tem como objecto social serviços de jardinagem, limpeza, manutenção (electricidade, pichelaria e outros) e administração de condomínios.
3. O prédio referido em 1) é composto por quatro blocos de fracções, sendo que cada bloco tem uma entrada individual, nomeadamente Bloco .., .., .. e .., constituídos por fracções autónomas destinadas a habitação e comércio.
4. E estão dotados de áreas comuns próprias, como sejam escadas e ascensores independentes dos restantes blocos, e sem qualquer ligação entre si, cuja utilização se destina somente às fracções autónomas que neles estão integradas.
5. Os únicos equipamentos que aqueles quatro blocos têm em comum são a utilização das fossas de esgoto e a electricidade das garagens.
6. A 20 de Janeiro de 2012, realizou-se uma assembleia geral de condomínio referente ao edifício referido em 1., onde, outros assuntos, abordou-se a situação de condóminos que teriam a quotização em atraso, bem como a dívida que o condomínio tinha referente aos elevadores “K…” dos quatro blocos.
7. A 2 de Fevereiro de 2012, realizou-se uma assembleia extraordinária, nos termos da qual foi deliberado e aprovado que o Bloco .. fosse administrado pela Ré, representada por C…, no período compreendido entre o dia 1 de Dezembro de 2012 a 30 de Outubro de 2013.
8. Consta do teor da ata dessa assembleia que o representante da administração do Bloco .. disse que “as quotas que se encontram por liquidar por parte de alguns condóminos do referido bloco, serão cobradas pelo mesmo” (cfr. ata de fls. 6 ss, cujo o seu teor se dá por integralmente reproduzido).
9. Mais consta da mesma acta que “relativamente às despesas inerentes às partes comuns, o Bloco .. comparticipará com as mesmas, nomeadamente luz das garagens, água de condomínio e limpezas …”.
10. Ficando o Sr. E… na administração do condomínio, com excepção das funções que tinham sido atribuídas à Ré.
11. Todas as demais despesas, nomeadamente fossas, águas e luz das garagens, continuavam a ser geridas pela Autora.
12. A Ré, com a gestão das quotizações, teria que pagar as despesas que estavam adstritas ao Bloco .. e entregar à Autora, mensalmente, a comparticipação para as demais despesas do referido Bloco.
13. No final do período da sua gestão, apresentar as contas relativamente às receitas obtidas e despesas efectuadas.
14. No dia 30 de Outubro de 2013, a Ré cessou a sua administração do Bloco .., tendo-se realizado no dia 1 de Novembro de 2013 uma assembleia extraordinária, para prestação de contas por parte desta, referente ao período da sua gestão, ou seja, o período compreendido entre 1 de Dezembro de 2012 a 30 de Outubro de 2013 (cfr. acta de fls. 9v, cujo o seu teor se dá por integralmente reproduzido).
15. Esta não compareceu na referida reunião, não tendo, por isso, prestado contas do período da sua gestão, não obstante avisada, na pessoa do seu representante C…, para comparecer à referida reunião.
16. Foi deliberado e aprovado nessa assembleia, interpelar a Ré, no sentido de esta proceder à prestação de contas, entregar todos os documentos e o remanescente da receita obtida na gestão do Bloco .., no prazo de cinco dias a contar da recepção da comunicação.
17. Tendo também sido deliberado e aprovado recorrer à via judicial, caso seja necessário, para que a Ré proceda à apresentação das contas, entregue todos os documentos e o remanescente da receita obtida.
18. Apesar de interpelada, a Ré, até à data, não prestou contas, nem entregou, por qualquer forma, os documentos e o remanescente da receita obtida no período da sua gestão do Bloco ...
19. Recusando-se a mesma a prestar as contas.
20. C… foi sócio gerente da sociedade Ré, tendo cessado as funções de gerência por renúncia (Av. 1–Ap. 145/20130724–cfr. certidão registral de fls. 34 ss., cujo o seu teor se dá por integralmente reproduzido).
21. Através da Menção Dep. 4193/20130724 encontra-se registada a transmissão da quota de C… a L… casada com M…, também sócios da Ré.
22. Na sequência C… constituiu a sociedade “D…, Lda”, com o objecto social administração de condomínios, actividades de limpeza geral e manutenção de edifícios, plantação e manutenção de jardins e áreas verdes.
23. Por escrito epigrafado Cessão de Posição Contratual datado de 11 de Junho de 2013, a Ré, na qualidade de primeira outorgante e entidade administradora do condomínio Edifício …, sito na …, nº .., …, Gondomar, contribuinte nº ………, declarou ceder a sua posição contratual que detém no contrato de mandato de administração do referido condomínio, cedendo a sua posição nas respectivas contas bancárias, à sociedade “D…, Lda”, como segunda outorgante, que declarou aceitar (cfr. doc. de fls. 48, cujo o seu teor se dá por integralmente reproduzido).
Factos não provados
Não se provou que:
1. Ficou acordado no escrito referido em 23) dos factos provados que a sociedade “D…, Lda” providenciaria, aquando da realização da próxima assembleia de condóminos que se realizasse, para se apresentar como nova entidade administradora.
2. Os condóminos do Bloco .. e dos restantes Blocos não foi levantada qualquer objecção quanto ao escrito referido em 23) dos factos provados, acabando a sociedade “D…, Lda” por ser eleita para administrar o Bloco ...
3. A Ré entregou à sociedade “D…, Lda” todos os elementos e documentos, incluindo aqueles que dizem respeito à contabilidade do Bloco ...
4. As contas relativamente ao Bloco .. foram aprovadas em sede de assembleia convocada pela sociedade “D…, Lda”.
*
III- O DIREITO

Como supra se referiu a primeira questão que vem colocada no recurso consiste em:
a)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto.
Como resulta do corpo alegatório e das respectivas conclusões a Ré recorrente impugnou a decisão da matéria de facto tendo dado cumprimento aos ónus impostos pelo artigo 640.º, nº 1 als. a), b) e c) do CPCivil, pois que, faz referência aos concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, indica os elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por ela propugnados, a decisão que no seu entender deveria sobre eles ter sido proferida e ainda as passagens da gravação em que se funda o recurso e que transcreveu [nº 2 al. a) do citado normativo].
Cumpridos aqueles ónus e, portanto, nada obstando ao conhecimento do objecto de recurso nesse segmento, a Ré apelante não concorda com a decisão sobre a fundamentação factual relativa aos pontos 7., 8., 10., 11., 13., 14., 18. e 19. dos factos provados e aos pontos 1., 2., 3. e 4. dos factos dados como não provados.
Quid iuris?
O controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
Efectivamente, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no artigo 607.º nº 5) que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição.[1]
Ora, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado”.[2]
De facto, a lei determina expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4 do CPCivil).
Todavia, na reapreciação dos meios de prova, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância.[3]
Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada”.[4]
Tendo presentes estes princípios orientadores, vejamos agora se assiste razão aos Réus apelantes, neste segmento recursório da impugnação da matéria de facto, nos termos por eles pretendidos.
O ponto 7. da fundamentação factual tem a seguinte redacção:
A 2 de Fevereiro de 2012, realizou-se uma assembleia extraordinária, nos termos da qual foi deliberado e aprovado que o Bloco .. fosse administrado pela Ré, representada por C…, no período compreendido entre o dia 1 de Dezembro de 2012 a 30 de Outubro de 2013”.
Entende a recorrente que a este facto devia ser dada a seguinte redacção:
“- A 2 de Fevereiro de 2013 realizou-se uma assembleia, na qual foram os condóminos informados de que o Bloco .. se encontrava a ser administrado pela ré desde Dezembro de 2012, não tendo sido levantada qualquer objecção.
- Naquela assembleia de 2 de Fevereiro de 2013 foi deliberado e aprovado que o Bloco .. continuasse a ser administrado pela ré”.
Refere, sob este conspecto, a recorrente que a assembleia em causa não foi extraordinária mas sim ordinária, que ela não ocorreu em Fevereiro de 2012 mas sim em Fevereiro de 2013 e que dela não consta qualquer delimitação temporal quanto à administração da Ré.
Para além disso refere ainda que única forma admissível para provar as deliberações da assembleia de condóminos é através da respectiva acta, não podendo ser substituída por outro meio de prova (ou por outro documento que não seja de força obrigatória superior), conforme se entenda tratar-se de uma formalidade ad substantiam ou ad probationem.
Será que assim é?
Importa, desde logo dizer, como alega a Ré recorrente, que a referida assembleia não ocorreu no dia 2 de Fevereiro de 2012 mas sim em 2 de Fevereiro de 2013 e, não foi, como também refere a recorrente, uma assembleia extraordinária mas sim ordinária, isto mesmo resulta da cópia da acta nº 4 junta aos autos a fols. 6.
Mas que tipo de formalidade representa a acta do condomínio.
Será uma formalidade ad substantiam ou ad probationem ou nem uma coisa nem outra?
A solução não se apresenta consensual.
Importa, desde logo, dizer que se tem entendido que a falta da acta da assembleia de condóminos não conduz à nulidade ou inexistência da deliberação, apenas determinando que esta tenha a sua eficácia suspensa.[5]
Na verdade, a acta da assembleia não tem necessariamente de ser lavrada na própria assembleia, podendo sê-lo em momento ulterior, pese embora seja de toda a conveniência a sua elaboração no decurso da reunião, atendendo a que a deve ser assinada por todos os condóminos presentes.
Ora, na doutrina Aragão Seia[6] entende que a acta “é um documento ad probationem, não se assumindo como elemento constitutivo, nem como pressuposto de validade da deliberação, tendo a força probatória de documento particular– artigo 376º. (…)” e no âmbito administrativo pronunciou-se neste sentido Marcello[7] Caetano, concluindo que a acta apenas é necessária para a prova da deliberação, pelo que esta não poderá ser executada enquanto não for documentada.
Por sua vez Sandra Passinhas[8], defende que a “acta constitui um requisito essencial, uma formalidade imposta ad substantiam, para a validade das deliberações. Para tal invoca a circunstância de as deliberações da assembleia de condóminos serem, juntamente com a lei e o título constitutivo, elementos constitutivos do estatuto de um direito real, a propriedade horizontal. Defende, por isso, que a formulação escrita “será um requisito mínimo indispensável para a certeza e segurança no tráfego jurídico. O valor ad substantiam da acta resulta, para nós, de uma exigência de certeza e segurança jurídica” e que “do regime legal não se retira qualquer indicação no sentido de que a acta tenha valor meramente probatório”.
Deste modo, a falta da acta geraria a nulidade da deliberação (artigo 220.º do CCivil).
Mas existe ainda uma terceira opinião acerca deste tema, segundo a qual a acta não constitui uma formalidade ad substantiam nem ad probationem, sendo tão somente o meio normal de documentação das deliberações.[9]
Foi esta, aliás, a solução avançada no Acórdão da RL de 8/10/1991[10] onde se considerou que a “acta é apenas um documento escrito que «a posteriori» reproduz o que se passou na reunião de condóminos, não constituindo um documento negocial «ad substantiam» nem «ad probationem», pois a sua falta não produz a nulidade da deliberação e a sua existência não impede que contra ela se admita qualquer prova em contrário.
A força probatória da acta é apreciada livremente pelo Tribunal-art. 396º do CC- enquanto documento particular informativo testemunhal”.
Por nossa parte, afigura-se-nos que, efectivamente, a acta é apenas um documento escrito que tem como finalidade reproduzir aquilo que se passou na assembleia de condómino, ou seja, não constitui, quanto a nós, qualquer documento negocial «ad substantiam» nem «ad probationem.
É certo que preceitua o artigo 1.º, do Decreto-Lei nº 268/94, de 25.10, que são obrigatoriamente lavradas actas das assembleias de condóminos, redigidas e assinadas por quem nelas tenha servido de presidente, e subscritas por todos os condóminos que nelas hajam participado, sendo as deliberações consignadas em acta vinculativas, tanto para os condóminos como para os terceiros titulares de direitos relativos às fracções, sendo que, de acordo com o nº 1 do artigo 6.º do mesmo diploma a acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio, ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota parte.
Todavia, daí não se segue que, não tendo sido lavrada a acta em que foi tomada determinada deliberação, a sua existência não possa ser provada pelo recurso a qualquer outro meio de prova, mesmo testemunhal.[11]
Com efeito, objectivo legal do citado D. Lei foi o de evitar a propositura de acções declarativas, no âmbito das relações de condomínio, por forma a tornar mais eficaz o regime da propriedade horizontal (cfr. o preâmbulo do citado diploma), como assim, não é apenas a acta que prevê contribuições para o condomínio que pode constituir título executivo, todavia, se essa acta que prevê as citadas contribuições para o condomínio pode não ser condição suficiente, ela é condição necessária para a apresentação do título executivo.
Significa, portanto, que a neste âmbito a obrigatoriedade da realização da acta tem um objectivo claro, servir de base a uma eventual execução.
Acontece que, uma coisa é a acta poder, nos moldes positivados, constituir título executivo, outra coisa distinta é a prova de uma determinada deliberação tomada em assembleia de condóminos, apenas poder ser feita com a exibição da acta.
Cremos, sempre com respeito pela opinião contrária, que a prova da existência da deliberação e do seu conteúdo poder ser feita com recurso a qualquer meio de prova incluindo a testemunhal e, por maioria de razão deve ser assim, quando existindo a acta de assembleia de condóminos, em que se documentou a deliberação, se queira provar que o seu conteúdo não foi aí vertido na sua totalidade, dela faltando alguns elementos, como é o caso dos autos.
Aliás, mesmo que se entenda que a acta constitui uma formalidade ad probationem nos termos do artigo 364.º, nº 2 do CCivil a sua prova pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório.
Aqui chegados revertamos ao caso concreto dos autos.
O facto em causa (7. da fundamentação factual) foi alegado pela Autora recorrida no artigo 6º da respectiva petição inicial.
Ora, o referido facto não foi impugnado pela Ré na respectiva contestação, pois que, dos factos vertidos na petição nos artigos 1º a 14º, a Ré recorrente apenas impugnou o constante do artigo 13º (artigo 2º da contestação), mais referindo que o alegado no artigo 1º daquela peça só podia se provado por documento, nada tendo dito quanto aos demais (tendo somente impugnado os artigos 15º a 25º da petição-cfr. artigo 6º da contestação), ou seja, os restantes factos, vertidos nos indicados artigos da petição, foram admitidos por acordo nos termos estatuídos no artigo 574.º, nº 2 do CPCivil já que se não verifica in casu nenhuma das excepções aí referidas.
Dito de outro, ao não ter impugnado o referido facto, a Ré recorrente confessou-o de forma ficta.[12]
Como assim, estando o referido facto confessado judicialmente, não existia fundamento para que não tivesse sido dado como provado, embora com as correcções atrás assinaladas, já que se verificou, no caso concreto, a excepção de a prova por documento ser substituída por confissão judicial.[13]
Facto, aliás, corroborado pelo depoimento das testemunhas E… e H….
Desta forma, o referido facto deve continuar a constar da fundamentação factual mas com a seguinte redacção:
“A 2 de Fevereiro de 2013 realizou-se uma assembleia, na qual foram os condóminos informados de que o Bloco .. se encontrava a ser administrado pela ré desde Dezembro de 2012, não tendo sido levantada qualquer objecção, tendo ainda sido deliberado e aprovado que o Bloco .. continuasse a ser administrado pela ré até Outubro de 2013”.
*
Impugna também a Ré recorrente os pontos 10., 11., 12. e 13. da fundamentação factual.
Estes pontos factuais têm, respectivamente, a seguinte redacção:
Ficando o Sr. E… na administração do condomínio, com excepção das funções que tinham sido atribuídas à Ré.”
Todas as demais despesas, nomeadamente fossas, águas e luz das garagens, continuavam a ser geridas pela Autora”.
A Ré, com a gestão das quotizações, teria que pagar as despesas que estavam adstritas ao Bloco .. e entregar à Autora, mensalmente, a comparticipação para as demais despesas do referido Bloco.”
No final do período da sua gestão, apresentar as contas relativamente às receitas obtidas e despesas efectuadas.”
Acontece que, estes pontos factuais correspondem aos factos vertidos nos artigos 10º, 11º e 12º e 14º da petição inicial que também não foram objecto de impugnação, tendo-os, pois, a Ré admitido por acordo, razão pela qual valem aqui, mutatis mutandis, as mesmas considerações feitas a propósito da impugnação do facto descrito em 7. da fundamentação factual.
Destarte, tinham tais factos de constar da fundamentação factual, não merecendo, por isso, qualquer censura a decisão do tribunal ao dar como provados os referidos factos.
Em relação ao ponto 13. refere a Ré recorrente que não se trata de matéria de facto, mas antes de matéria de direito.
Não cremos que assim seja, pois que, como um pouco mais à frente se verá, a obrigação de prestar contas pode emergir da lei, de negócio jurídico ou até dos ditames da boa-fé, razão pela qual o ponto em causa encerra matéria de facto e não de direito.
*
Impugna também a Ré recorrente o ponto 14. da fundamentação factual cuja redacção é a seguinte:
No dia 30 de Outubro de 2013, a Ré cessou a sua administração do Bloco .., tendo-se realizado no dia 1 de Novembro de 2013 uma assembleia extraordinária, para prestação de contas por parte desta, referente ao período da sua gestão, ou seja, o período compreendido entre 1 de Dezembro de 2012 a 30 de Outubro de 2013 (cfr. ata de fls. 9v, cujo o seu teor se dá por integralmente reproduzido)”.
Entende a apelante que este facto devia ser decomposto da seguinte forma:
“- Em 11 de Junho de 2013 a ré cedeu à sociedade “D…, Lda.” as funções de administração do Bloco .., incluindo a posição nas respectivas contas bancárias, que passaram a ser desempenhadas por esta sociedade.
- A ré cessou nessa altura as funções de administradora do Bloco ...
- Em 1 de Novembro de 2013 realizou-se uma assembleia extraordinária com o ponto 1 da ordem de trabalhos: “Apresentação das contas pela administração do Bloco .. respeitantes ao ano 212/2013”.
Para o efeito convocou o depoimento das testemunhas C… e H….
Em primeiro lugar não se percebe a decomposição do facto em causa nos termos propugnados pela recorrente.
O teor do contrato da cessão da posição contratual consta do facto descrito em 23. da fundamentação factual que não foi objecto de impugnação, razão pela qual não se descortina o fundamento para que também conste do ponto 14.
No que tange à realização da assembleia extraordinária já o ponto em causa abarca essa realidade.
Pretende também a Ré recorrente que se dê como provado que em Junho de 2011 cessou as funções de administradora do Bloco ...
Acontece que, não vemos em que elemento probatório a Ré se funda para que se possa dar como assente o referido facto.
Na verdade, é a própria testemunha C… que refere no seu depoimento (na parte transcrito pela apelante) que administrou o Bloco .. desde 1 de Dezembro de 2012 a 20 de Outubro de 2013 em nome da empresa B…, Lda e que a partir de 01/11/2013 continuou a administrá-lo em nome de outra empresa-D…, Lda., sendo que, a testemunha H… no seu depoimento nada refere a este respeito.
É que, pelo facto de a cessão da posição contratual ter ocorrido em 11 de Junho de 2013, daí não se pode inferir, como parece entender a apelante, que nessa data também ocorreu a cessação de funções de administração do Bloco em causa por parte da Ré.
Na verdade, mesmo admitindo a validade da referida cessão da posição contratual (mais à frente se voltará a esta temática), a Ré pode ter continuado a administrar o bloco .. como administradora de facto, ou seja, existiria até essa data uma administração plural do condomínio integrada por um administrador executivo e por um administrador sem funções executivas.
Como assim, não tendo a Ré recorrente convocado quaisquer elementos probatórios que impusessem redacção diversa, deve o referido ponto 14. continuar a constar da fundamentação factual tal qual o deu como como provado o tribunal recorrido, sendo inócuas e irrelevantes, neste âmbito, todas as restantes considerações tecidas a esse propósito pela Ré recorrente concernentes à figura jurídica da cessão da posição contratual.
*
O ponto 15. da fundamentação factual que a Ré recorrente também impugna tem a seguinte redacção:
Esta não compareceu na referida reunião, não tendo, por isso, prestado contas do período da sua gestão, não obstante avisada, na pessoa do seu representante C…, para comparecer à referida reunião”.
Entende a Ré apelante que este facto devia ter sido dado como provado nos seguintes moldes:
-Apenas C… foi avisado ou interpelado para comparecer na assembleia de condóminos realizada em 1 de Novembro de 2013.
-Em 31 de Outubro de 2013 foi realizada uma assembleia de condóminos do Bloco .., na qual foram discutidas e aprovadas as contas do exercício de 1 de Dezembro de 2012 a 31 de Outubro de 2013.
-Naquela assembleia foi entregue o relatório de contas daquele exercício à condómina H… que por sua vez o apresentou na assembleia de condóminos convocada pelo administrador dos restantes blocos e das áreas comuns de todos os blocos”.
Para o efeito convocou o depoimento das testemunhas H… e C….
No que concerne à prova do ponto em causa, na redacção dada pelo tribunal recorrido, a Ré recorrente não questiona que não esteve presente na referida Assembleia e que nela não apresentou as contas, mas apenas que para tal assembleia somente foi avisado para comparecer o Sr. C….
Cremos que, neste conspecto, assiste razão à apelante.
Com efeito na data em que foi expedida a carta junta aos autos a fols. 13-21 de Outubro de 2013-o Sr. C… já tinha cessado funções de gerência (cfr. cópia da certidão permanente junta aos autos a fols. 34 e seguintes), razão pela qual não se pode dar como assente que a Ré foi avisada para comparecer para essa reunião na pessoa do Sr. C….
Quanto ao mais propugnado pela apelante cumpre dizer que, em relação à assembleia que decorreu no dia 31 de Outubro de 2013 sobre ela nos pronunciaremos aquando da análise do facto não provado nº 4 que também foi impugnado pela apelante.
No que concerne à restante matéria factual que a Ré pretende que se dê como provado (entrega do relatório e contas à condómina H… …), torna-se evidente que não pode merecer acolhimento.
Com efeito, a referida matéria não se encontra alegada em qualquer dos articulados apresentados pelas partes tendo, por isso, resultado da instrução da causa.
Ora, tal facto, sendo concretizador dos que a Ré apelante alegou na sua contestação teria, para ser considerado, que ter sido seguido o ritualismo processual a que se refere o artigo 5.º, nº 2 al. b) do CPCivil coisa que não aconteceu, pois que, não tendo o Sr. juiz do processo feito uso desta possibilidade, teria de ter sido a parte, em momento oportuno, a impetrar requerimento com vista a que tal facto fosse considerado pelo tribunal.
Não o tendo feito, esta Relação não pode substituir-se à 1.ª instância e valorar já em termos definitivos a prova produzida quanto aos novos factos, ampliando em 2.ª instância a matéria de facto sem que previamente, em fase de audiência de julgamento, as partes estejam alertadas para essa possibilidade e lhes seja facultado produzir toda a prova que entenderem.
*
Nestes termos e face ao supra exposto altera-se a matéria factual do ponto 15. pelo seguinte modo:
Esta não compareceu na referida reunião, não tendo, por isso, prestado contas do período da sua gestão, sendo que, para essa reunião foi apenas enviada para o Sr. C… a carta junta aos autos a fols. 13”.
*
Impugna também a Ré o ponto 18. da fundamentação factual cuja redacção é a seguinte:
Apesar de interpelada, a Ré, até à data, não prestou contas, nem entregou, por qualquer forma, os documentos e o remanescente da receita obtida no período da sua gestão do Bloco ..”.
Alega a este respeito a apelante que deve ser eliminada desse facto a expressão “remanescente da receita obtida no período da sua gestão do Bloco ..”, pois que, se se entende que não foram apresentadas as contas não se pode dar como provado que existe receita remanescente.
Também aqui, cremos, assiste razão à apelante.
O ponto factual em causa corresponde ao facto vertido no artigo 22º da petição inicial.
Acontece que, se na alegação da Autora, a Ré ainda não prestou as contas relativas ao seu período de gestão, não vemos como se possa concluir que as mesmas apresentavam receita remanescente.
Na verdade, só depois de apresentadas as referidas contas é que se pode aquilatar se o seu saldo era positivo ou negativo, até lá e dado que dos autos não consta qualquer elemento probatório do qual se possa extrair essa conclusão, não se pode dar como assente a existência de receita remanescente.
Como assim, altera-se a redacção do referido ponto nos seguintes moldes:
“Apesar de interpelada, a Ré, até à data, não prestou contas, nem entregou, por qualquer forma, os documentos no período da sua gestão do Bloco ..”.
*
Por último e quanto aos factos provados a Ré impugna o ponto factual 19. que tem a seguinte redacção:
“Recusando-se a mesma a prestar as contas”.
Refere a este propósito a recorrente que tal matéria é desde logo consumida pela primeira parte do ponto e é apenas de índole processual.
Este facto nenhum relevo tem para a decisão do pleito razão sob o ponto de vista da sua subsunção jurídica.
Ora, atento o carácter instrumental da reapreciação da decisão da matéria de facto, no sentido de que a reapreciação pretendida visa sustentar uma certa solução para uma dada questão de direito, a inocuidade da aludida matéria de facto justifica que este tribunal indefira essa pretensão, em homenagem à proibição da prática no processo de actos inúteis (artigo 137º do Código de Processo Civil, na redacção que vigorava antes da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho e a que corresponde actualmente o artigo 130º do vigente Código de Processo Civil, aprovado pela lei que antes se citou).
Por esse motivo, abstemo-nos de reapreciar a decisão da matéria de facto relativamente ao facto em questão.
*
Analisemos agora a matéria factual dada como não provada pelo tribunal recorrido e que a apelante entende que devia ter sido dada como provada.
O ponto 1. dessa matéria tem a seguinte redacção:
Ficou acordado no escrito referido em 23) dos factos provados que a sociedade “D…, Lda.” providenciaria, aquando da realização da próxima assembleia de condóminos que se realizasse, para se apresentar como nova entidade administradora.”
Refere a este respeito a apelante que embora o tribunal a quo tenha dado resposta negativa relativamente a este facto, partindo do documento referido no ponto 23 dos factos dados como provados na sentença, passando pelas circunstâncias em que ocorreu a cessão da administração do Bloco .., ele ressalta das regras de experiência comum.
Diga-se, desde logo, que no referido documento nada consta a esse respeito, embora se entenda o sentido, pois que a Ré no artigo 14º da contestação onde tal facto foi alegado diga que aí não consta de forma expressa.
Porém, a restante argumentação utilizada pela Ré recorrente não tem qualquer consistência.
Como se torna evidente, não pode ser, por recurso às regras da experiência, que este facto pode ser dado como provado.
É preciso notar que as regras de experiência comum não podem servir para fundamentar a decisão de facto, com a simples proclamação desse princípio.
Com efeito, no sistema de persuasão racional, as máximas da experiência actuam como elemento auxiliar na análise das provas produzidas, incidindo directamente na valoração das provas.
Ou seja, e de forma geral, a valoração dos resultados probatórios consiste numa operação gnoseológica que leva o juiz a aceitar a alegação factual x em decorrência da aquisição do meio de prova y mediante o recurso a uma máxima de experiência, com base na qual se pode considerar provavelmente verdadeira a alegação x em presença do meio de prova y.[14]
Acontece que, no caso em apreço, não existe aquele meio de prova y que, aliado à máxima de experiência, conduza a dar-se como demonstrado o facto em causa, pois que, os depoimentos das testemunhas indicadas a este propósito pela apelante são irrelevantes.
Deve, pois, o ponto em causa continuar a constar dos factos não provados.
*
O ponto 2. tem a seguinte redacção:
Os condóminos do Bloco .. e dos restantes Blocos não foi levantada qualquer objecção quanto ao escrito referido em 23) dos factos provados, acabando a sociedade “D…, Lda” por ser eleita para administrar o Bloco ..”.
Para se dar como provado este facto a apelante faz referência aos depoimentos das testemunhas quer pelos depoimentos das testemunhas C… e H….
Vejamos.
Este facto corresponde a alegação vertida no artigo 15º da contestação.
Ora, para prova desse facto a apelante faz referência nesse artigo ao documento nº 3 que juntou com o respectivo articulado.
Todavia, desse documento não se extrai a prova do facto em causa, pois que dele apenas resulta que a sociedade “D…, Lda” foi eleita para administrar o Bloco .. no período de 01-12-2013 a 30-11-20014.
Por outro lado e sob este conspecto (assentimento dos condóminos do bloco .. para a referida cessão da posição contratual) o depoimento das testemunhas indicadas também não constitui elemento probatório com base no qual se dê como demonstrada essa realidade factual, já que em nenhum momento dos referidos depoimentos a ela se faz qualquer referência.
Como assim, terá tal facto de continuar a constar do rol dos factos não provados.
*
O ponto 3. dos factos não provados tem a seguinte redacção:
A Ré entregou à sociedade “D…, Lda” todos os elementos e documentos, incluindo aqueles que dizem respeito à contabilidade do Bloco ..”.
Alega a este propósito a apelante que a cessão da posição contratual, implica, naturalmente, que todos os elementos e documentos relativos à mesma tenham sido transmitidos para esta sociedade, caso contrário não teria aceitado a cessão.
Por outro lado, alega que a testemunha C… corroborou tal facto, referindo que administração do Bloco .., não obstante formalmente ser atribuída à Ré, sempre foi aquele C… que tratou dos assuntos relativos a este condomínio, pelo que quando este era sócio da ré possuía os documentos da administração do referido bloco Bloco .., em nome da ré, a partir do momento em que o mesmo saiu da ré e passou a exercer as funções de administração do Bloco .. em nome da sociedade que entretanto criou, passou esta a detê-los por intermédio daquele C….
Da cessão da posição contratual não se pode retirar sem mais que a Ré tenha entregue, à nova sociedade, todos os elementos e documentos, incluindo aqueles que dizem respeito à contabilidade do Bloco ...
Efectivamente, pode ter havido cessão sem que esses elementos e documentos tenham sido entregues.
Relativamente ao depoimento da testemunha C… cumpre, desde logo, dizer que a Ré apelante navega ao sabor do vento, pois que, para uns casos, sempre foi a referida testemunha, não obstante formalmente ser a ela a quem estava atribuída a administração do Bloco .., que tratou dos assuntos relativos a este condomínio, todavia, já assim não parece ser para receber convocações para a assembleia de condóminos.
Perante esta inconstância de perspectivas, torna-se evidente que não pode, nesta parte, o depoimento da testemunha ser valorado.
*
Assim, à míngua de outros elementos probatórios convocados pela apelante, deve o ponto factual em causa permanecer nos factos não provados.
*
Finalmente o ponto 4. dos factos não provados tem a seguinte redacção:
As contas relativamente ao Bloco .. foram aprovadas em sede de assembleia convocada pela sociedade “D…, Lda”.
Pretende a Ré recorrente que se dê como provado o referido facto com base na acta nº 3 junta com a contestação e depoimento das testemunhas C… e H….
Não cremos, que assim possa ser.
Do referido documento não resulta a realidade do facto em causa.
Com efeito, o que dela resulta e tão só que no dia 31 de Outubro de 2013 foi realizada uma assembleia de condóminos do Bloco .., onde foi votado por unanimidade o relatório e contas do período 01/11/2012 a 31/10/2013.
Por sua vez também o depoimento das indicadas testemunhas apenas corrobora o conteúdo do referido documento.
Como assim, elimina-se dos factos não provados o facto descrito em 4. acrescenta-se aos factos provados o seguinte:
24. No dia 31 de Outubro de 2013 foi realizada uma assembleia de condóminos convocada pela sociedade D…, Lda onde foi votado por unanimidade pelos condóminos do Bloco .. o relatório e contas do período 01/11/2012 a 31/10/2013.
*
Alterando-se a matéria factual nos termos supra referidos analisemos agora que implicações têm a mesma para a decisão do pleito.
*
1. A obrigação ou não de prestar contas

A presente acção foi instaurada com a finalidade de que a Ré preste as contas da sua administração referente ao Bloco .. do prédio urbano sito na Rua …, nº .. a .., da freguesia …, concelho de Gondomar referente ao período de 01/11/2012 a 31/10/2013.
Como refere Alberto dos Reis[15] “A obrigação de prestação de contas pressupõe que alguém administrou ou está a administrar bens ou interesses alheios e, por isso, deve prestar contas dessa administração”.
Não há porém uma disposição legal que genericamente determine quando é que alguém tem a obrigação de prestar contas a outrem, pelo que o artigo 941.º do CPCivil, pressupõe a existência de preceitos substantivos que imponham aquela obrigação.
Por regra, a administração de bens ou interesses alheios por outrem que não o seu titular tem por base a lei (constitui uma imposição legal–v.g. do tutor, do cabeça de casal ou do liquidatário) ou o contrato (por exemplo, o mandatário).
A obrigação de prestar contas pode, então, emergir da lei, de negócio jurídico ou até dos ditames da boa-fé, sendo que quando emerge da lei configura a ideia da administração de bens alheios ou actos de gestão de interesses de outrem.
Importa, porém, que se diga que a obrigação de prestação de contas decorre de uma outra obrigação de carácter mais geral, a obrigação de informação.
Esta obrigação tem consagração genérica no artigo 573.º do Código Civil, existindo sempre que o titular de um direito tenha dúvida fundada acerca da sua existência e do seu conteúdo e outrem esteja em condições de prestar as informações necessárias.
Pode, no entanto, haver uma obrigação de informação sem que exista obrigação de prestação de contas. Esta só existirá quando ocorrer uma situação de administração de bens alheios, ou seja, se para além desse dever de informação, ou no âmbito dele, se reconhecer a obrigação de prestação de contas.
Isto dito, decorre do artigo 1436.º, nº 1 al. j) do CCivil que umas das funções do administrador é prestar contas a assembleia, as quais devem ser apresentadas na reunião a ter lugar na primeira quinzena de Janeiro-artigo 1431.º, nº 1 do mesmo diploma legal.
A obrigação do administrador constitui aplicação do princípio geral de que, quem administra bens ou interesses alheios, está obrigado a prestar contas da sua administração ao titular desses bens ou interesses.
Nas palavras do Prof. Henrique Mesquita[16], independentemente de saber qual a exacta qualificação ou enquadramento jurídico da posição do administrador no condomínio, deve considerar-se-lhe aplicável, por analogia, o preceituado no artigo 987.º do CCivil, que manda regular os direitos e obrigações dos administradores das sociedades civis pelas normas do mandato. E, nos termos do artigo 1161.º al. d), do mesmo diploma legal, o mandatário é obrigado a prestar contas, findo o mandato ou quando o mandante o exigir.
Assim, o acima indicado artigo 1436.º, ao incluir no elenco das principais funções do administrador do condomínio [alínea j], a de prestar contas à assembleia, não traduz senão a imposição desse dever funcional.
Ora, não sendo apresentadas, todos os condóminos, ou a respectiva administração mandatada para o efeito (artigos 1436.º, proémio, e 1437.º, nº 1 do CCivil), podem pedir a quem exerceu funções de administração que preste contas reportadas ao período em causa.
Aqui chegados, vejamos então se a Ré está ou não obrigado a prestar contas nos termos peticionados.
Na decisão recorrida entendeu-se que sim.
Deste entendimento discorda a apelante.
Quid iuris?
Decorre da matéria factual que o prédio urbano sito na Rua …, nº .. a .., da freguesia …, concelho de Gondomar, é composto por quatro blocos de fracções, sendo que cada bloco tem uma entrada individual, nomeadamente Bloco .., .., .. e .., constituídos por fracções autónomas destinadas a habitação e comércio, estando dotados de áreas comuns próprias, como sejam escadas e ascensores independentes dos restantes blocos, e sem qualquer ligação entre si, cuja utilização se destina somente às fracções autónomas que neles estão integradas, sendo que, os únicos equipamentos que aqueles quatro blocos têm em comum são a utilização das fossas de esgoto e a electricidade das garagens (factos descritos em 1. a 5. da fundamentação factual).
Perante esta realidade factual, tal como defendemos no Acórdão por nós relatado no processo 3361/09.2TBPVZ.P1[17] ainda que se trate de um só edifício, mas cuja configuração integre uma estrutura que se possa autonomizar em relação aos demais prédios, é possível constituir-se uma assembleia restrita de condóminos, com poderes administrativos para essa mesma estrutura a par do condomínio que pode e deve existir para o edifício como unidade predial.
Como aí se refere no caso de situações de propriedade horizontal de edifícios integrados por blocos, como ocorre no caso vertente, em que algum ou alguns deles é servido por partes comuns que lhe são exclusivamente inerentes, ou seja, que não sirvam funcionalmente outros blocos, não se vê proibição legal de que todos os condóminos aprovem a administração autónoma relativa a tais blocos, sem prejuízo, como é natural, da coordenação com a administração geral nos pontos em que ela deva existir.
Ora, foi isso que aconteceu no caso em apreço.
Efectivamente, está provado nos autos que a 2 de Fevereiro de 2013, se realizou uma assembleia geral, nos termos da qual foi deliberado e aprovado que o Bloco .. fosse administrado pela Ré, representada por C…, no período compreendido entre o dia 1 de Dezembro de 2012 a 30 de Outubro de 2013 e ainda que, relativamente às despesas inerentes às partes comuns, o Bloco .. comparticipará com as mesmas, nomeadamente luz das garagens, água de condomínio e limpezas, ficando o Sr. E… na administração do condomínio, com excepção das funções que tinham sido atribuídas à Ré, sendo que, todas as demais despesas, nomeadamente fossas, águas e luz das garagens, continuavam a ser geridas pela Autora (factos descritos em 7. a 11. da fundamentação factual).
Isto dito, tona-se evidente que, tal como, aliás, também se encontra assente (facto descrito em 13. da fundamentação factual) e já acima se referiu, no final do período da sua gestão a Ré tinha que prestar as respectivas contas relativamente às receitas obtidas e despesas efectuadas.
Bom, mas diz a Ré, em 11 de Junho de 2013 cedeu a posição contratual que detinha no contrato de mandato de administração do referido condomínio, à sociedade “D…, Lda”, tendo nessa data cessado as suas funções de administradora do Bloco .. e, portanto, ela já não tinha legitimidade para apresentar as contas.
Acontece que, nos autos apenas se encontra provado que “Por escrito epigrafado Cessão de Posição Contratual datado de 11 de Junho de 2013, a Ré, na qualidade de primeira outorgante e entidade administradora do condomínio Edifício …, sito na …, nº .., …, Gondomar, contribuinte nº ………, declarou ceder a sua posição contratual que detém no contrato de mandato de administração do referido condomínio, cedendo a sua posição nas respectivas contas bancárias, à sociedade “D…, Lda”, como segunda outorgante, que declarou aceitar” (facto descrito em 23. da fundamentação factual).
A cessão da posição contratual consiste no negócio pelo qual um dos outorgantes em qualquer contrato bilateral ou sinalagmático transmite a terceiro, com o consentimento do outro contraente, o complexo de direitos e obrigações que lhe advieram desse contrato-cfr. artigo 424.º, nº 1 do CCivil[18].
Existe, pois, por um lado, “o contrato de cessão da posição jurídica de certo contraente, o contrato que opera a transmissão dessa posição, que é o instrumento dela; e há, por outro, o contrato (básico) donde nasceu a posição (complexo de direitos e deveres) que um dos contraentes (cedente) transmite a terceiro”.[19]
O efeito típico principal da cessão do contrato, caracterizador da sua função económico-social, é a transferência da posição contratual, no estádio de desenvolvimento em que se encontrava no momento da eficácia do negócio, de uma das partes do contrato para outra. Verifica-se a extinção subjectiva da relação contratual, quanto ao cedente, sendo a mesma relação adquirida pelo cessionário e permanecendo idêntica, apesar desta modificação de sujeitos.
O cedente perde os créditos em relação ao cedido, fica liberado das suas obrigações em face dele, igualmente se passando as coisas quanto aos demais vínculos inseridos na relação contratual. Todas essas situações subjectivas, activas e passivas, cujo complexo unitário, dinâmico e funcional, constitui a chamada relação contratual, passam a figurar na titularidade do cessionário[20].
Todavia, nesta figura jurídica, além das vontades dos intervenientes directos na transmissão, exige-se o consentimento do contraente cedido, que tanto pode ser prestado antes como depois da celebração do contrato de cessão[21].
Sem esse consentimento, o negócio não adquire plena eficácia.[22]
Se o consentimento for prestado antes, para que a cessão produza efeitos, torna-se necessário que seja levada ao conhecimento do cedido (por meio de notificação, que é uma simples declaração unilateral, embora receptícia) ou que ele a reconheça (expressa ou tacitamente)–artigo 424.º, nº 2 do CCivil.
Portanto, não estando provado nos autos que o Autor consentiu na referida cedência, torna-se evidente, que a mesma é ineficaz em relação a si.
Aliás, mesmo que estivesse provado o facto descrito em 2. constante dos factos não provados, como a Ré pretendia, nem assim se poderia dizer ter sido prestado o referido consentimento como parece entender a apelante.
Com efeito, o contraente cedido não são apenas os condóminos do Bloco .. mas sim todos os condóminos que votaram a deliberação na assembleia que ocorreu em 2 de Fevereiro de 2013 pois que, foram todos estes e não apenas aqueles quem mandatou a Ré para administrar o referido Bloco.
Desta forma e até ao dia 30 de Outubro de 2013 era a Ré quem estava incumbida da administração do Bloco .. do prédio em questão e, como tal, era ela e não a sociedade D…, Lda que, no final desse período, tinha que prestar contas perante a assembleia de condóminos.
É certo que, consta dos factos provados que no dia 31 de Outubro de 2013 foi realizada uma assembleia de condóminos convocada pela sociedade D…, Lda onde foi votado por unanimidade pelos condóminos do Bloco .. o relatório e contas do período 01/11/2012 a 31/10/2013 (facto descrito em 24. da fundamentação factual).
Porém, como supra se referiu não era a sociedade D…, Lda quem tinha que apresentar as contas referentes ao período em causa mas sim a Ré, pois que, sendo ineficaz a referida cessão da posição contratual, quem estava a administrar o citado Bloco .. era esta e não aquela, já que, não resultou provado, como a Ré alegou, que em 11 de Junho de 2013 tivesse deixado de exercer as funções de administração do condomínio do Bloco .. do edifício em causa.
Acresce que, mesmo que assim não se entendesse, nunca a prestação das referidas contas se podia considerar válida e eficaz.
A obrigação de prestação de contas do mandatário (aplicável ao administrador do condomínio como supra se referiu) só se extingue quando sejam aceites e aprovadas pelo mandante e não cessa com a simples prestação extrajudicial de contas, cessa apenas com a aprovação de tais contas por parte de quem tem o direito de as exigir.
Ora, tendo a Ré, como já supra se referiu, sido mandatada para administrar o Bloco .. pela assembleia dos condóminos que teve lugar no dia 2 de Fevereiro de 2013 e, portanto, pelos condóminos que votaram a referida deliberação, era perante a assembleia de condóminos referente aos quatro Blocos que compõe o Prédio Edifício …, do prédio urbano sito na Rua …, nº .. a .., da freguesia … que a Ré tinha que prestar as contas referentes ao período em que administrou aquele Bloco e não apenas perante os condóminos do mesmo, como aliás, resulta do ponto 13. da fundamentação factual.
Tanto assim é que, com a gestão das quotizações a Ré teria que pagar as despesas que estavam adstritas ao Bloco .. e entregar ao Autor, mensalmente, a comparticipação para as demais despesas do referido Bloco (factos descrito em 12. da fundamentação factual), ou seja, nunca as contas apresentadas pela Ré, perante apenas os condóminos do mencionado Bloco, podiam ser consideradas válidas e eficazes no confronto com o Autor (em representação de todos os condóminos).
*
Importa, por último enfatizar que esta obrigação de prestar contas, nos termos que se deixaram expostos, em nada obriga com a coexistência de uma administração autónoma relativa ao Bloco em causa, pois que, são coisas distintas, além de que, os moldes em que era exercida a referida administração pressupunha sempre, como atrás se referiu, para que as contas fossem consideradas válidas, que elas fossem apresentadas perante a assembleia de todos os condóminos.
*
Destarte, não nos merece censura a decisão recorrida estando, pois, a Ré obrigada a prestar contas nos termos sentenciados.
*
Improcedem, assim, todas as conclusões formuladas pela recorrente, excepto na parte em que levaram à alteração da matéria de facto nos termos decididos e, com elas, o respectivo recurso.
*
IV-DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente por não provada a apelação confirmando, assim, a decisão recorrida.
*
Custas da apelação pela Ré apelante (artigo 527.º, nº 1 do CPCivil).
*
Porto, 30 de Maio de 2016.
Manuel Domingos Fernandes
Sousa Lameira
Caimoto Jácome
_________
[1] De facto, “é sabido que, frequentemente, tanto ou mais importantes que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc.”-Abrantes Geraldes in “Temas de Processo Civil”, II Vol. cit., p. 201) “E a verdade é que a mera gravação sonora dos depoimentos desacompanhada de outros sistemas de gravação audiovisuais, ainda que seguida de transcrição, não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância” (ibidem). “Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores” (Abrantes Geraldes in “Temas…” cit., II Vol. cit., p. 273).
[2] Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 348.
[3] Cfr. acórdãos do STJ de 19/10/2004, CJ, STJ, Ano XII, tomo III, pág. 72; de 22/2/2011, CJ, STJ, Ano XIX, tomo I, pág. 76; e de 24/9/2013, processo n.º 1965/04.9TBSTB.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[4] Cfr. Ac. do S.T.J. de 3/11/2009, processo n.º 3931/03.2TVPRT.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[5] Cfr. neste sentido Acórdão do STJ de 8.2.2001 in CJ/STJ, 2001, I, 105 solução que aí se defendeu por apelo à solução propugnada por Lobo Xavier para as deliberações das sociedades comerciais. Com efeito, segundo Lobo Xavier, Anulação de Deliberação Social e Deliberações Conexas, Coimbra, 1998, pág. 219, a acta não consubstancia verdadeiramente a forma da declaração negocial.
[6] In “Propriedade Horizontal, Almedina, 2ª ed., 172 a 175.
[7] In Manual de Direito Administrativo, 8ª ed., Lisboa, 1968, pág. 195.
[8] In “A assembleia de condóminos e o administrador na propriedade horizontal, 2ª ed., Almedina”, pág. 265 a 267.
[9] Cfr. Alberto Pimenta, Suspensão de Deliberações Sociais, pág. 24 e Cunha Gonçalves, Comentário ao Código Comercial Português, I, Lisboa, 1914, pág. 105.
[10] In www.dgsi.pt.
[11] No mesmo sentido pode ver-se Ana Sofia Gomes, Assembleias de Cóndominos, 2ª Ed. pag. 33, embora, sem que se perceba, refere que se trata de uma formalidade ad substantiam.
[12] Este ónus impõe a cada uma das partes a obrigação de impugnar os factos articulados pela parte contrária, no sentido de que ou os impugna, ou os admite como exactos; o silêncio quanto aos factos expostos pela parte contrária importa confissão ou veracidade deles–cfr. Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, 3ª edição, Vol. III, pág. 51.
[13] Importa não esquecer que o processo de prestação forçada de contas comporta duas fases distintas: na inicial decide-se, antes de mais e tão só, se o réu deve prestar contas. Na fase seguinte, se a decisão for afirmativa, há lugar à prestação de contas, definindo-se os termos em que a mesma se deve processar.
Ora, só nesta segunda fase conforme resulta do artigo 945.º, nºs 2 a 4 do CPCivil é que ónus de impugnação previsto no artigo 574.º, nº 2 do mesmo diploma legal não tem aplicação-cfr. neste sentido Alberto dos Reis, “Processos Especiais”, Vol. I, edição de 1955, pág. 318.
[14] Cfr. António Carrata “Prova e convicimento del giudice nel processo civile, in Revista di Diritto Processuale, Ano 2003, pág. 43.
[15] In Processos Especiais, Vol. II, pág. 303.
[16] A propriedade horizontal no Código Civil português, na RDES, ano XXIII, Jan-Dez /1976, págs. 79 e ss. (cfr. nota 123, a pág. 132).
[17] Publicado in www.dgsi.pt e que para maiores desenvolvimentos sobre esta temática para aí se remete.
[18] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª ed., 385.
[19] Antunes Varela, Ob. Cit., 393.
[20] Cfr. Mota Pinto, Cessão da Posição Contratual, Colecção Teses, Almedina, pág. 450.
[21] Discute-se se esse consentimento é elemento integrante do negócio–o acordo entre o cedente e o cessionário dá origem a um negócio in itinere, cujo aperfeiçoamento–não apenas a sua eficácia–é subordinado ao consenso do outro contraente, sendo este, portanto, um elemento constitutivo de um contrato plurilateral (C. Mota Pinto, Ob. Cit., 194 e 195); ou se o consentimento é apenas um elemento exterior, posterior à plena formação do contrato–admitindo-se que o consentimento possa ser dado depois da celebração do contrato, pode concluir-se que o legislador considera o contrato de cessão constituído, mesmo que ainda falte o consentimento do contraente cedido (Carvalho Fernandes, A Conversão dos Negócios Jurídicos, 870, 871; cfr. também Antunes Varela, Ob. Cit., 400; Ribeiro Faria, Direito das Obrigações, Vol. II, 647).
[22] Antunes Varela, Ibidem; Mota Pinto, Ob. Cit., 477.