Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
998/21.5T8OVR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOAQUIM MOURA
Descritores: NOTIFICAÇÃO
REQUERIMENTO DE INJUNÇÃO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
PRESUNÇÃO DE RECEBIMENTO/CONHECIMENTO DA NOTIFICAÇÃO
Nº do Documento: RP20230109998/21.5T8OVR-A.P1
Data do Acordão: 01/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE/DECISÃO CONFIRMADA.
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - No Acórdão n.º 99/2019 o Tribunal Constitucional pronunciou-se no sentido da inconstitucionalidade de determinada interpretação normativa dos n.ºs 3 e 5 do artigo 12.º do RPOP, ao passo que as normas aqui aplicadas são as dos n.os 3 e 4 do mesmo artigo, e o mesmo Tribunal, pouco tempo depois, emitiu um juízo de constitucionalidade destas normas «quando interpretadas no sentido de que, em caso de frustração da notificação do requerido (para, em 15 dias, pagar quantia não superior a €15.000,00 ou deduzir oposição), através de carta registada com aviso de receção enviada para a morada indicada pelo requerente da injunção, por não reclamação da mesma, o subsequente envio de carta, por via postal simples, para essa morada, em conformidade com o previsto no n.º 4 do artigo 12.º, faz presumir a notificação do requerido, nos casos em que a morada para onde se remeteram ambas as cartas de notificação coincide com o local obtido junto das bases de dados de todos os serviços enumerados no n.º 3 do artigo 12.º»;
II – Tem o aval do Tribunal Constitucional (Acórdãos n.os 108/2019, de 19 de Fevereiro de 2019, e n.º 773/2019) a solução legislativa que dispensa o conhecimento efetivo do ato de notificação do requerimento de injunção, sendo bastante a colocação da carta em condições de poder ser conhecida pelo destinatário;
III - Na oposição à execução que tem por base o título executivo formado nos termos do n.º 1 do artigo 12.º do RPOP, pode o executado arguir a falta de notificação, alegando e demonstrando que não chegou a ter conhecimento do ato de notificação por facto que não lhe é imputável (cfr. artigos 188.º, n.º 2, alínea e), 729.º, alínea d), e 857.º do CPC), o que permitirá acautelar, pelo menos, as situações de ausência prolongada e as situações de mudança de residência (ainda) não comunicada;
IV - Não é de difícil ilisão a presunção de recebimento/conhecimento da notificação efectuada por via postal simples nos termos dos nºs. 3 e 4 do artigo 12.º, com observância do formalismo previsto no artigo 12.º-A, nºs. 2 e 3, mas o recorrente não logrou provar que a notificação não chegou ao seu conhecimento, como, inequivocamente, decorre do elenco de factos considerados não provados, sendo certo que não impugnou a decisão sobre matéria de facto.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 998/21.5 T8OVR-A.P1
Comarca de Aveiro
Juízo de execução de Ovar



Acordam na 5.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto


IRelatório
Em 08.11.2020, AA, advogado, dirigiu ao Sr. Secretário de Justiça do Balão Nacional de Injunções requerimento de injunção, ao qual, em 08.06.2021, foi aposta fórmula executória («Este documento tem força executiva»).
Com base nesse título, em 08.06.2021, o requerente instaurou contra BB execução sumária para pagamento de quantia certa, visando a cobrança coerciva do crédito, no montante de €10.357,10, correspondente ao valor dos honorários que alega serem-lhe devidos pelo exercício de mandato forense que aquele lhe conferiu.
O executado veio deduzir oposição, por embargos, à execução, com os seguintes fundamentos:
- falta de título executivo porquanto não foi notificado no âmbito do procedimento injuntivo e só tomou conhecimento do teor do requerimento de injunção aquando da citação nos presentes autos; não tendo sido respeitadas as exigências legais quanto à notificação do requerido no procedimento de injunção, nulos serão todos os actos subsequentes, incluindo a aposição da fórmula executória;
- inexistência da dívida exequenda, já que os serviços jurídicos prestados pelo exequente foram-lhe solicitados no âmbito do processo n.º 3647/17.2 T9AVR do DIAP de Aveiro para defesa dos interesses da sociedade comercial “R..., L.da” (nomeadamente para obter o levantamento do arresto levado a cabo pela Autoridade Tributária) e, quanto a si, não exerceu qualquer mandato que lhe tenha sido conferido.
O embargado apresentou contestação, alegando, em síntese:
O embargado continua a ter residência na morada para onde foi remetida a carta registada com aviso de recepção para o notificar no âmbito do procedimento de injunção.
Foram cumpridas todas as formalidades legalmente estabelecidas quanto à notificação do requerido no âmbito daquele procedimento, pelo que não foi cometida qualquer irregularidade.
Exerceu o mandato forense que o aqui embargante lhe conferiu mediante procuração que outorgou para defesa dos seus interesses no referido processo do DIAP de Aveiro e a nota de honorários e despesas que lhe enviou para a morada por ele indicada e constante da procuração é a retribuição pelos serviços jurídicos prestados a BB e não à sociedade de que é sócio gerente.
Concluiu pela improcedência dos embargos e, porque a oposição deduzida pelo embargante assenta em afirmações de facto falsas, imputa-lhe litigância de má-fé.
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Correspondendo ao convite que o tribunal lhe dirigiu para aperfeiçoar o seu articulado, o embargante veio esclarecer que residiu no imóvel sito na Rua ..., ..., ... Aveiro, até ao final do mês de Dezembro de 2019, altura em que cessou o contrato de comodato, no qual era comodatário, tendo entregue o imóvel livre de pessoas e bens ao proprietário, passando a residir com os pais na Rua ..., Quinta ..., ... Aveiro, até finais de março de 2021.
No entanto, não alterou o seu domicílio fiscal e deslocava-se algumas vezes àquela primeira morada com vista a “levantar o correio”.
Reafirmou que «só tomou conhecimento do presente processo com a penhora de contas bancárias, em finais do mês de junho, tendo procedido ao pedido de reexpedição de correspondência, junto dos CTT, em 21.06.2021».
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Em 19 de Janeiro de 2022, realizou-se a audiência prévia e aí fixou-se em €10.731.80 o valor da causa e foi proferido despacho saneador tabelar, foi identificado o objecto do processo e foram enunciados os temas de prova (com reclamação do embargante, não atendida), admitidos os requerimentos probatórios e programados os actos da audiência.
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Realizou-se a audiência final, após o que, com data de 29.03.2022, foi proferida sentença[1] com o seguinte dispositivo:
«Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decido julgar improcedente os Embargos do Executado, devendo a execução, em consequência, prosseguir seus termos para cobrança das quantias liquidadas no requerimento executivo.
Absolvo o Embargante do pedido de condenação em litigância de má-fé.
Condeno o Embargante nas custas processuais, por ter ficado vencido (cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, CPC), na vertente de custas de parte, incluindo os honorários e despesas do agente de execução designado nos autos principais.»
Inconformado, almejando a revogação da sentença, o embargante veio, em 11.05.2022, interpor recurso de apelação, com os fundamentos explanados na respectiva alegação, que condensou nas seguintes conclusões:
«I. Ficou provado que no âmbito do procedimento de injunção, no dia 12 de Novembro de 2020, o Balcão Nacional de Injunções promoveu a notificação do Requerido BB, com aviso de receção, expedida para a morada indicada no requerimento de injunção.
II. Ficou provado que em 30 de Novembro de 2020, aquela notificação foi devolvida ao remetente com a menção “objeto não reclamado”.
III. Ficou provado que em 22 de Dezembro de 2020 e em 13 de Janeiro 2021, o Balcão Nacional de Injunções efetuou pesquisa às bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social e da Direção-Geral dos Impostos, tendo-se obtido em todos os serviços a seguinte morada: Rua ..., ..., ... em Aveiro.
IV. Ficou provado que foi expedida nova notificação ao Requerido, com prova de depósito, constando o registo, em 05 de Fevereiro de 2021, da prova de depósito com a data de 21 de Janeiro de 2021.
V. Ficou provado que aquela notificação foi depositada no recetáculo postal domiciliário da morada sita na Rua ..., ..., ... em Aveiro.
VI. Ficou provado que não existe convenção de domicílio.
VII. Não ficou provado que o Executado tenha tido conhecimento de tal notificação.
VIII. O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 99/2019, de 14 de Março, declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante dos n.os 3 e 5 do artigo 12.º do regime constante do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro (na redação resultante do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro), no âmbito de um procedimento de injunção destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias de valor não superior a EUR 15 000 - na parte em que não se refere ao domínio das transações comerciais, nos termos definidos no artigo 3.º, alínea a), do referido Decreto- Lei n.º 32/2003 -, quando interpretados no sentido de que, em caso de frustração da notificação do requerido (para pagar a quantia pedida ou deduzir oposição à pretensão do requerente, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo 12.º), através de carta registada com aviso de receção enviada para a morada indicada pelo requerente da injunção no respetivo requerimento, por devolução da mesma, o subsequente envio de carta, por via postal simples, para todas as diferentes moradas conhecidas, apuradas nas bases de dados previstas no n.º 3 do artigo 12.º, em conformidade com o previsto no n.º 5 do mesmo preceito, faz presumir a notificação do requerido, ainda que o mesmo aí não resida, contando-se a partir desse depósito o prazo para deduzir oposição. (negrito nosso)
IX. A interpretação do Tribunal a quo sentido a atribuir à notificação referida no n.o 1 do artigo 14.o-A, do RPOP, não tem, salvo o devido respeito por melhor opinião em contrário, qualquer fundamento! Tanto mais que, tal interpretação tem o efeito pernicioso de esquivar-se à inconstitucionalidade decretada pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 99/2019, de 14 de Março, mantendo a situação considerada inconstitucional sob a capa de uma alteração legislativa efetuada para finalidade completamente distinta!
X. Quer o espírito da lei, quer a ratio da decisão do Tribunal Constitucional têm subjacente a ideia do requerido tomar efetivo conhecimento do procedimento de injunção!
XI. Não havendo domicílio convencionado, a notificação do requerimento de injunção é efetuada por carta registada com aviso de receção, sendo aplicável as disposições relativas à citação (artigo 12.º, n.ºs 1 e 2, do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01 de Setembro).
XII. Atenta a inconstitucionalidade supra mencionada, não pode considerar-se como aplicável ao caso sub judice a notificação por depósito, devendo proceder-se à citação (pessoal) postal do seguinte modo: começa-se pela citação (pessoal) postal com as especificidades do n.º 2, mas, se esta se frustrar, em vez de se considerar a citação já feita pelo mecanismo do n.º 3 (sem prejuízo do n.º 4) segue-se citação (pessoal) por contacto pessoal (incluindo com hora certa) e citação edital.
XIII. Existe, assim, nulidade da notificação, por inobservância das formalidades prescritas na lei (art. 12.º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01 de Setembro, arts. 191.º, n.º 1 e 225.º, ambos do CPC).
XIV. Esta nulidade implica a falta do próprio título executivo que, eventualmente, se forme no procedimento de injunção (artigos 726.º, n.º 2, al. a) 1.ª parte, e 734.º, n.º 1, do CPC).
XV. Normas jurídicas violadas: Artigo 20.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, artigos 191.º, n.º 1 e 225.º, 726.º, n.º 2, al. a) 1.ª parte, e 734.º, n.º 1, todos do CPC e artigo 12.º do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de Primeira Instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei 269/98, de 1 de setembro, na sua redação atual, no sentido de que a efetiva notificação do Executado não se verificou, por inobservância das formalidades prescritas na lei, existindo nulidade que implica a falta do próprio título executivo que, eventualmente, se forme no procedimento de injunção.
XVI. Termos em que se requer a V. Exas. que, atendendo aos fundamentos supra expostos, seja o presente recurso julgado procedente, e, em consequência, seja a douta Sentença recorrida revogada e substituída por douto Acórdão que determine totalmente improcedente a presente ação, absolvendo o executado do pedido.
XVII. Sem conceder, o Tribunal a quo proferiu sentença que entendeu estarem precludidos os meios de defesa, considerando no que a estes diz respeito, os embargos manifestamente improcedentes, por entender que qualquer dos fundamentos nestes alegados deveriam ter sido alegados no processo onde se formou o título que se executa, considerando ainda o Executado devidamente notificado para o procedimento injuntivo e por essa razão expressamente advertido da cominatório previsto nos artigo 857.º, n.º 1 do CPC, e artigo 14.º-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de Primeira Instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei 269/98, de 1 de setembro, na sua redação atual.
XVIII. Como se escreveu supra o Executado não foi efetivamente notificado da notificação via postal do procedimento de injunção, que correu termos pelo Balcão Nacional de Injunções, uma vez que tal expediente postal, após ter sido devolvido com a indicação “objeto não reclamado" foi depositado na morada fiscal do Executado, nunca a tendo este recebido.
XIX. Conclui-se assim, sem margem para dúvidas, que o procedimento de notificação via postal no âmbito do processo de injunção em apreço, não foi concretizado através de uma entrega pessoal (em mão) ao Executado, comprometendo assim o ditame legal da norma do artigo 14.º-A do anexo ao Decreto-Lei 269/98 de 1 de setembro, ex vi artigo 857.º, n.º 1, do CPC, relativo à necessária advertência do efeito cominatório ali previsto.
XX. Não obstante o regime legal da citação pessoal admitir a citação postal, sem contacto pessoal, a verdade é que o caso dos presentes autos, assente num processo especial (injunção), acolhe a necessidade de concretização de procedimentos específicos com vista a respeitar determinados direitos fundamentais, de proteção constitucional, como é o caso do princípio da proibição da indefesa, tendo sido com esse propósito que o legislador promoveu a atual redação do artigo 857.º, n.º 1, e aditou o artigo 14º-A, do anexo ao Decreto-Lei 269/98 de 1 de setembro, a qual apenas tem sentido se não for ultrapassada a necessidade de concretização pessoal - onde não cabe a via postal - da advertência do efeito cominatório.
XXI. Não corresponde por isso à verdade que o Executado tenha sido advertido de que se não pagasse a dívida nem respondesse no prazo de 15 dias não poderia dizer, mais tarde, por que motivos considera não dever a obrigação que lhe era exigida.
XXII. Salvo o devido respeito por melhor opinião em contrário, deveria o Tribunal a quo, à luz da prova carreada nos autos, determinar que o Executado não tendo tido conhecimento do procedimento de Injunção, não foi advertido do efeito cominatório adveniente da falta de oposição à injunção, e por essa razão não teve oportunidade de apresentar os motivos pelos quais entende não serem devidos os montantes peticionados pelo Exequente.
XXIII. Decorre do teor do Embargos de Executado que o Executado foi surpreendido com a sua citação para o presente processo executivo. De onde difícil não é de discorrer que o Executado nunca teve consciência da existência de um processo atinente à formação de um título executivo.
XXIV. O Tribunal Constitucional, no douto acórdão n° 264/2015, de 12 de Maio, declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 857.º, nº 1 do Código de Processo Civil, quando interpretada no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória, por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.°, n.º 1 da Constituição.
XXV. A Lei 117/2019, de 13 de Setembro, alterou não só o artigo 857.º do CPC, como aditou o artigo 14.º-A, do Anexo ao regime dos procedimentos definidos pelo Decreto-lei 269/98, de 1 de Setembro, passando a determinar que se o requerido do procedimento de injunção, pessoalmente notificado e devidamente advertido do efeito cominatório, não deduzir oposição, precludem os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados, ultrapassando desta forma o legislador o fundamento que levou o Tribunal Constitucional a declarar a inconstitucionalidade com força obrigatória geral do artigo 857.º, n.º 1, do CPC, por violação do princípio da indefesa.
XXVI. Mas quer o espírito da lei, quer a ratio da decisão do Tribunal Constitucional têm subjacente a ideia de o Requerido tomar efetivo conhecimento do procedimento de injunção e por essa via advertido do efeito cominatório previsto para a falta de oposição.
XXVII. Sendo na advertência feita ao Requerido, no âmbito do procedimento de injunção - de que caso nada fizer no prazo de 15 dias, não poderá vir mais tarde dizer por que motivo considera não ter de pagar o valor que lhe é exigido - que se garante a não violação do princípio da proibição da indefesa, previsto no artigo 20. °, n.º 1 da CRP.
XXVIII.O que não sucede nos presentes autos, conforme teve oportunidade de aferir o Tribunal a quo.
XXIX. Desta forma, a violação do princípio da indefesa não se mostra ultrapassada, precisamente porque o Executado não foi advertido - por não ter tido conhecimento do procedimento de injunção - do efeito cominatório estabelecido para a falta de oposição, sendo confrontado, sem hipótese de se defender, com um título executivo formado com base num procedimento de injunção, ao qual, certamente, iria apresentar oposição, caso tivesse tido efetivo conhecimento do mesmo.
XXX. O Executado invocou junto do Tribunal a quo, objetivamente, o motivo pelo qual não teve conhecimento da injunção, demonstrado que na realidade nunca chegou a receber a notificação postal.
XXXI. Sendo o Tribunal a quo conhecedor do facto da notificação não se ter efetivamente realizado, e por consequência o Executado não ter tido oportunidade de se defender em sede de processo declarativo, está o Tribunal a quo ciente que o princípio da proibição da indefesa, previsto no artigo 20.º, n.º 1, da CRP, não se mostra assegurado, andando mal o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, ao entender precludidos os meios de defesa do Executado, suplantando assim um princípio fundamental constitucionalmente protegido.
XXXII. No que respeita à forma da notificação, a lei ao permitir que a citação pessoal se dê por mera via de depósito postal na caixa de correio da sede da Executada, torna-se permeável a situações como a dos presentes autos em que o Executado é confrontado, pela primeira vez, com os argumentos do seu hipotético credor sem que dos mesmos se possa defender convenientemente, atentando assim contra o princípio da proibição da indefesa que repetidamente o Tribunal Constitucional tentou proteger.
XXXIII. Uma interpretação do artigo 225. º, n.º 2, b) do CPC, no sentido de se considerar pessoalmente citado o requerido em caso de procedimento de injunção e expressamente advertido do efeito cominatório do artigo 14.º-A do anexo ao regime dos procedimentos definidos pelo decreto-lei 269/98, de 1 de setembro é inconstitucional por violação do princípio da indefesa, previsto no artigo 20.º, n.º 1, da CRP.
XXXIV. Normas jurídicas violadas: Artigo 20.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, artigos 225.º, 857.º, n.º 1 do CPC e artigo 14.º-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de Primeira Instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei 269/98, de 1 de setembro, na sua redação atual, no sentido de que a efetiva notificação do Executado não se verificou, não tendo sido este expressamente advertido do efeito cominatório de preclusão dos meios de defesa, previsto no artigo 14.º-A, anexo ao Decreto-lei 269/98, de 1 de setembro, o que viola o princípio da proibição da indefesa, previsto no artigo 20.º, n.º 1 da CRP; tendo ainda sido alegado em sede de Embargos de Executada a falta de citação da Executa.
XXXV. Termos em que se requer a V. Exas. que, atendendo aos fundamentos supra expostos, seja o presente recurso julgado procedente, e, em consequência, seja a douta Sentença recorrida revogada e substituída por douto Acórdão que determine a admissão dos meios de defesa apresentados pelo Executado.»
O embargante/recorrido contra-alegou, pugnando pela confirmação do julgado.
O recurso foi admitido como apelação (com subida imediata, nos próprios autos de oposição por embargos e efeito devolutivo) por despacho de 06.06.2022.
Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Objecto do recurso
São as conclusões que o recorrente extrai da sua alegação, onde sintetiza os fundamentos do pedido, que recortam o thema decidendum (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) e, portanto, definem o âmbito objectivo do recurso, assim se fixando os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso. Isto, naturalmente, sem prejuízo da apreciação de outras questões de conhecimento oficioso (uma vez cumprido o disposto no artigo 3.º, n.º 3 do mesmo compêndio normativo).
Logo no início da sua alegação de recurso, sob o título “Introdução”, o recorrente afirma que interpõe recurso da «sentença proferida nos presentes autos, a qual julgou a ação totalmente procedente, decidindo condenar o Réu BB no pedido formulado» e na conclusão XVI pede que, na procedência do recurso, seja a «sentença recorrida revogada e substituída por douto Acórdão que determine totalmente improcedente a presente ação, absolvendo o executado do pedido» e remata com um pedido de improcedência da presente acção.
O que aqui está em causa é a oposição, por embargos, à execução que o executado/recorrente deduziu e por isso só por lapso se compreende que tenha pedido a sua improcedência (pela improcedência da oposição pronunciou-se a primeira instância).
Em face do teor das conclusões formuladas pela recorrente, são, apenas, questões de direito que submete à apreciação deste Tribunal de recurso.
As questões a apreciar e decidir podem ser assim enunciadas:
- se houve inobservância das formalidades legalmente prescritas na notificação do requerido (aqui recorrente) no procedimento de injunção (do qual resultou o título em que se baseia a execução promovida pelo Dr. AA), do que resultaria a nulidade da notificação e, consequentemente, a inexistência do título;
- se opera no caso a preclusão dos meios de defesa que poderiam ser deduzidos no procedimento de injunção, e não foram, por falta de oposição.

IIFundamentação
1. Fundamentos de facto
Na primeira instância, foram considerados provados os seguintes factos relevantes para a decisão:
a) O Exequente baseia a execução no requerimento de injunção n.º 97354/20.1YIPRT, entregue no Balcão Nacional de Injunções em 08.11.2020, ao qual foi aposta fórmula executória em 08.06.2021, abrangente das seguintes quantias: €10.357,10, a título de capital, acrescida de juros de mora no montante de €22,70, calculados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da apresentação do requerimento, bem como €250,00 a título de outras quantias, e ainda acrescida da quantia de €102,00 pela taxa de justiça paga pelo requerente, com base nos seguintes factos alegados que fundamentam a pretensão;
b) No âmbito daquele procedimento de injunção, e no dia 12.11.2020, o Balcão Nacional de Injunções promoveu a notificação do Requerido BB, com aviso de receção, expedida para a morada indicada no requerimento de injunção, sita na Rua ..., ..., ... em Aveiro, conforme documento que se encontra junto de fls. 120 a 123 destes autos, cujos dizeres se dão por integralmente reproduzidos;
c) Em 30.11.2020, aquela notificação foi devolvida ao remetente com a menção “objeto não reclamado”;
d) Em 22.12.2020 e em 13.01.2021, o Balcão Nacional de Injunções efetuou pesquisa às bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social e da Direcção-Geral dos Impostos, tendo-se obtido em todos os serviços a seguinte morada: Rua ..., ..., ... em Aveiro;
e) Foi expedida nova notificação ao Requerido, com prova de depósito, constando o registo, em 05.02.2021, da prova de depósito com a data de 21.01.2021 (CTT: ...);
f) Aquela notificação foi depositada no recetáculo postal domiciliário da morada sita na Rua ..., ..., ... em Aveiro;
g) Não existe convenção de domicílio;
h) O Executado residiu no imóvel sito na Rua ..., ..., ... em Aveiro, até ao final do mês de dezembro de 2019, altura em que cessou o contrato de comodato, no qual era comodatário, tendo entregue o imóvel livre de pessoas e bens ao proprietário, na altura seu amigo e sócio, CC;
i) Altura em que passou a residir com o pai, na morada Rua ..., Quinta ..., em Aveiro, durante cerca de 6/7 meses;
j) Após, passou a residir, como comodatário, na Av.ª ..., ..., numa habitação pertença de um seu amigo e advogado, durante cerca de 6/7 meses;
k) A seguir, passou a residir em casa da sua namorada, sita na Rua ..., ..., Oliveira de Azeméis, local onde permanece;
l) O Embargante não alterou o seu domicílio fiscal, deslocando-se algumas vezes à morada sita na Rua ..., ..., ... em Aveiro, com vista a levantar o correio, tendo pedido à pessoa que morava no apartamento (sito na Rua ..., ...), de nome DD, para lhe entregar a correspondência a si dirigida ou deixando ficar na morada Rua ... e, por vezes, ia lá pessoalmente levantar em mão a sua correspondência;
m) Em 21.06.2021, o Embargante pediu aos serviços dos CTT a reexpedição para que a correspondência a si endereçada para a morada sita na Rua ..., ..., ... Aveiro tivesse como destino a morada sita na Rua ..., ..., Oliveira de Azeméis;
n) Aquele pedido de reexpedição tinha como período de validade 23.06.2021 a 23.12.2021, tendo o Embargante renovado aquele pedido;
o) O Embargante foi citado para os termos da execução na morada sita na Rua ..., ..., ... em Aveiro, tendo a carta de citação sido reexpedida;
p) No âmbito do processo de inquérito n.º 3647/17.2T9AVR, que correu termos na 1.ª Secção do DIAP de Aveiro, o Embargante, na qualidade de arguido, prestou Termo de Identidade e Residência, declarando residir na Rua ..., ..., ... em Aveiro, devendo as notificações ser efetuadas para a morada sita na Rua ..., em Aveiro;
q) O Embargante ainda não alterou a morada que havia fornecido aos serviços de identificação.

Factos Não Provados
1. O Executado jamais tomou conhecimento, em momento anterior à citação nestes autos, da existência da injunção que é dada como título executivo à presente execução (art. 5.º da petição de embargos);
2. O Executado nunca teve acesso a esta notificação do Balcão Nacional de Injunções, que desconhece, e que nunca lhe foi entregue por quem quer que seja (art. 11.º da petição de embargos);
3. Certo é que o Executado não foi notificado da injunção em questão, apenas tomando conhecimento da existência do procedimento e do teor do requerimento de injunção aquando da citação nos presentes autos (art. 13.º da petição de embargos).

2. Fundamentos de direito
O executado pode pôr em causa a execução em bloco, evitando ou impedindo o prosseguimento de actos executivos.
Tendo a execução por base requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória, o executado pode deduzir oposição com os fundamentos especificados no artigo 729.º do Cód. Proc. Civil (naturalmente, na parte aplicável) e, ainda, «os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.º-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na sua redação atual.» (2.ª parte do n.º 1 do artigo 857.º do CPC)[2].
A questão de saber se, in casu, a preclusão prevista no artigo 14.º-A do Regime Jurídico anexo ao Dec. Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, é operante será abordada mais adiante.
Por agora, vamos focar-nos na alegada nulidade da notificação do requerido no procedimento de injunção.
O recorrente assenta a sua tese da falta de notificação na declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, proferida pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 99/2019, de 14 de Março, das normas dos n.os 3 e 5 do artigo 12.º daquele Regime Jurídico quando interpretados no sentido de que, em caso de frustração da notificação do requerido (para pagar a quantia pedida ou deduzir oposição à pretensão do requerente, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo 12.º), através de carta registada com aviso de receção enviada para a morada indicada pelo requerente da injunção no respetivo requerimento, por devolução da mesma, o subsequente envio de carta, por via postal simples, para todas as diferentes moradas conhecidas, apuradas nas bases de dados previstas no n.º 3 do artigo 12.º, em conformidade com o previsto no n.º 5 do mesmo preceito, faz presumir a notificação do requerido, ainda que o mesmo aí não resida, contando-se a partir desse depósito o prazo para deduzir oposição.
Em vista da declaração de inconstitucionalidade, estaria excluída «a notificação por depósito, devendo proceder-se à citação (pessoal) postal do seguinte modo: começa-se pela citação (pessoal) postal com as especificidades do n.º 2, mas, se esta se frustrar, em vez de se considerar a citação já feita pelo mecanismo do n.º 3 (sem prejuízo do n.º 4) segue-se citação (pessoal) por contacto pessoal (incluindo com hora certa) e citação edital» (conclusão XII).
Não tendo sido esse o procedimento seguido, teria sido cometida uma nulidade (por inobservância das formalidades prescritas) cuja consequência seria «a falta do próprio título executivo que, eventualmente, se forme no procedimento de injunção (artigos 726.º, n.º 2, al. a) 1.ª parte, e 734.º, n.º 1, do CPC)» (conclusões XIII e XIV).
Na decisão recorrida, depois de se constatar que, apesar das alterações introduzidas pela Lei n.º 117/2019, de 13/9, com o aditamento do art. 14.º-A ao regime jurídico anexo ao Dec. Lei n.º 269/98, mantiveram-se os procedimentos de notificação através do mecanismo de pesquisa às bases de dados no caso de se frustrar a notificação por via postal registada, seguida da via postal simples como modo de comunicação da pretensão do credor, não havendo domicílio convencionado (cf. n.ºs 3 a 7 do artigo 12.º do RPOP), discreteou-se assim:
«2.2. Este era um dos aspetos do regime da injunção que o Tribunal Constitucional passou a censurar em termos mais explícitos a partir do Acórdão n.º 714/2014, sustentando que a notificação do requerimento de injunção oferece menores “garantias de cognoscibilidade do respetivo conteúdo” (cfr. ponto II. Fundamentação, 8.1 deste aresto), querendo com isso significar que aquela notificação não fornece prova segura de receção da carta remetida ao requerido por via postal simples.
No entanto, não se pode afirmar que os procedimentos de notificação previstos nos n.ºs 3 a 7 do artigo 12.º do RPOP não asseguram um elevado grau de probabilidade de que o ato notificado tenha chegado ao seu destinatário. O problema não está nos procedimentos, mas sim na aplicação dos preceitos jurídicos que os preveem.
Com efeito, quer no caso de a residência ou local de trabalho do requerido coincidir com o local obtido nas pesquisas às bases de dados de todos os serviços enumerados no n.º 3 do artigo 12.º do RPOP, quer no caso de não se verificar essa coincidência, tem de se admitir sempre a prova pelo requerido – que este fará na oposição por embargos ao processo de execução – de que a residência ou local de trabalho encontrada naquelas bases de dados, mesmo que seja em todas, não corresponde à sua no momento em que foi expedida e depositada a notificação por via postal simples, ou que desconhecia, sem culpa, o seu conteúdo, constituindo, em qualquer dos casos, uma situação de falta de notificação (cf. art. 188.º, n.º 1, al. e), 729.º, al. d) e 857.º, n.º 1, todos do CPC; ainda, art. 14.º-A, n.º 2, al. b), do RPOP).
Esta é a norma-princípio de salvaguarda para se poder pressupor que o requerido tomou conhecimento do procedimento de injunção e dos efeitos preclusivos associados à falta de oposição para poder eficazmente exercer o contraditório. Quer dizer: se o requerido não se compadecer através da dedução de embargos que não residia nas moradas apuradas nas bases de dados previstas no n.º 3 do artigo 12.º do RPOP, fica legitimado um sibi imputet decorrente da sua inação. Note-se que é sobre o requerido que recai o ónus da prova de que a notificação não chegou ao seu conhecimento, por facto que não lhe seja imputável, tal-qualmente sucede no regime da citação (cf. arts. 188.º, n.º 1, al. e), e 230.º, n.º 1, CPC).
O sentido a atribuir à notificação referida no n.º 1 do artigo 14.º-A, do RPOP (e, consequentemente, prevista no artigo 12.º do mesmo regime jurídico) só pode ser este: a notificação efetuada por um dos meios previstos nos n.ºs 3 a 7 do artigo 12.º do RPOP obedece à estrutura de uma presunção jurídica ilidível: (i) se forem observadas as formalidades inerentes àquela notificação e (ii) se a carta (ou uma das cartas) for depositada na residência ou local de trabalho do notificando [facto probatório], então presume-se que este (o notificando) teve dela conhecimento [facto presumido].
Por conseguinte, apenas a solução baseada no critério da residência efetiva (incluindo naturalmente o recebimento por terceiro, constituindo este um caso de notificação quase-pessoal) ou no endereço postal situado noutro local escolhido pelo requerido (abrangendo, p. ex., as situações em que se utiliza um apartado postal num posto de correios ou em que se pediu a reexpedição da correspondência para um destino diferente da residência ou local de trabalho) passa no crivo do art. 20.º, n.º 4, da CRP, salvo a situação de confirmação da entrega da carta feita pelo requerido, quando outra seja a sua residência ou endereço postal. É também esta a solução adotada no domínio do direito europeu quando a citação ou notificação é realizada sem prova de receção pelo requerido (cf. art. 14.º do regime do título executivo europeu, aprovado pelo Reg. 805/2004, de 21/4/2004, e o art. 14.º do procedimento europeu de injunção, aprovado pelo Reg. 1896/2006, de 12/12/2006).
No caso sub judicio, o Executado veio embargar alegando não residir na morada na qual foi depositada a carta registada e, posteriormente, a carta simples. Provou-se que não residia, mas também se provou que não alterou a morada nos serviços de identificação civil, finanças e segurança social, e, ainda, que existia uma prática reiterada, implementada pelo próprio Embargante, dirigido especificamente ao levantamento de toda a correspondências a si dirigida com destino à Rua ..., ..., ... em Aveiro, de tal sorte que o mesmo Embargante recebeu, nessa morada, várias cartas a si dirigidas, quer porque ia lá pessoalmente levantar em mão a sua correspondência, quer porque pediu à pessoa que morava no apartamento (sito na Rua ..., ...), de nome DD, para lhe entregar a correspondência a si dirigida ou deixando ficar na morada Rua ....
O Tribunal Constitucional, depois de ter revogado o Acórdão 161/2019, passou a considerar que os n.ºs 3 e 4 do artigo 12.º do RPOP não são inconstitucionais, por a morada obtida nas pesquisas informáticas ser a mesma e única, sustentando que a solução legislativa dispensa o conhecimento efetivo do ato de notificação, sendo bastante a colocação da carta em condições de poder ser conhecida pelo destinatário (cf. Acórdão n.º 773/2019).
Neste Acórdão (que decide um conflito jurisprudencial), o Tribunal Constitucional não analisa com clareza a situação em que a (única) morada encontrada por pesquisa às bases de dados dos organismos públicos não corresponde à residência efetiva do notificando no momento do depósito da carta postal simples, dado que a solução que fez vencimento naquele aresto pressupõe que não haja dúvidas sobre o domicílio do requerido.
No caso dos autos, provou-se que o Executado acautelou responsavelmente o recebimento de toda a sua correspondência na morada fiscal (que é a mesma do registo civil e da segurança social), indo lá pessoalmente ou reexpedido a correspondência para o local onde reside.
Com base nesta factualidade, considera-se que o mesmo foi notificado da injunção ou, pelo menos, a podia ter recebido inculposamente, dado que a situação dos autos é assimilável à hipótese em que se utiliza um apartado postal num posto de correios (pois, também nesta hipótese existe o dever cívico de proceder à consulta regular da caixa postal, atuando com a diligência de um bom pai de família).
Neste contexto, é de aplicar a dimensão normativa sindicada naquele aresto do Tribunal Constitucional (Acórdão n.º 773/2019), que não julgou inconstitucional as normas constantes dos nºs. 3 e 4 do artigo 12.º do regime constante do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro (na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro), quando interpretadas no sentido de que, em caso de frustração da notificação do requerido (para, em 15 dias, pagar quantia não superior a €15.000,00 ou deduzir oposição), através de carta registada com aviso de receção enviada para a morada indicada pelo requerente da injunção, por não reclamação da mesma, o subsequente envio de carta, por via postal simples, para essa morada, em conformidade com o previsto no n.º 4 do artigo 12.º, faz presumir a notificação do requerido, nos casos em que a morada para onde se remeteram ambas as cartas de notificação coincide com o local obtido junto das bases de dados de todos os serviços enumerados no n.º 3 do artigo 12.º. Idêntico entendimento fez vencimento no Acórdão n.º 280/2020, de 19/5, do mesmo Tribunal.
Por conseguinte, no caso dos autos, não obstante tenha ficado demonstrado que o Embargante já não residia na casa em cujo recetáculo a carta postal simples foi depositada, aquele não logrou provar que não conheceu daquele ato de notificação por motivos que não lhe eram imputáveis, nos termos dos arts. 188.º, n.º 1, al. e), 729.º, al. d) e 857.º, n.º 1, todos do CPC, e, ainda, do art. 14.º-A, n.º 2, al. b), do RPOP, ou seja, não ilidiu a presunção legal de cognoscibilidade do ato de notificação.
Da conjugação dos n.ºs 3 e 4 do art. 12.º do regime constante do anexo ao Dec.-Lei n.º 269/98, de 1/9, não se retira a regra de que aquela presunção legal só funciona se a carta simples for entregue no local de residência efetiva ou no local de trabalho do destinatário.
Com efeito, não se pode descartar a hipótese de aquela carta ser entregue na mesma e única morada obtida por pesquisa às bases de dados dos serviços públicos mencionados no n.º 3 e o requerido resida efetivamente noutro local, quando exista um procedimento de entrega de correspondência em local diverso desta residência, que coincida com aquela morada, e neste local o destinatário já tiver recebido anteriormente outra correspondência.
Como se disse, a situação dos autos é assimilável à hipótese em que se utiliza um apartado postal num posto de correios (pois, também nesta hipótese existe o dever cívico de proceder à consulta regular da caixa postal).
Acresce que, como se concluiu na motivação da decisão sobre a matéria de facto controvertida, a Rua ..., ..., em Aveiro, corresponde ao local escolhido pelo Embargante para o recetáculo postal domiciliário, razão pela qual mantém inalterada essa morada, pelo que sobre ele recaía o dever cívico de proceder à consulta regular do mesmo, atuando com a diligência de um bom pai de família. A eleição desse endereço mantém-se atual, como se pode constatar na leitura da petição de embargos e da procuração que o mesmo juntou aos autos.
Em conclusão: a notificação efetuada não viola o princípio da proibição da indefesa, por modo que a consequência jurídica associada pelo legislador àquela notificação (início do prazo para a oposição e, não sendo esta apresentada, a formação de título executivo) pode ter-se como produzida.»
Apesar de extensa, justifica-se a trascrição desta passagem da fundamentação da sentença recorrida porquanto nela se argumenta em termos de tal modo convincentes que dispensaria quaisquer outras considerações.
A esta proficiente fundamentação, o recorrente contrapõe a posição que já havia explanado na petição de embargos (artigos 15.º a 33.º).
Basicamente, defende que, na sequência da declaração de inconstitucionalidade emitida pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 99/2019, de 14 de Março, fica arredada a aplicação do n.º 4 do artigo 12.º do RPOP, uma vez que a notificação por via postal simples não dá garantias bastantes de que ela chega ao conhecimento do destinatário. Por isso, frustrando-se a notificação por carta registada com aviso de recepção, impunha-se a notificação por contacto pessoal ou, em última instância, a citação edital.
É perfeitamente defensável que a formação de um título executivo com uma força executória semelhante à da sentença deva ter uma formação com idênticas garantias àquelas que são exigidas quanto a esta última.
No entanto, também não pode olvidar-se que, tal como a generalidade dos direitos e valores constitucionalmente tutelados, o direito de defesa não é um direito imune às compressões impostas pela existência de outros direitos e valores igualmente dignos de proteção constitucional, nem, por outro lado, assume um conteúdo estático, alheio aos reajustamentos normativos que a transformação das sociedades reclama em ordem à salvaguarda do núcleo essencial de direitos e valores que são especialmente atingidos em determinada etapa desse desenvolvimento.
É bem sabido que os factores de morosidade do processo civil surgem logo na sua fase inicial, a da citação, não sendo raro demorar largos meses até à sua realização. E assim acontece porque a frustração da primeira modalidade de citação, que em regra é a citação por via postal registada, tem de ser seguida da citação por contacto pessoal com o citando (artigo 231.º, n.º 1, do CPC).
Ora, também é sabido que a evolução legislativa nesta matéria tem sido no sentido de ultrapassar o «importante factor de bloqueio» da efetividade dos procedimentos previstos no Decreto-Lei n.º 269/98, em particular do procedimento de injunção, que era «a frustração da notificação postal, pelo não levantamento pelos destinatários das cartas registadas expedidas».
A notificação por contacto pessoal, como defende o recorrente, não é compatível com a desejável eficácia prática do procedimento de injunção.
Por outro lado, importa fazer notar que no Acórdão n.º 99/2019 o Tribunal Constitucional pronunciou-se no sentido da inconstitucionalidade de determinada interpretação normativa dos n.ºs 3 e 5 do artigo 12.º do RPOP, ao passo que as normas aqui aplicadas são as dos n.os 3 e 4 do mesmo artigo, e o mesmo Tribunal, pouco tempo depois, emitiu um juízo de constitucionalidade destas normas «quando interpretadas no sentido de que, em caso de frustração da notificação do requerido (para, em 15 dias, pagar quantia não superior a €15.000,00 ou deduzir oposição), através de carta registada com aviso de receção enviada para a morada indicada pelo requerente da injunção, por não reclamação da mesma, o subsequente envio de carta, por via postal simples, para essa morada, em conformidade com o previsto no n.º 4 do artigo 12.º, faz presumir a notificação do requerido, nos casos em que a morada para onde se remeteram ambas as cartas de notificação coincide com o local obtido junto das bases de dados de todos os serviços enumerados no n.º 3 do artigo 12.º» (Acórdão n.º 108/2019, de 19 de Fevereiro de 2019) e no Acórdão n.º 773/2019 (citado na decisão recorrida) sustentou que a solução legislativa dispensa o conhecimento efetivo do ato de notificação, sendo bastante a colocação da carta em condições de poder ser conhecida pelo destinatário[3].
Ora, a factualidade provada (sobretudo os factos descritos na alínea l)) aponta, inequivocamente, para que o aqui recorrente tenha recebido a notificação postal simples remetida para a Rua ..., ..., ... Aveiro (que, mesmo na oposição à execução deduzida, o recorrente continuou a indicar como sendo a morada da sua residência) ou, pelo menos, que podia ter tomado conhecimento do acto de notificação de modo a exercer em tempo o direito de defesa[4].
De resto, na oposição à execução que tem por base o título executivo formado nos termos do n.º 1 do artigo 12.º do RPOP, pode o executado arguir a falta de notificação, alegando e demonstrando que não chegou a ter conhecimento do ato de notificação por facto que não lhe é imputável (cfr. artigos 188.º, n.º 2, alínea e), 729.º, alínea d), e 857.º do CPC), o que permitirá acautelar, pelo menos, as situações de ausência prolongada e as situações de mudança de residência (ainda) não comunicada.
Não é de difícil ilisão a presunção de recebimento/conhecimento da notificação efectuada por via postal simples nos termos dos nºs. 3 e 4 do artigo 12.º, com observância do formalismo previsto no artigo 12.º-A, nºs. 2 e 3, mas o recorrente não logrou provar que a notificação não chegou ao seu conhecimento, como, inequivocamente, decorre do elenco de factos considerados não provados, sendo certo que não impugnou a decisão sobre matéria de facto.
Improcede, pois, este fundamento do recurso.
*
Vejamos a questão da preclusão dos meios de defesa que poderiam ser, e não foram, deduzidos no procedimento de injunção.
Sendo o requerido notificado por alguma das formas previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 225.º do Código de Processo Civil (nas quais se inclui a via postal) e devidamente advertido do efeito cominatório estabelecido no artigo 14.º-A do RPOP (que, como já referido, foi aditado pela Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro), ficam precludidos os meios de defesa que poderiam ter sido invocados na oposição à injunção (e, portanto, já não os pode invocar como fundamento da oposição à execução que venha a deduzir).
Também essa questão foi, douta e exaustivamente, apreciada na decisão recorrida, como resulta da seguinte passagem da fundamentação de direito:
«De acordo com o n.º 1 do citado artigo 14.º-A do RPOP, é estabelecida a norma-regra de que, se o requerido for (i) regularmente notificado e (ii) devidamente advertido do efeito cominatório decorrente da falta de oposição ao requerimento injuntivo antes da aposição da fórmula executória, e se (iii) não deduzir oposição, (iv) ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados.
A justificação para a advertência sobre a limitação dos meios de defesa que o requerido pode opor à pretensão do credor na execução que este lhe vier a mover baseada no requerimento de injunção, no caso de falta de oposição àquele requerimento na fase injuntiva (portanto, antes da aposição da fórmula executória), é uma exigência da jurisprudência do Tribunal Constitucional (cf. acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 283/2011, de 7/6; 388/2013, de 9/7, 714/2014, de 28/10; 828/2014, de 03/12; 112/2015, de 11/2; e 264/2015, de 12/05, proferidos no âmbito da fiscalização concreta de constitucionalidade) para aceitar a equiparação entre o requerimento de injunção no qual foi aposta fórmula executória e a sentença judicial condenatória, enquanto títulos executivos, para efeitos de determinação dos fundamentos de oposição à execução, que se encontram hoje previstos no artigo 729.º do Código de Processo Civil.
Com efeito, a base de legitimação de um ónus processual reside na autorresponsabilidade das partes e no poder que estas têm de dispor do processo, enquanto subprincípio do princípio dispositivo que enforma tendencialmente o direito processual civil. Mas a sua consagração no direito positivo tem de ser compatível com o princípio da proporcionalidade, de modo a não criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente, os direitos fundamentais em matéria processual, designadamente, os direitos de acesso ao direito e aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva (cf. arts. 18.º, n.º 2, e 20.º, n. 1, da CRP). Isto significa que, quando o legislador decide cria um ónus jurídico-processual para uma das partes – na perspetiva de conter uma atividade destinada a evitar uma desvantagem, pois apenas esta agora nos interessa –, só é possível conceber um processo com plenas garantias se forem asseguradas à parte onerada a cognoscibilidade (e advertência) das consequências que para si decorrem da atividade processual omitida.
É com este desiderato que, na notificação do requerimento de injunção antes da aposição da fórmula executória, passa a ser obrigatória a advertência dos efeitos resultantes da falta de tempestiva dedução de oposição a esse requerimento, incluindo que a não dedução de oposição preclude a alegação posterior dos meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados.
No caso sub judice, e como se concluiu no número anterior, a notificação do requerimento de injunção foi efetuada em termos que legitimam a aposição da fórmula executória.»
A preclusão prevista no citado artigo 14.º-A é idêntica à que ocorre no procedimento de injunção de pagamento europeia cujo regime foi instituído pelo Regulamento (CE) n.º 1896/2006 de 12 de dezembro (cfr. artigo 12.º), que também vigora no nosso ordenamento jurídico e é natural que o legislador se tenha preocupado em harmonizar os dois regimes.
Ora, como se vê pelo ofício datado de 12.11.2020 que o Balcão Nacional de Injunções dirigiu ao requerido, a notificação contém, além de outras informações, a seguinte advertência (em linguagem simples e perfeitamente inteligível):
«O que sucede se não fizer nada no prazo de 15 dias»
«Se não pagar nem responder dentro do prazo:
· Não poderá dizer mais tarde por que motivos considera não ter a obrigação de pagar o valor que é exigido, com excepção dos motivos previstos no n.º 2 do artigo 14.º-A do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro.
· O pedido de injunção vai ser suficiente para haver uma acção executiva em tribunal. Por causa dessa acção executiva contra si, os seus bens ou rendimentos podem vir a ser penhorados para pagar o valor que lhe é exigido.»
Como se referiu no antecedente relatório, na oposição à execução que deduziu, o embargante alegou a inexistência da dívida exequenda porque o exequente não lhe prestou quaisquer serviços jurídicos pelos quais tenha direito a receber, a título de honorários, o valor que reclama.
Não sendo uma das excepções previstas no n.º 2 do artigo 14.º-A e não tendo sido apresentada oposição ao requerimento de injunção, operou-se a preclusão desse meio de defesa.
O recorrente não aceita que se verifique o efeito cominatório decorrente dessa falta de oposição porque considera que «o procedimento de notificação via postal no âmbito do processo de injunção em apreço, não foi concretizado através de uma entrega pessoal (em mão) ao Executado, comprometendo assim o ditame legal da norma do artigo 14.º-A do anexo ao Decreto-Lei 269/98 de 1 de setembro, ex vi artigo 857.º, n.º 1, do CPC, relativo à necessária advertência do efeito cominatório ali previsto» (conclusão XIX) e que «quer o espírito da lei, quer a ratio da decisão do Tribunal Constitucional[5] têm subjacente a ideia de o Requerido tomar efetivo conhecimento do procedimento de injunção e por essa via advertido do efeito cominatório previsto para a falta de oposição» (conclusão XXVI).
No entanto, como já se assinalou, a doutrina que prevaleceu no Tribunal Constitucional é a de que a actual solução legislativa dispensa o conhecimento efetivo do ato de notificação, sendo bastante a colocação da carta para notificação em condições de poder ser conhecida pelo destinatário. E, como também se salientou, é muito provável que o recorrente tenha, efectivamente, recebido a notificação postal simples que o Balcão Nacional de Injunções lhe remeteu ou, pelo menos, que podia ter tomado conhecimento do acto de notificação de modo a exercer, em tempo, o direito de deduzir oposição ao requerimento de injunção.

III - Dispositivo
Termos em que acordam os juízes desta 5.ª Secção Judicial (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso de apelação interposto pelo embargante BB e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

As custas do recurso serão suportadas pelo recorrente.
(Processado e revisto pelo primeiro signatário).

Porto, 09.01.2023
Joaquim Moura
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
__________

[1] Notificada às partes por expediente electrónico elaborado no dia seguinte.
[2] Nos n.os 2 e 3 do mesmo artigo estão previstos outros fundamentos de oposição à execução, mas não são, manifestamente, aplicáveis ao caso. Além disso, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro, o disposto nesses números ter-se-á tornado supérfluo: «…os n.os 2 e 3 (…) são redundantes, na medida em que as situações aí previstas já encontram cobertura no n.º 1. Com efeito, a cautela posta quanto ao justo impedimento na dedução da oposição já se encontra assegurada pelo disposto no art. 729.º, al. d), conexo com o art. 696.º al. e), iii). Por seu lado, a previsão do n.º 3 também já se encontrava abarcada peo art. 14.º-A do regime jurídico da injunção que impede o efeito preclusivo relativamente a questões de ordem material ou adjectiva que sejam de conhecimento oficioso» (A.S. Abrantes Geraldes, L.F. Pires de Sousa e P. Pimenta, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, pág. 288.
[3] Neste segundo acórdão do TC argumentou-se: «Neste enquadramento legal, não se divisam, igualmente, razões para considerar que a solução em causa, ao dispensar a certeza do efetivo conhecimento subjetivo da notificação e se bastar com a colocação desta última na área de cognoscibilidade do notificando, viola o princípio da proporcionalidade
[4] Esta circunstância de, com elevada probabilidade, a notificação ter chegado ao conhecimento do notificando, se bem pensamos, faz com que a argumentação expendida pelos Senhores Conselheiros do TC que votaram vencidos o Ac. n.º 773/2019 não seja válida para este caso.
[5] Referindo-se ao Acórdão de TC n.º 264/2015, de 12 de Maio, que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, quando interpretada no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória, por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.°, n.º 1 da Constituição.