Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
215/16.0T9STS-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE LANGWEG
Descritores: RECUSA DO JUÍZ
MOTIVO SÉRIO E GRAVE
RELACIONAMENTO PESSOAL
Nº do Documento: RP20190109215/16.1T9STS-B.P1
Data do Acordão: 01/09/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: INDEFERIDA A RECUSA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 785, FLS 120-126)
Área Temática: .
Sumário: I – Não merece tutela, para efeitos de por em causa a imparcialidade do Juiz, o simples receio ou temor de que o juiz já tenha algum conhecimento prévio relativamente ao “thema decidendum”, ou tenha tomado partido a favor de uma das partes, em detrimento da outra, em decisão judicial, pois será sempre de exigir a demonstração de motivo de especial gravidade que possa gerar desconfiança sobre a imparcialidade do juiz.
II- É de indeferir o pedido de recusa do Juiz se o Requerente não invocou quaisquer factos concretos e reais (nem graves, nem menos graves) susceptíveis de gerar receio fundado de parcialidade do juiz titular dos autos de instrução, e nem alegou qualquer matéria extra processual ou de índole pessoal que evidencie alguma parcialidade do juiz recusando.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 215/16.0T9STS-B.P1
Data do acórdão: 9 de Janeiro de 2019

Relator: Jorge M. Langweg
Adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa
Origem:
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos

Sumário:
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Acordam os juízes acima identificados do Tribunal da Relação do Porto

Nos presentes autos acima identificados, em que figura como requerente do incidente de recusa a arguida B...;

I - RELATÓRIO
1. A arguida deduziu o presente incidente de recusa do juiz titular dos autos de instrução nº 215/16.0T9STS (Dr. C...), fundamentando-o nos seguintes termos:
"Para total e absoluta clareza factual e dos procedimentos processuais da Requerente, dá como reproduzidos:
- O RAI;
- As alegações de Recurso e da Reclamação por retenção e não admissão dos recursos interpostos e o requerimento em que juntou a petição inicial da acção cível que o pretenso Assistente propôs contra a aqui Arguida (em que declarou nunca ter apresentado queixa ... - art. 44° da petição inicial.
Pelo exposto, a requerente esgotou todos os procedimentos na defesa da perseguição insidiosa na tramitação processual e que da mesma decorre:
- Admissão como Assistente sem audição da arguida:
- Depois, a admissão como Assistente do Ofendido depois da Acusação do Ministério Público;
- Depois, a omissão sobre a legitimidade do MP nessa acusação;
- Depois, o indeferimento da inquirição das testemunhas à matéria do RAI — do regime da desistência de queixa (art. 116° do CP que o assistente verteu no art. 44° do processo cível).
Os factos conexos dizem respeito:
Ao processo 2506/07... em que o assistente é Réu por ter recebido valores e procuração e só ter proposto a acção dez (10) anos depois, o que conduziu à invocação e decisão de usucapião a favor da testemunha deste processo, D...;
Ao processo 212/17.8T9PVZ em que o funcionário E... falsificou uma certidão negativa quando deixou a nota de notificação à testemunha Antunes e este, notificado, veio apresentar atestado médico no processo 2506/07...;
Ao processo cível n°. 929/17.7T8PVZ em que no art. 44° da petição inicial o ora Assistente dizia nunca ter apresentado queixa (a queixa deste processo).
Como resulta dos autos, o Juiz a quo viola todos os regimes da acusação particular (arts. 284° 285° e 287° n°. 1 CPP), de nulidades insanáveis (arts. 118° e 119° CPP), do regime de inquirição e matéria de prova (arts. 283° n°. 3 ai. d) e 287° n°. 2 e 288° n°. 2 e 128° n°. 2 CPP).
A questão subjacente a todas essas questões é também a do processo n°142/18.6TRPRT (Doc. 1) em que, no desespero de causa se pretendeu a interdição da aqui Arguida para obstar ao julgamento do processo 2506/07...
A homenagem que se presta à Justiça e ao Estado de Direito é o sentido imparcialidade e o Julgamento oportuno dos processos.
As questões da Recusa também dizem respeito às questões pessoais como às objectivas das quais se infira pela prova objectiva da tramitação da imparcialidade do Juiz na posição de decisões relativas às posições processuais nos casos em que as decisões impõem despachos vinculativos como aquelas que supra ficaram alegadas e provadas nos despachos objecto do RAI das alegações de Recurso e dos despachos recorridos.
Não tem o Meritíssimo Juiz condições objectivas e / ou subjectivas, face ao exposto, para continuar como titular dos autos."

2. Foi cumprido o disposto no artigo 45º, nº 3, do Código de Processo Penal, em que, quanto aos fundamentos substanciais invocados, o juiz visado no incidente de recusa sustentou, no essencial, que "(…) não conseguimos compreender o requerimento de recusa, pelo que nos abstemos de qualquer outra observação, que não esta — o que sucedeu nos autos, em matéria de requerimento/contraditório/convite/decisão, é a dinâmica própria de um processo com as características do presente. Entendo portanto que o presente incidente de recusa deve manifestamente ser objeto de improcedência (…)", acrescentando, ainda, ter deduzido dois incidentes de escusa — nestes autos e nuns outros -.
3. Os autos foram remetidos a este Tribunal.
4. Não tendo os mesmos sido devida e integralmente instruídos nos termos ordenados na primeira instância, determinou-se a junção aos autos dos elementos em falta.
5. Os autos foram remetidos aos vistos e o processo foi inscrito em tabela.
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Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
De jure
Do incidente de recusa
O número 1 do artigo 43º do Código de Processo Penal prevê que "a intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade".
O normativo supra referido e a exigência de verificação de motivo sério e grave procura encontrar o equilíbrio - a concordância prática - entre a dignidade constitucional conferida ao princípio do Juiz Natural [1] [2] e o direito a que a causa seja decidida por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, como consagrado nos arts. 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem (texto publicado no Diário da República, I- Série, de 9 de Março de 1978, 6º § 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (Lei nº 65/78, de 13/10, Diário da República, I-Série, de 13 de Outubro de 1978), 14º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (Lei nº 29/78 de 12/6, Diário da República, I-Série, de 12 de Junho de 1978), 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia[3] e 203° da Constituição da República Portuguesa.
As regras da independência e imparcialidade são inerentes ao direito de acesso aos tribunais (art. 20 nº 1 da Constituição da República Portuguesa), constituindo ainda, no processo penal português, tendo em conta a sua estrutura acusatória (artigo 32, nº 5, do aludido texto legal) uma dimensão importante do princípio das garantias de defesa (nº 1 do mesmo artigo) e mesmo do princípio do juiz natural (nº 9, ainda do mesmo preceito constitucional).
Por conseguinte, o critério que presidirá à aferição do mérito das razões do requerimento de recusa deduzido pela arguida diz respeito à imparcialidade, ou não, do juiz visado: é “o direito à imparcialidade” que está em causa num incidente da recusa do juiz, uma vez que o exercício de facto das suas funções exige uma total transparência, independência e imparcialidade.
Não basta ser.
É preciso, também, parecer.
Assim o exige o princípio da confiança dos cidadãos na justiça[4].

Da imparcialidade dos juízes
Conforme já se concluiu, a exigência de imparcialidade do juiz é vital na apreciação do requerimento de recusa "in iudicium": tal condição exige que aquele assuma a posição de terceiro, alheio e equidistante relativamente à solução da questão a decidir, sem qualquer posição de partida ou preconceito sobre o conflito de interesses que lhe é submetido.
A imparcialidade do juiz, neste caso a exercer as funções de juiz de instrução criminal, deverá ser aferida nas suas diversas dimensões.
a) No plano subjetivo, como referido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29 de Março de 2006[5] , "(...) a imparcialidade tem a ver com a posição pessoal do juiz, e pressupõe a determinação ou a demonstração sobre aquilo que um juiz, que integre o tribunal, pensa no seu foro íntimo perante um certo dado ou circunstância, e se guarda, em si, qualquer motivo para favorecer ou desfavorecer um interessado (…)".
b) Na sua dimensão objetiva, em que relevam as aparências[6] , impera o adágio anglo-saxónico «justice must not only be done; it must also be seen to be done». Sufragando também este entendimento, o mesmo aresto do Supremo Tribunal de Justiça referiu que "(…) Na aproximação objectiva, em que são relevantes as aparências, intervêm, por regra, considerações de carácter orgânico e funcional (v. g., a não cumulabilidade de funções em fases distintas de um mesmo processo), mas também todas as posições com relevância estrutural ou externa, que de um ponto de vista do destinatário da decisão possam fazer suscitar dúvidas, provocando o receio, objectivamente justificado, quanto ao risco da existência de algum elemento, prejuízo ou preconceito que possa ser negativamente considerado contra si (…)".
Perante o exposto, não merece tutela o simples receio ou temor de que o juiz já tenha algum convencimento prévio relativamente ao "thema decidendum", ou tenha tomado partido a favor de uma das partes, em detrimento de outra, pois sempre será de exigir a demonstração de motivo de especial gravidade que possa gerar desconfiança sobre a imparcialidade do juiz.
Segundo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem[7], "a imparcialidade da jurisdição não é só a imparcialidade subjectiva. É também a imparcialidade objectiva que deve ser assegurada (...)."
O fator decisivo consiste em saber se as apreensões do interessadoin casu, da arguida - podem ter-se como objetivamente justificadas: a imparcialidade de um juiz pode ser apreciada numa perspetiva subjetiva ou numa dimensão objetiva.
a) a dimensão subjetiva da imparcialidade do juiz consiste em apurar se o mesmo deu mostras de um interesse pessoal no destino da causa ou de um preconceito sobre o mérito da causa (v.g. pareça não ser imparcial). A imparcialidade do julgador deve ser presumida no plano subjetivo, a não ser que factos objetivos evidentes afastem tal presunção.
b) a aferição da imparcialidade objetiva visa determinar se o comportamento do juiz, apreciado da perspetiva do cidadão comum, pode suscitar dúvidas fundadas sobre a sua imparcialidade.
O caso concreto
A recusa de juiz "in iudicium" encontra-se manifestamente desprovida de fundamentos substanciais.
Para tanto, no plano objetivo, o requerente limita-se a invocar os seguintes atos processuais praticados pelo juiz titular do processo que considera serem desfavoráveis às suas pretensões processuais:
a) a admissão da assistente sem audição da arguida:
b) a admissão como assistente depois da acusação do Ministério Público;
c) a omissão de decisão sobre a (i)legitimidade do Ministério Público para a prolação da acusação;
d) o indeferimento da inquirição das testemunhas à matéria do R.A.I.;
Não compete a este Tribunal, em sede de apreciação do mérito do incidente de recusa, aferir a legalidade de tais despachos mas, apenas e tão-somente, analisá-los de modo a aferir se os mesmos evidenciam, objetivamente, que o julgador agiu de forma gravemente parcial.
Compulsada a documentação processual que integra os presentes autos, constata-se que os despachos proferidos nos autos são suficientemente claros, fundamentados e eivados de honestidade processual - como a lei e a consciência exigem - não se percebendo dos atos decisórios qualquer parcialidade, dependência, subjetividade, inimizade, interesse pessoal ou interesse estranho ao próprio desenvolvimento e às exigências do processo.
Concretizando.
Em primeiro lugar, importa destacar que, contrariamente ao alegado no requerimento de incidente de recusa, o assistente foi admitido, após ter sido permitido o exercício do contraditório pela arguida (conforme resulta dos despachos exarados a folhas 253 e 259 dos autos principais). A requerente nem sequer pode alegar desconhecimento disso, uma vez que chegou a pronunciar-se a respeito do requerimento de admissão do assistente, embora o tenha feito já após o decurso do respetivo prazo peremptório legal.
Quanto ao segundo argumento (a admissão da assistente após a acusação do Ministério Público), não se percebe o alcance da sua invocação, uma vez que a lei processual admite, expressamente, que "Os assistentes podem intervir em qualquer altura do processo, aceitando-o no estado em que se encontrar, desde que o requeiram ao juiz:
a) Até cinco dias antes do início do debate instrutório ou da audiência de julgamento" (artigo 68º, nº3, al. a), do Código de Processo Penal), desde que o procedimento não dependa de acusação particular, "ex vi" do nº 2 do mesmo artigo, o que não é o caso dos autos.
No tocante ao terceiro argumento (a alegada omissão de decisão sobre a (i)legitimidade do Ministério Público para a prolação da acusação), o mesmo também se mostra destituído de fundamento para efeitos de recusa, por resultar do despacho exarado a folhas 259 que o juiz relegou para momento posterior (a decisão instrutória) a apreciação da questão que lhe foi colocada no requerimento de abertura de instrução. Logo, não houve, em termos processuais, uma qualquer negação de apreciação da pretensão da arguida mas apenas um relegar da decisão para o momento próprio – a decisão instrutória -, tal como vem previsto no artigo 308º, nº 3, do Código de Processo Penal.
Finalmente, quanto à última decisão invocada pela requerente (o alegado indeferimento da inquirição das testemunhas à matéria do requerimento de abertura de instrução), a mesma foi devidamente fundamentada pelo juiz recusando:
a) a inquirição da testemunha D... foi indeferida por já ter sido ouvida nos autos, não ocorrendo qualquer dos motivos legais que poderiam justificar a sua reinquirição à luz do disposto no artigo 291º, nº 3, do Código de Processo Penal;
b) quanto às duas demais testemunhas, a arguida foi notificada para esclarecer a matéria de facto concreta à qual as mesmas deveriam ser inquiridas (despacho datado de 25 de Junho de 2018) e, perante o seu silêncio e não se vislumbrando a que matéria deveriam ser inquiridas, a sua inquirição foi indeferida pelo despacho datado de 20 de Setembro de 2018.
Pelo exposto, a requerente não invocou quaisquer factos concretos e reais (nem graves, nem menos graves) susceptíveis de gerar receio fundado de parcialidade do juiz titular dos autos de instrução.
Finalmente, a requerente não alegou qualquer matéria extraprocessual ou de índole pessoal que evidencie alguma parcialidade do juiz recusando.
A iniciativa processual da arguida, ao deduzir o incidente de recusa de juiz como forma de assegurar os seus direitos processuais, é manifestamente censurável e desprovida de fundamento: das decisões que lhe sejam desfavoráveis e que possam ser impugnadas recorre-se.
Não basta um puro convencimento subjetivo por parte da arguida, inspirado pelo teor de atos processuais regulares e fundamentados praticados pelo juiz de instrução criminal, para fundamentar uma suspeição legitimadora de recusa. A simples discordância jurídica, processual ou, mesmo, meramente pessoal, em relação aos atos jurisdicionais, podendo e devendo conduzir aos adequados mecanismos de impugnação processual, não pode fundamentar um requerimento de recusa[8].
Atento o exposto, não se vislumbra qualquer motivo "sério" ou "grave" adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do juiz de instrução criminal, evidenciado numa situação concreta e individualizada, na perspetiva dos destinatários (imediatos e mediatos) da decisão instrutória.
Não resulta dos elementos de prova que constam dos autos que o juiz visado tenha cometido qualquer falha ou erro que possa ser atribuído à circunstância de não ser imparcial e que, de algum modo, tenha prejudicado a arguida requerente.
De resto, não foram invocados quaisquer factos susceptíveis de constituir motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do juiz visado.
No caso e pelos fundamentos em apreço, não se verifica, pois, qualquer risco de não reconhecimento público da imparcialidade do juiz de instrução criminal, Dr. C..., reconhecendo-se, pelos termos em que foi deduzido, que o requerimento de recusa é manifestamente infundado (artigo 45º, nº 4, do Código de Processo Penal).
Tal decisão determina a condenação da requerente na sanção processual prevista no número 7 do citado artigo 45º, que se fixará em 8 (oito) unidades de conta, tendo em consideração o grau de censurabilidade (médio/elevado) e de dificuldade (reduzida) do incidente em apreço, tendo presente a sanção aplicável de 6 a 20 UCs.
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Das custas
Natureza distinta da aludida sanção processual reveste a responsabilidade tributária emergente do decaimento em incidente de recusa.
Pelo decaimento no incidente de recusa de juiz, tendo em conta a dimensão mediana da atividade processual gerada, fixa-se a taxa de justiça respetiva, a cargo da requerente, em 2 UC (duas unidades de conta), "ex vi" do disposto no artigo 7º, nº 4 do Regulamento das Custas Processuais e na Tabela II anexa a este texto legal (na rubrica "Outros incidentes", tributável entre 0,5 e 5 UC).
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III – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes subscritores, por unanimidade e em conferência:
a) recusar o incidente de recusa deduzido pela arguida B..., por ser manifestamente infundado;
b) condenar a requerente no pagamento de uma sanção fixada em 8 (oito) unidades de conta;
c) condenar a requerente no pagamento das custas, fixando-se a respetiva taxa de justiça em 2 (duas) unidades de conta.

Nos termos do disposto no art. 94º, 2, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 97º, 3, do mesmo texto legal, certifica-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator.

Porto, em 9 de Janeiro de 2019.
Jorge Langweg
Maria Dolores da Silva e Sousa
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[1] Artigo 32º, nº 9, da Constituição da República Portuguesa.
[2] Segundo Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1º volume, págs. 322 e segs., "(…) com a regra do juiz natural ou legal procura-se sancionar, de forma expressa, o direito fundamental dos cidadãos a que uma causa seja julgada por um tribunal previsto como competente por lei anterior, e não ad hoc criado ou tido como competente".
Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, pág. 207, referem que o princípio «consiste essencialmente na predeterminação do tribunal competente para julgamento, proibindo a criação de tribunais ad hoc ou a atribuição da competência a um tribunal diferente do que era legalmente competente à data do crime».
Como corolário de tal princípio no âmbito da apreciação dos pedidos de escusa e de recusa de juízes, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Maio de 2007, proferido no processo nº 07P1612 salienta que "(…) a subtracção de um processo criminal ao Juiz a quem foi atribuída competência para julgar um caso, através de sorteio aleatório, feito por meio informático e nos termos pré- determinados na lei (o "juiz natural"), não pode deixar de ser encarada como absolutamente excepcional. (…)"
[3] Estabelece o § 2 do art. 47 (direito à acção e a um tribunal imparcial) da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (J.O.C. 364 de 18 de Dezembro de 2000, págs. 1 a 22 e J.O.C. 303 de 14 de Dezembro de 2007, págs.. 1 a 16, que retoma e adapta a Carta proclamada em 7 de Dezembro de 2000, substituindo-a a partir da data de entrada em vigor do Tratado de Lisboa): "Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei. (…)".
[4] Segundo José António Mouraz Lopes, A Tutela da Imparcialidade Endoprocessual no Processo Penal Português, Coimbra Editora, 2005, pág. 87, acrescentando, na nota 244, que a "exteriorização da imparcialidade é fundamental para que possa ser relevada pela colectividade.".
[5] Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do STJ, ano XIV, I, págs. 220 a 222.
[6] Nestes termos, também, se salienta o alerta concretizado no mesmo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça: "A imparcialidade objectiva apresenta-se, assim, como um conceito que tem sido construído muito sobre as aparências, numa fenomenologia de valoração com alguma simetria entre o "ser" e o "parecer". Por isso, para prevenir a extensão da exigência de imparcialidade objectiva, que poderia ser devastadora, e para não tombar na "tirania das aparências" (...) ou numa tese maximalista da imparcialidade, impõe- se que o fundamento ou os motivos invocados, sejam, em cada caso, apreciados nas suas próprias circunstâncias, e tendo em conta os valores em equação - a garantia externa de uma boa justiça, que seja mas também pareça ser".
[7] Caso Hauschildt vs. Dinamarca, de 24 de Maio de 1989, citado no Acórdão do Tribunal Constitucional n° 52/92, in DR, Série I- A, de 14 de Março de 1992.
[8] Neste sentido, entre muitos outros, o recente acórdão datado de 20 de Fevereiro de 2018, do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo de instrução nº 166/18.3YRLSB (publicado na rede digital global no endereço http://www.pgdlisboa.pt/jurel/jur_mostra_doc.php?codarea=57&nid=5385), que indeferiu um incidente de recusa deduzido pelo Ministério Público: "(…) Acresce que a discordância do Digno Magistrado do Ministério Público, requerente do presente incidente, relativamente a actos processuais praticados pelo Meritíssimo Juiz de Direito visado, neste ou noutro qualquer processo, mais concretamente na decisão de abertura de instrução, no segmento em que (…) tem a sua defesa própria nos recursos que aquele vem interpondo ou deve interpor, daí não podendo resultar a ideia de que o Exmo. Juiz visado não é imparcial, nem, como tal, pode ser percepcionado pelo homem médio. (…)".