Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1299/11.2TBPVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: CONTRATOS DE ARRENDAMENTO E DE TRESPASSE
NULIDADE
EFEITOS
GOZO
RETENÇÃO
Nº do Documento: RP201609121299/11.2TBPVZ.P1
Data do Acordão: 09/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 640, FLS.2-4).
Área Temática: .
Sumário: I - A obrigação de restituição recíproca que recai sobre as partes intervenientes no contrato nulo visa a sua reposição, tanto quanto possível, no estado em que se encontravam no momento em que celebraram o contrato declarado nulo, isto é visa colocar as partes na situação em que estariam se não tivessem celebrado o negócio declarado nulo.
II - No caso de contratos nulos que envolvem a concessão onerosa do gozo de coisas, porque o gozo não é passível de ser restituído, tem-se entendido que a contrapartida do gozo convencionada pelas partes deve ser retida por aquela que concede o gozo e como sucedâneo da impossível restituição do gozo da coisa por aquela que fruiu a coisa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1299/11.2TBPVZ.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 1299/11.2TBPVZ.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
1. A obrigação de restituição recíproca que recai sobre as partes intervenientes no contrato nulo visa a sua reposição, tanto quanto possível, no estado em que se encontravam no momento em que celebraram o contrato declarado nulo, isto é visa colocar as partes na situação em que estariam se não tivessem celebrado o negócio declarado nulo.
2. No caso de contratos nulos que envolvem a concessão onerosa do gozo de coisas, porque o gozo não é passível de ser restituído, tem-se entendido que a contrapartida do gozo convencionada pelas partes deve ser retida por aquela que concede o gozo e como sucedâneo da impossível restituição do gozo da coisa por aquela que fruiu a coisa.
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Acordam, em audiência, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório[1]
Em 17 de Maio de 2011, no Tribunal Judicial da Comarca da Póvoa do Varzim, B…, Unipessoal, Lda. e C… instauraram a presente ação declarativa sob forma ordinária contra D…, Lda. pedindo que o tribunal:
A) declare nulos os contratos de arrendamento e de trespasse, ambos com fiança, celebrados entre autores e ré;
B) declare nulas as cláusulas oitava e nona do contrato de arrendamento celebrado entre autores e ré;
C) condene a ré, em consequência de tal declaração de nulidade, decorrente da atuação da ré e da ausência de licença de utilização do prédio e estabelecimento comercial, no pagamento à primeira autora dos seguintes prejuízos:
a) € 300.000,00, correspondentes à diminuição e redução de margem de lucro esperado, no período de 16 de Agosto de 2010 a 16 de Maio de 2011, num montante médio mensal de € 30.000,00, por cada mês de inexistência de licença de utilização;
b) € 30.000,00, correspondentes à diminuição e redução da margem de lucro esperado, por cada mês contado desde 16 de Maio de 2011 até à obtenção da licença e/ou indemnização à autora de todas as despesas e danos sofridos com os contratos celebrados sem licença de utilização válida e em vigor;
c) € 1.000.000,00, correspondentes ao lucro cessante, decorrente da valorização e maior valia que a autora iria retirar no trespasse do estabelecimento comercial, no final de um ano da sua exploração e com a implementação e incremento dos seus conhecimentos específicos e especiais na área da discoteca e restauração, mas que era e é dependente da existência de licença de utilização que inexiste;
d) € 100.000,00, correspondente a danos e afetação da imagem comercial da autora, na sequência das diligências de penhoras com remoção;
e) € 25.000,00, correspondente a despesas judiciais e com contratação de advogados que a autora teve que despender para defender a posse do estabelecimento comercial e dos bens que iam ser penhorados e removidos no âmbito dos processos executivos que correspondem aos documentos n.ºs 3 e 4 da petição inicial;
f) € 94.460,00, correspondente à importância paga pela autora e recebida pela ré, a título de rendas devidas por um contrato de arrendamento nulo e referente a um espaço e estabelecimento comercial sem licença de utilização para o efeito;
g) € 2.164,80, correspondente à importância paga pela autora e recebida pela ré, a título e prestações de preço de um trespasse nulo, realizado para um estabelecimento comercial sem licença de utilização para o objeto social a que se destinava e contemplando bens e equipamentos que não pertencem à ré;
h) € 6.000,00, correspondente a despesas e emolumentos pagos suportados pela autora com a celebração das escrituras de arrendamento e trespasse;
D) condene a ré no pagamento a ambos os autores, na sequência da referida declaração de nulidade de ambos os contratos, no pagamento da seguinte importância:
a) € 251.000,00, correspondentes a parte do preço do trespasse que os autores pagaram e/ou assumiram pagar ao legal representante e gerente da empresa “E…, Lda.”, com o acordo, conhecimento e aceitação da ré, por forma a que fossem concretizados os arrendamento e trespasse celebrados entre autora e ré;
E) condene a ré no pagamento aos autores dos prejuízos que se vierem a liquidar em sede de execução de sentença, relativos a:
a) coimas que vierem a ser aplicadas à autora, ou às entidades a quem esta ceda a exploração do estabelecimento comercial, decorrentes da inexistência de licença de utilização;
b) despesas efetuadas pela autora na aquisição de equipamentos, na realização de obras, na contratação de pessoal, em publicidade comercial e no normal desenrolar da sua actividade de exploração do estabelecimento comercial, que se fixam em montante nunca inferior a € 149.000,00, mas a serem contabilizadas e liquidadas em sede de execução de sentença;
F) condene a ré a reconhecer o direito da autora a reter o imóvel e estabelecimento comercial dados de arrendamento e trespasse, mas sem licença de utilização para o fim a que se destinava, até integral pagamento à autora de todas as despesas e danos causados pelos referidos contratos e negócios realizados sem título válido.
Para tanto alegam, em resumo: autora e ré celebraram um contrato de arrendamento, com fiança prestada pelo segundo autor, relativo ao imóvel, propriedade da ré, sito na Avenida …, Póvoa de Varzim, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 5.382, para exploração de atividades de snack-bar, …, …, …, …, pelo prazo de 208 meses, com início a 16 de Agosto de 2010, pela renda mensal de € 11.830,00; as cláusulas 8.ª e 9.ª, desse contrato dispunham, respetivamente, que, “a falta de pagamento de, pelo menos, 3 rendas, concederá à senhoria, o direito de resolver imediatamente o contrato servindo este de título executivo” e, “a arrendatária autoriza a senhoria, na falta de pagamento de pelo menos aquelas 3 rendas, a entrar de imediato na posse do arrendado, sem recurso à via judicial, se esta assim o entender, considerando-se de imediato rescindido o presente contrato”; na mesma data, celebraram um contrato de trespasse, com fiança, igualmente, prestada pelo segundo autor, do estabelecimento comercial, de que a ré era proprietária, ali instalado, denominado “D…,”, pelo preço de € 45.760,00 a ser pago em 208 prestações, mensais, iguais e sucessivas; no entanto, o prédio não se encontrava licenciado para o exercício da dita atividade, estando, então em curso um processo para esse fim, tendo a Câmara Municipal ordenado já o encerramento do estabelecimento, por falta da referida licença, o que a autora desconhecia; esse licenciamento está agora dependente da realização de determinadas obras, que não poderão deixar de estar dependentes da anuência da autora, inexistindo também licença de ocupação do património público hídrico; a falta de licenciamento trouxe limitações à exploração do locado e do estabelecimento comercial, provocando uma redução dos lucros esperados, que determinaram o atraso no pagamento de algumas rendas, pretendendo a ré receber ainda metade do valor de cada uma das rendas pagas com atraso, bem como ameaçando, ainda, resolver os contratos e tomar posse imediata do locado e do estabelecimento, bem como de todo o equipamento e investimento que a autora ali já realizou; a ré não era dona da totalidade dos móveis e recheio do estabelecimento comercial dado de trespasse, tendo-se apossado dos mesmos na sequência de contratos anteriormente por si celebrados com outras sociedades e em último caso, com “E… Lda.”, que por falta de pagamento de rendas a ré expulsou do local mudando a fechadura; muitos desses bens não estavam, sequer, pagos, donde, a autora passou pelo enxovalho de no estabelecimento se ter efetuado uma penhora – e ter tentado a realização de uma outra - com remoção, de diversos e bens e equipamentos, que suscitou a necessidade de interposição de embargos de terceiro; a autora deixou de explorar o estabelecimento de restaurante por não existirem meios elevatórios para o 1.º andar para cidadãos com mobilidade reduzida e por as escadas serem bastante íngremes e não terem corrimão completo, passando a abrir a discoteca apenas aos fins de semana, por forma a evitar os sobressaltos de reclamações, queixas e fiscalizações das entidades competentes.
Efetuada a citação da ré, esta contestou admitindo alguns dos factos articulados pelos autores e impugnando a esmagadora maioria deles, alegando, desde logo, em relação ao seu alegado objeto social, que não se cinge à exploração de discotecas, que não há qualquer dependência entre os contratos de arrendamento e de trespasse celebrados com os autores e, quanto à invocada nulidade do arrendamento, que os autores confundem licença de utilização do imóvel, com licença de estabelecimento, confusão realizada por desconhecimento ou por má-fé, pois que a licença que titula o contrato de arrendamento diz respeito à construção e licenciamento do imóvel, e foi indicada na escritura pública de arrendamento, encontrando-se em vigor, tendo sido emitida pela entidade competente, ao tempo a Junta Autónoma dos Portos do Norte, a qual tem vindo a ser devidamente prorrogada, sendo atualmente a Direção Regional do Ambiente Norte, a entidade que providenciou a sua renovação; o procedimento em marcha na Câmara Municipal da Póvoa de Varzim diz respeito ao licenciamento do estabelecimento comercial, o que no entanto não impede que o estabelecimento comercial se encontre devidamente autorizado, à data da celebração dos contratos; quanto à nulidade do trespasse, alega ser dona do estabelecimento comercial que integrava as licenças, móveis e respectivo recheio, integralmente pagos e identificados na relação anexa à escritura pública, sendo ainda certo que correndo termos no Município da Póvoa de Varzim, processo de licenciamento com vista a adaptação do estabelecimento comercial às novas normas em vigor, a verdade é que, enquanto tais obras não se iniciarem, a anterior licença mantém-se válida e em vigor, donde a obrigação de manutenção do estabelecimento aberto, até análise final do processo de licenciamento; sempre que o Município da Póvoa de Varzim pretendeu encerrar o estabelecimento comercial, teve decisão judicial que não lho permitiu; quanto às obras levadas a cabo pela autora, conforme se depreende da cláusula 4.ª do contrato de arrendamento, a autora não poderia ter levado a cabo tais obras de construção, sem se munir, previamente, das licenças administrativas que para o efeito estava obrigada, sob pena de caducidade do respectivo alvará e, ao atuar como o fez, permitiu que o Município ficasse legitimado a embargar de imediato; a ré desconhece a existência de qualquer embargo ou ordem de encerramento, para além daquelas que foram alvo de defesa no procedimento judicial administrativo, causando, no entanto, prejuízos de montante elevadíssimos, que, a final peticionará; a autora, a entender que lhe assiste razão quanto à falta de licenças, então, deveria entregar o imóvel, bem como o estabelecimento comercial, face aos parcos valores que pagou e assim deixava de pagar as prestações devidas, até porque os contratos foram realizados com reserva de propriedade a favor da ré, até integral pagamento do preço, que não vem sendo pago pela autora, nem assegurado pelo segundo autor, pois que mantendo o estabelecimento comercial fechado – com a aposição de dísticos indicativos de ser devido à falta de licenciamento – como o mantêm, atualmente, perdem a totalidade da clientela, desbaratando todo o capital acumulado por muitos e muitos anos; quanto às cláusulas cuja validade vem questionada, alega que as mesmas não são, nem poderão ser consideradas contrárias à lei e ofensivas da ordem pública e bons costumes, já que as mesmas não violam qualquer lei, mas, apenas pretendem acautelar o recebimento do valor de renda devida por quem arrendou um espaço e se encontra na sua posse, assim salvaguardando um direito legítimo do senhorio a receber a sua renda pelo imóvel que deu de arrendamento; a possibilidade prevista na cláusula 9.ª mais não é senão um modo de evitar a continuação do acumular de dívidas por parte da inquilina, permitindo, assim, por acordo das partes, a imediata resolução do problema e, em vez de aumentar a conflitualidade, permite o termo da relação contratual, sendo certo que o inquilino sempre tem a possibilidade de pagar a renda no tempo e lugar devidos, o que a autora não faz, nem pretende fazer; em relação aos prejuízos sofridos pelos autores, em momento algum a ré contribuiu para qualquer prejuízo que vem alegado e, desde logo em relação a coimas que os autores venham a pagar no âmbito da sua atividade, dever-se-á ter em conta o previsto nas cláusulas 3.ª e 4.ª dos contratos; desconhece a ré o valor que a primeira autora pretendia realizar com o trespasse do seu estabelecimento, onerado com reserva de propriedade, até integral pagamento, sendo certo que o seu valor de aquisição era de € 45.760,00, a pagar em 208 prestações; quanto aos valores peticionados para contratação de advogados, deverão os autores responsabilizar-se pelos mesmos honorários, pois a contratação, a ter existido, foi da sua única e exclusiva responsabilidade; em momento algum a ré causou, fosse de que modo fosse, prejuízos para a imagem da autora; pelo contrário, a sua imagem, enquanto proprietária do imóvel arrendado e do respetivo estabelecimento comercial, é que se encontra enxovalhada, face às calúnias da autora; arguiu a ilegitimidade dos autores para peticionar a reparação de prejuízos sofridos com a exploração do estabelecimento comercial, pois que, desde pelo menos Julho de 2010, a sociedade que explora o referido estabelecimento comercial denomina-se de “F… S.A.”, com sede no local por si arrendado, sociedade de que o segundo autor é administrador; alega que foi esta última sociedade que, no âmbito da sua atividade comercial, contratou publicidade, DJ'S, e teve toda e qualquer despesa havida com a normal atividade comercial do estabelecimento em causa e daí que a autora não tenha conseguido apresentar uma única despesas das muitas que alegou; o facto de ser outra sociedade a explorar o espaço, torna incompreensível a expetativa de a autora retirar lucros anuais de 500.000,00 €; não foram alegados factos tendentes a demonstrar a existência de quaisquer danos emergentes; é totalmente falso que a ré tivesse imposto à autora o pagamento de qualquer quantia à denominada “E… Limitada”; quanto aos emolumentos devidos à Notária, foi acordado entre autora e ré que os mesmos eram devidos por aquela, sendo que à data da realização de tais documentos autênticos, a ré apresentou os documentos necessários e legais à realização dos mesmos, os quais foram analisados pela Notária competente, que não vislumbrou qualquer irregularidade; nega que assista aos autores qualquer direito de retenção sobre o seu património, pois que de nenhum crédito dispõem.
A ré termina a sua contestação deduzindo pedido reconvencional, pretendendo haver dos autores, dele, a título principal, o valor global de € 91.249,10, referente a rendas e outras despesas, o valor de, pelo menos, 500.000 €, resultante da perda de clientes e do encerramento e não entrega do estabelecimento, neste período de Verão, valor a liquidar em execução de sentença até que o estabelecimento venha a poder ser aberto depois de lhe ser entregue; termina peticionando a condenação dos autores como litigantes de má-fé, em multa, quer em indemnização, que agora computa em € 30.000,00; subsidiariamente, caso venham a proceder os pedidos de declaração da nulidade invocados, pede a condenação dos autores, solidariamente, a entregar o arrendado e o estabelecimento comercial, bem como que seja relegado para execução de sentença o valor que vier a ser apurado como auferido pela autora na pendência dos presentes contratos, por força da exploração do seu estabelecimento comercial de …, … e …, a ser pago pelos autores à ré.
Os autores replicaram, reiterando as posições assumidas na petição inicial, invocaram a ineptidão da reconvenção e afirmaram ampliar a causa de pedir, alegando que os contratos de fornecimento de energia eléctrica a de água não passaram para a sua titularidade, em virtude de inexistir licença de utilização, situação que a autora não aceitou, que jamais a ré comunicou à autora que esta teria que autorizar obras a efetuar no locado ao abrigo de um licenciamento administrativo em curso.
A ré treplicou retomando a posição assumida na contestação, impugnando os factos aduzidos pelos autores para sustentar a alegada ampliação da causa de pedir e negando que o pedido reconvencional padeça de ineptidão.
Realizou-se audiência preliminar em duas sessões e, no decurso da primeira sessão, foi proferido despacho saneador, admitiu-se o pedido reconvencional julgando-se prejudicada a apreciação da ineptidão da reconvenção, fixou-se o valor da causa, deferiu-se a ampliação da causa de pedir e do pedido, relegou-se para final o conhecimento da ilegitimidade dos autores e procedeu-se à condensação da factualidade considerada relevante para a boa decisão da causa, discriminando-se os factos assentes dos controvertidos, estes últimos a integrar a base instrutória, sendo na segunda sessão oferecidos os meios de prova pelas partes e proferido despacho sobre os referidos requerimentos, relegando-se para final a apreciação sobre a realização de inspeção judicial e admitindo-se a prova pericial requerida pelos autores.
Realizou-se a prova pericial.
Efectuou-se a audiência final em quatro sessões, após o que foi proferida sentença[2] em cujo dispositivo se decidiu nos seguintes termos:
1. Pretensão da autora.
Julgar parcialmente procedente por provada a sua pretensão, em função do que, - se declara a nulidade das cláusulas 8.ª e 9.ª do contrato de arrendamento;
- se condena a ré a pagar à autora as despesas que teve que suportar, por ter recorrido aos serviços de advogado e por ter assumido as inerentes despesas judiciais, para defender a posse nos autos de embargos de terceiro que deduziu, cuja fixação em concreto, se relega para momento posterior, por falta de elementos que as permita fixar aqui e agora, - absolvendo-a do demais peticionado.
2. Pretensão da ré.
Julgar, parcialmente procedente por provado o pedido reconvencional, em função do que condenamos os autores, solidariamente, a pagar-lhe a quantia equivalente a € 70.980,00, bem como o valor das rendas e das prestações do preço do trespasse que se vencerem até à entrega do locado e do estabelecimento comercial, absolvendo-os do demais peticionado.
Inconformados com a sentença, os autores interpuseram recurso da mesma,
A recorrida contra-alegou pugnando pela total improcedência do recurso.
Solicitou-se ao tribunal a quo a remessa dos noventa e quatro documentos admitidos na sessão da audiência de discussão e julgamento realizada a 13 de Novembro de 2013 e apensados aos autos por linha, em conformidade com o despacho de admissão[3].
Colhidos os vistos legais, em decisão proferida em 12 de janeiro de 2015 decidiu-se neste Tribunal da Relação declarar nula a sentença por falta de fundamentos de direito, ex vi artigo 615º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil, na parte em que condenou os recorrentes ao pagamento de indemnização moratória, nulidade que se supriu, julgar parcialmente procedente a impugnação da decisão da matéria de facto, e, no mais, julgar improcedente o recurso de apelação, mantendo-se a decisão recorrida nesses segmentos impugnados.
Inconformados com a decisão deste Tribunal da Relação, B…, Lda. e C… interpuseram recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, sendo em 02 de junho de 2016 proferida decisão que concedeu a revista revogando o acórdão proferido em 12 de janeiro de 2015, declarando-se nulos os contratos de arrendamento e fiança e de trespasse e fiança celebrados entre autores e ré, determinando-se a remessa dos autos a este tribunal para que, se possível com os mesmos juízes, aprecie os mais pedidos formulados, quer em via principal quer em via reconvencional, partindo da nulidade dos contratos que se afirma.
Cumpre agora decidir.
2. Questões a decidir tendo em conta o objeto definido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02 de Junho de 2016
2. Pedidos dos autores[4]
2.1 da condenação da ré, em consequência da declaração de nulidade, no pagamento à primeira autora das seguintes indemnizações:
a) € 300.000,00, correspondentes à diminuição e redução de margem de lucro esperado, no período de 16 de Agosto de 2010 a 16 de Maio de 2011, num montante médio mensal de € 30.000,00, por cada mês de inexistência de licença de utilização;
b) € 30.000,00, correspondentes à diminuição e redução da margem de lucro esperado, por cada mês contado desde 16 de Maio de 2011 até à obtenção da licença e/ou indemnização à autora de todas as despesas e danos sofridos com os contratos celebrados sem licença de utilização válida e em vigor;
c) € 1.000.000,00, correspondentes ao lucro cessante, decorrente da valorização e maior valia que a autora iria retirar no trespasse do estabelecimento comercial, no final de um ano da sua exploração, e com a implementação e incremento dos seus conhecimentos específicos e especiais na área da discoteca e restauração, mas que era e é dependente da existência de licença de utilização que inexiste;
d) € 100.000,00, correspondente a danos e afetação da imagem comercial da autora, na sequência das diligências de penhoras com remoção;
e) € 94.460,00, correspondente à importância paga pela autora e recebida pela ré, a título de rendas devidas por um contrato de arrendamento nulo e referente a um espaço e estabelecimento comercial sem licença de utilização para o efeito;
f) € 2.164,80, correspondente à importância paga pela autora e recebida pela ré, a título e prestações de preço de um trespasse nulo, realizado para um estabelecimento comercial sem licença de utilização para o objeto social a que se destinava e contemplando bens e equipamentos que não pertencem à ré;
g) € 6.000,00, correspondente a despesas e emolumentos pagos e suportados pela autora com a celebração das escrituras de arrendamento e trespasse;
2.2 da condenação da ré ao pagamento a ambos os autores, na sequência da referida declaração de nulidade de ambos os contratos, da importância de € 251.000,00, correspondentes a parte do preço do trespasse que os autores pagaram e/ou assumiram pagar ao legal representante e gerente da empresa “E…, Lda.”, com o acordo, conhecimento e aceitação da ré, por forma a que fossem concretizados o arrendamento e trespasse celebrados entre autora e ré;
2.3 da condenação da ré ao pagamento aos autores dos prejuízos que se vierem a liquidar em sede de execução de sentença, relativos a coimas que vierem a ser aplicadas à autora, ou às entidades a quem esta ceda a exploração do estabelecimento comercial, decorrentes da inexistência de licença de utilização e das despesas efetuadas pela autora na aquisição de equipamentos, na realização de obras, na contratação de pessoal, em publicidade comercial e no normal desenrolar da sua atividade de exploração do estabelecimento comercial, que se fixam em montante nunca inferior a € 149.000,00, mas a serem contabilizadas e liquidadas em sede de execução de sentença;
2.4 da condenação da ré a reconhecer o direito da autora a reter o imóvel e estabelecimento comercial dados de arrendamento e trespasse, mas sem licença de utilização para o fim a que se destinava, até integral pagamento à autora de todas as despesas e danos causados pelos referidos contratos e negócios realizados sem título válido.
3. Pedido da ré
3.1 da condenação solidária dos autores a entregarem o arrendado, bem como o estabelecimento comercial e da condenação dos autores ao pagamento do valor que vier a ser apurado como auferido por ela na pendência dos presentes contratos, por força da exploração do seu estabelecimento comercial de …, … e ….
3. Fundamentos de facto resultantes da decisão do tribunal a quo na parte em que não foi impugnada ou em que a impugnação não procedeu, bem como da reapreciação da decisão da matéria de facto efectuada neste Tribunal da Relação no acórdão proferido em 12 de Janeiro de 2015, não afetado, nesta parte, pela revogação decretada pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 02 de junho de 2016
3.3.1 Factos provados
3.3.1.1
No exercício da atividade de autora e ré [, ambas] celebraram, entre si, a 16.8.2010, no Cartório Notarial da Dra. G…, no concelho de Esposende, duas escrituras públicas, de arrendamento e fiança e de trespasse e fiança, respetivamente, tendo-se a ré declarado dona e legítima possuidora de um prédio urbano composto por dois pavimentos e logradouro, situado na Avenida …, freguesia…, concelho da Póvoa de Varzim, inscrito na matriz urbana sob o artigo 5.382, com alvará de licença n.º 6/91, para a exploração de atividades de snack-bar, …, …, … e … e …, assumindo o segundo autor e garantindo pessoal e solidariamente com a primeira autora, perante a ré, o bom e integral pagamento e cumprimento de todas as obrigações decorrentes do respetivo trespasse (alínea A dos factos assentes).
3.3.1.2
Acordaram autora e ré que o arrendamento seria realizado pelo prazo de 208 meses, tendo o seu início no dia 16.8.2010 e termo em 1.1.2028, que a renda mensal a pagar por aquela a esta seria no montante de € 11.830,00 e que “a falta de pagamento de, pelo menos três rendas, concederá à senhoria o direito de resolver imediatamente o contrato de arrendamento, servindo este mesmo contrato como título executivo para a senhoria intentar a acção executiva para cobrança dos montantes em dívida” (alínea B dos factos assentes).
3.3.1.3
Acordaram autora e ré que “cumulativamente, a arrendatária autoriza a senhoria, na falta de pagamento de pelo menos aquelas três rendas, a entrar de imediato na posse do arrendado, sem recurso à via judicial, se esta assim o entender, considerando-se, de imediato, rescindido o presente contrato, cláusula essa que se estende a toda e qualquer entidade que venha a tomar a posição contratual da ora arrendatária”, assumindo o segundo autor e garantindo pessoal e solidariamente com a primeira autora, perante a ré, o bom e integral pagamento e cumprimento de todas as obrigações decorrentes do referido arrendamento (alínea C dos factos assentes).
3.3.1.4
Através do contrato de trespasse e fiança a ré declarou-se dona e legítima possuidora de um estabelecimento comercial (complexo comercial) de …, … e …., denominado D…, instalado no referido prédio que deu de arrendamento à autora, e pelo mesmo contrato, deu de trespasse à autora o referido estabelecimento comercial, com todos os elementos que o constituíam à data da escritura pública, nomeadamente todos os móveis e recheio que constam de uma relação anexa ao referido contrato de trespasse, bem como a respetiva licença; o preço do referido trespasse foi de € 45.760,00, a ser pago em duzentos e oito prestações mensais, iguais e sucessivas, de € 220,00 cada, reservando a ré para si a propriedade do estabelecimento até integral pagamento do preço, não permitindo a antecipação do pagamento do preço (alínea D dos factos assentes).
3.3.1.5
Autora e ré acordaram que aquela poderia, em qualquer altura do arrendamento, proceder ao levantamento de todo o recheio, incluindo máquinas e outros elementos do estabelecimento, desde que o seu levantamento não importasse a deterioração do imóvel onde se encontra instalado o estabelecimento, que no final do arrendamento relativo ao prédio onde se acha instalado o referido estabelecimento comercial, a autora teria direito a fazer seu o estabelecimento comercial, sem qualquer pagamento, já que a renda cobrada e definida no contrato de arrendamento foi negociada com esse pressuposto, sem prejuízo de a autora poder levantar o estabelecimento comercial, recheios e máquinas, no caso de cessação ou termo do arrendamento, a qualquer altura (alínea E dos factos assentes).
3.3.1.6
A autora levou a cabo no prédio e estabelecimento comercial mencionados, pinturas e substituição de elementos velhos que não poderão ser retirados sem detrimento do prédio arrendado (alínea F dos factos assentes).
3.3.1.7
A autora é uma sociedade que tem por objeto social a confeção, comercialização, importação, exportação e representação de têxteis, vestuário e seus acessórios, exploração de bares, discotecas e outros espaços de dança, cafetaria, pizzarias, gelatarias, restaurantes, salas de espetáculos e outras atividades conexas (resposta ao artigo 1º da base instrutória).
3.3.1.8
O segundo autor é o gerente da primeira autora (resposta ao artigo 2º da base instrutória).
3.3.1.9
A ré é uma sociedade que tem por objeto, também, a exploração de discotecas (resposta ao artigo 3º da base instrutória).
3.3.1.10
A licença n.º 6/91, que a ré declarou na escritura de arrendamento possuir, emitida pela Junta Autónoma dos Portos do Norte, diz apenas respeito à ocupação do domínio público hídrico (resposta ao artigo 4º da base instrutória).
3.3.1.11
A ré entregou na Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, em 29 de abril de 2008, o processo de licenciamento do prédio e estabelecimento comercial que arrendou e deu de trespasse à autora, que corre termos sob o processo de licenciamento 330/08, de que é autora e que se acha titulado em seu nome e que não se encontra concluído (resposta ao artigo 5º da base instrutória).
3.3.1.12
A ré foi notificada em 19.8.2008, pela Câmara Municipal da Póvoa de Varzim para se pronunciar, em 15 dias úteis, acerca da projetada ordem de cessação de utilização do estabelecimento, por não possuir título válido que lhe permita estar aberto ao público (resposta ao artigo 6º da base instrutória).
3.3.1.13
O processo de licenciamento que actualmente se encontra instruído pela ré, e em curso na Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, obrigará à realização de obras que consistem em construções, ampliações e alterações a introduzir no prédio e estabelecimento comercial dados de arrendamento e trespasse pela ré à autora permitindo a final à ré obter a licença de utilização do prédio para o fim a que o mesmo se destina (resposta ao artigo 7º da base instrutória).
3.3.1.14
A ré exige da autora o pagamento acrescido de metade da renda devida em cada um desses meses, ou seja, mais € 5.915,00 por cada mês em que a renda foi liquidada em atraso, ameaçando como tem feito sucessiva e constantes vezes, resolver os contratos e tomar posse imediata do arrendado, do estabelecimento comercial, e de todos os equipamentos e investimentos que a autora já realizou no mesmo (resposta ao artigo 12º da base instrutória).
3.3.1.15
A ré mudou a fechadura do imóvel, depois de o mesmo ter estado arrendado à “E…, Lda.”, que por sua vez havia cedido a sua exploração à sociedade “H…, Lda.” (resposta ao artigo 14º da base instrutória).
3.3.1.16
E na posse do estabelecimento, a ré arrendou-o e deu-o de trespasse à autora[5] (resposta ao artigo 15º da base instrutória).
3.3.1.17
Alguns dos bens e recheio do estabelecimento comercial que a ré deu de trespasse à autora não se encontravam integral ou parcialmente liquidados e pagos aos respectivos fornecedores (resposta ao artigo 17º da base instrutória).
3.3.1.18
No dia 17 de novembro de 2010, no âmbito do processo de execução nº 4111/10.6TBPVZ, que corria termos pelos Juízos de Execução de Guimarães, uma solicitadora de execução apresentou-se no estabelecimento comercial dado de trespasse pela ré à autora, propondo-se e pretendendo penhorar e remover diversos bens e equipamentos aí existentes e descritos no requerimento executivo daqueles autos (resposta ao artigo 18º da base instrutória).
3.3.1.19
A autora contactou advogado (resposta restritiva ao artigo 20º da base instrutória).
3.3.1.20
A autora deduziu embargos de terceiro nos autos de execução 1784/11.6TBGNR, anteriormente 4111/10.6TBGMR do 1.º Juízo Cível de Guimarães (resposta ao artigo 21º da base instrutória).
3.3.1.21
No dia 14 de fevereiro de 2011, uma solicitadora de execução deslocou-se ao estabelecimento comercial explorado pela autora e trespassado a esta pela ré, para realizar diligência de penhora no âmbito do processo executivo n.º 78/11.1TBPVZ, que corre termos pelo 2.º Juízo Cível deste Tribunal Judicial da Comarca da Póvoa de Varzim (resposta ao artigo 22º da base instrutória).
3.3.1.22
Por forma a evitar a remoção dos bens, a autora contactou e contratou advogado que, de imediato se deslocou ao estabelecimento comercial (resposta ao artigo 25º da base instrutória).
3.3.1.23
Em ambas as ocasiões destinadas à penhora, a autora exibiu os contratos de arrendamento e trespasse, para defender a sua posse e evitar a realização das penhoras e a remoção dos bens (resposta ao artigo 27º da base instrutória).
3.3.1.24
No dia 14 de fevereiro de 2011, a solicitadora de execução nomeada e encarregue da penhora não se mostrou sensível aos argumentos do advogado da autora nem tampouco aos documentos – contratos de arrendamento e trespasse – que lhe foram exibidos, chamando ao local agentes da P.S.P (resposta ao artigo 28º da base instrutória).
3.3.1.25
No 14 de fevereiro de 2011, a autora havia organizado um jantar destinado a comemorar o dia de S. Valentim (resposta ao artigo 29º da base instrutória).
3.3.1.26
A partir das 17.00 horas desse dia, todos os clientes que entravam no estabelecimento comercial da autora verificaram e constataram que esta estava a ser objeto de uma qualquer ordem judicial ou de penhora, tendo acorrido ao estabelecimento comercial três agentes da polícia (resposta ao artigo 31º da base instrutória).
3.3.1.27
A permanência do agente de execução e dos agentes de autoridade no estabelecimento comercial ocorreu entre as 11.50 e as 19.15 horas (resposta ao artigo 33º da base instrutória).
3.3.1.28
Em ambas as ocasiões em que ocorreram as diligências de penhora para remoção de bens o estabelecimento comercial estava aberto ao público (resposta ao artigo 26º da base instrutória).
3.3.1.29
Não existe um monta-cargas no espaço de cozinha (resposta ao artigo 37º da base instrutória).
3.3.1.30
Não existem nas instalações sanitárias masculinas vinte e cinco urinóis e dez sanitas, nem existem nas instalações sanitárias femininas vinte sanitas (resposta ao artigo 40º da base instrutória).
3.3.1.31
Não existe elevador de acesso aos pisos (resposta ao artigo 44º da base instrutória).
3.3.1.32
A ré requereu em 31.03.2011 à Câmara Municipal da Póvoa de Varzim o deferimento tácito do parecer da Delegação de Saúde, com fundamento na ausência de emissão de parecer no período fixado por lei (resposta ao artigo 45º da base instrutória).
3.3.1.33
Não houve qualquer comunicação ao Governo Civil por parte da ré relativamente à autorização de utilização (resposta ao artigo 50º da base instrutória).
3.3.1.34
A autora teve que contratar advogados e realizar despesas judiciais, para defender a posse dos equipamentos que iam ser penhorados e retirados, no que gastou montante não apurado (resposta ao artigo 60º da base instrutória).
3.3.1.35
A autora entregou à ré e ao Estado, a título de retenções, por contrapartida do arrendamento, até 10 de maio de 2011, a importância total de € 72.932,00 (resposta restritiva ao artigo 61º da base instrutória).
3.3.1.36
A autora entregou à ré, por contrapartida do trespasse, até 06 de janeiro de 2011, a quantia global de € 1.065,00 (resposta restritiva ao artigo 62º da base instrutória).
3.3.1.37
A autora despendeu a quantia de € 5.324,81 na celebração das escrituras públicas de arrendamento e de trespasse, correspondente quer a impostos, quer a emolumentos devidos ao Estado e à Notária (resposta restritiva ao artigo 63º da base instrutória).
3.3.1.38
A sociedade que detinha o direito ao arrendamento e trespasse do estabelecimento comercial, antes da celebração das escrituras públicas de arrendamento e trespasse por autora e ré, denominava-se “E…, Lda.”, pessoa colectiva n.º ……….., matriculada sob o mesmo número na Conservatória do Registo Comercial da Póvoa de Varzim, com sede no local do estabelecimento comercial arrendado à autora (resposta ao artigo 64º da base instrutória).
3.3.1.39
Para garantia da dívida no valor de € 216.000,00, o 2.º autor constituiu hipoteca sobre a fracção autónoma designada pela letra “G”, descrita na Conservatória do Registo Predial de Esposende sob o n.º1281 da freguesia de … e inscrita na matriz sob o artigo 2.119, a favor de I… (resposta ao artigo 70º da base instrutória).
3.3.1.40
A autora não pagou à ré quatro meses de renda do estabelecimento comercial arrendado[6] (resposta ao artigo 82º da base instrutória).
3.3.1.41
A autora não liquidou os montantes de, pelo menos, 15.000,00 € referentes ao consumo de energia eléctrica (resposta ao artigo 83º da base instrutória).
3.3.1.42
A primeira autora encerrou o estabelecimento e colocou dísticos indicativos do dito encerramento (resposta ao artigo 86º da base instrutória).
3.3.43
A sociedade denominada “F… S.A.”, contratou DJ'S, e assumiu a despesa, para os mesmos atuarem no estabelecimento arrendado[7] (resposta restritiva ao artigo 88º da base instrutória).
3.3.2 Factos não provados
3.3.2.1
Quando a ré arrendou à autora o referido prédio, com o destino de snack-bar, …, sabia que o mesmo não se encontrava licenciado pelas entidades competentes para a emissão do licenciamento, ou seja, a Câmara Municipal da Póvoa de Varzim e que podia não funcionar sem tal licença (resposta ao artigo 8º da base instrutória).
3.3.2.2
E sabia, não podendo desconhecer, que tal licença de utilização apenas seria emitida pela Câmara Municipal da Póvoa de Varzim após a obtenção de todas as licenças e autorizações necessárias e após a realização de obras no referido prédio e a obtenção de títulos a emitir pelos recursos hídricos, pelo Ministério do Ambiente e autoridades marítimas (resposta ao artigo 9º da base instrutória).
3.3.2.3
A ré sabia que a autora ia investir, como investiu, diversos milhares de euros na aquisição do trespasse do estabelecimento comercial, no arrendamento e nas obras de conservação, reparação, melhoramento, equipamentos e promoção comercial do prédio e estabelecimento comercial nele instalado (resposta ao artigo 10º da base instrutória).
3.3.2.4
As limitações à exploração do arrendado e estabelecimento comercial, decorrentes da inexistência de licença de utilização, provocaram uma redução dos lucros da autora que determinaram que em alguns meses a autora tenha atrasado um ou alguns dias o pagamento da renda, tendo ainda assim a ré recebido tais rendas (resposta ao artigo 11º da base instrutória).
3.3.2.5
Na ausência da autorização das entidades mencionadas em 9) da base instrutória poderão retirar à ré a concessão do prédio, e, subsequentemente, à autora, a sua posse, bem como ordenar a demolição do prédio (resposta ao artigo 13º da base instrutória).
3.3.2.6
Muitos dos bens e recheio do estabelecimento comercial que a ré deu de trespasse à autora pertencem à sociedade “H…, Ld.ª” (resposta ao artigo 16º da base instrutória).
3.3.2.7
O contacto da autora com advogado foi para que não sofresse o enxovalho de uma penhora e de remoção de bens, na presença de solicitador de execução e polícias chamados ao local (resposta restritiva e negativa ao artigo 20º da base instrutória).
3.3.2.8
Por forma a obstar tal penhora e remoção de bens que lhe haviam sido dados de trespasse, a autora chamou ao local o legal representante da ré, Sr. J…, para que este demonstrasse a titularidade e propriedade de tais bens que estavam a ser alvo e [Tribunal Judicial de Póvoa de Varzim[8]] objeto de penhora e remoção, e para que defendesse, em representação da ré, a propriedade de tais bens, de que tinha guardado a reserva por ocasião do trespasse celebrado com a autora, tendo a ré e o seu representante recusado deslocarem-se ao local (resposta ao artigo 19º da base instrutória).
3.3.2.9
Tendo aquela autora voltado novamente a solicitar a comparência do legal representante da ré, Sr. J…, para vir demonstrar a titularidade e propriedade dos bens dados de trespasse (resposta ao artigo 23º da base instrutória).
3.3.2.10
O legal representante da ré recusou-se a deslocar[-se] ao estabelecimento comercial que deu de trespasse à autora e recusou-se e não entregou até hoje, à autora, o comprovativo da compra e aquisição dos bens e equipamentos que iam ser objeto de penhora nesta, como na outra execução (resposta ao artigo 24º da base instrutória).
3.3.2.11
Durante todo o dia anterior a esse dia 14 de fevereiro, diversos clientes procuraram comprar e reservar, no estabelecimento comercial dado de trespasse à autora, entradas e bilhetes para o jantar, seguido de dança e música selecionada (resposta ao artigo 30º da base instrutória).
3.3.2.12
O chefe da P.S.P mandou permanecer no local e estabelecimento comercial dois agentes por forma a manterem a ordem pública (resposta restritiva ao artigo 32º da base instrutória).
3.3.2.13
O que perturbou a imagem da autora ao nível do seu comércio (resposta ao artigo 34º da base instrutória).
3.3.2.14
A ré sabe que a Autoridade de Saúde Concelhia, à data em que foi celebrada a escritura pública de arrendamento e trespasse, não havia dado parecer favorável à aprovação do licenciamento do estabelecimento comercial requerido pela ré, porquanto eram e são violadas diversas normas regulamentares e legais, atinentes à salubridade, saúde e segurança do estabelecimento comercial (resposta ao artigo 36º da base instrutória).
3.3.2.15
Os vestiários dos trabalhadores não estão equipados com cacifos individuais encerráveis (resposta ao artigo 38º da base instrutória).
3.3.2.16
As instalações sanitárias não cumprem os rácios legais (resposta ao artigo 39º da base instrutória).
3.3.2.17
As instalações sanitárias masculinas deveriam conter 25 urinóis e 10 sanitas e as instalações sanitárias femininas 20 sanitas (resposta restritiva ao artigo 40º da base instrutória).
3.3.2.18
Os urinóis existentes não possuem afastamento de 60 cm entre si e os urinóis e sanitas não existem e não são em número suficiente para o estabelecimento comercial (resposta ao artigo 41º da base instrutória).
3.3.2.19
Não existem instalações sanitárias para pessoas com mobilidade condicionada (resposta ao artigo 42º da base instrutória).
3.3.2.20
Não existem corrimões nas escadas de acesso aos diversos pisos (resposta ao artigo 43º da base instrutória).
3.3.2.21
Porque o prédio e estabelecimento comercial não se encontram licenciados, a autora vem explorando e utilizando o estabelecimento comercial em causa com variadas limitações e sempre com receio de ser intimada a encerrá-lo e a cessar a sua utilização a qualquer instante por ordem das autoridades competentes (resposta ao artigo 46º da base instrutória).
3.3.2.22
A autora deixou de explorar o estabelecimento de restaurante, porquanto não existem meios elevatórios ao primeiro andar, para cidadãos de mobilidade reduzida, e as escadas existentes são bastante íngremes e não têm corrimão completo (resposta ao artigo 47º da base instrutória).
3.3.2.23
A Autora passou a abrir o estabelecimento comercial de discoteca apenas aos fins de semana, por forma a evitar os sobressaltos de reclamações, queixas e fiscalizações das entidades competentes durante o horário de expediente semanal (resposta ao artigo 48º da base instrutória).
3.3.2.24
Os clientes do …., do … e da … têm que subir e descer escadas, quer para aceder aos diferentes espaços do estabelecimento comercial, quer para se deslocarem até à cave e quartos de banho na mesma instalados (resposta ao artigo 49º da base instrutória).
3.3.2.25
Em consequência da inexistência de [licença de[9]] utilização a autora poderá ter que pagar uma coima até € 22.445,91, por não ter comunicado ao Governo Civil territorialmente competente, no prazo de 30 dias, a obtenção de autorização de utilização do estabelecimento, o início de atividade, as caraterísticas técnicas dos equipamentos eletrónicos de vigilância instalados e a identificação do responsável pela gestão do sistema de segurança (resposta ao artigo 51º da base instrutória).
3.3.2.26
A autora aceitou pagar a renda de € 11.830,00 na expetativa de explorar na máxima plenitude o prédio e estabelecimento comercial que lhe foram dados de arrendamento e trespasse (resposta ao artigo 52º da base instrutória).
3.3.2.27
A autora aceitou ainda outorgar o arrendamento e trespasse relativos ao prédio e estabelecimento comercial porque pretendia investir em equipamentos, publicidade e clientela, potenciando a valorização do negócio por si transacionado e adquirido (resposta ao artigo 53º da base instrutória).
3.3.2.28
A autora tinha intenção de vir a dar de trespasse o referido estabelecimento comercial, no final do primeiro ano de exploração, por um preço nunca inferior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros) e tal não sucedeu por falta de licenças para o exercício da atividade e porque variados equipamentos do estabelecimento comercial não pertenceram nem pertencem à ré (resposta ao artigo 54º da base instrutória).
3.3.2.29
A autora contratou diversa publicidade, Disc Jockeys (DJ’s) de todo o mundo, em largo número, sendo em algumas festas mais de dez DJ’s famosos, em cada festa, valorizando em mais de 1000% o estabelecimento comercial que anteriormente existia naquele espaço (resposta ao artigo 55º da base instrutória).
3.3.2.30
Da exploração plena e máxima dos diversos espaços de restauração, …, snack-bar, …. e …, a autora estimava retirar lucros anuais médios de € 500.000,00, tendo em consideração a intensidade de consumo e clientela no Verão, mas também nos diversos eventos festivos ao longo do ano, designadamente Passagem de Ano, Carnaval, Dia das Bruxas, Dia dos Namorados e outros (resposta ao artigo 56º da base instrutória).
3.3.2.31
A autora viu reduzida a sua margem de lucro, decorrente das limitações de exploração dos espaços determinadas pela inexistência de licença de autorização de utilização do estabelecimento comercial em quantia média mensal de € 30.000,00 (trinta mil euros) e que totaliza desde o início do arrendamento e trespasse até ao presente, em montante não inferior a € 300.000,00 (trezentos mil euros) (resposta ao artigo 57º da base instrutória).
3.3.2.32
A autora contratou pessoal e celebrou diversos contratos de prestação de serviços e de exploração, que a determinam e impõem a manter aberto o estabelecimento comercial, por forma a cumprir, ainda que parcialmente e/ou com dificuldade, as obrigações, compromissos e pagamentos a que se obrigou, tendo prejuízos, consubstanciados em danos emergentes decorrentes de tais aquisições e investimentos, em montante nunca inferior a € 400.000,00 (resposta ao artigo 58º da base instrutória).
3.3.2.33
E, por isso, sofreu danos irreversíveis na sua imagem comercial, que afetaram a clientela e a rendibilidade da empresa autora, em montante nunca inferior a € 100.000,00 (cem mil euros) (resposta ao artigo 59º da base instrutória).
3.3.2.34
A autora entregou à ré, e ao Estado, a título de retenções, por contrapartida do arrendamento, até ao presente, ou seja, até 16 de maio de 2011, a importância total de € 94.640,00 (noventa e quatro mil seiscentos e quarenta euros) (resposta ao artigo 61º da base instrutória).
3.3.2.35
A autora entregou à ré, por contrapartida do trespasse, até ao presente, ou seja, até 16 de maio de 2011, a quantia de € 2.164,80 (dois mil cento e sessenta e quatro euros e oitenta cêntimos) (resposta ao artigo 62º da base instrutória).
3.3.2.36
A autora despendeu a importância de aproximadamente € 6.000,00 na celebração das escrituras públicas de arrendamento e de trespasse, correspondente quer a impostos, quer a emolumentos devidos ao Estado e Notária (resposta ao artigo 63º da base instrutória).
3.3.2.37
O legal representante e gerente da sociedade “E…, Lda.” é o sr. I… natural da República … e residente na Avenida …, n.º../...º andar, freguesia…, concelho da Póvoa de Varzim; para que a referida sociedade E…, Lda., representada por I…, não manifestasse oposição ao contrato de arrendamento e ao contrato de trespasse que a ré pretendia celebrar com a autora, designadamente para que a referida sociedade “E…, Lda.”, representada por I…, entregasse voluntariamente a posse do imóvel à ré, para que esta de seguida o arrendasse e desse de trespasse à autora, aquela impôs a esta que lhe fosse entregue a importância de € 251.000,00 (duzentos e cinquenta e um mil euros) (resposta ao artigo 65º da base instrutória).
3.3.2.38
Destinava-se tal importância a fazer pagamento do trespasse do estabelecimento comercial (resposta ao artigo 66º da base instrutória).
3.3.2.39
Que a ré aceitou e colocou como condição fosse liquidado e entregue pela autora à empresa E…, Lda., por forma a poder obter a posse do seu imóvel sem conflitos físicos ou judiciais (resposta ao artigo 67º da base instrutória).
3.3.2.40
Porém, porque a autora não dispunha de tal quantia, negociaram todos, autora, ré e empresa E…, Lda., o seguinte:
a) a autora entregava, como entregou efectivamente, à empresa E…, Lda., a quantia de € 35.000,00, destinando-se parte a fazer pagamento pela E…, Lda. à ré de rendas em atraso, e a restante parte a liquidar parcialmente o preço do trespasse;
b) o gerente da autora, segundo autor, confessava-se devedor ao gerente da empresa E…, Lda., Sr. I…, da restante importância devida pela autora àquela sociedade E…, Lda., por contrapartida do trespasse parcial, comprometendo-se a liquidar tal importância em 72 prestações mensais e sucessivas, no montante de € 3.000,00 (três mil euros) cada, vencendo-se a primeira no dia 16 de setembro de 2011 e as restantes no mesmo dia dos meses subsequentes (resposta ao artigo 68º da base instrutória).
3.3.2.41
A importância de € 35.000,00 foi efectivamente paga pelos autores à sociedade E…, Lda., como contrapartida do trespasse que se veio e vem a verificar corresponder a um estabelecimento comercial que tinha ordem de cessação de atividade e não está licenciado (resposta ao artigo 69º da base instrutória).
3.3.2.42
Tais importâncias foram aceites liquidar pelo segundo autor no pressuposto e condição que o contrato de arrendamento e trespasse realizados com a autora, eram válidos e possuíam licenças que permitiam explorar e gerir na plenitude, e sem quaisquer limitações, o estabelecimento comercial dado de arrendamento e trespasse (resposta ao artigo 71º da base instrutória).
3.3.2.43
A ré participou nas negociações havidas entre as sociedades, nas quais participaram ainda os gerentes de todas elas, sabendo que era pressuposto e condição da celebração dos contratos de arrendamento e trespasse com a autora, a entrega por aquela, ou pelo seu gerente, à sociedade E…, Lda., ou ao seu gerente, da importância de € 251.000,00 (resposta ao artigo 72º da base instrutória).
3.3.2.44
A ré conformou-se com o referido pagamento e assunção de responsabilidade de pagamento da quantia de € 251.000,00 pelo segundo autor ao sr. I…, referente ao pagamento de parte do preço do trespasse devido pelo estabelecimento comercial, bem sabendo, como não desconhecia, que o estabelecimento comercial não tinha licença de utilização e que existia uma ordem, emanada em agosto de 2008, que determinava a cessação da atividade do estabelecimento comercial (resposta ao artigo 73º da base instrutória).
3.3.2.45
Após a autora e o seu representante terem entregue a importância de € 35.000,00, e assumido o pagamento da quantia restante de € 216.000,00, à empresa E…, Lda., a ré exigiu desta uma declaração de entrega do imóvel e estabelecimento comercial (resposta ao artigo 74º da base instrutória).
3.3.2.46
E só após a entrega de tal declaração, com assinatura reconhecida, aceitou e acedeu a ré a celebrar com a autora os contratos de arrendamento e trespasse que outorgou na mesma data de 16 de agosto de 2011, no mesmo local e em atos notariais sucessivos e interligados (resposta ao artigo 75º da base instrutória).
3.3.2.47
As obras levadas a cabo pela autora foram realizadas sem licenciamento (resposta ao artigo 76º da base instrutória).
3.3.2.48
A autora sabia que não podia levar a cabo obras de construção, referentes a melhoramento e a adaptação, sem estar munida das respectivas licenças (resposta ao artigo 77º da base instrutória).
3.3.2.49
Encontrando-se na posse da autora o alvará (resposta ao artigo 79º da base instrutória).
3.3.2.50
Todos estes factos eram do conhecimento dos autores à data da celebração dos contratos que se encontram em crise neste procedimento judicial (resposta ao artigo 80º da base instrutória).
3.3.2.51
A autora desde janeiro de 2011 e quanto ao trespasse não liquidou o valor de € 825,00, bem como não liquidou as diferenças da taxa de IVA, dos meses de janeiro, fevereiro e março de 2011 (resposta ao artigo 81º da base instrutória).
3.3.2.52
E não liquidou o valor de € 3.714,91 devido à falta de pagamento das tarifas de água, saneamento e lixo (resposta ao artigo 84º da base instrutória).
3.3.2.53
A autora pagou à ré, pelo trespasse do estabelecimento, até à presente data, o valor de € 1.881,00, equivalente a sete prestações iguais, a que deve ser deduzida a diferença de IVA, ainda não paga (resposta ao artigo 85º da base instrutória).
3.3.2.54
O encerramento do estabelecimento cria um prejuízo à reconvinte em valor não inferior a € 500.000,00, resultante da perda de clientes, e do mesmo se encontrar encerrado e não entregue à reconvinte neste período de Verão, período esse que é dos melhores para a sua rentabilidade (resposta ao artigo 89º da base instrutória).
3.3.2.55
Face às obras efetuadas pela reconvinda, sem prévia autorização do Município da Póvoa de Varzim e demais entidades competentes, a reconvinte corre o sério risco de ver, por força de tal facto, o seu estabelecimento comercial continuar encerrado, quando o mesmo lhe for entregue (resposta ao artigo 90º da base instrutória).
3.3.2.56
A autora procurou alterar a titularidade dos contratos de eletricidade e água junto das entidades competentes, designadamente junto da EDP e da Loja do Ambiente da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, tendo exibido os contratos de arrendamento e trespasse e solicitado a alteração do titular dos respetivos contratos, da ré para a autora (resposta ao artigo 91º da base instrutória).
3.3.2.57
O que não conseguiu dado o imóvel e o estabelecimento comercial, respetivamente arrendados e dados de trespasse à autora, não possuírem licença de utilização e/ou funcionamento (resposta ao artigo 92º da base instrutória).
3.3.2.58
Por tal motivo, a ré comunicou à autora que os referidos contratos teriam que se manter na sua titularidade ou nome, liquidando-lhe depois a autora os débitos que ela lhe exigisse (resposta ao artigo 93º da base instrutória).
3.3.2.59
Desde, pelo menos, julho de 2010 e até ao encerramento do estabelecimento, foi a sociedade denominada “F… S.A.”, com sede no local arrendado pela ora ré, que explorou tal estabelecimento comercial, sociedade essa que detém como administrador o segundo autor (resposta ao artigo 87º da base instrutória).
4. Fundamentos de direito
4.1 Pedidos dos autores
4.1.1 da condenação da ré, em consequência da declaração de nulidade, no pagamento à primeira autora das seguintes indemnizações:
a) € 300.000,00, correspondentes à diminuição e redução de margem de lucro esperado, no período de 16 de Agosto de 2010 a 16 de Maio de 2011, num montante médio mensal de € 30.000,00, por cada mês de inexistência de licença de utilização;
b) € 30.000,00, correspondentes à diminuição e redução da margem de lucro esperado, por cada mês contado desde 16 de Maio de 2011 até à obtenção da licença e/ou indemnização à autora de todas as despesas e danos sofridos com os contratos celebrados sem licença de utilização válida e em vigor;
c) € 1.000.000,00, correspondentes ao lucro cessante, decorrente da valorização e maior valia que a autora iria retirar no trespasse do estabelecimento comercial, no final de um ano da sua exploração, e com a implementação e incremento dos seus conhecimentos específicos e especiais na área da discoteca e restauração, mas que era e é dependente da existência de licença de utilização que inexiste;
d) € 100.000,00, correspondente a danos e afetação da imagem comercial da autora, na sequência das diligências de penhoras com remoção;
e) € 94.460,00, correspondente à importância paga pela autora e recebida pela ré a título de rendas devidas por um contrato de arrendamento nulo e referente a um espaço e estabelecimento comercial sem licença de utilização para o efeito;
f) € 2.164,80, correspondente à importância paga pela autora e recebida pela ré a título e prestações de preço de um trespasse nulo, realizado para um estabelecimento comercial sem licença de utilização para o objeto social a que se destinava e contemplando bens e equipamentos que não pertencem à ré;
g) € 6.000,00, correspondente a despesas e emolumentos pagos e suportados pela autora com a celebração das escrituras de arrendamento e trespasse;
4.1.2 da condenação da ré ao pagamento a ambos os autores, na sequência da referida declaração de nulidade de ambos os contratos, da importância de € 251.000,00, correspondentes a parte do preço do trespasse que os autores pagaram e/ou assumiram pagar ao legal representante e gerente da empresa “E…, Lda.”, com o acordo, conhecimento e aceitação da ré, por forma a que fossem concretizados o arrendamento e trespasse celebrados entre autora e ré;
4.1.3 da condenação da ré ao pagamento aos autores dos prejuízos que se vierem a liquidar em sede de execução de sentença, relativos a coimas que vierem a ser aplicadas à autora, ou às entidades a quem esta ceda a exploração do estabelecimento comercial, decorrentes da inexistência de licença de utilização e das despesas efetuadas pela autora na aquisição de equipamentos, na realização de obras, na contratação de pessoal, em publicidade comercial e no normal desenrolar da sua atividade de exploração do estabelecimento comercial, que se fixam em montante nunca inferior a € 149.000,00, mas a serem contabilizadas e liquidadas em sede de execução de sentença;
4.1.4 da condenação da ré a reconhecer o direito da autora a reter o imóvel e estabelecimento comercial dados de arrendamento e trespasse, mas sem licença de utilização para o fim a que se destinava, até integral pagamento à autora de todas as despesas e danos causados pelos referidos contratos e negócios realizados sem título válido.
4.2. Pedido da ré
4.2.1 da condenação solidária dos autores a entregarem o arrendado, bem como o estabelecimento comercial e da condenação dos autores ao pagamento do valor que vier a ser apurado como auferido por ela na pendência dos presentes contratos, por força da exploração do seu estabelecimento comercial de …, … e ….
Por força do disposto no nº 1, do artigo 289º do Código Civil, “[t]anto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
As obrigações recíprocas de restituição que incumbem às partes por força da nulidade ou anulação do negócio devem ser cumpridas simultaneamente, sendo extensivas ao caso, na parte aplicável, as normas relativas à exceção de não cumprimento” (artigo 290º do Código Civil).
A obrigação de restituição recíproca que recai sobre as partes intervenientes no contrato nulo visa a sua reposição, tanto quanto possível, no estado em que se encontravam no momento em que celebraram o contrato declarado nulo, isto é visa colocar as partes na situação em que estariam se não tivessem celebrado o negócio declarado nulo.
Daí que, por via de regra, o dano que se indemniza nestes casos é o dano negativo e não o dano positivo[10], o que não significa que não devam ser indemnizados lucros cessantes, nomeadamente no caso de oportunidades perdidas por força da celebração do contrato invalidado.
No caso de contratos nulos que envolvem a concessão onerosa do gozo de coisas, porque esta utilidade não é passível de ser restituída, tem-se entendido que a contrapartida do gozo convencionada pelas partes deve ser retida por aquela que concede o gozo e como sucedâneo da impossível restituição do gozo da coisa[11] por aquela que fruiu a coisa.
Expostas estas noções básicas, analisemos cada uma das pretensões formuladas pelas partes[12], na eventualidade de declaração de nulidade dos contratos ajuizados.
As pretensões dos autores de condenação da ré, ao pagamento à primeira autora das indemnizações de € 300.000,00, correspondentes à diminuição e redução de margem de lucro esperado, no período de 16 de Agosto de 2010 a 16 de Maio de 2011, num montante médio mensal de € 30.000,00, por cada mês de inexistência de licença de utilização, de € 30.000,00, correspondentes à diminuição e redução da margem de lucro esperado, por cada mês contado desde 16 de Maio de 2011 até à obtenção da licença e/ou indemnização à autora de todas as despesas e danos sofridos com os contratos celebrados sem licença de utilização válida e em vigor, de € 1.000.000,00, correspondentes ao lucro cessante, decorrente da valorização e maior valia que a autora iria retirar no trespasse do estabelecimento comercial, no final de um ano da sua exploração, e com a implementação e incremento dos seus conhecimentos específicos e especiais na área da discoteca e restauração, mas que era e é dependente da existência de licença de utilização que inexiste, correspondem a danos positivos, isto é danos que não teriam sido sofridos se os contratos não enfermassem da nulidade que determinou a extinção retroativa dos vínculos contratuais celebrados entre as partes em 16 de agosto de 2011. Por isso, logo por essa razão, estas pretensões indemnizatórias não têm guarida legal e, ainda que assim não fora, também é certo que não resultaram provados os factos que as poderiam suportar (vejam-se os factos não provados em 3.3.2.31 e 3.3.2.28).
No que respeita a indemnização por danos e afetação da imagem comercial da autora, na sequência das diligências de penhoras com remoção, atenta a factualidade não provada em 3.3.2.33, é patente que essa pretensão improcede.
Relativamente à quantia de € 94.460,00, correspondente à importância alegadamente paga pela autora e recebida pela ré a título de rendas devidas por um contrato de arrendamento nulo e referente a um espaço e estabelecimento comercial sem licença de utilização para o efeito, sendo certo que tal matéria não resultou provada (veja-se o facto não provado em 3.3.2.34), apenas se tendo provado que a autora pagou à ré e ao Estado, a título do gozo do arrendado, por contrapartida do arrendamento, até 10 de maio de 2011, a importância total de € 72.932,00 (resposta restritiva ao artigo 61º da base instrutória e ponto 3.3.1.35 dos factos provados), correspondendo essa importância à contrapartida do gozo do imóvel[13] até maio de 2011 e não podendo a autora restituir esse gozo, tem a senhoria o direito a reter o montante que a tal título recebeu da arrendatária.
No que respeita à indemnização de € 2.164,80, correspondente à importância alegadamente paga pela autora e recebida pela ré a título e prestações de preço de um trespasse nulo, realizado para um estabelecimento comercial sem licença de utilização para o objeto social a que se destinava e contemplando bens e equipamentos que não pertencem à ré, importa não perder de vista a factualidade não provada sob o nº 3.3.2.35, apenas se tendo provado o pagamento, a tal título, da quantia de € 1.065,00 (factos provados sob o nº 3.3.1.36). Correspondendo este último montante ao pagamento fracionado ajustado e devido pela transmissão “definitiva”[14] e onerosa da titularidade em termos de direito de propriedade de um estabelecimento comercial e tendo sido declarado nulo esse contrato de trespasse, tem a trespassária o direito a haver da trespassante o montante que lhe entregou a tal título.
No que tange a quantia de € 6.000,00, correspondente a despesas e emolumentos pagos e suportados pela autora com a celebração das escrituras de arrendamento e trespasse, importa não olvidar, por um lado, a matéria não provada sob o ponto 3.3.2.36 e, por outro lado, da factualidade provada sob o nº 3.3.1.37 resulta que o montante efetivamente despendido pela autora ao aludido título foi de € 5.324,81, importância que a autora teria a haver da ré, se estivessem reunidos os pressupostos legais da responsabilidade pré-contratual (artigo 227º do Código Civil), dado tratar-se de uma despesa frustrada por força da invalidade que afetou os contratos, despesa que a autora não teria realizado caso não tivesse celebrado os referidos contratos. De facto, a factualidade alegada pelos autores no sentido de demonstrar uma conduta da ré contrária às exigências da boa-fé não se provou, sendo a provada insuficiente para concluir pela verificação de uma conduta culposa da ré que levou à celebração dos contratos declarados nulos.
No quadro de uma mera obrigação de restituição por força da declaração de nulidade e estando em causa valores que não foram recebidos pela ré, há que concluir pela improcedência desta pretensão.
A pretensão de ambos os autores no sentido da ré ser condenada ao pagamento, na sequência da referida declaração de nulidade de ambos os contratos, da importância de € 251.000,00, correspondente a parte do preço do trespasse que os autores pagaram e/ou assumiram pagar ao legal representante e gerente da empresa “E…, Lda.”, com o acordo, conhecimento e aceitação da ré, por forma a que fossem concretizados o arrendamento e trespasse celebrados entre autora e ré, não tem base factual de suporte, atenta a matéria não provada sob o nº 3.3.2.37 a 3.3.2.46, razão pela qual improcede.
Quanto à pretensão dos autores de que a ré seja condenada ao pagamento aos autores dos prejuízos que se vierem a liquidar em sede de execução de sentença, relativos a coimas que vierem a ser aplicadas à autora, ou às entidades a quem esta ceda a exploração do estabelecimento comercial, decorrentes da inexistência de licença de utilização e das despesas efetuadas pela autora na aquisição de equipamentos, na realização de obras, na contratação de pessoal, em publicidade comercial e no normal desenrolar da sua atividade de exploração do estabelecimento comercial, que se fixam em montante nunca inferior a € 149.000,00, mas a serem contabilizadas e liquidadas em sede de execução de sentença, atenta a factualidade não provada em 3.3.2.25 e 3.3.2.32, bem como o que se provou em 3.3.1.6, é patente inexistir base fáctica que lhe dê suporte. De facto, a matéria de facto provada em 3.3.1.6 não é sequer suficiente para que tais trabalhos possam ser qualificados como benfeitorias úteis, já que não resulta da mesma que a coisa em que foram aplicadas as pinturas e os elementos substituídos tenha aumentado de valor.
Finalmente, a autora pede que a ré seja condenada a reconhecer o direito da autora a reter o imóvel e estabelecimento comercial dados de arrendamento e trespasse, mas sem licença de utilização para o fim a que se destinava, até integral pagamento à autora de todas as despesas e danos causados pelos referidos contratos e negócios realizados sem título válido.
Vejamos.
O direito de retenção é um direito real de garantia concedido, em geral, ao devedor que disponha de um crédito contra o seu credor quando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dessa coisa ou de danos por ela causados (artigo 754º, do Código Civil).
No caso em apreço, não se preenche nenhuma das hipóteses especiais em que a lei civil atribui o direito real de retenção (artigo 755º do Código Civil).
Os créditos reconhecidos à autora são as despesas que efetuou com honorários a advogado para defesa da posse de alguns bens móveis integrantes do estabelecimento comercial e parte do preço do trespasse que pagou à ré.
A nosso ver, os créditos que derivam da restituição de parte do preço do trespasse pago pela autora não se podem considerar despesas feitas por causa do estabelecimento comercial que está obrigada a restituir à ré. De facto, trata-se de parte da contrapartida que foi ajustada a título de preço do trespasse, tendo por causa o contrato e não a detenção da coisa.
Pelo contrário, a condenação ilíquida ao pagamento dos honorários pagos a advogado para defesa da posse de alguns bens móveis integrantes do estabelecimento comercial, respeita a despesas realizadas pela autora para conservação da integridade do estabelecimento comercial que lhe foi entregue.
Nesta medida, atendendo a que a liquidez não é um requisito do reconhecimento do direito real de retenção (artigo 757º, nº 2, do Código Civil), assiste à autora o direito real de retenção do estabelecimento comercial mas apenas para garantia do pagamento daquele crédito ilíquido.
Anote-se que o direito de retenção respeita apenas ao estabelecimento comercial, como coisa sui generis, integrada pelos bens móveis relacionados aquando da celebração do contrato de trespasse e incluindo-se nele o direito ao arrendamento do local onde está instalado, pois, não obstante o nítido intento das partes de autonomizarem os dois negócios (vejam-se as cláusulas terceira e quarta do contrato de trespasse)[15], tendo o arrendamento um prazo fixo, não renovável, não menos certo é que o gozo proporcionado pelo contrato de arrendamento se apresenta como um dos elementos do estabelecimento comercial.
Na realidade, o título por que se dispõe do espaço físico onde funciona um estabelecimento comercial pode apresentar as mais variadas configurações, podendo ser, por exemplo, um direito de propriedade, um direito de usufruto, um arrendamento ou um comodato. A existência de um título distinto para o gozo do imóvel onde funciona o estabelecimento daquele que incide sobre este não permite por si incluir ou excluir a disponibilidade do imóvel dos elementos do estabelecimento comercial, relevando sim a real importância que esse gozo apresenta no concreto estabelecimento e na sua “revelação” como objeto de direito. Acrescente-se ainda que, dada a fisionomia do estabelecimento comercial em causa, estabelecimento de diversão, em área balnear, dificilmente se poderá cindir do local onde está instalado e funciona, inserindo-se o direito ao local tendencialmente no chamado âmbito mínimo do estabelecimento comercial[16].
Apreciemos agora a pretensão reconvencional subsidiária de condenação solidária dos autores a entregarem o arrendado, bem como o estabelecimento comercial e da condenação dos autores ao pagamento do valor que vier a ser apurado como auferido pela autora na pendência dos presentes contratos, por força da exploração do seu estabelecimento comercial de …, …. e ….
Por força da declaração de nulidade do contrato de arrendamento e do contrato de trespasse do estabelecimento comercial instalado no arrendado, obrigado à restituição do arrendado bem como do estabelecimento comercial é a arrendatária e a trespassante, ou seja a autora (vejam-se os pontos 3.3.1.1 a 3.3.1.4 dos factos provados). O autor, mero garante e que não assumiu as qualidades jurídicas de arrendatário e de trespassário, não tem nenhuma obrigação de restituição desses bens à ré senhoria e trespassante, tal como não se divisa que fonte obrigacional poderia obrigar o autor a pagar à ré os proventos que a autora auferisse na exploração do estabelecimento comercial que lhe foi trespassado.
Apreciemos agora se a pretensão reconvencional subsidiária procede contra a autora.
Dúvidas não subsistem que a autora está obrigada a restituir à ré o arrendado e o estabelecimento comercial por força da declaração de nulidade dos contratos que titulavam o gozo desses objetos de direito nos termos previstos no nº 1, do artigo 289º, do Código Civil, sendo certo que antes se concluiu que a autora tem direito de retenção sobre o estabelecimento comercial para garantia de pagamento de um crédito ilíquido, integrando-se no estabelecimento, como seu elemento, o direito ao arrendamento sobre o local onde está instalado. Por isso, o dever de restituição do estabelecimento comercial e do local onde funciona, como seu elemento, não pode prejudicar a subsistência daquele direito real de garantia, apenas se podendo efetivar logo que se extinga aquela garantia real.
Debrucemo-nos agora sobre a pretensão da ré de condenação da autora ao pagamento dos proventos auferidos na exploração do estabelecimento comercial que lhe foi trespassado.
De acordo com o disposto no nº 3, do artigo 289º do Código Civil, é aplicável à obrigação de restituição fundada na declaração de nulidade ou na anulação de negócio jurídico o que vem previsto em matéria de efeitos da posse.
Ora, por força do disposto no nº 1, do artigo 1270º do Código Civil, o possuidor de boa-fé faz seus os frutos naturais percebidos até ao dia em que souber que está a lesar com a sua posse o direito de outrem e os frutos civis correspondentes ao mesmo período. Além disso, por força da conjugação dos artigos 758º e 672º, nº 1, do Código Civil, os frutos da coisa retida serão encontrados nas despesas feitas com ela e nos juros vencidos, devendo o excesso, na falta de convenção em contrário, ser abatido no capital que for devido.
A citação para a reconvenção fez cessar a boa-fé da autora (artigo 481º, alínea a), do Código de Processo Civil, na redação que vigorava quando ocorreu a notificação da pretensão reconvencional e a que corresponde, sem alterações, o artigo 564º, alínea a) do atual Código de Processo Civil), mantendo-se contudo a licitude da detenção do estabelecimento comercial por força do direito de retenção que lhe assiste. Com estas balizas, dir-se-ia que a existir uma eventual obrigação da autora de pagar à ré os proventos auferidos na exploração do estabelecimento comercial, ela apenas se constituiria após a notificação da autora para contestar o pedido reconvencional.
No entanto, afigura-se-nos que a improcedência total deste segmento da pretensão reconvencional tem raízes mais profundas e que assentam na ausência de factos provados que, ao menos de modo ilíquido, permitam concluir que a autora tem vindo a retirar proventos da exploração do estabelecimento comercial que lhe foi trespassado por contrato declarado nulo.
Assim, pelo exposto, conclui-se pela parcial procedência quer da ação, quer da pretensão reconvencional subsidiária, nos termos que se acabam de expor.
As custas quer da ação e do recurso de apelação são na exata proporção da sucumbência, sendo as da reconvenção da proporção de quatro quintos para a reconvinte e de um quinto para a reconvinda (artigo 527º, nºs 1 e 2. do Código de Processo Civil).
5. Dispositivo
Pelo exposto, em audiência, neste recurso de apelação em que são recorrentes B…, Lda. e C… e recorrida D…, Lda., os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto, em cumprimento do decidido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02 de junho de 2016, acordam:
a) em julgar parcialmente procedente a ação e, em consequência, sem prejuízo da decisão já transitada em julgado condenando D…, Lda. a pagar “pagar à autora as despesas que teve que suportar, por ter recorrido aos serviços de advogado e por ter assumido as inerentes despesas judiciais, para defender a posse nos autos de embargos de terceiro que deduziu, cuja fixação em concreto, se relega para momento posterior, por falta de elementos que as permita fixar aqui e agora”, condena-se D…, Lda. a restituir a B…, Unipessoal, Lda. a quantia de mil e sessenta e cinco euros, recebida pela ré a título de parte do preço do trespasse, reconhecendo-se à autora o direito de retenção do estabelecimento comercial instalado na Avenida …, em prédio urbano composto de dois pavimentos, na freguesia e concelho de Póvoa de Varzim, inscrito na matriz sob o artigo 5382, para garantia do pagamento do crédito ilíquido que lhe foi reconhecido na decisão proferida em primeira instância em conclusão aberta a 13 de março de 2014, improcedendo as demais pretensões deduzidas pelos autores, indo a ré absolvida de tais pedidos;
b) em julgar parcialmente procedente por provada a pretensão reconvencional subsidiária, e, em consequência, em condenar B…, Unipessoal, Lda. a restituir a D…, Lda. o estabelecimento comercial (complexo comercial) de …, , …, denominado “D… – …, …, …”, instalado no prédio urbano composto de dois pavimentos e logradouro, situado na Avenida …, com todos os elementos que o constituem, nomeadamente, todos os móveis e recheio que constam da relação anexa ao contrato de trespasse celebrado em 16 de agosto de 2010, lavrado de folhas 49 e seguintes do livro nº 42-A para Escrituras Diversas, no Cartório Notarial da Sra. Notária G…, sito na Rua …, nº .., freguesia…, concelho de Esposende, restituição a efetivar apenas quando se extinguir o direito de retenção antes reconhecido, a favor de B…, Unipessoal, Lda., absolvendo-se o autor desta pretensão reconvencional.
Custas do recurso e da ação a cargo dos recorrentes e da recorrida, na exata proporção da sucumbência, sendo as custas da reconvenção na proporção de 4/5 para a reconvinte e de 1/5 para a reconvinda (artigo 527º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil), sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.
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O presente acórdão compõe-se de trinta e sete páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 12 de setembro de 2016
Carlos Gil
Carlos Querido
Alberto Ruço
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[1] Segue-se, com alterações, o relatório da sentença recorrida.
[2] Notificada mediante expediente eletrónico elaborado em 06 de maio de 2014.
[3] Os noventa e quatro documentos formam um volume, apresentam-se todos em folhas A4, pelo que, à luz do disposto no artigo 442º, nº 2, do Código de Processo Civil, não se entende por que razão não foram juntos aos autos.
[4] O pedido deduzido na alínea e) do petitório final foi conhecido na sentença proferida pelo tribunal de primeira instância e não foi objeto de recurso, pelo que, salvo melhor opinião, se deve considerar transitada em julgado essa condenação ilíquida proferida em primeira instância. De facto, os recorrentes não impugnaram este segmento da decisão da primeira instância sendo certo que essa impugnação, para ser frutuosa, passaria necessariamente pela impugnação da resposta restritiva ao artigo 60º da base instrutória.
[5] Arrendou o prédio onde estava instalado o estabelecimento e trespassou o estabelecimento comercial.
[6] O estabelecimento comercial foi trespassado, o que foi arrendado foi o local onde funcionava o estabelecimento comercial.
[7] Reitera-se observação constante da nota que antecede.
[8] Só por lapso no processamento de texto se percebe esta referência totalmente fora do contexto ao Tribunal Judicial da Comarca da Póvoa de Varzim.
[9] No artigo 51º da base instrutória não se seguiu fielmente o que havia sido alegado no artigo 149º da petição inicial, suprindo-se agora a falta cometida.
[10] Sobre esta problemática, por todos, veja-se Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, Volume II, Coimbra Editora 2008, Paulo Mota Pinto, páginas 1125 a 1253.
[11] Sobre esta problemática vejam-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, todos acessíveis na base de dados da DGSI: de 26 de novembro de 2001, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Eduardo Baptista, no processo nº 02B2010; de 30 de junho de 2011, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Serra Baptista, no processo nº 734/06.6TBA; de 15 de dezembro de 2011, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Serra Baptista, no processo nº 5622/06.3TVLSB.L1.S1; de 11 de setembro de 2012, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Paulo Sá, no processo nº 2344/07.1TYPRT.P2.S1. Na doutrina veja-se Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Portuguesa 2014, página 718, anotação II.
[12] Uma vez que neste acórdão se trata de cumprir o que foi determinado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02 de Junho de 2016, está fora de causa a aplicação da doutrina que dimana do Assento nº 4/95, nomeadamente no que respeita ao eventual arbitramento oficioso de contrapartida pelo gozo do imóvel e do estabelecimento comercial, o que bem se compreende porque a nulidade não foi oficiosamente declarada, pois foi logo pedida na petição inicial, tendo assim a ré a oportunidade processual de se acautelar, deduzindo os pedidos mais adequados à tutela da sua posição jurídica.
[13] Importa não esquecer que a renda se refere apenas à remuneração do gozo do imóvel, elemento integrante do trespasse do estabelecimento comercial que funciona no arrendado. Sendo um trespasse um negócio para transmissão onerosa e definitiva da propriedade do estabelecimento comercial, as prestações pagas correspondentes ao pagamento fracionado do preço do trespasse, não correspondem à remuneração do gozo temporário do mesmo estabelecimento. Ora, como um estabelecimento comercial enquanto objeto de direito não se reduz ao imóvel em que está instalado, é bom de ver que a remuneração do seu gozo extravasa o montante pago pela concessão do gozo do imóvel em que funciona.
[14] As aspas justificam-se pelo que mais adiante se dirá sobre o figurino do negócio denominado de trespasse.
[15] Os contratos têm uma fisionomia sui generis, parecendo existir o propósito de colocar o denominado trespasse na dependência do arrendamento, fazendo depender a sorte daquele negócio, da sorte deste. Assim, o arrendamento tem o prazo de duzentos e oito meses, não renovável, sendo este também o prazo para o pagamento do trespasse do estabelecimento comercial, com reserva de propriedade, apenas diferindo o termo inicial do contrato de arrendamento, fixado em 16 de agosto de 2010 e o termo inicial do pagamento das prestações do preço do trespasse, fixado em 08 de setembro de 2010. No contrato de trespasse excluiu-se a faculdade de pagamento antecipado do preço, sob pena de imediata resolução do contrato e de reversão do estabelecimento para a trespassante, sem pagamento de qualquer contrapartida, cláusula estabelecida para ser oponível a qualquer adquirente do estabelecimento trespassado. A cláusula contratual do denominado contrato de trespasse que, na nossa perspetiva, desvela as reais intenções das partes é a quarta e que tem o seguinte teor: “Findo o contrato de arrendamento onde se encontra instalado o estabelecimento comercial, a representada do primeiro outorgante [a trespassante] tem o direito de fazer seu o acima identificado estabelecimento comercial, sem qualquer pagamento, já que a renda cobrada e definida no contrato de arrendamento foi negociada com este pressuposto, sem prejuízo da representada do segundo outorgante [a trespassária] efectuar o levantamento previsto na cláusula anterior e com a condição nela imposta.” O conteúdo da terceira cláusula é o seguinte: “Se na pendência do contrato de arrendamento respeitante ao edifico onde se encontra instalado o estabelecimento comercial acima referido, a sociedade representada pelo segundo outorgante pretender pôr termo ao mesmo, fica a mesma desde já autorizada a proceder ao levantamento de todo o recheio, incluindo máquinas e outros elementos do estabelecimento, desde que do seu levantamento não resulte deterioração do imóvel, onde se encontra instalado o estabelecimento.” Parece assim que não obstante a denominação de trespasse ao negócio efetuado no mesmo dia do arrendamento, o que se pretendeu foi uma transmissão onerosa mas temporária do gozo do estabelecimento comercial instalado no imóvel arrendado, ou seja, uma locação do estabelecimento, por um prazo máximo, não renovável.
[16] Sobre a problemática dos âmbitos de entrega, por todos, veja-se Curso de Direito Comercial, Volume I, 9ª edição, Almedina 2013, Jorge Manuel Coutinho de Abreu, páginas 287 a 299.