Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2819/05.7TBAVR-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FREITAS VIEIRA
Descritores: CONTRATO DE PERMUTA
TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE
TRANSFERÊNCIA DA POSSE
CONSTITUTO POSSESSÓRIO
MERA DETENÇÃO
Nº do Documento: RP201910102819/05.7TBAVR-B.P1
Data do Acordão: 10/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (TRP-CV-10168-14-10-2019)
Área Temática: .
Sumário: I – Celebrado um contrato de permuta nos termos do qual os embargantes declaram transferir para os embargados/executados o terreno de construção do qual viria a ser destacados o prédio objeto da penhora, em troca da entrega por estes últimos de uma moradia que se comprometiam a construir no lote correspondente aquele prédio, as correspondentes prestações a que as partes se obrigaram, ainda que ligadas por uma relação de reciprocidade e interdependência, concretizam-se em momentos distintos. A transmissão da propriedade do terreno, no momento da celebração do contrato, enquanto a transmissão da propriedade da moradia a construir apenas se concretizará após a construção dessa mesma moradia e com a aceitação da obra – artº 408º, nº 2 e artº 1212º, nº 1, ambos do C. Civil.
II - Com a transmissão do direito de propriedade sobre o terreno operada por mero efeito do contrato de permuta, transmitiu-se também sobre tal terreno apesar de continuar a ser ocupado pelos transmitentes, configurando a forma de aquisição derivada da posse que a lei nos artºs 1263º, alínea a) e 1264º, nº 1, do C.Civil designa por constituto possessório, em virtude do qual os embargantes continuando a ocupar o prédio vendido, fazem-no agora a título de mera detenção.
III – Os embargos de terceiro improcedem assim, por um lado porque os embargantes transmitentes do terreno, continuando a ocupar o prédio, a partir do contrato de permuta o fazem como meros detentores, não podendo como tal invocar a posse ou a usucapião fundada na mesma, e por outro não estando alegada nem provada a aceitação da moradia, ou sequer que esteja terminada, não podem alegar a aquisição do direito de propriedade sobre o terreno em que tal moradia foi construída.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO N.º2819/05.7TBAVR-B.P1
Relator: Desembargador Freitas Vieira
1º Adjunto: Desembargador Madeira Pinto
2º Adjunto: Desembargador Carlos Portela
Sumário – artº 663º, nº 7 do CPC
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ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
B…, e C…, outorgaram em 05/01/1999, contrato de permuta com D… e marido, E…, nos termos do qual declararam transferir para os segundos o terreno para construção de que eram proprietários, convencionando as partes que, em troca, os primeiros outorgantes receberiam dos segundos outorgantes, como contraprestação futura, uma moradia a construir no lote “A” que resultar do loteamento a que vai ser submetido o prédio antes identificado.
Por acordo com segundos outorgantes os referidos B…, e C… continuaram depois do referido contrato de permuta a ocupar e a habitar as edificações designadas por “anexos”, que existiam no lote “A” do referido prédio, pelo menos até 2003. Passaram depois a ocupar a moradia entretanto construída apesar a mesma ainda não lhes ter sido entregue por não dispor ainda de licença de utilização, mantendo-se assim até que em 2012 foram confrontados com a penhora do prédio correspondente ao referido lote 1, efetuada em execução em que eram executados os referidos D… e marido, E….
Sustentando não terem qualquer intervenção naquela execução deduziram então os referidos B…, e C…, embargos de terceiro à penhora assim efetuada invocando como fundamento quer a posse efetiva e jurídica sobre o imóvel penhorado quer o direito de propriedade sobre o mesmo que, à falta de outro título, alegam ter adquirido por usucapião.
Concluíram requerendo o reconhecimento da posse e do seu direito de propriedade usucapido sobre o prédio urbano penhorado nos referidos autos de execução, e o consequente levantamento e cancelamento da penhora que incidiu sobre tal bem.

Em contestação o exequente/embargado, então Banco F…, S.A.” impugnando os fundamentos invocados sustenta a improcedência dos embargos sustentou que os Embargantes com o contrato de permuta referido transmitiram aos executados/embargados E… e D… a propriedade do prédio urbano que foi objeto de penhora, propriedade que foi registada a favor destes embargados E… e D… junto da competente Conservatória do Registo Predial.
Alegam por outro lado que relativamente à aquisição da moradia por parte dos embargantes, por se tratar de bem futuro a construir, o contrato de permuta ainda não havia produzido os seus efeitos por a mesma ainda não estar concluída.

O embargante C…, entretanto falecido, foi substituído na ação pelos seus sucessores habilitados.

Prosseguindo os autos para julgamento foi proferida sentença na qual, fixada a matéria de facto tida como assente, se considerou que a posse do prédio sobre que incidiu a penhora se havia transmitido para os executados embargados por constituto possessório - artº 1264º do CC – pelo que os atos praticados pelos embargantes depois da celebração da escritura de permuta apenas poderiam qualificar-se atos ou posse precária.
Com este fundamento julgou improcedentes os embargos de terceiro e indeferiu o requerido levantamento da penhora que incidiu sobre o prédio em causa.

Não conformado com o decidido recorreu a embargante B…, formulando em síntese das correspondentes alegações de recurso as seguintes CONCLUSÕES:
A) os Embargantes são possuidores do prédio urbano penhorado nos autos de execução, descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o número 6372 da freguesia de …;
B) a posse que os Embargantes vêm continuamente exercendo há mais de quarenta anos sobre tal prédio (porque pública, contínua, pacífica e de boa fé) conduziu à respetiva aquisição, por usucapião;
C) ainda que assim se não entenda, deve considerar-se que, na permuta efetuada entre os Executados e os Embargantes, o direito de propriedade sobre o prédio referido em A) se lhes transmitiu no momento em que a então futura moradia nele entretanto construída passou a ser “determinada com conhecimento de ambas as partes” – o que aconteceu em 05.01.1999, através e nos termos da escritura pública referida nas alíneas “a)” e “b)” dos fatos provados na sentença recorrida;
D) a posse e o direito de propriedade dos Embargantes sobre o prédio urbano identificado em A) são anteriores à data do registo da hipoteca inscrita a favor do banco exequente (22.01.1999, ampliada a 20.07.1999);
E) a penhora decretada e efetuada sobre o prédio urbano identificado em A) ofende grave e intoleravelmente quer a posse efetiva e jurídica, quer o direito de propriedade que os Embargantes sobre ele detêm e de que são titulares – sendo-lhes inoponivel;
F) o douto Tribunal a quo incorreu em erro de interpretação e aplicação das normas constantes nos artigos 408º, nº 2, 1251º, 1254º, 1257º, 1263º, alínea a), 1268º, nº 1, 1285º e 1287º do Cód. Civil, bem como no artigo 342º, nº 1, do Cód. Proc. Civil;
G) a sentença recorrida deve, consequentemente, ser revogada!
NESTES TERMOS e nos melhores de Direito, cujo douto suprimento se invoca, deverá ser concedido provimento ao recurso sub judice, substituindo-se a sentença recorrida por outra que julgue procedentes os embargos, com as legais consequências, como é de JUSTIÇA!

O embargado, atualmente G…, S.A., veio responder às alegações de recurso sustentando a improcedência do recurso e consequente manutenção da sentença recorrida.

Objeto do recurso:
I – Se a penhora do imóvel referido nos autos é incompatível com a posse que sobre o mesmo os Embargantes continuaram a deter, a despeito da celebração da escritura de permuta em 05.01.1999, adquirida pela prática dos correspondentes atos materiais ao longo do tempo, com animus possidendi, nos termos do disposto no artigo 1263º, alínea a), do Cód. Civil.
II – Se a mesma penhora é ainda incompatível com o direito de propriedade dos embargantes sobre o mesmo prédio adquirido com a celebração da escritura de permuta, em 05.01.1999.
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A recorrente não impugna a decisão da matéria de facto pelo que os fatos a considerar são os que foram tidos como assentes na sentença recorrida, para a qual nessa parte se remete -art.º 663º, nº 6, do CPC – transcrevendo-se em todo o caso aqueles que mais diretamente importam à decisão a proferir, e que são os seguintes:

a) Em 05/01/1999, C… e mulher, B…, na qualidade de primeiros outorgantes, e D… e marido, E…, na qualidade de segundos outorgantes, declararam por escrito, perante notário, os primeiros que transferem para os segundos o terreno para construção urbana, sito na Rua …, …, lugar de …, da freguesia de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro com o n.º 5221, daquela freguesia, registado a favor dos primeiros outorgantes pela inscrição G-um, atualmente omisso na respetiva matriz urbana, mas com a sua inscrição já participada à segunda repartição de finanças do concelho de Aveiro, em 21/12/1998…
b) Mais convencionaram as partes que, em troca, os primeiros outorgantes receberão dos segundos outorgantes, como contraprestação futura, uma moradia de rés do chão e primeiro andar, pronta a habitar, … a construir no lote “A” que resultar do loteamento a que vai ser submetido o prédio atrás identificado …
c) À data da outorga da escritura pública mencionada na alínea a) dos Fatos Provados, os Embargantes (C… e mulher, B…) habitavam, desde há mais de vinte anos, numa casa e edificações designadas por “anexos”, que existiam no referido terreno para construção urbana, sito na Rua …, …, lugar de …, da freguesia de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro com o n.º 5221, daquela freguesia, bem como agricultavam, cuidavam, plantavam e colhiam, o que faziam de forma ininterrupta, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, na convicção de sobre aquele prédio exercerem um direito exclusivo.
d) Sobre o prédio com a descrição 5221 foi efetuado o registo de aquisição a favor de D…, casada com E…, mediante a Ap. n.º 3 de 1999/01/08, com a retificação do averbamento oficioso de 2011/07/06;
f) Do prédio com a descrição 5221 foram desanexados os prédios com as descrições 6372, 6373, 6374 e 6375;
g) O prédio desanexado com o n.º 6372 tem a denominação de lote n.º 1;
h) O lote n.º 1 referido na alínea anterior corresponde ao lote “A” mencionado na escritura pública a que alude a alínea b) dos fatos provados;
i) Sobre o prédio desanexado com o n.º 6372, correspondente ao lote n.º 1, foi efetuado o registo de aquisição a favor de D…, casada com E…, (executados) mediante a Ap. n.º 3 de 1999/01/08, com a retificação do averbamento oficioso de 2011/07/01;
o) No decurso do ano de 2003, os executados (D… e marido, E…) deram início à construção, no lote n.º 1, da moradia mencionada na alínea b) dos Fatos Provados (art. 12.º da PI; doc. de fls. 90);
p) Após a celebração da escritura mencionada na alínea a) dos Fatos Provados e, pelo menos, até ao ano de 2003, os embargantes continuaram a ocupar e a habitar, por acordo com os executados, as edificações designadas por “anexos”, que existiam no lote n.º 1 do prédio urbano composto de terreno para construção urbana, sito na Rua …, …, lugar de …, da freguesia de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro com o n.º 5221, daquela freguesia, enquanto os executados procediam à construção da moradia nesse lote (art. 7.º da PI);
q) Face à morosidade dos executados na obtenção da licença de habitabilidade, a emitir pela Câmara Municipal de Aveiro, os embargantes, nunca antes do ano de 2003, passaram a ocupar e a habitar a moradia edificada no lote n.º 1, por acordo com os executados (art. 15.º da PI);
r) O filho dos embargantes, H…, também vivia, juntamente com mulher e dois filhos, nos anexos implantados no terreno que corresponde ao lote n.º 1, com autorização dos seus pais (art. 16.º da PI);
s) Apesar das insistências e interpelações dos embargantes, e do tempo decorrido, os executados ainda não procederam à entrega aos embargantes da moradia a que se obrigaram como contraprestação no âmbito da escritura mencionada na alínea a) dos Fatos Provados (art. 13.º da PI);
t) A embargante mulher paga as despesas da água, considerada “água das obras”, bem como paga as despesas com a eletricidade (art. 25.º da PI);
u) Faltando a obtenção, por parte dos executados, da licença de habitabilidade, a emitir pela Câmara Municipal de Aveiro (art. 14.º da PI);
v) O prédio desanexado com o n.º 6372, correspondente ao lote n.º 1, foi penhorado nos autos principais de execução, conforme auto de penhora datado de 16/04/2012, encontrando-se a penhora registada mediante a Ap. n.º 3638 de 2011/06/30.
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I – Como fundamento dos embargos de terceiro os embargantes começam por invocar a posse que, com fundamento nos fatos provados nas alíneas “c)”, “f)”, “g)”, “h)”, “o)”, “p)”, “q)”, “r)” e “t)” de “2.2, alegam exercer sobre o prédio objeto da penhora, continuadamente e há mais de 30 anos.
A posse enquanto fundamento de embargos de terceiro é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício de um direito real – artº 1251º do CC – e com essa intenção ou animus.
No caso em análise os embargantes apenas conseguiram provar uma atuação possessória nos termos até à data da escritura de permuta outorgada com os executados em 05/01/1999. Até essa data os embargantes, por si e antecessores, tinham efetivamente a posse do prédio de que viria depois a ser destacado o prédio penhorado. Isso resulta claramente da factualidade tida como provada na alínea c).
Já posteriormente a essa data, e concretamente no momento em que a penhora se concretizou, em 16/04/2012 (v), o que decorre dos fatos dados como provados em “p” e “q” é apenas que depois da referida escritura de permuta, e até ao ano de 2003, os embargantes continuaram a exercer poderes de facto sobre o prédio que viria a ser objeto da penhora a que agora se opõem, ocupando e habitando as edificações designadas por “anexos”, que existiam no referido lote n.º 1,(p) e depois de 2003, ocupando e habitando a moradia que ali foi edificada (q). Mas não vem dado como provado, nem resulta da factualidade referida, que exercessem tais poderes de facto com animus dominii.
É certo que em face do disposto no artº 1252º, nº 2 do C. Civil em caso de dúvida deverá considerar-se que a atuação correspondente ao exercício de um direito real é acompanhada do animus, ou seja, da vontade de assim proceder.
Esta presunção resulta, no entanto, ilidida em face do que é dado como provado (p) em termos do acordo de vontades existente entre os embargados/executados e os embargantes que legitima essa ocupação pelos embargantes do prédio sobre o qual incidiu a penhora. Com efeito vem dado como provado é que apesar da escritura de permuta outorgada em 1999, e da inerente transferência para os aqui executados/embargados, do direito de propriedade sobre o prédio, estes concordaram que os embargantes continuassem a ocupar, primeiro os anexos existentes no terreno objeto da permuta, e depois a moradia nele edificada, até se completar a construção desta.
A transmissão do direito de propriedade para os aqui executados/embargados, operada pelo contrato de permuta, e a continuação da ocupação do prédio vendido pelos transmitentes, ora embargantes, consubstanciaria o que a lei nos artºs 1263º, alínea a) e 1264º, nº 1, do C.Civil designa por constituto possessório, forma de aquisição derivada da posse nos termos da qual a posse se transfere para o beneficiário da transferência do direito real à imagem do qual a posse vinha a ser exercida apesar de o imóvel continuar a ser ocupado pelo transmitente ou por terceiro. Com efeito nos termos em que está previsto no artº 1264º do CC, o constituto possessório pressupõe um acordo negocial de transmissão do direito real à imagem do qual se possui, conjugado com a continuação da detenção da coisa por parte do transmitente, sem que seja necessário qualquer convenção expressa sobre a transmissão dessa posse, que é inerente à transmissão do direito real transmitido, passando o adquirente a exercer a posse à imagem desse direito[1] e coincidindo o início da mera detenção do transmitente – alieno nomine – com o momento da outorga desse acordo negocial[2].
Na situação em apreço nos autos a transferência do direito de propriedade sobre o prédio em causa, à imagem do qual os embargantes vinham exercendo a posse sobre o mesmo, operou-se pela celebração, em 1999, do contrato de permuta nos termos do qual os embargantes declaram transferir para os embargados/executados o terreno de construção do qual viria a ser destacados o prédio objeto da penhora, em troca da entrega por estes últimos de uma moradia que se comprometiam a construir no lote correspondente aquele prédio. Ao contrário do que refere a recorrente, a permuta assim acordada não tem por objeto uma coisa indeterminada, mas sim uma moradia a construir, e como tal uma coisa futura. O que aliás é reconhecido no próprio contrato de permuta quando nele se convenciona (b) que em troca da entrega do terreno para construção, os ali primeiros outorgantes (aqui embargantes) receberiam dos segundos outorgantes (executados no processo de que estes autos são apenso), “como contraprestação futura”, uma moradia a construir no lote “A” que resultar do loteamento a que viria ser submetido o prédio entregue. E porque assim é não pode dizer-se, como sustenta a recorrente, que a propriedade do prédio objeto da penhora se transferiu para os embargantes na data da escritura, em 1999. Desde logo por força do disposto no nº 2 do artº 408º do C. Civil.
Com efeito o contrato de permuta, a que são aplicáveis as regras da compra e venda desde logo por força do disposto no artº 939º do CC - caracteriza-se por ter como objeto a transferência da propriedade de coisas ou direitos entre os contraentes, com exclusão de dinheiro, e desdobra-se em duas obrigações unidas, que têm a sua causa uma na outra (sinalagma genético) e permanecem ligadas por uma relação de reciprocidade e interdependência durante a fase de execução do contrato (sinalagma funcional. À semelhança da compra e venda, o contrato de permuta é um contrato real quod effectum que transmite, por mero efeito da sua celebração, a propriedade dos bens permutados – Arº 879º-a) e 408º, nº 1, do C.Civil. No entanto nem sempre assim é. Se qualquer das prestações tiver por objeto coisa futura ou indeterminada o direito apenas se transfere “quando a coisa for adquirida pelo alienante ou determinada com conhecimento de ambas as partes - artº 408º, nº 2, do C.Civil. Esta regra sofre por sua vez exceções desde logo em face disposto em matéria do contrato de empreitada. Em relação a este contrato o artº 1212º, nº 1 do C. Civil dispõe que tratando-se de empreitada de coisa imóvel, sendo o solo propriedade do empreiteiro, a transferência da propriedade para o dono da obra apenas se verifica com a aceitação da obra. Assim que quando, como no caso dos autos, se troca - permuta – uma coisa já existente por outra que ainda não existe, o contrato de permuta efetiva-se em momentos distintos. Em relação à transmissão do terreno dos embargantes para os embargados, a transferência operou-se por mero efeito do contrato, no momento da celebração deste. Já em relação à moradia a construir no prédio a destacar do terreno vendido, a transferência da propriedade para os embargantes só se efetivaria com a aceitação da obra que se viesse a construir. O que no caso em apreço nos autos, e à luz dos fatos provados não pode dizer-se que se tenha verificado, tanto mais que está dado como provado, de resto com base em alegação dos embargantes, é que a obra ainda não tinha sido entregue.
Em conclusão do exposto impõe-se concluir que a posse sobre o terreno do qual viria a ser destacado o prédio objeto da penhora, se transferiu, solo consensu, por força do constituto possessório, para os executados/embargados no momento em que com a outorga do contrato de permuta se transferiu para eles a propriedade sobre o mesmo, apesar de este ter continuado a ser ocupado pelos embargantes.
Resultando dessa forma ilididas as presunções a que se referem quer o artº 1252º, nº2, quer o artº 1257º, nº 2, ambos do C. Civil, fica igualmente provado que a partir da escritura em causa os embargantes passaram a deter o referido prédio como meros detentores ou possuidores precários, pelo que, com esse fundamento os embargos teriam que improceder como improcederam.

II – Para além da posse os embargantes invocavam, como fundamento dos embargos de terceiro, o direito de propriedade adquirido por usucapião.
É inquestionável que os embargos de terceiro podem ter como fundamento, para além da posse, qualquer outro direito incompatível com a realização da penhora ou ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens – cfr nº 1 do artº 342º do CPC.
No entanto, tendo-se concluído, como se concluiu, que desde 05/01/1999 a posse sobre o terreno em causa se encontra transferida para os embargados/executados, e que tendo os embargantes continuado a ocupar o prédio em causa o fazem agora como meros detentores, é evidente que também este fundamento os embargos de terceiro terão de improceder, uma vez que só a posse, entendida nos termos em que se prevê no artº 1251º, do C.Civil, ou seja ou seja a atuação material correspondente ao exercício do direito de propriedade, acompanhada do correspondente animus poderia conduzir à aquisição por usucapião.
Nas suas alegações de recurso – mas só nesse momento - a recorrente vem ainda invocar como fundamento dos embargos de terceiro o direito de propriedade sobre o prédio penhorado que se sustenta deve considerar-se transmitido para si no momento em que a então futura moradia nele entretanto construída passou a ser “determinada com conhecimento de ambas as partes” – o que teria acontecido com a celebração da escritura de permuta, em 05.01.1999.
Este fundamento não foi invocado perante o tribunal da 1ª instância, não tendo sido por isso objeto de apreciação na decisão recorrida. E por isso nunca poderia servir de fundamento à decisão a proferir neste tribunal da Relação ao qual, enquanto instância de recurso apenas cabe reapreciar decisões proferidas pelo tribunal recorrido sobre questões que as partes colocaram à apreciação daquele tribunal, e não conhecer de questões novas só suscitadas em sede de recurso.
Sempre se dirá em todo o caso, e no seguimento do que se disse já anteriormente, que relativamente à transmissão do direito de propriedade sobre a moradia que os embargados/executados se comprometeram construir no referido lote, porque se tratava de coisa futura a construir em terreno entretanto transmitido para aqueles embargados/executados, a transmissão do direito de propriedade sobre a moradia a construir operada pelo contrato de permuta só se efetivaria com a aceitação da obra – nº 1 do artº 1212º do CC - o que à luz dos fatos provados não pode afirmar-se ter acontecido, tanto mais que são os próprios embargantes quem alegam – e ficou a constar como provado – que a obra em causa ainda lhes não foi entregue.
A sentença recorrida fez por isso correta interpretação e aplicação do Direito, e a conclusão a que nela se chegou, muito embora parecendo injusta, é inerente à aleatoriedade de um contrato em que as partes acordam em permutar um bem existente por um bem futuro a construir, sujeitando-se às contingências que possam ocorrer entretanto.

Nos termos e em conformidade como exposto acordam os juízes, em confirmar a sentença recorrida, julgando improcedente o recurso.
Custas pela recorrente

Porto, 10 de outubro de 2019
Freitas Vieira
Madeira Pinto
Carlos Portela
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[1] Manuel Rodrigues – A Posse – pags 222
[2] Durval Ferreira – Posse e Usucapião, págs 174/175