Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2841/18.3T8PRT-A.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ IGREJA MATOS
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
TÍTULO DE CRÉDITO
DOCUMENTO
QUIRÓGRAFO
ALEGAÇÃO DE FACTOS
REQUERIMENTO EXECUTIVO
Nº do Documento: RP202002112841/18.3T8PRT-A.P2
Data do Acordão: 02/11/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ªSECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Nos termos do artigo 703.º, alínea c), do Código de Processo Civil, a livrança pode ainda ser título executivo depois de prescrita, enquanto quirógrafo, desde que “os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo”.
II – Junto com o requerimento executivo um contrato de mútuo onde os avalistas da livrança se responsabilizam na qualidade de fiadores como garantes da dívida mutuada e sendo alegado, e provado, pela exequente que a livrança foi estritamente preenchida em obediência ao pacto de preenchimento constante do referido contrato de mútuo terá que entender-se constituir a dita livrança um título executivo, enquanto quirógrafo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Processo 2841/18.3T8PRT-A.P2

Recorrente(s): B… e C…;
Recorrido(s): “D…, S.A.”.
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Execução do Porto
I – Relatório
Por apenso à execução comum intentada por “D…, S.A.” vieram os presentes executados, devidamente identificados nos autos, apresentar oposição à execução, mediante embargos de executado, pretendendo a consequente extinção da execução.
Na petição inicial, alegaram, em suma, que os embargantes apenas se assumiram como avalistas, encontrando-se a livrança prescrita.
A exequente contestou pugnando pela improcedência dos presentes embargos de executado, prosseguindo a execução a sua normal tramitação.
Alegou, em síntese breve, que os executados assinaram o contrato e a livrança dos autos na qualidade de fiadores, tendo a livrança em causa sido preenchida nos termos do pacto de preenchimento que consta na cláusula 16.ª do contrato de mútuo.
Foi proferido despacho saneador, tendo sido dispensada a fixação do objecto do litígio e dos temas de prova, atenta a simplicidade da causa.
No saneamento do processo o tribunal “a quo” veio tomar posição sobre o conflito em causa nos autos. Assim, perante a alegação dos embargantes segundo a qual a livrança dada à execução está totalmente destituída da sua eficácia e natureza cambiária, pelo que não poderia valer nem sequer na veste de quirógrafo, o tribunal apelado interroga-se: “Ora, não se discutindo nos autos que a livrança não obedece aos requisitos indispensáveis para valer como título cambiário, literais e abstractos, - estando nomeadamente a obrigação cambiária há muito prescrita – a questão que se coloca é a de saber se prescrita a acção cambiária, o portador legítimo da livrança pode fazê-la valer como mero quirógrafo relativamente ao avalista?”
Para logo responder que sim “desde que alegue e prove que a relação subjacente ao aval era uma fiança relativamente à obrigação que advinha para o avalizado da relação subjacente ou fundamental.”
Considerando que tal alegação foi feita o tribunal decidiu relegar para apreciação final a excepção deduzida, porque dependente de prova a produzir.
Tramitada a causa e realizada a audiência final foi proferida decisão a qual, na parte dispositiva, ora se transcreve:
Pelo exposto, decido julgar os presentes embargos de executado totalmente improcedentes, por não provados, em consequência do que determino a prossecução da execução de que estes autos constituem um apenso, após trânsito.
Custas a cargo dos embargantes/executados (vide art. 527º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil), sem prejuízo do apoio judiciário que lhes foi atribuído.
*
Os embargantes B… e C… não se conformaram com o decidido e deduziram o presente recurso apresentando as seguintes conclusões:
1 - O Tribunal a quo julgou totalmente improcedentes os embargos de executado e, em consequência, determinou a prossecução da execução, condenando ainda os embargantes/executados nas custas processuais.
2 - Os Apelantes não se conformam com a decisão judicial ora posta em crise que, no seu entender, contém uma patente nulidade de sentença, mormente, a que vem prevista na alínea c) do nº 1 do art. 615º do C.P.C., que aqui expressamente se invoca.
3 - Caso não se venha a entender estar verificada a invocada nulidade da sentença, crêem os Apelantes, profunda e convictamente, que a mesma revela:
a) um errado julgamento sobre a matéria de facto, com absoluto desprezo e desrespeito por provas com força plena, as quais, tendo sido produzidas e constando do processo, impunham uma decisão diametralmente diversa daquela que foi proferida;
b) a violação da lei de processo relativa à alteração da causa de pedir; c) uma errada determinação e aplicação das normas jurídicas ao caso;
d) a violação do regime jurídico previsto e consagrado na Lei Uniforme relativa a Letras e Livranças (LULL);
e) a violação do regime jurídico atinente à fiança;
f) uma errada interpretação jurídica, quer do regime jurídico da LULL, quer do regime jurídico da fiança.
4 - Prescreve o nº 1 do art. 662º do Código de Processo Civil (C.P.C.) que: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.” (sublinhado nosso)
5 - Cumpre destacar, doutrinariamente, a propósito do alargamento dos poderes cognitivos do Tribunal da Relação e a consequente ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1ª instância, o entendimento perfilhado por Abrantes Geraldes, na obra intitulada Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, 2ª Edição, pág. 233, anotação 4, onde é referido que: “O actual art. 662º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava. Através dos nºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis. (sublinhado e negrito nosso)
6 - Logo a seguir, sustenta o mesmo autor, na anotação 5, que: “Com a nova formulação deixou de se prever especificamente a modificação da decisão da matéria de facto quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, possibilidade que agora se inscreve no preceituado no nº 1, de âmbito mais genérico.
Obviamente que a modificação continuará a justificar-se em tais circunstâncias, designadamente quando o tribunal recorrido tenha desrespeitado a força plena de certo meio de prova, o que ocorre quando, apesar de ter sido junto ao processo um documento com valor probatório pleno relativamente a determinado facto (arts. 371º, nº 1, e 376º, nº 1 do CC) o considere não provado, relevando para o efeito prova testemunhal produzida.
7 - De salientar, igualmente, agora numa perspetiva jurisprudencial, que tal entendimento merece também todo o acolhimento entre a jurisprudência tendo, por exemplo, sido sufragado no douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24.09.2013, no processo nº 1965/04.9TBSTB.E1.S1, disponível para consulta em www.dgsi.pt., que por ser bastante elucidativo sobre a matéria em questão, deixamos aqui transcrito parte do respetivo sumário: “Ao afirmar que a Relação aprecia as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios, o legislador pretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, vá à procura da sua própria convicção, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise.”
8 - O desiderato do duplo grau de jurisdição, em sede de matéria de facto, pressupõe um novo julgamento quanto à matéria de facto impugnada.
9 - Já o havia afirmado também o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14.02.2012, Proc. nº 6283/09.3TBBRG.G1.S1, disponível para consulta em www.dgsi.pt: “é fácil verificar que foi intenção do legislador, aliás expressamente confessada no relatório do DL. 39/95 e reafirmada no preâmbulo do DL 329-A/95, criar um verdadeiro duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto … desiderato (que) só pode ser completamente conseguido se a Relação, perante o exame e análise crítica das prova produzida a respeito dos pontos de facto impugnados, puder formar a sua própria convicção (coincidente ou não com a formada pelo julgador da 1ª instância), no gozo pleno do princípio da livre apreciação da prova, sem estar, de modo algum, limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida. (…) O que a Relação não deve é limitar-se a procurar determinar se a convicção (alheia) formada pelo julgador da 1ª instância tem suporte na gravação, ou limitar-se a apreciar, genericamente, à fundamentação da decisão de facto, para concluir, sem base suficiente, não existir erro grosseiro ou evidente, na apreciação da prova, tudo em homenagem ao princípio da imediação das provas, erigido em princípio absoluto (…). Uma tal prática impede o real controlo da prova pela 2ª instância, transformando a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto numa garantia puramente virtual, praticamente inútil”.
10 - Na mesmíssima linha e sentido jurisprudencial, asseverou o douto Acórdão prolatado pelo Tribunal da Relação de Guimarães, de 01.06.2017, Proc. nº 1227/15.6T8BGC.G1, disponível para consulta em www.dgsi.pt, que: “Perante as regras positivadas no CPC, e sem prejuízo do seccionamento dos factos visados com a reapreciação da prova, que decorre do art. 640, os tribunais da Relação têm poderes-deveres semelhantes aos dos tribunais de 1.ª instância no que concerne à criação da convicção pela livre apreciação da prova produzida, devendo proceder à efetiva reapreciação dos meios de prova indicados no recurso, e eventualmente de outros disponíveis e que entendam relevantes, da mesma forma – em consonância com os mesmos parâmetros legais (estabelecidos no art. 607, n.º 5, do CPC) – que o faz o juiz de 1.ª instância, o que inclui a utilização de presunções judicias.
Neste sentido e exemplificativamente, v. Acs. do STJ de 11/02/2016, proc. 907/13.5TBPTG.E1.S1, de 10/12/2015, proc. 2367/12.9TTLSB.L1.S1, e, à luz do anterior Código, o Ac. STJ de 14/02/2012, proc. 6283/09.3TBBRG (www.dgsi.pt). Tanto significa que os desembargadores apreciam livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, exceto no que respeita a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão (art. 607, n.º 5, do CPC).
Na sua livre apreciação, não estão condicionados pela apreciação e fundamentação do tribunal a quo. Ou seja, o objeto da apreciação em 2.ª instância é a prova produzida (tal como em 1.ª instância) e não a apreciação que a 1.ª instância fez dessa prova.(…)
(…) Na formulação da sua convicção autónoma, a Relação pode recorrer a presunções judiciais ou naturais nos mesmos termos em que o faz o juiz em primeira instância.”
11 - Os Apelantes não se conformam com o julgamento que o tribunal recorrido fez sobre o ponto 2 dos factos provados, na concreta parte apontada, julgamento que consideram notoriamente errado.
12 - Tal ponto de facto deveria ter sido julgado pelo tribunal a quo no sentido, termos e com a redação supra exposta, atentos os meios probatórios constantes dos autos.
13 - Por terem sido produzidas no processo provas com força plena, que influem, determinante e decisivamente, na solução jurídica do litígio, incorreu o tribunal recorrido, ao ter violado a força probatória de tais provas, num duplo erro, qual seja, no erro de julgamento sobre a matéria de facto, e, no erro de interpretação, determinação e aplicação das normas jurídicas ao caso, com violação, sobretudo, da lei de processo relativa à alteração da causa de pedir, do regime jurídico atinente à fiança, e do regime jurídico previsto e consagrado na Lei Uniforme relativa a Letras e Livranças (LULL).
14 - Os documentos de fls. 7 e 7 verso, juntos aos autos principais pela Apelada com o requerimento executivo/petição inicial, tendo, aí, sido mencionados sob os docs. nºs 4 e 5, consubstanciam declarações cuja iniciativa, autoria, conteúdo e teor deles constantes, foram expressamente reconhecidas e confessadas pela Apelada.
15 - Esses documentos têm como declaratários os Apelantes, a quem a Apelada os dirigiu (vide art. 6º do requerimento executivo/p.i.), tendo os mesmos chegado ao pleno conhecimento dos aqui Apelantes.
16 - A declaração inserta nos sobreditos documentos, que “…Na sequência do não cumprimento das obrigações estabelecidas no contrato acima identificado, celebrado com E…, do qual V.Exa. se constituiu avalista em 03-03-2008, nos termos e ao abrigo do disposto… A livrança terá o seu vencimento em 16-11-2011, pelo que V.Exa. deverá, na qualidade de avalista, proceder ao seu pagamento…”, constitui uma confissão, nos termos do art. 352º do Código Civil, de que os Apelantes, apenas se haviam obrigado e assumido perante a Apelada, como avalistas!
17 - É uma confissão que, por ter sido feita pela Apelada aos Apelantes, tem força probatória plena, nos termos dos arts. 355º e 358º, nº 2 do Código Civil.
18 - Preceitua o artigo 374º, nº 1 do Código Civil que: “A letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas, pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras.” (sublinhado nosso)
19 - Interpretando juridicamente o aludido normativo legal, significa que, a letra e a assinatura de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas pela parte contra quem o documento é apresentado, sendo que, inclusivamente, no caso concreto, foi até a própria Apelada, quem juntou tais documentos com força probatória plena aos autos.
20 - Sobre a força probatória de documento particular, determina o art. 376º do Código Civil o seguinte:
“1. O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.
2. Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão. (negrito nosso).
21 – Não subsistem quaisquer dúvidas, que está, dessa forma, plenamente provado nos autos, que os Apelantes se obrigaram e assumiram perante a Apelada, apenas como avalistas.
22 - Contudo, discreteou o tribunal a quo, na parte da sentença referente à motivação ou fundamentação da decisão sobre a matéria de direito, no essencial, que, “…quanto a estes embargantes a livrança, pese embora se mostre prescrita, pode servir de título executivo na veste de quirógrafo na medida em que a exequente provou que os mesmos se obrigaram no contrato referido nessa livrança e na veste de fiadores.” (sublinhado nosso).
23 - Reafirmam os Apelantes, incansavelmente, de modo firme e verdadeiramente convicto, que a sentença ora posta em crise, revela uma errada interpretação, determinação e aplicação das normas jurídicas ao caso, violando, sobretudo, a lei de processo relativa à alteração da causa de pedir, o regime jurídico atinente à fiança, e o regime jurídico previsto e consagrado na Lei Uniforme relativa a Letras e Livranças (LULL).
24 - Está processualmente adquirido, que a livrança dada à execução, encontra-se totalmente destituída da sua eficácia e natureza cambiária, ou seja, encontra-se prescrita,
25 - pelo que, não poderá mais valer, nem manter, relativamente aos Apelantes/avalistas, a qualidade de título executivo.
26 - Nem mesmo, sequer, na veste de quirógrafo de obrigação, ou seja, enquanto documento no qual se reconhece uma obrigação pecuniária, que apenas perdeu a qualidade de título de crédito.
27 - No requerimento executivo/petição inicial, a Apelada indicou, face à sua própria qualificação jurídica, que o documento que constitui o título executivo apresentado por si à execução, consubstancia uma livrança, e não um quirógrafo, facto que obsta, naturalmente, à posterior transmutação do título de crédito, em quirógrafo.
28 - Tendo operado, conforme operou, a extinção da obrigação cartular por prescrição, a obrigação que passa a ser exigida, é a obrigação causal.
29 - Na obrigação causal, a individualização desta obrigação só acontece com a indicação dos factos constitutivos do dever de prestar, sendo que, a indicação destes factos constitutivos, tem de ser feita no requerimento executivo, e não noutra fase processual,
30 - nomeadamente, na contestação dos embargos, sob pena de violação do disposto na alínea c), do nº 1, do art. 703º e nos arts. 264º e 265º do Código de Processo Civil.
31 - É manifestamente evidente, que a Apelada nada referiu, nem alegou, a respeito da responsabilidade dos Apelantes/avalistas pelo cumprimento da obrigação subjacente,
32 - mais propriamente, não alegou, nem no requerimento executivo, nem na contestação aos embargos, através de quaisquer factos objetivos e concretos, que os Apelantes/avalistas se assumiram como fiadores pelo cumprimento das obrigações do mutuário E…, no contrato de mútuo celebrado!!
33 - É facto absolutamente crucial e inegável, que a Apelada, no requerimento executivo, nem tão pouco dedicou ou dispensou uma única palavra,
34 - optando antes por ficar completamente silente, acerca da suposta fiança prestada pelos Apelantes no contrato de mútuo!!
35 - Sublinhe-se e anote-se, que nem a mais leve ou breve referência fez, quanto a qualquer fiança, fosse de quem fosse!!
36 - Nada alegou a Apelada a esse respeito, nem poderia!
37 - Tanto mais que, a vontade de prestar fiança tem de ser expressamente declarada pela forma exigida para a obrigação principal, nos termos do disposto no art. 628º, nº 1, do Código Civil, 38 - o que, os aqui Apelantes, jamais fizeram, fosse perante quem fosse!
39 - Por outro lado, nenhuma relação obrigacional ou reconhecimento de dívida se pode extrair da fórmula “Bom por aval”, constante do verso da livrança apresentada à execução, a qual não é passível de comportar um reconhecimento de dívida fora da vinculação e significação que lhe é emprestada pela LULL, mais precisamente nos respetivos arts. 30º a 32º.
40 - Os Apelantes/avalistas, nunca reconheceram, nem reconhecem, fosse por que forma fosse, ser devedores à Apelada, de qualquer quantia decorrente daquele contrato de mútuo causal ou subjacente à aludida livrança.
41 - Os Apelantes/avalistas, através do aval que prestaram ao subscritor da livrança e mutuário E…, o que apenas se obrigaram e garantiram, foi ao pagamento da livrança, enquanto título de crédito.
42 - Sendo, como é, a obrigação dos Apelantes/avalistas, uma obrigação autónoma, porquanto estes não assumiram uma responsabilidade subsidiária, assumiram, tão só e apenas, a obrigação emergente da livrança,
43 - e não, saliente-se e repita-se, nenhuma obrigação emergente da relação causal ou subjacente àquela,
44 - não são devedores no aludido contrato de mútuo.
45 - Conforme refere António Pereira de Almeida, na obra de Direito Comercial – Títulos de Crédito, Vol. III, Lisboa, AAFDL, 1986/1987, pág. 215, na ação do portador do título contra o avalista não existe qualquer relação causal, porque o aval pela sua natureza não tem necessariamente uma relação subjacente.
46 - Como tal, a livrança prescrita que foi dada à execução, não pode subsistir como título executivo em relação aos Apelantes/avalistas, pois que, nenhuma outra obrigação, para além da cambiária, foi sido assumida pelos Apelantes perante a Apelada.
47 - Releva para o efeito, a especial natureza do aval e a relação dos Apelantes/avalistas com o subscritor da livrança, a favor de quem concederam o aval (arts. 31º e 77º LULL).
48 - O avalista surge na relação cambiária porque por ato de vontade assumiu a garantia apondo a sua assinatura no título.
49 - E, na qualidade de avalista, está obrigado a garantir o pagamento do título, solidariamente, com os demais obrigados.
50 - O avalista é responsável no lugar do avalizado nos termos e na medida em que este seria responsável na relação cambiária.
51 - O avalista não é responsável ou não se obriga ao cumprimento da obrigação constituída pelo avalizado mas tão só ao pagamento da quantia titulada no título de crédito.
52 – Daí que, a obrigação firmada pelo avalista é perante a obrigação cartular e não perante a relação subjacente.
53 - A obrigação do avalizado dá apenas a medida objetiva da obrigação do avalista, mas é independente da deste, retirando-lhe tal circunstância, o caráter acessório.
54 - O aval constitui uma obrigação autónoma, ficando, por isso, despida das características de subsidiariedade e acessoriedade típicas da fiança.
55 – Dito de outra maneira, a responsabilidade do avalista não está dependente da validade da obrigação garantida, nem da existência da obrigação do avalizado, como decorre do art. 32º/§2 LULL, e por isso, não é acessória, nem subsidiária.
56 - O aval é um tipo de vinculação que se esgota no título cambiário, não sobrevivendo a este se a obrigação do avalista estiver ferida de morte, como é o caso de ter sido declarada prescrita, nos termos dos arts. 70º e 77º da LULL.
57 - Como muito bem ensina o Professor Ferrer Correia, na obra intitulada “Letra de Câmbio", pág. 196, “o fim próprio, a função específica do aval é garantir ou caucionar a obrigação de certo subscritor cambiário”.
58 - Com efeito, o aval é uma forma de obrigação única ou específica do título cambiário, a ele não se sobrepondo uma qualquer fiança do respetivo dador, como relação jurídica subjacente.
59 - Ensina igualmente o Prof. Doutor Oliveira Ascensão, na obra intitulada Direito Comercial-Títulos de Crédito, vol. III, Lisboa, Faculdade de Direito, 1992, pág. 172, “[a] função substancial de garantia que está na origem não se comunica ao regime, pelo que esta função acaba por ser meramente abstrata”.
60 - A atribuição da natureza de garantia justifica a criação do instituto, mas não vai modelar o seu regime porque, conforme refere o insigne Prof., na pág. 173 da obra citada, “abstrai na realidade da manifestação de qualquer função de garantia”.
61 - Entre a jurisprudência, precisamente a propósito desta matéria, foi decidido através do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 04/04/2017, Proc. nº 49/16.1T8MDL-B - G1, disponível para consulta em www.dgsi.pt, que: “O avalista não é sujeito da relação jurídica existente entre o portador e o subscritor da livrança, mas apenas sujeito da relação subjacente ou fundamental à obrigação cambiária do aval, relação essa constituída entre ele e o avalizado e que só é invocável no confronto entre ambos. Este tem a sua razão de ser no título cambiário e cessa quando este título desaparece do mundo jurídico o que acontece quando prescrita a obrigação cartular o titulo cambiário é dado à execução como mero quirografo.”
62 - No mesmíssimo sentido, foi igualmente decidido através do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, datado de 20/03/2012, Proc. nº 2590/09.3TBVLG-A.P1, disponível para consulta em www.dgsi.pt, que: “[o] avalista não é, por conseguinte, sujeito da relação jurídica existente entre o portador e o aceitante de uma letra. O avalista é apenas sujeito da relação subjacente ou fundamental à obrigação cambiária do aval, relação essa constituída entre ele e o avalizado e que só é invocável no confronto entre ambos”.
63 - Do mesmo passo, ainda entre a jurisprudência, foi também decidido através do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 29/09/2011, Proc. nº 2161/06.6TCSNT-A.L1-8, disponível para consulta em www.dgsi.pt, que: “[o aval] negócio jurídico cambiário, enquanto a fiança é um negócio jurídico extra cambiário, aquele, doutrinariamente, podendo ser definido como “o negócio cambiário unilateral e abstrato que tem por conteúdo uma promessa de pagar a letra e por função a garantia desse pagamento”.
64 - Em síntese, o aval é, nos termos conjugados dos arts. 30º e 77º da LULL, o ato pelo qual um terceiro ou um signatário da letra ou livrança garante o pagamento dela por parte de um dos subscritores.
65 - A sentença recorrida violou o disposto nos arts. 264º, 265º e alínea c), do nº 1, do art. 703º do Código de Processo Civil, arts. 352º, 355º, 358°, 374°, 376º, 627º e 628º do Código Civil e arts. 70º e 77º da Lei Uniforme relativa a Letras e Livranças (LULL).
Termina peticionando que seja concedido integral provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a douta sentença.
II – Factos Provados
Na primeira instância foram dados como provados os seguintes factos:
1. A exequente apresentou à execução em causa o documento junto a fls. 11 dos autos de execução de que estes autos constituem um apenso, denominado “ livrança”, contendo, além do mais, os seguintes dizeres:
- Importância – 11.075,22 €;
- Vencimento – 2011/11/16;
- Local e Data de Emissão – Porto – 2011.11.20;
- Valor – Relativa ao contrato de crédito nº ……;
- Assinatura(s) do(s) Subscritor(es): contém uma assinatura com os seguintes dizeres: “E…”
- No verso consta: “Bom por aval” e as assinaturas nele apostas (tudo cfr. doc. de fls. 11 dos autos de execução, cujo teor, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido).
2. No dia 4 de março de 2008, foi celebrado um acordo escrito, denominado “ Contrato de Mútuo nº ……”, em que a exequente declarou, para além do mais, conceder o empréstimo E… no valor de 9.150,00, a liquidar em 84 prestações mensais sucessivas, no valor unitário de 190,84, com vista à aquisição pela embargante do veículo automóvel, o qual se mostra subscrito pelos aqui embargantes enquanto “avalistas / fiadores (vide doc. de fls. 4 verso a 6 destes autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
4. Os embargantes apuseram a sua assinatura quer na livrança referida em 1, quer no acordo escrito referido em 2, tendo aquela sido entregue em branco como forma de garantia e tendo sido autorizado o preenchimento da livrança em branco pelos embargantes, nos termos desse acordo escrito, que consta da cláusula nº 16 das “Condições Gerais do Contrato de Crédito”.
8. No dia 20 de outubro de 2011, no seguimento do incumprimento do contrato de mútuo supra identificado, foi enviada uma carta de resolução do mesmo ao executado.
9. No dia 11 de outubro de 2017, foi enviada pela exequente aos embargantes a carta constante de fls. 8 dos autos principais, cujo teor se dá por reproduzido, referindo: “Contrato de Crédito nº ……. Exmo. Senhor, Na sequência do não cumprimento das obrigações estabelecidas no contrato acima identificado, celebrado com E…, do qual V.Exa. se constituiu avalista em 03-03-2008, nos termos e ao abrigo do disposto… A livrança terá o seu vencimento em 16-11-2011, pelo que V.Exa. deverá, na qualidade de avalista, proceder ao seu pagamento nas instalações da F…, S.A., sitas na Rua …, nº …, no Porto”.
III – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar.
O objecto do recurso é delimitado, no essencial, pelas conclusões das alegações dos recorrentes.
Assim, temos em causa nos autos, as seguintes questões:
I) Da nulidade da sentença nos termos do disposto no art. 615º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Civil;
II) Da impugnação da matéria de facto;
III) Da eventual alteração indevida da causa de pedir;
IV) Da violação dos regimes jurídicos aplicáveis à situação em apreço.
IV - Fundamentação de direito.
I) Embora não se aluda nas conclusões a esta matéria, certo é que os embargantes propugnam ser nula a sentença recorrida.
Tal nulidade decorreria do disposto no art. 615º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Civil na medida em que se verificaria uma oposição entre fundamentos e decisão de tal sorte que os factos provados e fundamentos invocados conduziriam logicamente, não ao resultado final expresso na decisão, mas a resultado diverso.
Em concreto esta alegação resulta, segundo os recorrentes, de ter sido como provado que “9. No dia 11 de outubro de 2017, foi enviada pela exequente aos embargantes a carta constante de fls. 8 dos autos principais, cujo teor se dá por reproduzido, referindo: “Contrato de Crédito nº …… Exmo. Senhor, Na sequência do não cumprimento das obrigações estabelecidas no contrato acima identificado, celebrado com E…, do qual V.Exa. se constituiu avalista em 03-03-2008, nos termos e ao abrigo do disposto… A livrança terá o seu vencimento em 16-11-2011, pelo que V.Exa. deverá, na qualidade de avalista, proceder ao seu pagamento nas instalações da F…, S.A., sitas na Rua …, nº …, no Porto”. Donde, estaria provado nos autos que o contrato de mútuo – a obrigação causal - fora celebrado, exclusivamente, entre a apelada, como mutuante, e E…, como mutuário, tendo os aqui apelantes, se assumido, apenas, como avalistas, e não como fiadores. Porém, sempre segundo os recorrentes, a sentença, contraditoriamente, teria decretado que os apelantes se obrigaram, naquele contrato de mútuo, na “veste de fiadores” o que justificaria a invocada nulidade.
Pois bem. Salvo o devido respeito, o que os embargantes invocam será um erro de julgamento e não qualquer nulidade, vício fulminante que, neste caso, apenas ocorrerá caso a sentença peque de uma contradição lógica interna perceptível por qualquer destinatário.
Ora, a decisão em causa, ao contrário do alegado, procura precisamente demonstrar que os ora apelantes seriam também fiadores e não apenas avalistas; é assim que se afirma precisamente que “a exequente alegou e provou factos suficientes para demonstrar a relação subjacente à emissão dessa livrança – no caso vertente, a fiança assumida no contrato de mútuo, que está assinado por ambos os executados.” Ou seja, sem prejuízo do facto 9., entendeu o tribunal “a quo” que a prescrição da livrança não impede que a mesma sirva de título executivo na veste de quirógrafo a que se acrescenta ter a exequente provado que os embargantes “se obrigaram no contrato referido nessa livrança e na veste de fiadores”.
Donde, sem prejuízo da bondade substancial da decisão a apreciar a seguir, inexiste qualquer nulidade da sentença proferida.
II) Cumprido o ónus imposto pelo artigo 640º do Código do Processo Civil, impõe-se conhecer da impugnação da matéria de facto aduzida pelos recorrentes.
Deste modo, é solicitada a alteração do facto provado 2º o qual deve passar a ter a seguinte redacção:
2. No dia 4 de março de 2008, foi celebrado um acordo escrito, denominado “Contrato de Mútuo nº ……”, em que a exequente declarou, para além do mais, conceder o empréstimo E… no valor de 9.150,00€, a liquidar em 84 prestações mensais sucessivas, no valor unitário de 190,84€, com vista à aquisição pelo próprio E… do veículo automóvel, o qual se mostra subscrito pelos aqui embargantes enquanto “avalistas / fiadores.
Está em causa a eliminação neste facto de que o empréstimo teria em vista a aquisição “pela embargante” (supõe-se que C…) do veículo automóvel quando tal aquisição seria feita para o E….
Têm razão os recorrentes devendo, naturalmente, alterar-se tal facto nos moldes propugnados; possivelmente está em causa um lapso do tribunal recorrido. O veículo automóvel não se destinava aos recorrentes que, no caso, apenas intervieram como avalistas/fiadores. De todo modo, esta alteração que deve proceder não afasta, como facilmente se entende, a questão de fundo que permanece em aberto e de que cuidaremos abaixo.
Diferentemente não vemos razão para entender como “confissão” a circunstância de numa carta enviada aos recorrentes, constantes do facto provado 9, a apelada ter referido apenas a qualidade de avalista daqueles, e não de fiadores, aquando da interpelação para pagamento. Está em causa uma qualificação jurídica a definir livremente pelo tribunal em função dos contratos outorgados pelas partes; de todo modo, sempre se teria que entender que a referência apenas a um aval pelo credor não retira a este a faculdade de, em qualquer momento, poder invocar um outro qualquer vínculo obrigacional, como a fiança, assim entenda vincular o mesmo a parte contrária.
III) Em sede processual, alegam ainda os embargantes, em sede de recurso, que “no requerimento executivo/petição inicial, a apelada indicou, face à sua própria qualificação jurídica, que o documento que constitui o título executivo apresentado por si à execução, consubstancia uma livrança, e não um quirógrafo, facto que obsta, naturalmente, à posterior transmutação do título de crédito, em quirógrafo.” Por outro lado, entende ainda que estando em questão agora a obrigação causal e a qualidade de fiadores a indicação destes factos constitutivos teria de ser feita no requerimento executivo sob pena de violação do disposto na alínea c), do nº 1, do art. 703º e nos arts. 264º e 265º do Código de Processo Civil.
Já vimos como logo aquando do saneamento do processo foi decidido, sem reacção das partes e há muito com trânsito em julgado, que, efectivamente, “a livrança não obedece aos requisitos indispensáveis para valer como título cambiário, literais e abstractos, -estando nomeadamente a obrigação cambiária há muito prescrita” mas que os autos seguiriam justamente para determinar factualmente “se prescrita a acção cambiária, o portador legítimo da livrança pode fazê-la valer como mero quirógrafo”.
Mas concentremo-nos na questão essencial: a de saber, como defende a 1ª Instância que resulta, quer dos termos do contrato junto aos autos logo aquando do requerimento executivo quer dos factos alegados na contestação aos embargos que vêm na sequencia dos documentos juntos com aquele requerimento executivo, onde constava o contrato de mútuo, a alegação da vontade dos executados-embargantes se obrigarem como fiadores.
Só deste modo se poder dar como demonstrado que a relação do aval radica, sim, na existência de uma fiança dada à obrigação assumida pelos recorrentes; esta alegação e prova exige-se atenta a extinção da obrigação meramente cartular como a que resulta do aval. Enquanto avalistas os apelantes não são devedores no aludido contrato. Neste mesmo sentido se pronunciaram, diversos arestos jurisprudenciais: Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 20 de Março de 2012, Processo 2590/09.3TBVLG-A.P1 e de 26 de Maio de 2015, Processo nºRP20150526665/13.3TBLSD-A.P1 ou o Acórdão da Relação de Lisboa de 29.09.2011, Processo nº2161/06.6TCSNT-A.L1-8, disponíveis em www.dgsi.pt.
Apreciando.
Nos termos do artigo 703.º, alínea c), do Código de Processo Civil, a livrança pode ainda ser título executivo depois de prescrita, enquanto quirógrafo, desde que “os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo”.
Ora, conforme decorre da leitura e análise do requerimento executivo e dos documentos que o instruíram, está invocada e demonstrada a relação subjacente à livrança assim como foram juntos os documentos de suporte.
Concretizando, temos que no artigo 4º do requerimento executivo foi alegado que “a livrança junta como documento 1 foi estritamente preenchida em obediência ao pacto de preenchimento constante do contrato de crédito nº ……, celebrado entre a ora aqui Exequente e os aqui Executados em 04.03.2008, e que à mesma está subjacente, contrato que aqui se junta como DOCUMENTO Nº 2 e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.” E nos artigo 5º e 6º “a livrança foi entregue à Exequente devidamente assinada pelos Executados, aquando da celebração do contrato de crédito referido, a título de caução, e como garantia do seu cumprimento do contrato, destinando-se a ser preenchida em caso de incumprimento do contrato pelo valor que então se mostrasse em dívida; tendo-se verificado o incumprimento do contrato, a Exequente exerceu a faculdade que legitimamente lhe assistia de preencher a referida livrança, facto de que os ora aqui Executados foram informados bem como da resolução do contrato.”
Além disso foi junto o contrato de mútuo que alicerça a relação causal e donde consta a alegada fiança feita pelos embargantes.
Donde, não vislumbramos como pôr em causa o “iter” processual e a tomada de conhecimento pelo tribunal recorrido das questões em apreço, logo assumidas aquando do despacho saneador, e decididas a final.
IV) Resta apurar do(s) regime(s) jurídico(s) aplicáve(is) à situação em apreço nos autos.
Como já procuramos explicar o actual artigo 703º, nº 1, al. c) do CPC veio explicitamente consagrar a possibilidade de, extinta a obrigação cartular inscrita nos títulos de crédito, poderem os mesmos ser invocados como título executivo enquanto documentos particulares assinados pelo devedor. Assim que extinta a obrigação cambiaria por prescrição, ainda assim pode vir a ser reconhecida a exequibilidade do título de crédito como quirógrafo da obrigação extra-cartular.
Tratando-se, da obrigação cambiária inerente à subscrição da livrança como avalista, resulta que o aval, enquanto acto cambiário, tem subjacente uma relação material estabelecida entre o avalista e o avalizado, que está na origem do mesmo, e que se reconduz, por via de regra, a uma garantia de cumprimento. Não sendo o aval, por si mesmo, reconduzível à fiança, para que a livrança, prescrita a obrigação cambiária do avalista, possa servir de título executivo como quirógrafo, necessário será que do requerimento executivo resulte que o avalista/executado se quis obrigar como fiador pelo pagamento da obrigação fundamental; esta uma asserção que reputamos de consensual. Note-se que, no caso da fiança, como decorre do artº 628º, nº 1 do Código Civil, a vontade de a prestar tem de ser expressamente declarada.
No caso dos autos a execução tinha como título executivo uma livrança que os embargantes subscreveram como avalistas. A exequente/embargada, porém, remetendo para o contrato de mútuo, logo desde o requerimento executivo, sustenta que os devedores embargantes, quando apuseram a sua assinatura no contrato de que a livrança depende, quiseram constituir-se como fiadores, garantes solidários da dívida que pudesse existir.
E, de facto, no contrato para que remete o requerimento executivo, consta expressamente “Declaramos ser Avalista(s)/Fiador(es) do(s) Mutuário(s) deste empréstimo e ter(mos) sido informado(s) por este(s) do montante em dívida a contrair bem como das Condições Particulares e Gerais (constante do verso do contrato) que declaro(mos) conhecer e aceitar, avalizando para o efeito a Livrança em branco anexa ao presente Contrato.” Surge depois a assinatura de ambos os fiadores/avalistas como mutuários.
Por sua vez lê-se na cláusula 15ª “O(s) Fiador(es) constituem-se como principais pagadores de todas as obrigações emergentes do presente contrato (...) e assumem solidariamente entre si e com o(s) o(s) mutuário(s) o cumprimento daquelas, tendo a presente o conteúdo e âmbito legal de uma fiança solidária”. Nestas Condições Gerais surge novamente a assinatura dos embargantes, datada de 4 /03/2008, sintomaticamente após a palavra “Fiadores”.
Tem por isso suporte factual a posição sustentada pela exequente de que os embargantes, quando apuseram a sua assinatura o contrato que sustenta a presente livrança, se pretenderam constituir como devedores solidários da dívida que pudesse vir a existir enquanto fiadores; os documentos juntos desde o requerimento inicial pela exequente assim o demonstram.
Donde, temos que a exequente alegou e provou factos que consubstanciam a relação subjacente à emissão da livrança – uma fiança assumida no âmbito de um contrato de mútuo, assinada por ambos os embargantes.
Deve por isso confirmar-se a decisão proferida na 1ª instância.
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Cumpre proceder à sumariação prevista no art.663º, nº7 do Código do Processo Civil:
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V – Decisão
Pelo exposto, decide-se julgar totalmente improcedente o recurso formulado, confirmando-se integralmente a sentença apelada.
Custas pelos apelantes.

Porto, 11 de Fevereiro de 2020
José Igreja Matos
Rui Moreira
João Diogo Rodrigues