Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
45/16.9T8VLC.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS
Nº do Documento: RP2018092445/16.9T8VLC.P1
Data do Acordão: 09/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º680, FLS.405-451)
Área Temática: .
Sumário: I - Os depoimentos testemunhais de ouvir dizer e declarações de parte que não expressam factos do conhecimento direto do declarante, desacompanhados de qualquer outra prova, não justificam a alteração da decisão de facto, com fundamento em erro na apreciação da prova.
II - Na ação de reivindicação de propriedade constitui um ónus do detentor da coisa, alegar e provar os factos que justificam a recusa da restituição, como seja a existência de um contrato de arrendamento urbano válido e eficaz, nos termos do art. 342º/2 CC.
III - A mera privação do uso ou fruição do imóvel, não constitui só por si um dano indemnizável em sede de responsabilidade civil, pois para além dos demais pressupostos da responsabilidade civil o lesado tem ainda, o ónus de alegação e prova do concreto prejuízo sofrido, o dano real e efetivo.
IV - Demonstrado que os lesados pretendiam usar a coisa, que dela pretendiam retirar as utilidades ( ou alguma delas ), que normalmente lhes proporcionaria, como seja, a renda devida pelo arrendamento, se não estivessem dela privados pela atuação ilícita do réu-lesante está provado o prejuízo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Reiv-RMF-45/16.9T8VLC.P1
Comarca de Aveiro
Vale de Cambra - Inst. Local - Sec. Comp. Gen. - J1
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Juiz Desembargador Relator: Ana Paula Amorim
Juízes Desembargadores Adjuntos: Manuel Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto[1] ( 5ª secção judicial – 3ª Secção Cível )
I. Relatório
Na presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum em que figuram como:
- AUTORES: B…, viúva, contribuinte nº ………., residente na Avenida …, .. – …, em Lisboa;
C…, contribuinte ………., residente no …, nº ..., em Aveiro;
D…, contribuinte nº ……….., residente na Rua …, n.º .., em Aveiro;
E…, contribuinte nº ………, residente na Rua …, n.º .., em Aveiro;
F…, contribuinte nº ………, residente na Avenida …, n.º .., …, em Lisboa;
G…, contribuinte nº ……….., residente na Rua …, nº …, em Lisboa; e
H…, contribuinte nº ………., residente na Avenida …, …, em …, cabeça de casal e únicos herdeiros das heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbitos de I… e marido J…; e
- RÉU: K…, solteiro, maior, com domicílio profissional na Câmara Municipal L…, Avenida …, .., …. - … Vale de Cambra.
Pedem os autores que se declare que o prédio que identificaram é da sua propriedade e que se condene o réu a reconhecer tal direito de propriedade, a entregar o referido prédio livre de pessoas, bens e animais, a abster-se da prática de qualquer ato que impeça ou diminua a utilização por parte dos autores desse prédio e a pagar aos autores o montante de 150,00€ por cada dia ou fração que decorra sem que se mostre efetivada a restituição pedida.
Alegaram, em síntese, que a propriedade do identificado prédio lhes adveio por sucessão e, ainda que assim não fosse, por usucapião e que o réu ocupa ilegitimamente o mesmo, recusando-se a entregá-lo.
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Citado, o réu contestou e deduziu reconvenção.
Na contestação defende-se por impugnação e por exceção, alegando em síntese que se encontra a residir naquele prédio desde 1982 e juntamente com a mãe e o então proprietário celebraram um contrato de arrendamento do local, pagando a renda mensal convencionada. O contrato não foi reduzido a escrito por má fé dos anteriores e dos atuais proprietários, pagando pontualmente a renda junto da M….
Em sede de reconvenção peticiona:
- a condenação dos autores, de forma solidária, a indemnizar o réu K… pelos danos não patrimoniais sofridos no montante de 150.000 (cento e cinquenta mil euros), acrescido de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento; e
- que seja reconhecido ao réu K… o direito de propriedade da fração do prédio referido no nº 1 da petição inicial que o autor habita.
Pede, ainda, a condenação dos autores como litigantes de má-fé e em indemnização no valor de 5.000,00€.
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Na réplica os autores defenderam não ser admissível a reconvenção e requereram a ampliação do pedido, caso se prove que o réu teve a sua habitação instalada em parte do prédio, pedindo a condenação do réu no pagamento de uma indemnização correspondente a 300,00€ por cada mês de ocupação e ainda, a condenação do réu como litigante de má-fé, no pagamento de uma indemnização no valor de 5.000,00€.
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Foi realizada audiência prévia e foi proferido despacho saneador, no qual se rejeitou liminarmente o pedido reconvencional por inadmissibilidade legal.
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Teve lugar a audiência de julgamento com observância do formalismo legal.
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Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:
“ Nestes termos e pelos fundamentos supra expostos, julga-se a presente ação parcialmente procedente, por provada e, em consequência, decide-se:
i. declarar que os autores são proprietários do prédio urbano composto por casa de habitação, de … com uma divisão, … com cinco e … com seis, um anexo com quatro e logradouro sito na Rua …, freguesia de …, concelho de Vale de Cambra, inscrito na matriz predial sob o artigo 553 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vale de Cambra sob o nº 922;
ii. condenar o réu:
a) a reconhecer o direito de propriedade dos autores sobre prédio identificado em
b) a restituir aos autores o prédio identificado em i. livre de pessoas, bens e animais, no prazo de 30 (trinta) dias;
c) a abster-se da prática de qualquer ato que impeça ou diminua a utilização por parte dos autores do prédio identificado em i.;
d) a pagar aos autores a quantia mensal de 15,00€ por cada mês de ocupação do imóvel identificado em i. desde dezembro de 1982 até efetiva entrega, cujo montante na presente data ascende à quantia de 6.225,00€ (seis mil, duzentos e vinte e cinco euros [=415 meses x 15€]);
iii. julgar, no mais, a ação e os pedidos de condenação em litigância de má-fé improcedentes;
iv. condenar autores e réu no pagamento das custas na proporção dos respetivos decaimentos.
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Valor: 149.900,00€ (cento e quarenta e nove mil e novecentos euros) [=28.400,00€ (pedido inicial) + 121.500,00€ (ampliação do pedido correspondente às quantias peticionadas pela ocupação desde dezembro de 1982 até à data de dedução do pedido em 28/09/2016 [=300,00€ x 405 meses]) - cfr. artigos 365º, 299º, nº4 e 300º do Código de Processo Civil”.
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O Réu veio interpor recurso da sentença.
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Nas alegações que apresentou o apelante formulou as seguintes conclusões:
1ª O réu discorda da sentença proferida por entender que esta padece nulidade; por entender que a sentença incorreu em erros grosseiros no julgamento da matéria de facto; por entender que a sentença incorreu em erros grosseiros no julgamento da matéria de direito.
2ª A sentença pronunciou-se sobre factos não elencados na causa de pedir e condenou o réu em objeto diverso do pedido. Pelo que a sentença padece de nulidade nos termos do artigo 615º, nº 1, alíneas c), d) e e) do CPC. A sentença padece de erro de interpretação desta norma, deveria cingir-se aos pedidos formulados na petição inicial.
3ª A sentença entra em contradições insanáveis ao admitir a tréplica e os pedidos nela formulados. Existe um erro grosseiro do julgador ao fundamentar a sua decisão numa peça processual que não era legalmente admissível. Com efeito, o réu formulou pedido reconvencional que foi considerado legalmente inadmissível e foi ignorado na discussão da causa e na sentença. Ao ser considerado inadmissível a reconvenção também, necessariamente, teria que ser considerada inadmissível a réplica. Com efeito, só é admissível a réplica para o autor deduzir toda a defesa contra a matéria da reconvenção (artigo 584º, nº 1 do CPC). Existe erro da sentença recorrida na interpretação desta norma na medida que deveria ignorar tudo o que constava na réplica, por este articulado não ser legalmente admissível.
4ª O juiz ignorou o pedido reconvencional toda a factualidade nele constante e pronunciou-se (aliás de forma favorável) sobre os pedidos formulados na réplica e ampliou o pedido sem que o réu fosse citado a pronunciar-se sobre tal pretensão. Tal procedimento não é legalmente admissível, sendo violador do princípio da igualdade das partes consagrado no artigo 4º do CPC e artigo 13º da CRP e do princípio do contraditória consagrado no artigo 3º, nº 1 do CPC, o réu deveria ter sido notificado para se pronunciar sobre a ampliação do pedido e do despacho que o admitiu e conduz a nulidade da sentença nos termos do artigo 615º, alíneas c), d) e e) do CPC.
5ª A sentença entra em contradições insanáveis pois considera que o réu esteve na posse do imóvel desde 1982, condenando-o ao pagamento de uma quantia pela ocupação. E também reconhece que os autores tiveram a posse do imóvel e o adquiriram por usucapião. Esta contradição determina a nulidade da sentença nos termos do artigo 615º, alíneas c), d) e e) do CPC.
6ª Os fatos considerados provados neste ponto 4 representam uma decisão judicial assente em ficção. Os réus não apresentaram qualquer prova referente a sua posse sobre o imóvel. Existe contradições insanáveis. Por um lado, a sentença considera que o réu está na posse do imóvel há 35 anos e qualifica tal ocupação como ilícita. Mas, por outro lado, considera o imóvel na posse dos autores que o deram a arrendamento e adquiriram direito de propriedade. O ponto 4 da matéria de facto deveria ter sido dado como não provado por manifesta insuficiência da prova testemunhal dos autores e pelas testemunhas dos réus referir que nunca viram lá os autores no imóvel. E a autora no depoimento de parte refere que tendo 68 anos, não entra no edifício desde a infância e acha que nunca lá entrou nenhum herdeiro.
7ª No que se refere ao ponto 5 da matéria de facto existe imprecisão propositada de linguagem, não se trata de “um acordo com os donos”, mas de um contrato de arrendamento. O tribunal julgou erradamente os documentos juntos aos autos designadamente os recibos do pagamento de renda, de acordo como modelo oficial vigente, e os comprovativos do pagamento de renda. Erro de interpretação das normas constante no artigo 374 e 376º do Código Civil). Devendo ainda constar neste ponto que o réu viveu no imóvel juntamente com o irmão e com a mãe e um filho do perfeito. E que o réu e a mãe ficaram a tomar conta do filho do perfeito que continuou a viver no imóvel E que com a morte o irmão em 1995 o réu passou a viver com a mãe até a morte desta. O tribunal considerou erradamente o depoimento de parte do réu e das testemunhas do réu. Este ponto 9 da matéria de facto deveria ter sido dado como não provado por insuficiência de prova. Os depoimentos das testemunhas dos autores foram pouco credíveis e os moradores da rua nunca
viram ninguém a procura do réu ou a perguntar quem viva no imóvel. Aliás a autora confessou que o imóvel esteve arrendado à mãe do réu.
8ª O ponto 10 da matéria de facto deveria ter sido dado como não provado. Os vizinhos do réu afirmaram não existir no prédio cães de grande porte. A prova testemunhal referiu não existir ali cães.
9ª O ponto 11 da matéria de facto deveria ter sido dado como não provado. Além dos documentos fotográficos não foi produzida qualquer prova relevante sobre a sua abrangência. Também não foi produzida qualquer prova da finalidade das telas e plásticos e se estes impedem a visualização para o interior. Também não foi produzida qualquer prova de que o réu mantém os portões truncados. A prova aprestada pelos autores foi insuficiente e o tribunal deveria valorizar o depoimento das testemunhas do réu.
10ª O ponto 12 da matéria de facto deveria ter sido dado como não provado. O réu ocupa apenas uma parte do prédio no primeiro andar. Não foi produzida qualquer prova relevante de que o réu impedisse o acesso dos autores ao prédio. Além dos portões a que a petição faz referência foi produzida prova da existência de uma segunda entrada. A sentença ignorou a existência de prova relativamente à existência de uma segunda entrada. A sentença ignora sem fundamento a prova testemunhal do réu. A autora confessou que tinha 68 anos e que não entra no prédio desde a infância e que não tem conhecimento que algum herdeiro lá tivesse entrado. Com base nas declarações da autora e das testemunhas do réu, o tribunal não tinha prova para concluir que o autor impediu a utilização do prédio pelos autores. Resulta do depoimento da autora que os autores se desinteressaram do prédio e que não entraram lá foi porque não quiseram tanto mais que o réu ocupa uma parte do 2º andar. Estão livres de pessoas e bens uma o rés do chão e o segundo andar. O tribunal não tinha elementos de prova para considerar provado o ponto 12 da matéria de facto.
11ª Existe erro de julgamento dos elementos de relativo ao ponto 13 da matéria de facto. Este ponto deveria ter sido dado como não provado. Existe prova documental do pagamento de rendas; Existe prova documental de recibos de rendas passados pelos proprietários do imóvel; Não foi produzida prova relevante de que os autores e seus antecessores nunca autorizaram ou consentiram, sob qualquer forma, que o réu ocupasse e utilizasse o referido prédio. Com base nos comprovativos de pagamento de rendas e na prova testemunhal do autor, o ponto 13 da matéria de facto deveria ter sido dado como não provado. Não foi produzida prova relevante de que os autores e seus antecessores nunca autorizaram ou consentiram, sob, qualquer forma, que o réu ocupasse e utilizasse o referido prédio. As declarações de parte da autora esta confessou que o prédio esteve arrendado a mãe do autor; resulta dos factos considerados provados e da prova testemunhal que o autor viveu sempre com a mãe. O tribunal cometeu erro de julgamento ao avaliar os recibos de renda, os comprovativos do pagamento de renda; as faturas da água e as faturas da luz e a sua conjugação com as declarações de parte de réu e autora e prova testemunhal do réu. Ora se a própria autora admite um contrato de arrendamento com a mãe do réu e se o réu sempre viveu com a mãe. Esta prova testemunhal complementada pelos comprovativos do pagamento de renda atestam de forma inequívoca que os autores e os seus antecessores consentiram que o réu ocupasse o imóvel.
12ª No ponto 15 deveria constar que o réu e a mãe foram cuidar do Perfeito K… que passou viver com eles, quando o pai partiu para o estrangeiro e que o Perfeito K… sempre vinha a Portugal residia na referida casa. O tribunal deveria valorizar depoimento de parte do réu e a sua prova testemunhal.
13ª Existe erro de julgamento dos elementos de relativo a este ponto. Existe prova documental do pagamento de rendas.
Existe prova documental de recibos de rendas passados pelos proprietários do imóvel. Não foi produzida prova relevante de que os autores e seus antecessores nunca autorizaram ou consentiram, sob, qualquer forma, que o réu ocupasse e utilizasse o referido prédio. Ao recibos de renda, os comprovativos de pagamento de renda, o depoimento de parte do autor, o depoimento de parte do réu e a prova testemunhal do réu atestam de forma inequívoca que o réu e seus antecessores pagaram pontualmente a renda. Todas as afirmações proferidas pelo réu estão comprovadas por documentos, mal andou o tribunal ao não valorizar o seu depoimento. Não refere a autora no depoimento de parte a existência de rendas em dívidas. A autora faz a confissão de um contrato de arrendamento a mãe do autor. A autora ao confessar a existência de um contrato de arrendamento com a mãe do réu e existindo comprovativos de pagamento de renda, mal andou o tribunal ao considerar no ponto 19 dos factos provados que o autor nunca pagou qualquer contrapartida pela ocupação do imóvel. O tribunal deveria considerar que o autor pagou pontualmente as rendas acordadas.
14ª Existe imprecisão do tribunal na transcrição do ponto 19 da matéria de facto. O tribunal deveria ter valorizado o depoimento de parte do ré e da sua prova testemunhal conjugados com os
comprovativos de renda juntos ao autos. Neste ponto 19 deveria o tribunal considerado provado que o réu e seus antecessores há mais de 35 anos pagam pontualmente as rendas.
15ª Existe erro de julgamento da matéria de facto relativamente a este ponto d) dos factos não provados. O tribunal sem fundamento credível ignorou a prova documental junta pelo réu, o depoimento de parte do réu a prova testemunhal do réu. O tribunal deveria considerar provado que desde 1982 o réu e a mãe O… pagam pontualmente a renda do prédio ocupado aos autores. Do confronto do depoimento do réu e da autora resulta a existência de um contrato de arrendamento e de que não existiam rendas em dívida. Do confronto do depoimento do réu com o depoimento os comprovativos de pagamento de renda e dos recibos de renda resulta o pagamento pontual da renda. Pelo que tribunal deveria considerar que o réu procedeu pontualmente ao pagamento das rendas.
16ª Os pontos e), f) e g) dos factos não provados deveriam ter sido dado como provados pelo tribunal. O tribunal deveria ter dado como provado dado como provado pois foi a própria autora que confessou a existência de um contrato de arrendamento com a mãe do réu; O réu e a mãe pagaram rendas; existem nos autos 172 comprovativos de pagamento de renda; os recibos de água e luz estão no nome do réu e da mãe O…. O réu e a mãe remeteram aos autores cartas a solicitar contrato de arrendamento escrito e nunca obtiveram resposta. O tribunal ao não considerar a existência de contrato de arrendamento cometeu erro de julgamento na força probatória aos comprovativos de pagamento de renda e ao não validar depoimento do réu e autora e prova testemunhal do réu. Para tanto o tribunal deveria atender a carta remetida pelo réu aos autores e os dizeres nela constantes e consignados nos pontos 16 e 17 dos factos provados. O tribunal deveria atender aos recibos de renda e aos comprovativos do pagamento de renda a favor dos autores. O tribunal deveria valorizar depoimentos da prova testemunhal do autor. Com base nestes elementos de prova o tribunal deveria dar como provado a existência de um contrato de arrendamento verbal no ponto e), tendo por base a matéria dada como provada nos pontos 16 e 17, bem como, o depoimento das testemunhas do réu;
17ª O ponto g) dos factos não provados deveria ser dado como provado. Com base nos seguintes elementos de prova: carta remetida pelo arrendatário ao senhorio, recibos de renda emitidos pelo senhorio, comprovativos de renda apresentados pelo autor, recibos de luz e eletricidade, bem como depoimento de testemunha e do réu. Existe erro de julgamento na força probatória atribuída a documentos e erro na interpretação dos artigos 374º e 376º do Código Civil). A autora confessou a existência de um contrato de arrendamento.
18ª Resultou provado produzida que o réu está na posse do imóvel desde 1982. Este facto dado como provado na sentença que ordenou a condenação do réu pela ocupação do imóvel. Ora, tendo sido dado como provado que o réu detém a posse do imóvel desde 1982, os autores não poderiam ter adquirido o direito de propriedade sobre o imóvel por usucapião. O tribunal interpretou e aplicou de forma errada os artigos 1294º e 1296º do Código Civil. O tribunal com base nestes normativos deveria ter concluído que os autores não adquiriram a posse do imóvel por usucapião pela falta da posse durante o lapso de tempo legalmente referido.
19ª A exibição de recibos de renda, emitidos pelos proprietários, antecessores dos atuais autores, comprova de forma inequívoca, a existência de um contrato de arrendamento. Os recibos de arrendamento emitidos pelos antecessores dos autores constitui uma confissão destes da existência de um contrato de arrendamento. Nos autos os autores não apresentaram quaisquer meios de prova que ilidissem a existência de um contrato de arrendamento. É certo que se tratava de um contrato de arrendamento verbal, porém o réu e os seus antecessores desenvolveram diligências no sentido de este ser reduzido a escrito. A falta na sua redução a escrito é imputada ao senhorio, no caso aos autores. A exibição de recibo de renda e comprovativos de pagamentos de renda indicia de forma inequívoca a existência de um contrato de arrendamento. Pelo que ao contrário do que entendeu a sentença recorrida a ocupação do imóvel pelo réu não era ilícita. O tribunal com base no artigo 1072º e 1075º do CC deveria ter concluído pela licitude da ocupação do imóvel do réu. Acresce ainda, que a autora confessou no depoimento de parte que prestou em tribunal que o imóvel esteve arrendado à mãe do réu. A autora tinha capacidade e legitimidade para confessar. A confissão da existência de um contrato de arrendamento surgiu no âmbito das declarações de parte, nos termos do artigo 352º e 357º, nº 2 do Código Civil. Não tinha o tribunal qualquer fundamento para não considerar confessada a existência de um contrato de arrendamento. O tribunal deveria ter interpretado o artigo 352º e 357º, nº 2 do Código Civil no sentido da existência de um contrato de arrendamento entre autor e réu. Tanto mais que o depoimento de parte do réu, os comprovativos de pagamento de renda e os recibos de água e luz no nome do réu e da mãe O… indiciavam de forma evidente um contrato de arrendamento.
20º O tribunal fez uma interpretação errada dos artigos 1093º e 1106º do Código Civil ao não considerar que o réu dispunha de um contrato de arrendamento. O réu fez prova de todos os
elementos referentes a transmissão do contrato de arrendamento por morte dos arrendatários. Foi dado como provado que o réu e a mãe viviam no imóvel arrendado há mais de um ano na data da morte daquela. O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5º, nº 3 do CPC). Pela interpretação destas normas o tribunal deveria ter concluído pela existência de fundamento legal para a transmissibilidade do contrato de arrendamento da mãe (O…) para o réu. A matéria de facto dada como provada e os documentos existentes nos autos permitem também concluir que o réu e a mãe O… eram ambos titulares do contrato de arrendamento verbal, que desenvolveram diligências para o reduzir a escrito, sendo imputável ao senhorio a falta da sua redução a escrito. O tribunal deveria ter interpretado os artigos 1060, 1072 e 1075 no sentido da existência de um contrato de arrendamento e do pagamento de renda por parte do réu aos autores.
21º A sentença recorrida valorizou de forma errada os documentos referentes aos recibos de rendas emitidos pelo senhorio e aos documentos comprovativos dos pagamentos de renda apresentados pelo réu, bem como das faturas da água e luz. Com base nestes documentos o tribunal deveria ter concluído que a ocupação do imóvel pelo réu não era ilícita. O tribunal interpretou de forma errada a norma constante nos artigos 371º, nº 1 e 376º, nº 1 do Código civil. O tribunal caso interpretasse corretamente estas normas deveria concluir que a ocupação do imóvel pelo réu não era ilícita.
22º Não era devido o pagamento de qualquer compensação pelo uso do imóvel por parte do réu, pois esta pagou pontualmente a renda mensal pela sua ocupação. Se a renda não foi atualizada tal facto não pode ser imputado ao réu. Essa atualização depende de iniciativa do senhorio e tem de ser comunicada ao arrendatário o montante de renda futuro (artigo 30º e ss do RAU). Pela ocupação do imóvel os autores receberam do réu e dos seus antecessores durante os 35 anos da ocupação os montantes mensais de rendas acordados. Os autores não têm fundamento legal para receber dupla compensação. Por um lado as rendas recebidas e por outro lado a compensação determinada pelo tribunal. Acresce ainda que não produziram os autores qualquer prova sobre os prejuízos tidos pela ocupação do imóvel pelo réu. O tribunal de forma arbitrária determinou uma indemnização não peticionada e não discutida em audiência de julgamento. Mas mesmo que não seja entendido, não é devido o pagamento de qualquer compensação pelo uso do imóvel por parte do réu, pois esta pagou pontualmente a renda mensal pela sua ocupação. A sentença não tinha fundamento legal para exigir uma compensação pela ocupação do imóvel fez uma interpretação errada do artigo 615º, alínea e) do CPC, do artigo 30º do RAU e dos artigos 1072º e 1075º do Código Civil. Com base nestas normas não existe fundamento legal para o pagamento de compensação.
23º Acresce ainda que o prédio foi ocupado por Perfeito K… 1995, por O… até 2005. Não tem o tribunal fundamento legal para condenar o réu ao pagamento de uma compensação desde 1982.
24º Acresce ainda que não produziram os autores qualquer prova sobre os prejuízos tido pela ocupação do imóvel pelo réu. O tribunal de forma arbitrária determinou uma indemnização não peticionada e não discutida em audiência de julgamento. O tribunal fez uma interpretação errada do artigo 3º, nº 1 e 5º, nº 1 do CPC.
25º A sentença considerou provado que réu viveu com a mãe O… em economia comum no prédio reivindicado com o irmão Perfeito K…, antes da morte deste em 1995. E réu viveu em economia comum com a mãe no imóvel até a morte desta em 2005. Com efeito estipula o artigo 1093º do Código Civil que:
Nos arrendamentos para a habitação podem residir no prédio além do arrendatário:
a) Todos os que vivam com ele em economia comum (artigo 1093º, nº 1 alínea a) do CC);
b) Consideram-se sempre como vivendo com o arrendatário em economia comum a pessoa com quem ela viva em união de facto, os seus parentes e afins na linha reta ou até ao terceiro grau da linha colateral, ainda que paguem alguma retribuição, e bem assim as pessoas relativamente às quais, por força de lei ou de negócio jurídico que não respeite diretamente à habitação, haja obrigação de convivência ou de alimentos (artigo 1093º, nº 2 do CC).
Com base nesta norma deveria o tribunal concluir que o réu não ocupou de forma ilícita. Tanto mais que a autora confessou a existência de um contrato de arrendamento com a mãe do réu.
25º. Viola o direito fundamental do autor à habitação (artigo 65º, nº 1 da CRP). Todos têm direito a uma habitação para si e para a sua família. O réu de boa fé e na plena convicção de que era titular de um contrato de arrendamento e pagando rendas, formou a convicção de que o local habitado era a sua habitação. O direito fundamental a habitação pressupõe que o réu não seja privado de forma arbitrária da habitação onde reside desde 1982, ou seja, há mais de 35 anos. A garantia constitucional do direito há habitação assume a forma de um direito negativo na medida em que vincula terceiros a abster-se da prática de atos que violem o direito à educação. Ora da factualidade dos autos resulta de os autores há mais de 30 anos recusam-se a reduzir a escrito um contrato de arrendamento com o réu, para isso foram notificados e nada disseram, recusaram receber rendas. A autora reconheceu um contrato de arrendamento. O réu desde 1982 que paga pontualmente rendas e fá-lo na convicção da existência de um contrato de arrendamento e de fazer daquele espaço a sua habitação. Planeou ao longo de mais de trinta anos a sua vida, na existência que que forma licita tinha um espaço para viver. Esta espectativa merece tutela do direito. O principio da proteção da confiança. Este princípio é um dos elementos estruturantes do Estado de direito e visa a proteção das expetativas legítimas dos cidadãos. O réu planificou a sua vida durante mais de 35 anos na expetativa de que tinha um contrato de arrendamento e com base nesse pressuposto planificou toda a sua vida. A sentença é violadora do artigo 65º, nº 1 e do artigo 2º da CRP. A sentença fez uma interpretação das normas constantes nos artigos 1064º, 1069º, 1075º e artigo 1106, nº 1 b) que é violadora do direito fundamental a educação e da proteção da confiança artigo 65º, nº 1 e do artigo 2º da CRP.
26º Os autores emitiram recibos de renda; os autores receberam quantitativos de renda pagos pelo réu; Os autores não responderam a carta remetida pelo réu no sentido do contrato de arrendamento ser reduzido a escrito. Os autores vêm alegar a inexistência de tais factos e alegam ocupação ilícita. Os autores reconheceram a existência de contrato de arrendamento e passaram recibos. A autora confessou a existência de
contrato de arrendamento com mãe do réu Os autores invocaram factos que não eram verídicos, tendo atuado com dolo ou negligência grave. Pois tinham pleno conhecimento da falta de fundamento da sua pretensão pois durante 35 anos receberam rendas, alegando uma realidade e factos que eram inverídicos, como dizendo que o réu não habitava o imóvel. Os autores litigam de má fé. Mal andou a sentença ao entender que os autores não litigam de má fé, fazendo uma interpretação errada do artigo 542º do CPC.
Termina por pedir que a sentença recorrida seja revogada e os pedidos formulados pelos autores julgados improcedentes, e, consequentemente, seja considerada lícita a ocupação do imóvel pelo autor em virtude da existência de um contrato de arrendamento. Mais requer que seja revogada a decisão relativa a não condenação dos autores como litigantes de má fé e, consequentemente, que seja considerado procedente o pedido relativo a condenação dos autores como litigantes de má fé.
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Os Autores vieram apresentar resposta ao recurso no qual formularam as seguintes conclusões:
1ª - Descontente com a douta sentença proferida, o apelante, requer, nesta sede, a junção aos autos de vários documentos e alega, em síntese, a nulidade da sentença, a existência de erros grosseiros no julgamento da matéria de facto e de direito, e a condenação dos autores como litigantes de má- fé. Ora,
2ª - Entendem os apelados, com o devido respeito, que não assiste qualquer razão ao apelante, já que a douta sentença encontra-se devidamente fundamentada e não viola qualquer preceito legal.
Senão vejamos,
3ª- É entendimento unânime da jurisprudência de que a junção de documentos tem de ser requerida, com explicitação do objetivo probatório visado, e na fase de recurso é, não livre, mas excecional ( sobre este tema, mormente as subjacentes razões de superveniência, cfr. Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, 2009, ps 83 e sg, bem como Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, ps.184 e seg.).
4ª- Assim em sede de recurso é legítimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento ou quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo.
5ª- O apelante com as suas alegações junta os documentos de fls. 150 a 860, ressalvando-se que o número de documentos referenciado pelo mesmo a fls. 148 não coincide com o referenciado nas suas alegações de recurso cfr.123- verso.
6ª- Todos os documentos juntos pelo apelante nesta sede são de data anterior e/ou quer à propositura da ação e/ou quer à data da realização audiência de julgamento, sendo apenas exceção as guias de depósito de fls.857, 858, 859 e 860.
7ª- Em sede de depoimento de parte do Réu cujo depoimento se encontra gravado no sistema integrado de gravação digital em uso no Tribunal com registo de ata de 7 de Junho de 2016 refª 97767102 e registado com recurso à aplicação “ Habilus Media Studio, das 10:37:57 ás 11:14:27 ”, mais concretamente nas passagens de : 25.52 a 26.50, o apelante afirma ter mais documentos guardados em casa, sendo indagado pela Meritíssima Juiz a razão pela qual não os juntou aos autos e expressamente advertido de que: “ O Tribunal não pode dizer que existem talões se não os viu. “ para o Tribunal é como se não existissem se não os mostrar “.
8ª-A audiência de julgamento continuou no dia 26 desse mesmo mês e o apelante optou por não juntar os documentos aos autos, vindo faze-lo apenas em sede do presente recurso.
9ª- Assim, o apelante tinha estes documentos na sua posse e optou por não os juntar aos autos até ao limite temporal previsto no nº 2 do artigo 423 do C.P.C, vindo a fazê-lo em sede de recurso, não justificando nem a impossibilidade de apresentar tais documentos no momento próprio nem a existência de qualquer ocorrência posterior que o justificasse.
10ª- Atento ao exposto, não tendo o apelante alegado factos e circunstâncias que justificassem a apresentação tardia dos documentos, não deve a sua junção ser admitida, nos termos do disposto no artigo 425 ex vi 651 do C.P.C
Sem prescindir,
11º- Caso venha a ser admitida a junção de tais documentos, no direito do contraditório que lhes assiste, os apelados vêm impugnar expressamente a sua força probatória.
Já que,
12ª- - Os documentos de fls. 150 a 330, inclusive – faturas da EDP vão impugnados no seu teor quanto ao alcance, efeitos e consequente prova que com os mesmos o apelante pretenda fazer, já que nenhum desses documentos se encontra emitido em nome do apelante, todos encontram-se emitidos em nome de O…, o documento de fls.281 declara expressamente e inexistência de consumo de eletricidade e a maioria reporta por estimativa consumos tão baixos que não se compadecem com a invocada utilização de parte do imóvel para habitação.
13ª- Os documentos de fls. 331 a fls. 657,inclusive, de fls. 600 a 660, inclusive – faturas de água – vão impugnados no seu teor quanto ao alcance, efeitos e consequente prova que com os mesmos o apelante pretenda fazer, já que nenhum desses documentos se encontra emitido em nome do apelante, todos encontram-se emitidos em nome de Perfeito K…, todos identificam apenas parte do prédio ( 1º andar ), sendo que resulta expressamente dos documentos de fls. 331, 520, 522, 534,
536, 537, 538, 539, 540, 543, 587, 588, 561, 562, 591, 592, 593, 594, 600, 601, 613, 618, 622, 624, 625, 626, 643 que não existe qualquer consumo de água no local e de outros documentos de que são exemplos os de fls. 573 575, 595, 596 ,entre outros, que o consumo de água se resume a 1m3 o que não se compadece também com um local que seja habitado .
14ª- Os documentos de fls.661 a 674, inclusive, intitulados “recibos de aluguer”, são todos documentos particulares que não foram elaborados nem assinados por nenhum dos apelantes ou anteriores proprietários do prédio, por isso ignoram se a letra e a assinaturas neles apostas, são verdadeiras, invocação que fazem nos termos e para os efeitos consignados no artigo 374 nº 2 do Código Civil e art. 444 do C.P.C. Assim como vão esses documentos também impugnado no seu teor quanto ao alcance, efeitos e consequente prova que com os mesmos o apelante pretenda fazer, já que nenhum desses documentos se encontra emitido em nome do apelante nem nenhum tem a identificação do prédio objeto dos autos, não se encontrando assinados por nenhum dos atuais ou anteriores proprietários do prédio.
15ª- Os documentos - de fls 658, 659 , de 675 a 772 inclusive, intitulados “depósitos” são documentos particulares que não foram elaborados nem assinados por nenhum dos apelantes ou anteriores proprietários do prédio, por isso ignoram se a letra e a assinaturas neles apostas, são verdadeiras, invocação que fazem nos termos e para os efeitos consignados no artigo 374º nº 2 do Código Civil e art. 444º do C.P.C. Assim como vão esses documentos também impugnado no seu teor quanto ao alcance, efeitos e consequente prova que com os mesmos o apelante pretenda fazer, já que nenhum desses documentos se encontra emitido em nome do apelante e , os apelados desconheciam por completo a sua existência nunca tendo recebido os montantes aí declarados.
16ª- Os documentos de fls. 773 a 860 inclusivé intitulados “ depósitos de renda”, vão impugnados no seu teor quanto ao alcance, efeitos e consequente prova que com os mesmos o apelante pretenda fazer, já que, com exceção dos documentos de fls. 775, 850, 851, 852, 853, 854, 855, 856, 857, 858, , 859 e 860, nenhum desses documentos se encontra emitido em nome do apelante, sendo que o documento de fls 813 encontra-se adulterado, nomeadamente rasurado no que concerne ao ano em vários locais, ao que acresce que os apelados, desconheciam por completo a sua existência, nunca tendo recebido os montantes aí referenciados.
Quanto ás nulidades invocadas:
17ª- O R. ora apelante apresentou contestação e deduziu reconvenção em 5.8.2016 com a refª: 431866.
18ª- Em consequência os AA. ora apelados em 28.9.2016 refª : 4592621 apresentaram nos autos um requerimento com duas finalidades autónomas, nomeadamente em A) apresentaram a réplica deduzindo toda a defesa relativa à matéria da reconvenção - nos termos do disposto no art. 584 nº 1 do C.P.C e, em B) requereram a ampliação do pedido caso se viesse a provar que o R. tinha tido instalado em parte do prédio a sua habitação, em conformidade com o disposto no artigo 265 nº 2 do C.P.C.
19ª- Este requerimento foi notificado ao mandatário do R. em 28-9-2016 por via eletrónica conforme resulta expressamente dos autos, tendo sido paga a devida taxa de justiça complementar pela sua apresentação (DUC ……………..) e pelo réu ora apelante não foi deduzida qualquer oposição ao mesmo.
20ª- Em 28-4-2017 foi proferido douto despacho refª 97160708, que se pronuncia quanto à reconvenção, considera o pedido reconvencional legalmente inadmissível, rejeitando-o liminarmente, fixa o valor da causa em €28.400,00, e identifica o objeto do litigio e enuncia os temas de prova, contemplando, para o que aqui interessa, os danos que advém para os AA em consequência da ocupação do imóvel por parte do R. ora apelante, não tendo este despacho sido objeto de qualquer reclamação e/ ou recurso pelas partes, e na integra, transitado pacificamente em julgado.
21ª- Pelo que, contrariamente ao que alega o apelante verifica-se que a Meritíssima Juiz na douta sentença proferida, conheceu apenas das questões suscitadas pelas partes, não tendo ultrapassado, nem em quantidade nem em qualidade os limites constantes do pedido, em conformidade com o disposto no artigo 608 nº 2 do C.P.C.
22ª- Foi respeitado o objeto do litígio, que incluía a requerida ampliação do pedido notificada ao R. e constante no douto despacho proferido que identificou o objeto de litígio e temas de prova e que havia transitado em julgado, não existindo desta forma a nulidade invocada.
23ª- O valor da ação foi fixado em €28.400,00 por douto de 28-4-2017 refª 97160708 transitado em julgado, o que determinou a competência do Tribunal, tendo apenas esse valor sido corrigido na douta sentença em conformidade com o disposto no artigo 299 nº 4 e art. 300º ambos do C.P.C, carecendo de fundamento a ora invocada incompetência do “ Tribunal a quo” para julgar a ação.
24ª- Todos os factos tidos em consideração na douta sentença estavam compreendidos no douto despacho proferido em 28-4-2017 refª 97160708 que determinou o objeto de litigio e os temas de prova e sobre o qual o apelante não apresentou qualquer reclamação e/ ou recurso.
25ª- Por outro lado, também não existe qualquer contradição insanável na douta sentença proferida ao reconhecer o direito de propriedade dos AA. ora apelantes sobre o prédio objeto de litígio, direito que se encontra registado em seu nome, e foi reconhecido também por usucapião, nomeadamente entre o facto dado como provado em 4 da douta sentença e o facto dado como provado em 15 - no que concerne à ocupação que o R. e a mãe deste fizeram desse mesmo prédio.
26ª- Na douta sentença recorrida, contrariamente ao que alega o apelante, não é reconhecida a existência de um contrato de arrendamento com o Réu, apenas a existência de um contrato de arrendamento entre o irmão do réu, Perfeito K…, e os anteriores proprietários que não se transmitiu à mãe porque na data em que o irmão faleceu este já há muito que não residia no locado ( factos dados como provados em 6) e 7 ), assim como à morte da mãe do réu esta igualmente nada podia transmitir a este no que se refere ao imóvel.
27ª- E considerando que a nulidade invocada a que se reporta o artigo 615 nº 1 al. c) do C.P.C só ocorre quando os fundamentos de facto e de direito invocados na sentença conduzam logicamente ao resultado oposto àquele que integra o respetivo segmento decisório, verifica-se que esta não existe pois a argumentação brilhantemente desenvolvida ao longo da douta sentença aponta claramente no sentido plasmado na decisão proferida com a subsunção legal que a Meritíssima Juiz entendeu melhor corresponder aos factos provados.
Quanto à impugnação da decisão sobre matéria de facto:
28ª- Com o devido respeito por melhor opinião, entendem os apelados que da simples análise das conclusões apresentadas nas alegações, verifica-se que falta a indicação exata das passagens da gravação em que o recorrente se funda, assim como a especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados que impõem decisão diversa, devendo o recurso, nesta parte ser rejeitado conforme disposto no artigo 640 nº 2 do C.P.C.
29ª- Uma vez que, por forma a impedir que a impugnação da decisão se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo, estabeleceu o artigo 640 do C.P.C o ónus a cargo do recorrente, que quando não cumprido conduz à rejeição total ou parcial do recurso, nomeadamente em alguma das situações aí completadas.
Sem prescindir, à cautela se dirá
30ª- O apelante fundamenta o seu recurso na transcrição de “ partes “ isoladas dos depoimentos prestados pelas testemunhas e pelas partes completamente descontextualizados do depoimento no seu todo, tentando desta forma lançar a confusão onde esta não existe e alterar a decisão sobre a matéria de facto proferida.
31ª- Mais grave, afirma que o tribunal “ a quo” não teve em consideração os documentos que apenas apresentou em sede de recurso, ainda sem sequer a sua junção ser admitida e a sua força probatória considerada.
Ora,
32ª O facto dado como provado em 4 da douta sentença proferida resultou, conforme é referido na mesma, da análise das declarações de parte de uma das Autoras, G… e do depoimento das testemunhas P… e Q…, S… e T… e ainda dos documentos juntos com a petição inicial a fls. 12 verso, a 15 verso e 22 a 26 correspondentes aos documentos de cobrança de IMI (ali se encontrando o prédio identificado através do numero antigo da matriz conforme se pode confirmar pela análise da certidão matricial donde resulta que teve origem no artigo 565).
33ª- Da assentada constante na ata de julgamento de 7 de Junho de 2017 refª 97767102 resulta que o próprio apelante confessa saber que o prédio estava em nome de J…, que inicialmente residiu em parte do prédio, nomeadamente no primeiro andar, o seu irmão Perfeito N… e, posteriormente, ali viveu o Réu com a sua mãe.
34ª Que após a morte de J… e a morte do seu irmão Perfeito ocorrida em 1995 apareceu lá um advogado a dizer que este e a mãe estavam ilegais.
35ª- E que recentemente tentaram contacta-lo no local de trabalho para que o mesmo assinasse uma carta que correspondia a uma ação de despejo, que este recusou assinar.
36ª- No depoimento de parte do Réu, ora apelante que se encontra gravado no sistema integrado de gravação digital em uso no Tribunal com registo de ata de 7 de Junho de 2016 refª 97767102 e registado com recurso à aplicação “ Habilus Media Studio, das 10:37:57 ás 11:14:27, nas passagens concretamente identificadas 4.57 a 5.08 supra transcritas reconhece que foi procurado por um senhor advogado que lhe disse estar ilegal no prédio e na passagem concretamente de 32.17 a 32.59 quando indagado a razão pela qual se recusou a assinar a notificação judicial avulsa requerida contra si e constante dos autos a fls. refere: “ não assinei porque era uma ação de despejo e eles punham-me de lá para fora”.
37ª- Das declarações de parte da A. G… que se encontram gravadas no sistema integrado de gravação digital em uso no Tribunal com registo de acta de 7 de Junho de 2016 refª 97767102 e registado com recurso à aplicação “ Habilus Media Studio, das 11.56.51 a12.13.58 , na passagem concretamente identificada de 12.30 a 12.47, refere que uma das vezes que se deslocou ao prédio deixou um papel na caixa de correio com a sua identificação e numero de telefone para que a pessoa a contactasse e isso nunca chegou a acontecer, portanto o que demonstra também a plena consciência do Réu, ora apelante, de que se encontrava a ocupar parte do prédio e a impossibilitar o acesso total ao mesmo, de forma ilícita.
38ª- Tendo esta Autora referido no seu depoimento que os seus antecessores habitaram naquele prédio, todas as diligências feitas para se identificar a pessoa que aí se encontrava e que desconheciam a identidade, para tentar aceder ao prédio e o pagamento dos impostos durante todos os anos relativos a esse prédio.
39ª- Tais factos referidos em 4 da matéria de facto dada como provada foram confirmados no depoimento prestado pela testemunha P… e Q… cujo depoimento se encontra gravado no sistema integrado de gravação digital em uso no Tribunal com registo de ata de 7 de Junho de 2016 refª 97767102 e registado com recurso à aplicação “ Habilus Media Studio, das 11.24.11 a 11.40.57,
que atesta o conhecimento da existência do prédio, dos seus proprietários, do pagamento dos impostos relativo ao mesmo ao longo dos anos, com a sua intervenção direta algumas vezes e das diligências efetuadas para se aceder ao mesmo.
40ª- Por sua vez, a testemunha S… cujo depoimento se encontra gravado no sistema integrado de gravação digital em uso no Tribunal com registo de ata de 7 de Junho de 2016 refª 97767102 e registado com recurso à aplicação “ Habilus Media Studio, das 11.41.45 a 11.51.51, atesta as diligências efetuadas para se identificar a pessoa que se encontrava no prédio, a existência dos cães, inclusive que esteve presente quando a Autora G… deixou um papel com a sua identificação e número de telefone na caixa de correio do prédio para ser contactada pela pessoa que tinha vedado o acesso ao mesmo, o que nunca veio a acontecer.
41ª- A testemunha T… cujo depoimento se encontra gravado no sistema integrado de gravação digital em uso no Tribunal com registo de ata de 22 de Junho de 2016 refª 97976907 e registado com recurso à aplicação “ Habilus Media Studio, das 9.55.41 a 10.31.41, confirmou ter conhecimento da titularidade do prédio e das diligências feitas pelos herdeiros para tentar aceder ao mesmo e proceder a sua limpeza, o que não conseguiram por o acesso lhes estar vedado.
42ª- Ora estes depoimentos aliados aos documentos ( 1 e 2 juntos com a p.i – fls. 9, 10, 11 a 12 ), que atestam o registo definitivo a favor dos autores, aos documentos de fls. 12 verso a 15 e 22 a 26, que constitui uma presunção que não foi ilidida pelo Réu, permitem dar como provados os factos referidos em 4 da fundamentação da douta sentença proferida ao contrário do que alega o apelante.
43ª- Quanto ao facto dado como provado em 5 da douta sentença proferida, apesar do apelante não referir concretamente a razão porque considera este ponto de facto incorretamente julgado, como era seu dever, dir-se-á que como bem refere a douta sentença a matéria aí dada como provada resultou do acordo das partes nos termos do disposto no artigo 574º do C.P.C, do depoimento da testemunha P… e pela confissão de G… em conjugação com o próprio depoimento de parte do réu em conjugação com o documentos de fls. 64 dos autos.
44 ª- Sendo que o Tribunal não podia concluir, como refere o apelante, que o este sempre viveu com a mãe e com o irmão Perfeito no prédio e que o seu irmão vinha frequentemente a Portugal e ficava em casa, pois nenhuma prova foi produzida nesse sentido.
45ª- Afirma o apelante que o facto dado como provado em 9 da douta sentença proferida deveria ter sido dado como não provado por considerar que as testemunhas dos autores foram pouco credíveis e os moradores da rua nunca viram ninguém à procura do réu ou a perguntar quem vivia no imóvel.
46ª- Ora, com o devido respeito, o Tribunal “ a quo” apreciou livremente as provas e respondeu segundo a convicção que formou acerca de cada facto, tudo em harmonia com o disposto no artigo 607 nº 5 do C.P.C.
47ª- E, como bem refere a douta sentença este facto resultou provado da confissão do réu , conforme resulta da assentada constante na ata de 7 de Junho de 2016 refª 97767102 e do seu depoimento registado com recurso à aplicação “ Habilus Media Studio, das 10:37:57 ás 11:14:27 , nas passagens concretamente identificadas 4.57 a 5.08 este reconhece que apareceu um advogado que lhe terá dito que ele a mãe estavam ilegais no prédio.
48ª- O que conjugado com a notificação judicial avulsa de fls 31 a 40 que o apelante recusou a assinar, não obstante a ter recebido, conjugado com o seu depoimento na passagem concretamente de 32.17 a 32.59 quando indagado a razão pela qual se recusou a assinar a notificação judicial avulsa refere: “ não assinei porque era uma ação de despejo e eles punham-me de lá para fora”, demonstra inequivocamente que este se recusa a entregar o prédio aos Autores e veja-se, que nem após a notificação judicial que foi requerida contra si o apelante procurou os Autores por forma a resolver a situação, demonstrando assim plena consciência da ilicitude da ocupação que faz do prédio.
49ª- Afirma o apelante que os factos dados como provados em 10 ,11 e 12 da douta sentença proferida deveriam ter sido dados como não provados baseando-se em partes do depoimento do seu irmão Y…, que no seu depoimento que se encontra gravado na ata de 7 de Junho de 2016 refª 97767102 registado com recurso à aplicação “ Habilus Media Studio, das 12:15:46 ás 12:31:44 , afirmou inclusive que visitava a mãe enquanto a mesma foi viva mas que não entrava no prédio e das testemunhas U…, V…, cujos depoimentos que foram apaixonados e contraditórios entre si.
50ª- Ora, como bem se refere na douta sentença os depoimentos das testemunhas indicadas pelos autores P… cujo depoimento se encontra gravado no sistema integrado de gravação digital em uso no Tribunal com registo de ata de 7 de Junho de 2016 refª 97767102 e registado com recurso à aplicação “ Habilus Media Studio, das 11.24.11 a 11.40.57, que confirmou a existências das telas e redes no prédio e dos cães, assim como a testemunha S… cujo depoimento se encontra gravado no sistema integrado de gravação digital em uso no Tribunal com registo de ata de 7 de Junho de 2016 refª 97767102 e registado com recurso à aplicação “ Habilus Media Studio, das 11.41.45 a 11.51.51, confirmou tais factos, sendo que os mesmos também resultavam da análise de documentos fotográficos juntos a fls 41, 43 e 44 dos autos pelo que bem andou o Tribunal ao considerá-los como provados.
51ª- Alega o apelante que o Tribunal “ a quo” cometeu um erro de julgamento ao dar como provado o facto 13, porque existe prova documental do pagamento de rendas, referindo-se aos documentos juntos em sede de recurso e por isso este facto deveria ser dado como não provado.
52ª- Não obstante esses documentos não poderem ser considerados na douta sentença porque foram juntos após a prolação da mesma, a verdade é que, sem prejuízo da impugnação dos mesmos feita supra, não existe nos autos nenhum recibo de pagamento de renda mensal passados pelos autores ao réu ora apelante, nem nenhum documento comprovativo que estes tenham recebido o que quer que fosse pela ocupação do imóvel, assim como não existe nenhuma fatura da água ou da luz relativa prédio emitida em nome do réu.
53ª- Ao que acresce que do depoimento do próprio réu prestado em sede de audiência constante na ata de 7 de Junho de 2016 refª 97767102 e registado com recurso à aplicação “ Habilus Media Studio, das 10:37:57 ás 11:14:27 ,nas passagens concretamente identificadas 6.16 a 9.01 resulta que o mesmo foi convidado para ir lá morar quando o irmão emigrou para a América e que nunca deu conhecimento desse facto aos Autores ou anteriores proprietários do prédio, o que aliado ao facto confessado de que após a morte do irmão se deslocou um advogado ao prédio que o informou que este e a sua mãe estavam ilegais e à sua recusa comprovada nos autos de receber a notificação judicial avulsa, demonstra de forma clara a falta de autorização e consentimento dos proprietários para essa ocupação e consciência plena do réu de que a mesma era ilícita.
54ª Não existe qualquer contradição entre a matéria dada como provada no ponto 14 e a matéria dada como provada em 4 da douta sentença contrariamente ao que alega o apelante, já que no ponto 4 não é referida a existência de qualquer obra.
55ª- Não existe qualquer contradição entre a matéria dada como provada em 15 e a matéria dada como provada em 6, que refere como data em que o irmão do réu Perfeito K… emigrou para os Estados Unidos como anterior à data da sua morte 1995, no ano de 1982.
56ª- Não existe qualquer contradição entre a matéria dada como provada em 19 e a matéria dada como provada em 18, pois é bem referido em 19 com exceção do pagamento referido em 18, o réu ocupou e usufruiu de parte do prédio sem ter pago qualquer contrapartida, alegando mais uma vez o apelante, sem razão que a Tribunal “ a quo” deveria valorado na sentença os documentos que este apenas juntou em sede de recurso, o que não tem qualquer cabimento.
57ª- No que concerne ao facto dado como não provados em d) da douta sentença em crise, alega o apelante que existe prova documental e testemunhal donde resulta o pagamento pontual das rendas assim como a emissão pontual de recibos de renda pelos proprietários.
58ª- Ora, dos autos não resulta nenhum documento que comprove a emissão de recibos de renda pelos autores, assim como tenha sido o réu a pagar qualquer renda desde 1982, sendo que nenhuma das testemunhas arroladas pelo réu mostrou conhecimento direto desse facto, pelo que sobre o mesmo não foi produzida qualquer prova.
59ª- Quanto ao facto dado como não provados em e) da douta sentença proferida, nenhuma prova foi produzida, alias como é bem referido na douta sentença o próprio réu, no âmbito do depoimento por si prestado nem sequer conseguiu confirmar a versão trazida na contestação, não confirmando ter celebrado qualquer contrato de arrendamento após a morte do seu irmão, antes confirmando que desde essa altura lhe haviam solicitado, por parte dos autores, que abandonasse o local por estar “ilegal”.
60ª- Quanto ao facto dado como não provados em f) da douta sentença proferida, dos autos nenhuma prova resulta que Dr. W… tivesse sido proprietário do prédio, assim como que os herdeiros de J… se tivessem havido recusado reduzir a escrito um contrato de arrendamento, tendo relativamente à invocada carta constante a fls 66 verso, 67 70 e 71 apenas resultado provado o que consta nos pontos 16 e 17 dos factos dados como provados e nada mais.
61ª- Quanto ao facto dado como não provados em g) da douta sentença proferida, afirma o apelante que o mesmo deveria ser dado como provado atendendo ao documento de fls.66 verso, 67, 70 e 71, recibos de renda emitidos pelo senhorio, comprovativos de renda apresentados pelo Réu, recibos de água e luz bem como do depoimento de parte do réu e declarações de parte da Autora I….
62ª- Ora, os Autores nunca emitiram qualquer recibo de renda, assim como, sem prejuízo da impugnação dos documentos juntos nesta sede e feita supra, mesmo os recibos e guias depósito com exceção dos documentos de fls. 775, 850, 851, 852, 853, 854, 855, 856, 857, 858, 859 e 860, nenhum se encontra emitido em nome do apelante, o mesmo se dirá quanto às faturas de água e eletricidade, isto sem sequer considerar os consumos ora inexistentes, ora tão baixos, que não se compadecem com um local habitado.
63ª- Nenhum dos Autores sabia da existência de qualquer contrato de arrendamento ou depósito de renda e, o Réu após a notificação judicial avulsa que lhe foi efetuada não transmitiu aos autores o que quer que fosse relativa à ocupação que fazia do prédio, resultando do senso comum que, pelo menos nessa data, caso estivesse de boa-fé e convicto de que teria um contrato de arrendamento válido, o teria transmitido aos Autores, o que não fez.
64ª- Quanto aos facto dados como não provados em H) e I) da douta sentença proferida, apesar do apelante não referir concretamente a razão porque considera estes pontos de factos incorretamente julgados, dizendo apenas que os mesmos indiciam de forma evidente a falta de fundamento do Tribunal na condenação do réu no autos.
65ª- Esclarece-se que, a ampliação de pedido não foi efetuada na réplica mas sim, de forma autónoma, no requerimento apresentado em 28.9.2016 refª : 4592621 aí identificado em B) , sendo que quanto a matéria constante no ponto H) foi alegada com o pedido de condenação em má-fé deduzido na réplica nos artigos 57, 58 e 59, por sua vez a matéria constante em i) foi alegada no requerimento de ampliação de pedido no artigo 64, pelo que falece a razão ao apelante quando afirma que esta matéria não consta dos autos.
66ª- Afirma o apelante que o Tribunal “ a quo” fez uma errada interpretação do artigo 1294 e 1296 do C.C e que nos autos não existem quaisquer fundamentos para considerar que os autores são proprietários do imóvel e muito menos por usucapião, por consequência o pedido de reconhecimento de propriedade deveria ter sido julgado improcedente.
67ª- Ora, com o devido respeito carece de qualquer fundamento o alegado pelo apelante, já que resulta dos factos dados como provados ( em 1, 2 e 3) e não impugnados nesta sede, que a propriedade do prédio id. em 1 encontra-se registada na Conservatória do Registo Predial de Vale de Cambra a favor dos Autores.
68ª- Esta presunção relevante dispensa os Autores de ter que provar os factos que a ela conduzem ( cfr. art. 350 nº 1 do Código Civil), presumindo-se que o direito ( de propriedade) existe e pertence aos mesmos ( cfr. art. 7 do CRP) .
69ª- Esta presunção não foi ilidida e por aqui o pedido de reconhecimento do direito de propriedade dos autores sobre o prédio sempre teria que proceder.
70ª- Não obstante como bem se refere na douta sentença, foi dado como provado que os autores adquiriram o direito de propriedade sobre o prédio também por usucapião, que alias havia sido invocado à cautela na p.i, por se encontrarem preenchidos todos os requisitos legais para tanto nos termos dos artigos 1287, 1289, 1294 a), 1316 e 1317 a) do Código Civil.
71ª- Os autores conseguiram provar que mantinham a prática de atos materiais de posse (facto dado como provado em 4) consubstanciados na habitação de prédio pelos seus antecessores, na celebração de um contrato de arrendamento com o irmão do réu, no pagamento dos impostos, nas tentativas de entrada no prédio para ocupar e limpar o mesmo, correspondentes ao exercício de propriedade, de forma pacífica, sem oposição e de boa-fé.
72ª- E, contrariamente ao que alega o apelante, na sentença recorrida não foi dado como provado que o mesmo detém a posse do imóvel desde 1982, apenas que ocupou e usufruiu de parte do prédio ora em questão ( parte do ponto 19 dos factos provados) e que a partir da data em que o irmão emigrou este passou aí habitar conjuntamente com a sua mãe ( ponto 15 dos factos dados como provados).
73ª- Veja-se que é o próprio réu que na contestação que apresenta, não obstante invocar a existência de um contrato de arrendamento para justificar tal ocupação, refere expressamente que vive numa parte do prédio (artigos 12, 13, 14, 15 da contestação) e no pedido reconvencional que deduz pede, além do mais, o reconhecimento do direito de propriedade apenas da fração que habita do prédio e não da sua totalidade.
74 ª Não obstante da descrição predial, junta como documento nº 2 na p.i, resulta que o prédio identificado em 1 dos factos provados não se encontra dividido em frações, em condições de constituírem unidades independentes que possam pertencer a proprietários diversos em regime de propriedade horizontal.
75ª- E, como decorre do disposto no artigo 202 do Código Civil a constituição de relações reais sobre uma coisa e, consequentemente, a aquisição da propriedade por usucapião de uma parte de um imóvel pressupõe a sua autonomização material e jurídica, não sendo a ordem jurídica favorável a que sejam objeto de relações jurídicas partes de imóveis sem a sua prévia autonomização.
76ª- Pelo que, ainda que apenas considerando por mera hipótese académica a existência dos alegados atos de posse pelo R. da dita parte do imóvel, (o que expressamente não se aceita existirem e não foi dado como provado), não se encontrando o prédio id. em 1 da p.i em propriedade horizontal, nunca esses atos poderiam conduzir ao reconhecimento do réu como proprietário de uma fração desse prédio, como este parece pretender pois seria contrário a disposições de carácter imperativo.
77ª Alega o apelante a existência e validade de um contrato de arrendamento consigo celebrado após transmissão sucessiva por morte do arrendatário Perfeito ocorrida em 1995 para a mãe O… e com a morte desta em 2005 para si. (contrariamente ao que defende na ação que intentou posteriormente e que corre termos sob o nº 2677/17.9T8VFR o Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira – certidão ora junta como documento nº 1) 78ª- Afirmando que foram valorizados de forma errada os documentos, recibos de renda e as guias de depósito, assim tendo o Tribunal interpretado de forma errada o disposto no art. 371º nº 1 e 376º nº 1 do C. C.
79ª- Ora, o apelante volta a referir os documentos juntos em sede de recurso cuja a admissibilidade e força probatória foram impugnados supra e, como se compreende, nunca poderiam ser valorizados na douta sentença por terem sido juntos aos autos após a sua prolação, por outro lado não sendo nenhum desses documentos, documento autentico ou particular com a letra e assinaturas reconhecidas presencialmente, não poderiam ter a força probatória pretendida, isto mesmo sem se considerar a sua impugnação supra, por si só nunca poderiam levar a concluir que a ocupação do imóvel por parte do réu é licita.
80ª- Pois como bem se refere a douta sentença ora em crise, da factualidade provada resultou apenas que entre o irmão do réu e os anteriores proprietários foi celebrado um acordo que pelas características descritas nos factos dados em 5, tem que ser havido como um contrato de arrendamento podendo a sua prova ser feita por qualquer meio, esclarecendo que faz a aplicação do Decreto-Lei nº 188/76 de 12-03 por ter ficado demonstrado que tal ocorreu necessariamente antes da emigração do locatário em 1982.
81ª- Não se podendo falar em transmissão do arrendamento por morte do irmão do réu para a mãe, nos termos do disposto no artigo 85 nº 1 d) do RAU, mesmo não havendo a comunicação do óbito a que se refere o artigo 89 daquele diploma, porquanto naquela data ( 1995) há muito que o referido arrendatário Perfeito K… não residia no locado.
82ª- Ou seja, não podia transmitir-se um direito que o irmão do réu já não tinha e consequentemente a mãe do réu igualmente nada podia transmitir-se a este.
83ª- Também bem refere a douta sentença em crise que não pode falar-se em cedência licita do gozo da coisa nos termos e para os efeitos dos artigos 1038F) e g) e 1049 do Código Civil na sua redação original por ser a vigente na data em que o irmão do réu emigrou ( 1982) nos termos do citado 12 do C.C, por nada ter sido alegado ou demonstrado quanto à comunicação de tais factos ao senhorio ou ao reconhecimento por este da qualidade de arrendatária da mãe do réu ou deste, ainda que os anteriores proprietários tenham tolerado a presença da mãe do réu no locado.
84ª- Sendo que a carta remetida pela mãe do réu 19 anos após o filho ter emigrado e 5 anos após a sua morte, ao marido de uma das autoras revela a ( má) consciência de quem ocupava um prédio sabendo não ter qualquer título para o efeito, tentando criar, retuis provocar a aparência de uma relação de arrendamento.
85ª-O próprio réu, ora apelante, no depoimento de parte prestado afirma que apareceu um advogado no prédio a dizer que ele e a sua mãe estavam ilegais e, mesmo após a notificação judicial avulsa que lhe foi efetuada, este continuou a nada dizer aos autores, relativamente à ocupação que fazia do prédio, sendo revelador de que tinha consciência de que a mesma era ilícita e não baseada num qualquer contrato.
86ª- Os Autores, ora apelados formularam, ora como já referido supra, de forma autónoma, em 28.9.2016 por requerimento refª: 4592621, nomeadamente em B) a ampliação do pedido caso se viesse a provar que o R., ora apelante havia tido instalado em parte do prédio id. em 1º da p.i a sua habitação, em conformidade com o disposto no artigo 265 nº 2 do C.P.C, o que contemplado no objeto de litigio delimitado no douto despacho de 28-4-2017 refª 97160708.
87ª- Dos factos provados resulta que o apelante reside no prédio desde 1982 e que o mesmo faz a sua habitação sem que pague qualquer contrapartida, o que causa danos no património dos autores, pela violação do seu direito de propriedade e pelo proveito económico que o réu retira da ocupação de referido imóvel, inclusive impedindo o acesso ao mesmo na sua totalidade.
88ª- Pelo que, na mera hipótese académica de serem admitidos e valorados os documentos apresentados em sede de recurso, com a ressalva de que só os de fls. 775, 850, 851, 852, 853, 854, 855, 856, 857, 858, , 859 e 860, se encontram emitidos em nome do réu nestes anos todos , e sendo certo que os Autores desconheciam a existência da conta mencionada nesse documentos, não obstante se encontrarem agora a diligenciar junto da instituição bancária a informação sobre a existência da referida conta e sobre o eventual montante global que alegadamente aí terá sido depositado nestes anos, a verdade é que até ao momento nunca receberam qualquer quantia pela ocupação que o Réu tem feito do imóvel.
89ª- Assim, nunca se poderia falar na condenação do réu numa “dupla compensação”, como afirma o apelante, quer porque os Autores nunca receberam qualquer quantia pela ocupação que o réu faz do prédio e se este fez 12 depósitos numa conta que os Autores não tinham conhecimento e que este nunca comunicou a sua existência aos mesmos, não se pode afirmar que os autores tenham recebido o que quer que fosse, ao que acresce que o depósito de €2,00 ( dois euros) mensais não é no mesmo valor de €15 ( quinze euros) mensais determinados na sentença.
90ª- Sem prescindir, na mera hipótese académica de ter sido feito o depósito de €2,00 ( dois euros) mensais desde o ano de 1982, ou seja durante 34 anos e 10 meses, daria o valor anual de €24 ( vinte e quatro euros) e no tempo decorrido daria o montante global de €836,00 ( 418 meses x €2,00 ).
91ª- Assim, quando muito, caso se considerasse a existência desses pagamentos teriam os mesmos apenas que ser deduzidos à indemnização atribuída na douta sentença a esse título.
92ª- Alega ainda o apelante que a sentença padece de inconstitucionalidade por violar o disposto no artigo nº 65 nº 1 e artigo 2 ambos da CRP, o que igualmente não tem qualquer fundamento.
93ª- Pois se é certo que o disposto no artigo 65 da C.R.P reconhece a todos os cidadãos o direito a uma morada decente, para si e para a sua família; uma morada que seja adequada ao número dos membros do respetivo agregado familiar, por forma a que seja preservada a intimidade de cada um deles e a privacidade da família no seu conjunto; uma morada que, além disso, permita a todos viver em ambiente fisicamente são e que ofereça os serviços básicos para a vida da família e da comunidade.
94ª- Mas também é verdade que o Tribunal tem dito, em jurisprudência firme, que o direito de propriedade privada, apesar de vir inserto no Título respeitante aos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, tem uma estrutura de tal modo complexa que nela se incluirão, por certo, alguns direitos e faculdades que não deixarão de apresentar natureza análoga à dos Direitos, Liberdades e Garantias; e que, entre tais direitos e faculdades análogos se contará seguramente o direito de cada um à não privação arbitrária da sua propriedade.
95ª- Sendo perfeitamente legítimo, sob o ponto de vista constitucional, que, na mera hipótese de colisão entre aqueles dois direitos - um (o do proprietário ) alicerçado no direito fundamental de propriedade privada, com assento na Constituição, e outro do Réu ( direito à habitação), in casu, sem qualquer fundamento legal para ocupação do referido imóvel -, o legislador dê primazia ao do proprietário.
Por fim,
96ª- Numa verdadeira afronta ao Tribunal, alega o apelante que os apelados litigam com má-fé nos presentes autos, porque emitiram recibos de renda, quando não existe nos autos um único documento, recibo de renda, emitido ou assinado pelos Autores, que estes não responderam à carta enviada por si no sentido do contrato de arrendamento ser reduzido a escrito, sendo que a carta constante de fls 66 verso, 67 70 e 71 não foi enviada pelo réu mas pela sua mãe e foi dirigida ao Dr. W… que não era proprietário do prédio e que os autores durante mais de 35 anos receberam rendas, quando isso não é verdade, pois os autores até à data não receberam qualquer valor referente à ocupação do imóvel, desconhecendo até à pouco tempo a existência de uma conta onde o réu afirma terem sido efetuados depósitos.
97ª- Ora, os apelados encontram-se a litigar com a verdade dos factos e portanto de boa-fé, carecendo o pedido deduzido contra si de absoluto fundamento, sendo o mesmo até revoltante.
98ª- Já que, a existir má – fé é por parte do apelante, pelos comportamentos que se passam a descrever.
99ª- Após a prolação da douta sentença em crise, o mandatário do R., apelante, não notificou a mandatária dos autores dos documentos juntos com as alegações de recurso, como era o seu dever legalmente imposto e por consequência por douto despacho de 17-10-2017 refª 99220215 foi declarada a nulidade dessa notificação.
100ª- No dia 4/10/2017 a Secretaria do Tribunal “a quo” solicitou ao Mandatário do R. os duplicados dos documentos juntos com o requerimento refª 6161564 de 25/09/2017, conforme cota constante no processo.
101ª- No dia 9/10/2017 o Mandatário do R. juntou aos autos vários duplicados, como sendo cópias desses documentos.
102ª- No dia 20/10/2017 foi a mandatária dos AA., notificada pelo Tribunal via ctt (CO ……….. PT) do douto despacho proferido a 17/10/2017 refª: 99220215, das alegações de recurso e dos duplicados que haviam sido entregues a 9/10/2017 pelo mandatário do R .
103ª- A mandatária dos Autores deslocou-se ao Tribunal “ a quo” no dia 30/10/2017 para consulta do processo e qual não é o seu espanto, quando verifica que os duplicados que havia recebido, na sua maioria, não eram cópias dos documentos originais que haviam sido juntos aos autos com as alegações de recurso pelo mandatário do R.
104ª- De imediato, atento o número de documentos a verificar ( que deu origem a 3 volumes), requereu a confiança do processo, o que foi-lhe deferido.
105ª- E logo no dia seguinte, 31.10.2017, a mandatária dos Autores recebe via ctt expresso ( DA………..PT ) no seu escritório, enviado pelo mandatário dos RR. , as alegações de recurso e cópia de vários documentos originais que haviam sido juntos com essas mesmas alegações.
106ª- Nesse mesmo dia, o apelante junta aos autos um requerimento onde alega ter conhecimento que na véspera o processo havia sido confiado à mandatária dos Autores e afirma , após decorrido mais de um mês de ter apresentado as alegações de recurso (23.9.2017) sem ter notificado a mandatária dos Autores, não existir qualquer fundamento para a nulidade declarada no douto despacho proferido a 17/10/2017, porque cumpriu o seu dever de colaboração notificando a mandatária dos Autores das alegações e documentos por ctt expresso no dia 30.10.2017 ( DA123643814PT) e pela mesma recebida apenas no dia 31.10.2017.
107ª- Igualmente grave, em 31 de Agosto de 2017, o apelante intentou uma ação de revindicação contra os aqui Autores no Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira - Juiz 2 que aí corre termos sob o nº 2677/17.9T8VFR, cujo objeto é o mesmo prédio em litigio nos presentes autos.
108ª- Aí afirmando expressamente que o contrato de arrendamento extinguiu-se em 1982 quando o seu irmão Perfeito emigrou para os Estados Unidos, que entre ele, aí autor e os apelados, aí réus, nunca existiu qualquer contrato de arrendamento ( 20 e 21 da p.i) peticionando que seja reconhecido o seu direito de propriedade sobre o mesmo prédio em questão nos presentes autos, tudo melhor conforme resulta da certidão com o código de acesso : MPTT-9KFH-2BNF-MQ62 da petição que ora se junta como documento nº 1, requerendo que seja admitida a sua junção aos autos, nos termos do disposto no art. 651 ex vi 425 do C.P.C, uma vez que este documento foi emitido em data posterior, ou seja 17-10-2017, sendo a sua junção útil e pertinente para prova da falsidade dos factos que o apelante alega em sede do presente recurso e da sua violação muito grave do dever de boa fé processual e de cooperação imposto ás partes e seus mandatários, assim como da violação igualmente grave do dever de recíproca correção, o que se requer seja apreciado.
109ª- Atento o exposto e contrariamente ao alegado pelo apelante, a douta sentença proferida na 1ª Instância não merece reparo, encontrando-se devidamente elaborada e fundamentada, tendo feito uma correta interpretação da lei, devendo por isso ser mantida na íntegra.
Termina por pedir a improcedência do recurso, mantendo-se a sentença proferida.
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O recurso foi admitido como recurso de apelação, pronunciando-se o juiz do tribunal “a quo” sobre a nulidade da sentença suscitada pelo apelante nas alegações de recurso, considerando não se verificar a apontada nulidade.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Fundamentação
1. Delimitação do objecto do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC.
As questões a decidir:
- admissão da junção de documentos com as alegações de recurso;
- admissibilidade da réplica;
- nulidade da sentença, com fundamento no art. 615º/1 c), d) e e) CPC;
- reapreciação da decisão de facto, com fundamento em erro na apreciação da prova;
- mérito da causa:
> da aquisição do direito de propriedade pelos autores por usucapião;
> do título legítimo de ocupação;
> da indemnização devida pela ocupação do local;
- inconstitucionalidade da interpretação das normas dos art.1064º, 1069º, 1075º e artigo 1106, nº 1 b) por violação dos princípios consignados nos artigo 65º, nº 1 e do artigo 2º da CRP, tal como defendida na sentença;
- da verificação dos requisitos para condenar os autores como litigantes de má-fé.
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2. Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:
1.O prédio urbano composto por casa de habitação, de r/c com uma divisão, 1º andar com cinco e 2º andar com seis, um anexo com quarto e logradouro sito na Rua …, freguesia de …, concelho de Vale de Cambra, encontra-se inscrito na matriz predial sob o artigo 553 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vale de Cambra sob o nº 922.
2. A propriedade do prédio atrás identificado encontra-se inscrita a favor dos autores B…, C…, D… e E… por aquisição pela via sucessória de I… e marido J… através da ap. 3 de 1999/02/26.
3. A propriedade do prédio atrás identificado encontra-se inscrita a favor dos autores B…, F…, G…, H… e K… por transmissão da posição de W… através da ap. 2198 de 2015/03/31.
4. Os autores, por si e seus antecessores, vêm habitando e utilizando o prédio, dando o mesmo de arrendamento, tentando proceder à sua limpeza [aditamento nos termos do artigo 5º, nº2, a) do Código de Processo Civil] e pagando as contribuições pelo prédio devidas ao longo dos anos, há mais de 50 anos, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, de forma ininterrupta e exclusivamente, na convicção de que exercem um direito próprio e autónomo que exclusivamente lhes pertence.
5. O irmão do réu, Perfeito K…, viveu durante alguns anos com a sua mãe em parte do prédio identificado em 1º mediante o pagamento de uma quantia mensal, no valor de 2,00€, por acordo celebrado com os seus donos, à data, falecidos J… e esposa I…, em data não concretamente apurada.
6. Em data não concretamente apurada mas antes de 1995, o irmão do réu Perfeito K… emigrou para os Estados Unidos.
7. O irmão do réu Perfeito K… veio a falecer em 4 de Junho de 1995, em Filadelfia, no Estado da Pensylvania, Estados Unidos da América do Norte.
8. A mãe do réu, O…, faleceu em 08/03/2005.
9. O réu recusa-se a entregar o prédio aos autores, apesar de tal lhe ter sido solicitado várias vezes, desde há, pelo menos, 7 anos [aditamento nos termos do artigo 5º, nº2, a) do Código de Processo Civil], incluindo por notificação judicial avulsa que correu termos nesta instância sob o nº107/15.0T8VLC.
10. O réu tem frequentemente cães, alguns de grande porte, no prédio identificado em 1.
11. O réu colocou no muro e nos portões do referido prédio, que mantém trancados, tela de cor verde e plásticos de cor branca para impedir a visualização para o seu interior.
12. Os atos referidos em 9 a 11 impedem o acesso e utilização do prédio pelos autores.
13. Os autores e os seus antecessores, legítimos proprietários do prédio identificado em 1º, nunca autorizaram ou consentiram, sob qualquer forma, que o réu ocupasse e utilizasse o referido prédio.
14. O prédio identificado em 1 apresenta-se como carecido de, pelo menos, uma pintura nunca tendo sido realizadas ali obras desde, pelo menos, 1982.
15. A partir da data em que o irmão do réu emigrou – em 1982 – este passaram a habitar o prédio identificado em 1 juntamente com a sua mãe.
16. Em 27 de Julho 2001 a mãe do réu remeteu uma carta com aviso de receção ao Dr. H… e F…, para a Avenida …, nº .., …, …. Lisboa, a qual foi assinada a rogo pelo réu.
17. No ponto nº 4 da missiva remetida é referido: "Nestes termos solicito a V. Exa, formal e por este meio, que dê cumprimento ao legalmente estabelecido, promovendo a celebração por escrito do contrato de arrendamento que tem por objeto, a casa de habitação referida no ponto1, ficando eu desde já disponível para o assinar logo que me seja presente".
18. O réu procedeu a título de depósito de rendas relativas aos meses de junho, julho, agosto, setembro e outubro de 2016, o valor de 10,40€, à ordem do Tribunal Judicial de Vale de Cambra, na conta da M… nº ……………, com o nome de “herdeiros de J…”.
19. O réu ocupou e usufruiu de parte do prédio identificado em 1, aí dormindo, fazendo as suas refeições, recebendo as suas visitas e correspondência, fazendo do mesmo a sua casa de habitação, sem nunca ter pago qualquer contrapartida pela ocupação de parte do imóvel identificado em 1, com exceção do pagamento referido em 18.
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- Factos não provados -
a. Os autores, por si e possuidores, executaram obras de conservação e restauro quando necessário nos 50 anos imediatamente anteriores à data de entrada da ação.
b. O réu não reside no prédio identificado em 1 dos factos provados.
c. O réu faz constar às pessoas da localidade que “vai conseguir ficar com o prédio sem pagar nada pelo mesmo”.
d. O réu e a mãe O… desde 1982 passaram a pagar pontualmente a renda e o proprietário a emitir pontualmente os recibos no montante de 400 escudos.
e. Com o falecimento do irmão do réu, que era o primitivo inquilino, foi celebrado novo contrato de arrendamento entre o proprietário do prédio, Dr. W…, advogado, residente, na região de Lisboa, e o réu K… e sua mãe O….
f. O proprietário do prédio Dr. W… e os seus herdeiros sempre se recusaram a reduzir a escrito o contrato de arrendamento.
g. Os autores bem sabem da existência de contrato de arrendamento há mais de 30 anos e que sempre se recusaram reduzir a escrito, recorrendo a expedientes ilícitos para assustar e coagir o réu.
h. O réu alega, de forma deliberada e consciente, factos que bem sabe não serem verdadeiros, deduzindo oposição e pretensão cuja falta de fundamento bem conhece alterando a verdade dos factos com o fim exclusivo de entorpecer a ação da justiça e de prejudicar os autores, obrigando-o a mais despesas e diligências acrescidas de prova.
i. O montante médio de mercado do valor das rendas de um imóvel com as mesmas características do prédio identificado em 1 dos factos provados é de 300,00€ mensais.
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- 3. O direito -
- Admissão da junção de documentos com as alegações de recurso -
O apelante com o requerimento de recurso veio requerer a junção de documentos, alegando para o efeito que a sua apresentação se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior e são relativos a fração que o réu ocupa como arrendatário.
Requereu a junção dos seguintes documentos:
“- 44 recibos de renda emitidos pelos autores;
- 173 comprovativos de pagamento de renda aos autores;
- 297 comprovativos do pagamento de água;
- 190 Comprovativos de pagamento de energia elétrica”.
Os apelados consideram que não estão reunidos os requisitos para a admissibilidade dos documentos.
Cumpre assim apreciar da admissibilidade dos documentos juntos com as alegações de recurso.
Em regra os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes, como decorre do art. 423º/1 CPC.
A parte pode ainda juntar documentos até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final ficando neste caso sujeito ao pagamento de multa, como se prevê no art. 423º/2 CPC.
Contudo, a lei, no art. 523º/2 CPC, concede a faculdade de ser requerida a junção dos documentos até ao encerramento da discussão em 1ª instância, mas a parte será condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
Este regime previsto no nosso sistema jurídico desde o Código de Processo Civil de 1939, assenta os seus fundamentos nos princípios da economia processual e da boa-fé processual. Pretende-se que por motivos de ordem e disciplina processual, que quem afirma um facto ofereça desde logo, se puder, a prova documental das suas afirmações, habilitando a parte contrária a tomar posição sobre os factos de forma informada[2].
A possibilidade de apresentar os documentos até ao encerramento da discussão em 1ª instância decorre do princípio de que o juiz deve julgar segundo a verdade.
Daqui resulta que não apresentando a parte o documento com o articulado, como era seu ónus, não fica impedida de o fazer em momento posterior, até ao encerramento da discussão em 1ª instância.
Como se prevê no art. 425º CPC depois do encerramento da discussão, em sede de recurso, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento.
Como observava ALBERTO DOS REIS: “[c]oncilia-se assim o princípio de disciplina processual que postula o oferecimento imediato de documentos, com o princípio de justiça segundo o qual a decisão deve ser a expressão, tão perfeita e completa quanto possível, da verdade dos factos que interessam ao litígio”[3].
A junção de documentos em sede de recurso está contudo subordinada ao critério estabelecido no art. 651º CPC, no qual se determina que:
“ As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o art. 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”.
Dispõe o art.425ºCPC:
“Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento”.
Decorre deste regime que em sede de recurso, nas alegações, as partes podem juntar documentos, quando:
- a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento – superveniência objetiva (fundada na data do facto a provar ou do documento comprovante) ou subjetiva (baseada no desconhecimento da existência do documento, na indisponibilidade dele por parte do interessado ou na necessidade de alegação e prova do facto);
- se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando esta se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo[4].
No caso em análise o apelante veio juntar um conjunto de documentos que abarca um período temporal desde 1982 a 2017; nas faturas de eletricidade e água figuram como utentes J…, Perfeito K…, com exceção do doc. nº 170, que constitui uma fatura emitida em 2017, em nome do apelante-réu; recibos de aluguer no nome de Perfeito K… e comprovativos de depósitos na M… realizados por O…, com exceção dos depósitos efetuados em 2017, doc. nº 145 a) e 207 a) a 217 a), estes em nome do apelante-réu. A morada indicada nas faturas nem sempre corresponde à morada do prédio dos autos (rua … ou rua …).
Argumenta o apelante que a necessidade de junção dos documentos decorre do facto de se tornar necessária em virtude de ocorrência posterior.
Não resulta dos autos que não tenha sido possível a junção dos documentos até ao encerramento da discussão em 1ª instância, pelo facto do apelante não ter conhecimento da sua existência ou, conhecendo-a não lhe ter sido possível fazer uso deles. Da gravação da prova resulta que durante o depoimento prestado pelo réu foi confrontado com a necessidade de juntar os documentos, mas mesmo assim não os juntou.
Analisados os documentos em confronto com os fundamentos dos articulados e com teor da decisão proferida em 1ª instância, resulta que na sentença o juiz do tribunal “a quo“ não veio invocar novos e diferentes argumentos.
A junção de documentos em sede de alegações face ao julgamento em 1ª instância, funda-se no imprevisto da decisão proferida, quer por razões de direito quer por razões de prova[5].
No caso presente a decisão proferida não se funda em normas jurídicas com cuja aplicação a parte não contava, nem a junção dos documentos, como meio de prova, pode contribuir para apurar factos diferentes daqueles que se mostram provados, com relevância na decisão final e que não foram atendidos por omissão de prova documental. A maior parte dos documentos foram emitidos em nome de terceiro e os documentos emitidos em nome do apelante reportam-se a data anterior à prolação da sentença.
Conclui-se, assim, que atento o critério previsto no art. 651º/1 CPC carece de fundamento legal e não se mostra pertinente a requerida junção dos documentos, motivo pelo qual se determina o seu desentranhamento e devolução ao apresentante.
O incidente será tributado com custas a cargo do apelante, fixando-se a taxa de justiça em €60,00 (sessenta euro) – art. 543º/1 CPC e art. 27º/1/3 RCJ -, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.
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- Nulidade da sentença -
Nas conclusões de recurso, sob os pontos 1 a 2 e 4 e 5, suscita o apelante a nulidade da sentença, com fundamento no art. 615º/1 c), d) e e) CPC.
Alega para o efeito que a sentença se pronunciou sobre factos não elencados na causa de pedir e condenou o réu em objeto diverso do pedido.
Numa segunda ordem de argumentos considera que o réu deveria ter sido notificado para se pronunciar sobre a ampliação do pedido e do despacho que o admitiu. Ignorando o juiz do tribunal “a quo” o pedido reconvencional toda a factualidade nele constante e pronunciando-se sobre os pedidos formulados na réplica, com ampliação do pedido sem que o réu fosse citado a pronunciar-se sobre tal pretensão, tal procedimento não é legalmente admissível, sendo violador do princípio da igualdade das partes consagrado no artigo 4º do CPC e artigo 13º da CRP e do princípio do contraditório consagrado no artigo 3º, nº 1 do CPC.
Por fim, refere que a sentença entra em contradições insanáveis pois considera que o réu esteve na posse do imóvel desde 1982, condenando-o ao pagamento de uma quantia pela ocupação. E também reconhece que os autores tiveram a posse do imóvel e o adquiriram por usucapião.
Começando pela análise do último argumento.
Resulta do disposto no art. 615º/1 c) CPC, que a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
A previsão da norma contempla as situações de contradição real entre os fundamentos e a decisão e não as hipóteses de contradição aparente, resultante de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão.
Como refere o PROFESSOR ANTUNES VARELA: “a norma abrange os casos em que há um vício real no raciocínio do julgador: a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direção diferente“[6].
No caso presente existe na sentença uma perfeita coerência no raciocínio e a decisão resulta como a conclusão lógica desse raciocínio, pois considerou-se perante os factos provados, demonstrada a aquisição da propriedade por usucapião e ilícita a ocupação do prédio pelo apelado, por não dispor de título legítimo e válido que justifique tal ocupação. Neste contexto a indemnização arbitrada visa ressarcir o proprietário dos prejuízos sofridos com a ocupação ilícita do prédio.
Perante os factos provados, a interpretação e análise dos mesmos à face do direito, apenas podia conduzir à decisão a que chegou o juiz do tribunal “a quo”, motivo pelo qual não se verifica a apontada nulidade, com fundamento no art. 615º/1 c) CPC.
Nos termos do art. 615º/1 c) CPC a sentença é ainda nula quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Considera-se que a sentença é obscura quando enferma de “ambiguidade, equivocidade ou de falta de inteligibilidade”.
A sentença é ambígua quando alguma das suas passagens se presta a diferentes interpretações ou pode comportar mais do que um sentido, quer na fundamentação, quer na decisão. A sentença mostra-se equívoca quando o sentido decisório se perfile como duvidoso para um qualquer destinatário normal.
Contudo, este vício apenas determina a nulidade da sentença se a decisão for ininteligível ou incompreensível[7].
A ininteligibilidade da decisão corresponde à falta ou ininteligibilidade da indicação do pedido na petição inicial (art.186º/2 a) CPC)[8].
No caso concreto a sentença contém uma decisão expressa em termos inequívocos. Os fundamentos que conduziram à decisão são eles também objetivos e não são suscetíveis de várias interpretações. Acresce que a fundamentação apoia-se nos factos provados. Apenas pela via da impugnação da decisão de direito pode o apelante reagir contra a decisão.
Também, nesta perspetiva a sentença não padece do vício que lhe foi atribuído.
O apelante suscita ainda a nulidade da sentença, com fundamento no art. 615º/1 d) CPC, por considerar que o juiz apreciou da ampliação do pedido sem exercer o contraditório em relação a tal pretensão.
Nos termos do art. 3º/3 CPC “o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o principio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
Dispõe, por sua vez, o artigo 4.º do mesmo diploma legal: “O tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais”.
A omissão do exercício do contraditório constitui uma nulidade processual.
As nulidades processuais “[…] são quaisquer desvios do formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidade mais ou menos extensa de aspetos processuais“[9].
Atento o disposto nos art. 195º e seg. CPC, as nulidades processuais podem consistir na prática de um ato proibido, omissão de um ato prescrito na lei ou realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido.
Porém, como referia ALBERTO DOS REIS há nulidades principais e nulidades secundárias, que presentemente a lei qualifica como “irregularidades“, sendo o seu regime diverso quanto à invocação e quanto aos efeitos[10].
As nulidades principais estão previstas, taxativamente, nos art. 186º a 194º e 196º a 198º do CPC e por sua vez as irregularidades estão incluídas na previsão geral do art. 195º CPC e cujo regime de arguição está sujeito ao disposto no art. 199º CPC.
A omissão do exercício do contraditório não constitui uma nulidade principal, pois não consta do elenco das nulidades previstas nos art. 186º a 194º e 196º a 198º do CPC.
Representa, pois, a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreve, que cai na previsão do art. 195º CPC e por isso, configura uma irregularidade que só determina a nulidade do processado subsequente àquela omissão se influir no exame e decisão da causa, estando o seu conhecimento dependente da arguição, nos termos previsto no art. 199º CPC.
Nesse sentido, observa-se no Ac. STJ de 6.12.2012 (Proc. n.º 469/11.8TJPRT.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt ):”[o] excesso de pronúncia gerador da nulidade prevista na 2.ª parte da alínea d) do n.º 1 do referido artigo 668.º só tem lugar quando o juiz conhece de pedidos, causas de pedir ou exceções de que não podia tomar conhecimento. A esta ressalva escapa manifestamente a (invocada) nulidade decorrente da não observação do disposto no artigo 3.º, por se tratar […] de nulidade do processo e não nulidade da própria sentença (Neste sentido, os Ac.s deste Tribunal de 13.1.2005, processo n.º 04B4031, 1.2.2011, processo n.º 6845/07.3TBMTS.P1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt e de 12.7.2011, processo n.º 620/1999.C1.S1 e de 11.10.2011, Incidente n.º 175/2002.P1.S1, estes com sumário no sítio do Supremo Tribunal de Justiça, depois “Jurisprudência” e “Sumários de Acórdãos”)”.
A lei não fornece uma definição do que se deve entender por “irregularidade que possa influir no exame e decisão da causa.
No sentido de interpretar o conceito ALBERTO DOS REIS tecia as seguintes considerações:“[o]s actos de processo têem uma finalidade inegável: assegurar a justa decisão da causa; e como a decisão não pode ser conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida, segue-se que o fim geral que se tem em vista com a regulação e organização dos actos de processo está satisfeito se as diligências, atos e formalidades que se praticaram garantem a instrução, a discussão e o julgamento regular do pleito; pelo contrário, o referido fim mostrar-se-á prejudicado se se praticaram ou omitiram atos ou deixaram de observar-se formalidades que comprometem o conhecimento regular da causa e portanto a instrução, a discussão ou o julgamento dela“[11].
Daqui decorre que uma irregularidade pode influir no exame e decisão da causa, se comprometer o conhecimento da causa, a instrução, discussão e julgamento.
Tal omissão tinha de ser arguida logo que conhecida, e no prazo previsto no art. 149º/1 CPC, ou seja, a partir da data em que foi notificado o despacho saneador e despacho que definiu o objeto do litigio e os temas de prova.
O recurso de apelação não constitui o meio processual próprio para conhecer das infrações às regras do processo quando a parte interessada não arguiu a nulidade perante o tribunal onde aquela alegadamente ocorreu, conforme resulta do regime previsto nos art. 196º a 199º CPC.
Contudo, seguindo os ensinamentos de MANUEL DE ANDRADE[12], ALBERTO DOS REIS[13] e ANTUNES VARELA[14], porque existe a decisão recorrida que sancionou a omissão, na medida em que decidiu considerando que foi cumprido o contraditório, o conhecimento da nulidade pode-se fazer através deste meio de recurso. É que a nulidade está coberta por uma decisão judicial que a sancionou ou confirmou, pelo que o meio próprio de a arguir, será precisamente o recurso.
Considera-se, assim, que a irregularidade foi suscitada pelo meio próprio, mas não se verifica a omissão do ato, porque o apelante foi notificado em 28 de junho de 2016, por via eletrónica do articulado réplica, no qual os autores vieram ampliar o pedido.
Conclui-se, assim, que a apreciação da ampliação do pedido foi precedida do necessário contraditório, pelo que, não se verifica a irregularidade apontada.
Também não ignoramos que dentro de certa linha de entendimento[15] se tem considerado que o conhecimento de uma questão sem exercício do contraditório, configura a nulidade da sentença/despacho, por excesso de pronúncia. Nestas circunstâncias o juiz está a tomar conhecimento de questão não suscitada pelas partes, sem prévio exercício do contraditório.
Contudo, também não se anota tal vício na sentença, porque o apelante teve oportunidade de se pronunciar sobre a ampliação do pedido, em momento anterior aquele em que foi proferida a sentença.
Conclui-se, assim, que a sentença não padece do vício apontado e os fundamentos alegados não preenchem a invocada nulidade.
O apelante suscita, ainda, a nulidade da sentença, nos termos do art. 615º/1 - e) CPC.
Determina o art. 615º/1 e) CPC que a sentença e nula quando condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Esta causa de nulidade da sentença é a resultante da violação da regra estabelecida no art. 609ºCPC sobre os limites da condenação, onde se determina que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.
Esta norma traduz mais uma manifestação do princípio do dispositivo. Os tribunais são órgãos incumbidos de dirimir os conflitos reais formulados pelas partes, mas não constituem, no foro da jurisdição cível contenciosa, instrumentos de tutela ou curatela de nenhum dos litigantes[16].
Alega o apelante que a sentença se pronunciou sobre factos não elencados na causa de pedir e condenou o réu em objeto diverso do pedido.
No caso presente a sentença não padece do vício apontado, porque a decisão respeita o limite do pedido formulado resultante da ampliação. A apelante não enuncia os factos sobre os quais o tribunal se pronunciou e não constam da causa de pedir.
A sentença mostra-se válida e regular não se anotando o vício apontado.
Improcedem as conclusões de recurso sob os pontos 1 a 2 e 4 a 5.
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- Admissibilidade da Réplica -
No ponto 3 das conclusões de recurso a apelante insurge-se contra a admissibilidade da réplica (que por lapso designa “tréplica”, articulado inexistente).
Argumenta, para o efeito, que “[a] sentença entra em contradições insanáveis ao admitir a tréplica e os pedidos nela formulados. Existe um erro grosseiro do julgador ao fundamentar a sua decisão numa peça processual que não era legalmente admissível. Com efeito, o réu formulou pedido reconvencional que foi considerado legalmente inadmissível e foi ignorado na discussão da causa e na sentença. Ao ser considerado inadmissível a reconvenção também, necessariamente, teria que ser considerada inadmissível a réplica. Com efeito, só é admissível a réplica para o autor deduzir toda a defesa contra a matéria da reconvenção (artigo 584º, nº 1 do CPC). Existe erro da sentença recorrida na interpretação desta norma na medida que deveria ignorar tudo o que constava na réplica, por este articulado não ser legalmente admissível”.
Trata-se, assim, de saber se é admissível a réplica, quando não foi admitida a reconvenção.
Desde logo é de referir que a sentença não se pronunciou sobre a admissibilidade deste articulado, limitando-se o juiz do tribunal “a quo” a conhecer da ampliação do pedido tal como se mostra formulado naquele articulado.
Efetivamente como resulta do art. 584º/1 CPC “só é admissível réplica para o autor deduzir toda a defesa quanto à matéria da reconvenção”.
A admissão da réplica fora de tais circunstâncias constitui uma nulidade processual, por representar um desvio ao formalismo processual.
As nulidades processuais “[…] são quaisquer desvios do formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidade mais ou menos extensa de aspetos processuais“[17].
Atento o disposto nos art. 195º e seg. CPC, as nulidades processuais podem consistir na prática de um ato proibido, omissão de um ato prescrito na lei ou realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido.
Porém, como refere ALBERTO DOS REIS há nulidades principais e nulidades secundárias, que presentemente a lei qualifica como “irregularidades“, sendo o seu regime diverso quanto à invocação e quanto aos efeitos[18].
As nulidades principais estão previstas, taxativamente, nos art. 186º a 194º e 196º a 198º do CPC e por sua vez as irregularidades estão incluídas na previsão geral do art. 195º CPC e cujo regime de arguição está sujeito ao disposto no art. 199º CPC.
A admissão da réplica fora das circunstâncias previstas na lei não consta como uma das nulidades a que se reporta o art. 186º a 194º e 196º a 198º do CPC.
Representa, pois, a prática de ato que a lei não admita, que cai na previsão do art. 195º CPC e por isso, configura uma irregularidade que só determina a nulidade do processado subsequente àquela omissão se influir no exame e decisão da causa, estando o seu conhecimento dependente da arguição nos termos previsto no art. 199º CPC.
Tal omissão tinha de ser arguida logo que conhecida, e no prazo previsto no art. 149º/1 CPC, ou seja, a partir da data em que o apelante foi notificado do despacho saneador. Não tendo sido atempadamente arguida a eventual irregularidade encontra-se sanada.
O recurso de apelação não constitui o meio processual próprio para conhecer das infrações às regras do processo quando a parte interessada não arguiu a nulidade perante o tribunal onde aquela alegadamente ocorreu, conforme resulta do regime previsto nos art. 196º a 199º CPC.
Acresce ao exposto, que na falta de acordo entre as partes, prevê o art. 265º/2 CPC que “o autor pode ampliar o pedido até ao encerramento da discussão em 1ª instância, se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo”.
Nada impede pois que o autor na réplica possa fazer uso da faculdade concedida pelo art. 265º/2 CPC para ampliar o pedido.
Resta referir que no caso presente não se questionou se a ampliação do pedido era admissível à luz do art. 265º/2 CPC.
Conclui-se, assim, que o processo se mostra regular e válido.
Improcedem as conclusões de recurso sob o ponto 3.
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- Reapreciação da decisão de facto -
Nas conclusões de recurso, sob os pontos 6 a 17, suscita o apelante a reapreciação da decisão da matéria de facto, quanto aos concretos pontos 4, 5, 9, 10, 11, 12, 13, 15, 19 dos factos provados e alíneas d), e), f), g) dos factos não provados.
O art. 640º CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
“ 1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. […]”
O presente regime veio concretiza a forma como se processa a impugnação da decisão, reforçando o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expresso a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova[19].
Recai, assim, sobre o recorrente, face ao regime concebido, um ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar - delimitar o objeto do recurso - , motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto – fundamentação - e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
No caso concreto, realizou-se o julgamento com gravação dos depoimentos prestados em audiência e o apelante veio impugnar a decisão da matéria de facto, com indicação dos pontos de facto impugnados, prova testemunhal (com transcrição na motivação do recurso das passagens relevantes) e documental a reapreciar e decisão que sugere.
Nos termos do art. 640º/1/2 do CPC consideram-se reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão de facto.
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Nos termos do art. 662º/1 CPC a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto:
“ […]se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
A respeito da gravação da prova e sua reapreciação cumpre considerar, como refere ABRANTES GERALDES, que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, “tem autonomia decisória”. Isto significa que deve fazer uma apreciação crítica das provas que motivaram a nova decisão, de acordo especificando, tal como o tribunal de 1ª instância, os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador[20].
Nessa apreciação, cumpre ainda, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Decorre deste regime que o Tribunal da Relação tem acesso direto à gravação oportunamente efetuada, mesmo para além dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente e por este transcritos nas alegações, o que constitui uma forma de atenuar a quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, ao mesmo tempo que corresponderá a uma solução justificada por razões de economia e celeridade processuais[21].
Cumpre ainda considerar a respeito da reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos das testemunhas, que neste âmbito vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto no art. 396º CC e art. 607º/5, 1ª parte CPC.
Como bem ensinou ALBERTO DOS REIS: “ […] prova […] livre, quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei”[22].
Daí impor-se ao julgador o dever de fundamentação das respostas à matéria de facto – factos provados e factos não provados (art. 607º/4 CPC).
Esta exigência de especificar os fundamentos decisivos para a convicção quanto a toda a matéria de facto é essencial para o Tribunal da Relação, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, poder alterar ou confirmar essa decisão.
É através dos fundamentos constantes do despacho em que se respondeu à matéria da base instrutória que este Tribunal vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância[23].
Contudo, nesta apreciação, não pode o Tribunal da Relação ignorar que, na formação da convicção do julgador de 1ª instância, poderão ter entrado elementos que, em princípio, no sistema da gravação sonora dos meios probatórios oralmente prestados, não podem ser importados para a gravação, como sejam aqueles elementos intraduzíveis e subtis, como a mímica e todo o pro­cesso exterior do depoente que influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe, existindo, assim, atos comportamentais ou reações dos depoentes que apenas podem ser percecionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que não podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal, que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador[24].
Por outro lado, porque se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados[25].
Atenta a posição expressa na doutrina e na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos, deve considerar os meios de prova indicados pelas partes e confrontá - los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido[26].
Justifica-se, assim, proceder a uma análise crítica das provas com audição dos registos gravados.
Ponderando estes aspetos cumpre reapreciar a prova – testemunhal, documental -, face aos argumentos apresentados pelo apelante, tendo presente o segmento da sentença que se pronunciou sobre a fundamentação da matéria de facto.
Procedeu-se à audição do CD que contém a prova gravada e analisados os depoimentos prestados, bem como, os documentos juntos aos autos conclui-se que a decisão sobre a matéria de facto, quanto aos concretos pontos objeto de impugnação não merece censura.
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A impugnação da decisão da matéria de facto versa sobre os seguintes factos: 4, 5, 9, 10, 11, 12, 13, 15, 19 dos factos provados e alíneas d), e), f), g) dos factos não provados.
O apelante invocando erro na apreciação da prova, pretende em relação à matéria de facto impugnada, que se julguem não provados os factos provados e provados, os factos julgados não provados.
Está em causa apreciar da efetiva ocupação do prédio na qualidade de proprietário e da existência de título legítimo para a ocupação do prédio pelo réu-apelante.
- Ponto 4 -
No ponto 4 julgou-se provado:
4. Os autores, por si e seus antecessores, vêm habitando e utilizando o prédio, dando o mesmo de arrendamento, tentando proceder à sua limpeza [aditamento nos termos do artigo 5º, nº2, a) do Código de Processo Civil] e pagando as contribuições pelo prédio devidas ao longo dos anos, há mais de 50 anos, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, de forma ininterrupta e exclusivamente, na convicção de que exercem um direito próprio e autónomo que exclusivamente lhes pertence.
Na fundamentação da decisão considerou-se:
“Os factos referidos em 4 resultaram da análise conjugada das declarações de parte da autora que as prestou, G…, tendo esta confirmado que os seus antecessores habitaram naquela casa, enunciando o nome dado à mesma pela família, o pagamento de impostos e justificado a razão pela qual somente há 7 anos atrás iniciaram as diligências para ter a posse efetiva do prédio (falta de meios económicos, dispersão da família e intenção de proceder de forma pacífica e em conformidade com a lei relativamente à situação com que depararam por ocupação do réu), as quais se revelaram sinceras, coerentes e coincidentes com as regras da experiência e da normalidade; dos depoimentos testemunhas indicadas pelos autores, seus familiares e amigos, os quais confirmaram as declarações daquela e que se revelaram credíveis em virtude de ter justificado o seu conhecimento por serem próximos dos autores e, por isso, terem acompanhado as diligências por estes feitas, nomeadamente pagamentos de impostos e tentativas de aceder ao local e de proceder à sua limpeza; e ainda dos documentos juntos com a petição inicial a fls. 12 verso a 15 verso e 22 a 26 correspondentes aos documentos de cobrança do IMI e alguns comprovativos do seu pagamento (ali se encontrando o prédio identificado através do número antigo da matriz conforme se pode confirmar pela análise da certidão matricial donde resulta que teve origem no artigo 565 fração RC2), coincidentes com as declarações e depoimentos prestados”.
O apelante pretende que se julgue não provada a matéria do ponto 4 e fundamenta a alteração em excertos das declarações de parte da autora e no depoimento de parte do réu e da testemunha V….
As declarações de parte prestadas pela autora mereceram particular relevo ao tribunal, porque foi confirmado pela prova testemunhal apresentada pelos autores, conforme resulta da fundamentação da decisão.
O excerto do depoimento prestado pela autora G…, quando refere que “nunca foi lá” “só entrou lá quando tinha 6 anos e atualmente tem 68” “Nunca teve acesso a casa” “Nunca teve conhecimento que qualquer herdeiro entrasse no prédio” não contraria a prova produzida sobre a ocupação e uso do prédio pelos autores e seus antecessores e confirma o alegado na petição a respeito do acesso ao local.
O depoimento de parte do réu faz prova plena apenas em relação à matéria confessória e que consta da assentada, como decorre do art. 358º/1 CC, sendo certo que o excerto do depoimento transcrito pelo apelante na parte em que não consta da assentada não reveste essa natureza (art. 358º/4 CC).
Por outro lado, o depoimento transcrito revela que o réu-apelante tinha noção e consciência que ocupava um prédio que pertencia a terceiros, pois ao pretender que fosse celebrado um contrato de arrendamento sabia não só quem era o proprietário, como também sabia que não dispunha de título que legitimasse a ocupação. Acresce que a carta foi dirigida a quem figura como herdeiro dos primitivos proprietários e que deram de arrendamento o prédio ao irmão do réu e por outro lado, a carta foi subscrita pelo réu, mas a rogo de sua mãe.
O excerto do depoimento prestado pela testemunha V…, para além de se mostrar descontextualizado, em nada releva, porque a testemunha não revelou ter conhecimento dos factos, pois o facto de apenas ver o réu no prédio, não significa que seja o seu proprietário.
Mantém-se a decisão do ponto 4.
- Ponto 5 -
No ponto 5 dos factos provados, consignou-se:
5. O irmão do réu, Perfeito K…, viveu durante alguns anos com a sua mãe em parte do prédio identificado em 1º mediante o pagamento de uma quantia mensal, no valor de 2,00€, por acordo celebrado com os seus donos, à data, falecidos J… e esposa I…, em data não concretamente apurada.
Em sede de fundamentação da decisão ponderou-se:
“ A factualidade descrita em 5 na parte relativa à habitação do prédio pelo irmão do réu e sua mãe com o consentimento dos proprietários à época resultou do acordo entre as partes, nos termos do artigo 574º do Código de Processo Civil.
Na parte relativa à celebração de um contrato de arrendamento com o irmão do réu, a convicção do Tribunal formou-se com base na confissão da autora nos termos do artigo 352º e 353º, nº2, 2ª parte do Código Civil e dos depoimentos das testemunhas indicadas pelos autores, nomeadamente P… e G…, que o confirmaram em conjugação com o próprio depoimento de parte do réu prestado nesse sentido e com os recibos juntos com a contestação sob os documentos nºs 1 a 3, de fls. 64 dos autos”.
Pretende o apelante que o tribunal deveria ter concluído que o réu viveu sempre com a mãe e foram tomar conta do filho do Perfeito e que o Perfeito vinha frequentemente a Portugal e ficava na casa.
Justificou a alteração da decisão com excertos dos depoimentos prestados pelas testemunhas Y…, U…, Z…, X…, depoimento de parte do réu e declarações de parte da autora.
A matéria do ponto 5 julgada provada reproduz a matéria alegada no art. 18º da petição.
Os factos que o apelante pretende introduzir não se mostram alegados nos articulados.
Como decorre do art. 5º do CPC o tribunal só pode decidir a questão de direito utilizando os factos alegados pelas partes, ou tratando-se de factos instrumentais ou complementares, desde que tenham sido objeto de contraditório, nos termos previstos no nº2 do citado preceito, o que no caso também não se verifica.
Desta forma, a ampliação da matéria de facto, sem respeitar o critério legal, impede que o tribunal se pronuncie sobre a alteração da decisão de facto.
Mantém-se a decisão do ponto 5.
- Ponto 9 -
No ponto 9 julgaram-se provados os seguintes factos:
9. O réu recusa-se a entregar o prédio aos autores, apesar de tal lhe ter sido solicitado várias vezes, desde há, pelo menos, 7 anos [aditamento nos termos do artigo 5º, nº2, a) do Código de Processo Civil], incluindo por notificação judicial avulsa que correu termos nesta instância sob o nº107/15.0T8VLC.
Na fundamentação da decisão considerou-se:
“Os factos mencionados em 9 resultaram da confissão do réu nos termos do artigo 574º do Código de Processo Civil, em conjugação, com a fotocópia da notificação judicial avulsa efetuada junta com a petição inicial a fls. 31 a 40 verso”.
O apelante pretende que se julgue tal matéria não provada, alegando para o efeito que os depoimentos das testemunhas dos autores foram pouco credíveis e os moradores da rua nunca virem ninguém à procura do réu ou a perguntar quem viva no imóvel. Considera, ainda, que a autora confessou que o imóvel esteve arrendado à mãe do réu e que o depoimento da testemunha S… foi indevidamente interpretado.
Afigura-se-nos existir alguma confusão na argumentação do apelante, atenta a matéria de facto em causa e respetiva fundamentação. O tribunal fundamentou a decisão num documento autêntico, cujo teor não foi impugnado pelo réu – a certidão da notificação judicial avulsa – e o depoimento do réu, conforme resulta da assentada (sessão de julgamento de 07 de junho de 2017). A prova testemunhal não constitui fundamento da decisão.
Por outro lado, o apelante não indica a passagem da gravação a partir da qual extrai o depoimento da autora, o que impede o tribunal de recurso de aferir da respetiva conformidade.
Acresce que no depoimento prestado pelo réu, para além de assumir que não assinou a nota de notificação, explicou que não o fazia porque “aquilo não era do tribunal” e referiu ainda, que “sem julgamento não assinava nada”, revelando estar bem ciente que na nota de notificação se pretendia a entrega da casa.
Conclui-se, assim, que não se demonstrando o erro na apreciação da prova, a decisão não merece censura.
- Pontos 10 e 11-
Nos pontos 10 e 11 julgou-se provado:
10. O réu tem frequentemente cães, alguns de grande porte, no prédio identificado em 1.
11. O réu colocou no muro e nos portões do referido prédio, que mantém trancados, tela de cor verde e plásticos de cor branca para impedir a visualização para o seu interior.
Para fundamentar a decisão, considerou-se:
“Os factos referidos em 10 e 11 resultaram dos depoimentos das testemunhas indicadas pelos autores que se dirigiram ao prédio objeto dos presentes autos, nomeadamente P…, filha de uma das autoras, S… e T…, amigos dos autores, confirmando-os, os quais gozaram do crédito do Tribunal por terem sido prestados de forma serena, escorreita, circunstanciada no tempo e no espaço de forma coincidente entre si e com as fotografias de fls. 41, 43 e 44 no que se refere à tapagem do prédio.
Diversamente os depoimentos das testemunhas indicadas pelos réus, que tentaram infirmar tal factualidade, apresentaram relatos apaixonados, antecipando respostas antes da formulação completa das perguntas a este propósito, e contraditórios entre si, confirmando U… que o réu acolhe animais, ainda que a título meramente temporário, que leva da associação de animais onde presta voluntariado, e outros, como V…, vizinho da frente que devia ter um conhecimento mais preciso de tais factos, negando a existência de animais e de redes mesmo em contrário do retratado nas fotografias supra identificadas.
Consequentemente, apesar das testemunhas dos autores se terem dirigido ao prédio do réu apenas algumas vezes, visto que o fizeram em ocasiões distintas, não podia o Tribunal deixar de concluir que o réu tem, pelo menos, frequentemente animais na casa, ainda que ali possam não estar permanentemente”.
O apelante pretende que se julguem não provados os factos em causa e fundamenta a alteração da decisão em excertos dos depoimentos Y…, U…, V… e considera, ainda, que os documentos fotográficos não merecem o relevo probatório que foi atribuído.
Os excertos dos depoimentos prestados pelas testemunhas mostram-se descontextualizados e não justificam a alteração da decisão.
A testemunha Y…, irmão do réu, não reside na mesma localidade do réu e nada revelou saber sobre a matéria e as contradições com os depoimento da testemunha Z… e U…, retira credibilidade a tal depoimento.
A testemunha Y… segundo afirmou, depois da morte da mãe, que ocorreu em 2005, raras vezes visitou o irmão na casa em causa nos autos e quando o fez não passou do portão. Este depoimento está em contradição com o depoimento prestado pela testemunha Z…, sua mulher, que afirmou que só esporadicamente visitava o cunhado e quando o fazia na companhia do marido entravam na casa de habitação. Esta testemunha também disse que nunca lá viu cães.
Contudo, resulta do depoimento das testemunhas indicadas pelos autores e referenciadas na fundamentação que nas ocasiões em que os herdeiros se dirigiram ao local da habitação se viram confrontados com cães no logradouro da habitação.
A testemunha U… que conhece o réu por pertencerem à mesma associação que cuida de animais, mas não reside no local onde se situa o prédio, admitiu que o réu, pelo menos uma vez, acolheu na sua habitação uma cadela que estava doente e que o réu revelava preferência por gatos. Também admitiu que nos muros “tinha lá umas telas” “era a privacidade dele” ”não é nada de ferros ou chapas de fácil acesso”.
A testemunha V…, vizinho do réu, por residir na mesma rua e no prédio em frente à casa em causa nos autos, admitiu, com muitas dúvidas, que nos muros do prédio foi colocada uma rede e quando confrontado com as fotografias juntas com a petição admitiu que as mesmas respeitavam à casa e que foram colocadas umas redes, mas que permitiam ver o interior do prédio e que na data em que prestou o depoimento já tinham sido retiradas.
As fotografias juntas com a petição – doc. nº 22, 23, 24, 25 - constituindo meros documentos particulares, apenas fazem prova plena, dos factos e das coisas que representam se a parte contra quem são apresentados não impugnar a sua exatidão, nos termos do art. 368º CC[27].
Os documentos foram impugnados pelo réu quer quanto à sua autoria como genuinidade, pelo que, o seu valor probatório fica sujeito ao princípio da livre apreciação da prova. Na fundamentação da decisão o juiz do tribunal “a quo” ponderou este meio de prova em confronto com os demais, ao abrigo do disposto no art. 607º/5 CPC e por isso, não merece censura o relevo probatório que lhe foi atribuído.
Neste contexto os depoimentos prestados pelas testemunhas indicadas pelos réus não conseguiram abalar o relevo probatório dos depoimentos prestados pela declarante e pelas testemunhas indicadas pelos autores e por isso, não se justifica a alteração da decisão, mantendo-se a resposta aos pontos 10 e 11.
- Ponto 12 –
No ponto 12 julgou-se provado:
12. Os atos referidos em 9 a 11 impedem o acesso e utilização do prédio pelos autores.
Apesar do caráter conclusivo da matéria é de considerar que a fundamentação da decisão decorre da fundamentação à anterior matéria de facto.
Pretende o réu que se julgue não provada a matéria do ponto 12, com fundamento em excerto dos depoimentos prestados pela autora G… e das testemunhas X….
Considera o réu que ocupa apenas uma parte do prédio no primeiro andar, como resulta dos factos provados e não foi produzida qualquer prova relevante na audiência de que o réu impedisse o acesso dos autores ao prédio. Além dos portões a que a petição faz referência foi produzida prova da existência de uma segunda entrada.
É manifesto que o réu se opõe à entrega do prédio e tal circunstância impede a sua ocupação pelos autores, o que justifica o recurso à presente ação. Isso mesmo decorre das declarações da autora G….
O depoimento da testemunha X… não contraria os factos apurados sob os pontos 09 a 11 e a forma como descreveu o prédio apenas permite concluir que existe uma única entrada para o prédio. A testemunha foi muito explícita quando afirmou que existe um portão largo e um portão mais pequeno ao lado e que dá tudo para o mesmo prédio. A testemunha Z… descreveu da mesma forma a entrada no prédio.
Nos documentos nº 23 e nº24, juntos com a petição, são visíveis essas duas entradas e portões a que se referem as testemunhas, as quais se situam na mesma confrontação do prédio existindo entre os dois portões um muro com uma extensão máxima de dois metros.
Não são as caraterísticas físicas do prédio que permitem retirar credibilidade ao depoimento das testemunhas indicadas pelos autores a respeito das tentativas que os autores realizaram para contatar o réu no prédio e obstáculos com que se depararam, pois os dois portões situam-se no mesmo local de acesso ao prédio.
Mantém-se a decisão do ponto 12.
- Ponto 13 -
Nos pontos 13 julgaram-se provados os seguintes factos:
13. Os autores e os seus antecessores, legítimos proprietários do prédio identificado em 1º, nunca autorizaram ou consentiram, sob qualquer forma, que o réu ocupasse e utilizasse o referido prédio.
Na fundamentação da decisão considerou-se:
“O circunstancialismo de tempo e modo relativos ao início da ocupação do réu do prédio identificado em 1 dos factos provados descrito em 15 resultou da apreciação da prova oferecida pelo réu na sua globalidade em conjugação com os documentos a este propósito juntos aos autos.
Em concreto, em sede de audiência de julgamento, verificou-se que a maioria dos depoimentos das testemunhas indicadas pelo réu foram pouco consistentes, por não ser muito crível que o seu irmão e cunhada, Y… e Z…, não mais tivessem entrado na casa onde aquele habitava após a morte da mãe, ou que o vizinho de há mais de 30 anos, V…, não se recordasse de ver redes a tapar casa apesar de afiançar que o réu ali habita, e que os documentos juntos a fls. 64 verso e 66 relativos a consumos de bens essenciais, nomeadamente de água e eletricidade, fossem pouco esclarecedores por apresentarem consumos muito baixos.
Apesar disso, o depoimento do colega de trabalho do réu, AB…, que o transporte todos os dias para o trabalho, que se revelou seguro e assertivo, aliado aos documentos juntos em sede de audiência, remetidos pelos Serviços de Identificação Civil a fls. 99 a 110, donde resulta que, desde 1980, o réu indica a morada do prédio objeto dos presentes autos como sendo a sua residência junto daqueles serviços, contribuíram de forma decisiva e em sentido positivo para formação da convicção do Tribunal sobre tal factualidade.
Acresce que, nesta parte, o depoimento do réu, simultaneamente confessório por o prejudicar quanto à parte da ampliação do pedido e favorecente da sua versão dos factos, afigurou-se sincero e coerente com as regras da lógica e da normalidade.
No que concerne à missiva referida em 16 e 17 dos factos provados, considerou o Tribunal os documentos juntos com a contestação a fls. 66 verso, 67, 70 e 71 que se traduzem respetivamente na cópia do texto remetido e no aviso de receção onde consta uma assinatura com os dizeres correspondentes ao nome de uma das autoras.
Apesar de terem sido impugnados, não foi produzida qualquer prova que abalasse a credibilidade de que dos mesmos dimana por não se afigurar que sejam falsos.
Contudo, do seu teor, ao contrário do alegado não resulta que o réu tenha enviado a carta em seu nome e em nome da mãe mas apenas que a assinou a rogo desta.
Relativamente aos depósitos das rendas, reiterando o já referido relativamente à prova testemunhal indicada pelo réu por se verificar o mesmo circunstancialismo, sublinhe-se apenas que também neste conspecto os depoimentos apresentaram disparidades, dizendo umas testemunhas, nomeadamente a amiga do réu, U…, que este procedia ao pagamento mensal ou bimensal das rendas quando do comprovativo de depósito de fls. 73 resulta que a renda era paga com uma periodicidade de cerca de 5 em 5 meses, outros que pagava em dinheiro, designadamente V…, outros ainda dizendo que o depósito das rendas só sucedeu enquanto a mãe do réu foi viva, mormente a sua cunhada, Z….
Acresce que o réu apesar de ter referido durante o seu depoimento ter todos os comprovativos dos depósitos das rendas, não juntou outros que não aqueles que já constavam nos autos.
Assim, e considerando que somente o documento relativo ao depósito das rendas junto a fls. 73 se encontra devidamente certificado pela M…, não podia o Tribunal dar como provado mais do que os factos atestados neste documento”.
Sugere o apelante que se julgue não provada a matéria do ponto 13.
Considera o apelante que existe prova documental do pagamento de rendas (44 recibos de renda). Existe prova documental de recibos de rendas passados pelos proprietários do imóvel. Existe 173 documentos comprovativos dos pagamentos de renda mensal, paga pontualmente, pelo réu. Conclui que não foi produzida prova relevante de que os autores e seus antecessores nunca autorizaram ou consentiram, sob, qualquer forma, que o réu ocupasse e utilizasse o referido prédio.
Nas declarações de parte da autora esta confessou que o prédio esteve arrendado à mãe do autor; resulta dos factos considerados provados e da prova testemunhal que o autor viveu sempre com a mãe.
Conclui que se a própria autora admite um contrato de arrendamento com a mãe do réu e se o réu sempre viveu com a mãe, esta prova testemunhal complementada pelos comprovativos do pagamento de renda atestam de forma inequívoca que os autores e os seus antecessores consentiram que o réu ocupasse o imóvel.
Está em causa apurar as circunstâncias em que o réu passou a ocupar o prédio a que se alude nos autos.
Cumpre ter presente que na versão apresentada pelo réu nos articulados, a partir de 1982 o réu passou a residir neste prédio. Depois da morte do primitivo arrendatário que era o seu irmão, o réu e a mãe celebraram com o proprietário novo contrato de arrendamento (art. 16 e 22 da contestação). Pagaram as rendas desde 1982. Posteriormente, o réu solicitou a redução a escrito do contrato celebrado verbalmente.
Os excertos dos depoimentos das testemunhas transcritos pelo apelante em nada relevam para justificar a alteração da decisão.
Nas declarações de parte, a autora G… referiu que por motivos de ordem pessoal e familiar – reside em Lisboa e viveu em Londres - não se deslocava a Vale de Cambra e todos os assuntos relacionados com a administração dos bens eram tratados pelo pai, advogado, com escritório em Lisboa. Referiu que através do pai e familiares tomou conhecimento que a casa esteve arrendada
durantes muitos anos a uma senhora, que não soube identificar e essa senhora faleceu. Depois foi para lá um filho, que entretanto emigrou para os EUA e acabou por falecer nesse país.
Por fim, disse que presentemente os herdeiros desconheciam quem ocupava a casa e das diligências que fizeram apuraram que a pessoa que ocupava todo o prédio trabalhava na Câmara Municipal L….
Referiu desconhecer se a arrendatária pagava rendas e não ter conhecimento do pagamento mediante depósito bancário.
Nos termos do art. 466º/1 CPC as partes podem prestar declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto.
As declarações prestadas são apreciadas livremente pelo tribunal, salvo se constituírem confissão, como se prevê no art. 466º/3 CPC.
A parte deve ser admitida a prestar declarações apenas sobre factos em que tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento direto e que sejam instrumentais ou complementares dos alegados.
Daqui resulta que não merece relevo probatório as declarações que factos alegados no respetivo articulado.
As declarações de parte da autora, a respeito da ocupação do prédio pela mãe do réu, não merecem qualquer relevo probatório, porque se limitou a transmitir ao tribunal o conhecimento de factos por ouvir dizer, sem identificar a fonte do seu conhecimento. As declarações prestadas apenas relevam quando descreve as diligências que efetuou no sentido de apurar quem era a pessoa que presentemente ocupava o prédio, porque resulta do seu conhecimento direto e transmitem ao tribunal factos complementares [28] dos alegados pela parte.
Acresce que é o próprio réu no depoimento de parte que refuta tal versão dos factos, quando refere que o seu irmão Perfeito K… celebrou um contrato de arrendamento com o proprietário do prédio e pagava a renda de Esc.: 400$00. A mãe vivia com o seu irmão. Em 1982 o irmão emigrou e pediu ao réu para ficar com a mãe e o filho (sobrinho) na casa. Disse ainda que vivia numa outra casa, numa rua mais acima, mas o telhado ruiu e foi viver para casa do irmão.
Acresce que face às declarações do réu e depoimento das testemunhas por este indicadas resulta que numa parte do prédio residia uma tia do réu, que entretanto faleceu e numa outra parte, o irmão, que depois emigrou para os EUA e quando o irmão foi residir para o prédio já ali habitava a tia.
Nenhuma testemunha indicada pelos réus revelou ter conhecimento das circunstâncias em que o réu ocupou a casa, admitindo apenas que o mesmo ali se encontra a residir e que primitivamente ali residia com a mãe. No que respeita ao pagamento das rendas as testemunhas U…, Z…, AB…, V… limitaram-se a reproduzir aquilo que o réu lhes transmitiu, que o pagamento era efetuado por depósito bancário.
Trata-se, assim, de depoimentos indiretos e tal aspeto é determinante para avaliar do seu valor probatório.
A testemunha narra ao tribunal factos passados de que teve perceção.
Os depoimentos indiretos ou de ouvir dizer por não corresponderem a relatos de factos diretamente percecionados pelo depoente, ainda que não sejam expressamente proibidos ou condicionados no seu valor probatório, como ocorre no domínio do processo penal, constituem um meio de prova frágil, porque existe um desfasamento entre a fonte probatória e o meio de prova apresentado. Por isso, quando não são acompanhados de qualquer outro meio de prova não merecem qualquer relevo para a prova dos factos.
No caso concreto, nenhuma das testemunhas assistiu ou esteve presente no ato de efetuar o pagamento, ou depósito das rendas, nem consultaram ou tiveram acesso aos documentos comprovativos dos depósitos; limitaram-se a reproduzir o que o réu contou.
Os depoimentos mostram-se particularmente desvalorizados porque a fonte de informação é o próprio réu e todas as testemunhas vêm trazer ao processo a versão que o réu apresentou dos factos.
Os documentos a que se reporta o apelante, juntos com as alegações de recurso, não foram admitidos, pelo que, apenas relevam os documentos juntos até ao encerramento da discussão em primeira instância e quanto a estes, a interpretação feita pelo juiz do tribunal “a quo” não merece censura, por expressar o que resulta do seu teor.
Conclui-se, assim, que tanto na versão da autora, como do próprio réu, nunca chegou ao conhecimento dos proprietários do prédio que o réu ocupasse o prédio, ou que de alguma forma os autores autorizaram a sua ocupação pelo réu. Como se observa na fundamentação da decisão, mesmo a alegada carta remetida aos herdeiros dos proprietários do prédio foi subscrita pela mãe e assinada pelo réu a rogo desta.
Mantém-se a decisão do ponto 13.
- Ponto 15 -
No ponto 15 julgaram-se provados os seguintes factos:
15. A partir da data em que o irmão do réu emigrou – em 1982 – este passou a habitar o prédio identificado em 1 juntamente com a sua mãe.
O ponto 15 reproduz o art. 18º da contestação.
Sugere o apelante que do ponto 15 deveria constar que o réu e a mãe foram cuidar do filho de Perfeito K… que passou a viver com eles, quando o pai partiu para o estrangeiro e que o Perfeito K… sempre vinha a Portugal residia na referida casa. Para fundamentar a alteração considera que o tribunal deveria valorizar o depoimento de parte do réu e a sua prova testemunhal.
Tal como ocorreu em relação à alteração da decisão do ponto 5, os factos que o apelante pretende introduzir não se mostram alegados nos articulados.
Como decorre do art. 5º do CPC o tribunal só pode decidir a questão de direito utilizando os factos alegados pelas partes, ou tratando-se de factos instrumentais ou complementares, desde que tenham sido objeto de contraditório, nos termos previstos no nº2 do citado preceito, o que no caso também não se verifica.
Desta forma, a ampliação da matéria de facto, sem respeitar o critério legal, impede que o tribunal se pronuncie sobre a alteração da decisão de facto.
Mantém-se a decisão do ponto 15.
- Ponto 19 -
19. O réu ocupou e usufruiu de parte do prédio identificado em 1, aí dormindo, fazendo as suas refeições, recebendo as suas visitas e correspondência, fazendo do mesmo a sua casa de habitação, sem nunca ter pago qualquer contrapartida pela ocupação de parte do imóvel identificado em 1, com exceção do pagamento referido em 18.
Na fundamentação da decisão considerou-se:
“[…]
Os factos referidos em 19 resultaram da prova dos demais factos e, em particular, dos depoimentos das testemunhas do réu que os confirmaram nos termos supra referidos”.
[…]
“Relativamente aos depósitos das rendas, reiterando o já referido relativamente à prova testemunhal indicada pelo réu por se verificar o mesmo circunstancialismo, sublinhe-se apenas que também neste conspecto os depoimentos apresentaram disparidades, dizendo umas testemunhas, nomeadamente a amiga do réu, U…, que este procedia ao pagamento mensal ou bimensal das rendas quando do comprovativo de depósito de fls. 73 resulta que a renda era paga com uma periodicidade de cerca de 5 em 5 meses, outros que pagava em dinheiro, designadamente V…, outros ainda dizendo que o depósito das rendas só sucedeu enquanto a mãe do réu foi viva, mormente a sua cunhada, Z….
Acresce que o réu apesar de ter referido durante o seu depoimento ter todos os comprovativos dos depósitos das rendas, não juntou outros que não aqueles que já constavam nos autos.
Assim, e considerando que somente o documento relativo ao depósito das rendas junto a fls. 73 se encontra devidamente certificado pela M…, não podia o Tribunal dar como provado mais do que os factos atestados neste documento”.
O apelante começa por considerar que existe contradição entre o ponto 18 e o ponto 19.
Nos termos do art. 662º/2 c) CPC a decisão da matéria de facto de conteúdo deficiente, obscuro ou contraditório justifica a anulação do julgamento, quando não constem do processo todos os elementos que permitam a alteração proferida sobre a decisão da matéria de facto.
A contradição pode derivar da oposição entre diversas respostas dadas a pontos de facto controvertidos ou entre tais respostas e os factos considerados assentes na fase da condensação.
A superação da contradição, sem necessidade de anulação do julgamento, pode derivar da prevalência que deva ser dada a certo elemento constante do processo com força probatória plena ou por via da conjugação com outras respostas ou com matéria já assente. Mas pode decorrer ainda da reponderação dos meios de prova que se encontrem disponíveis e nos quais o tribunal “ a quo “ se tenha baseado, como determina o art. 662º/2 c) CPC[29].
No caso presente a contradição é apontada nas respostas aos seguintes factos:
18. O réu procedeu a título de depósito de rendas relativas aos meses de junho, julho, agosto, setembro e outubro de 2016, o valor de 10,40€, à ordem do Tribunal Judicial de Vale de Cambra, na conta da M… nº …………., com o nome de “herdeiros de J…”.
19. O réu ocupou e usufruiu de parte do prédio identificado em 1, aí dormindo, fazendo as suas refeições, recebendo as suas visitas e correspondência, fazendo do mesmo a sua casa de habitação, sem nunca ter pago qualquer contrapartida pela ocupação de parte do imóvel identificado em 1, com exceção do pagamento referido em 18.
Da leitura dos factos provados decorre que não existe qualquer oposição entre os factos, pois a resposta restritiva do ponto 19, reproduz o que consta do ponto 18, o que significa que apenas se logrou provar o pagamento da renda a que se reporta o ponto 18.
O apelante sugere, ainda, a alteração da decisão no sentido de se julgar provado que o réu procedeu ao pagamento da renda.
Argumenta o apelante que juntou recibos de recebimento de renda, comprovativos de pagamento de renda e no seu depoimento de parte referiu ter pago pontualmente a renda durante todo o período em que ocupou o imóvel.
Mais refere que as testemunhas arroladas pelo autor referiram-se a existência de um contrato verbal de arrendamento e ao pagamento de rendas.
Transcreve excertos das declarações prestadas pelo réu e refere, ainda, que todas as afirmações proferidas pelo réu estão comprovadas por documentos.
Contudo, o apelante não indica os documentos que comprovam as declarações do réu e não foram atendidos na decisão, sendo certo que constituía um ónus do apelante indicar os concretos meios de prova a reapreciar para justificar a alteração, pelo que, este argumento não pode ser atendido.
Transcreve, ainda, as declarações de parte da autora, para concluir que a autora não refere a existência de rendas em dívida e mais uma vez volta a referir que a autora faz a confissão de um contrato de arrendamento celebrado com a mãe do autor.
A respeito do relevo probatório das declarações de parte da autora, quanto à matéria da celebração do contrato de arrendamento, renovam-se aqui os argumentos expostos na fundamentação do ponto 13.
Por outro lado, das declarações prestadas pela autora decorre, como já se referiu, desconhecer a existência de depósitos de pagamento de renda e desconhecer como “a senhora [que ocupava o prédio] procedia ao pagamento da renda”.
Em momento alguma a autora referiu ter recebido os valores de renda ou ter fornecido elementos para proceder ao depósito da renda.
Por outro lado, é o próprio réu que alude a um conflito entre o arrendatário seu irmão e o senhorio, a respeito do pagamento da renda, que levou o seu irmão a depositar a renda no banco. O próprio admite que nunca comunicou aos autores o depósito da renda, ainda que justificando-se com o facto de desconhecer os proprietários do prédio.
Conclui-se, assim, que a prova indicada não justifica a pretendida alteração da decisão de facto, porque com exceção do pagamento referenciado sob o ponto 18 dos factos provados, não está comprovado o pagamento de qualquer outra quantia como contrapartida pela ocupação do prédio e a título de renda.
Mantém-se a decisão do ponto 19.
Passando à análise dos factos não provados.
O apelante impugna os seguintes factos não provados:
d. O réu e a mãe O… desde 1982 passaram a pagar pontualmente a renda e o proprietário a emitir pontualmente os recibos no montante de 400 escudos.
e. Com o falecimento do irmão do réu, que era o primitivo inquilino, foi celebrado novo contrato de arrendamento entre o proprietário do prédio, Dr. W…, advogado, residente, na região de Lisboa, e o réu K… e sua mãe O….
f. O proprietário do prédio Dr. W… e os seus herdeiros sempre se recusaram a reduzir a escrito o contrato de arrendamento.
g. Os autores bem sabem da existência de contrato de arrendamento há mais de 30 anos e que sempre se recusaram reduzir a escrito, recorrendo a expedientes ilícitos para assustar e coagir o réu.
Na fundamentação da decisão considerou-se:
“Os factos dados como não provados resultaram, além do que supra se disse a propósito dos factos provados, da falta e da insuficiência de prova produzida quanto aos mesmos.
No que se refere em particular aos factos atinentes ao alegado arrendamento, nenhuma das testemunhas indicados pelo réu tem conhecimento direto sobre os mesmos, tudo sabendo por lhe ter sido revelado pelo réu e ainda assim apresentando, uma vez mais, incongruências e contradições.
Aliás, o próprio réu, no âmbito do depoimento por si prestado nem sequer conseguiu confirmar a versão trazida na contestação, não confirmando ter celebrado qualquer contrato após a morte do seu irmão, antes confirmando que já desde essa altura lhe haviam solicitado, por parte dos autores, que abandonassem o local por estar “ilegal””.
O apelante pretende a alteração da decisão no sentido de se julgarem provados os factos em causa, fazendo mais uma vez referência a documentos, mas sem indicar os concretos documentos a considerar e ainda, a indevida interpretação da carta que foi expedida, mas sem referir em que consiste o erro de interpretação.
Reproduz de novo as declarações de parte da autora sobre a matéria da celebração do contrato de arrendamento, ao depoimento de parte e ao conhecimento que as testemunhas indicadas pelo réu revelaram da celebração do contrato.
O que já se deixou dito a respeito do valor probatório das declarações de parte da autora e depoimento das testemunhas indicadas pelo réu, quanto à matéria da celebração do contrato de arrendamento e pagamento da renda, aproveita para considerar que não resulta de tais meios de prova demonstrado o erro na apreciação da prova.
Mantém-se a decisão que julgou não provada as alíneas d), e), f) e g).
Improcedem, assim, as conclusões de recurso sob os pontos 6 a 17.
*
Na apreciação das demais questões cumpre ter presente os seguintes factos provados e não provados:
1. O prédio urbano composto por casa de habitação, de … com uma divisão, … com cinco e … com seis, um anexo com quarto e logradouro sito na Rua …, freguesia de …, concelho de Vale de Cambra, encontra-se inscrito na matriz predial sob o artigo 553 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vale de Cambra sob o nº 922.
2. A propriedade do prédio atrás identificado encontra-se inscrita a favor dos autores B…, C…, D… e E… por aquisição pela via sucessória de I… e marido J… através da ap. 3 de 1999/02/26.
3. A propriedade do prédio atrás identificado encontra-se inscrita a favor dos autores B…, F…, G…, H… e C… por transmissão da posição de W… da ap. 2198 de 2015/03/31.
4. Os autores, por si e seus antecessores, vêm habitando e utilizando o prédio, dando o mesmo de arrendamento, tentando proceder à sua limpeza [aditamento nos termos do artigo 5º, nº2, a) do Código de Processo Civil] e pagando as contribuições pelo prédio devidas ao longo dos anos, há mais de 50 anos, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, de forma ininterrupta e exclusivamente, na convicção de que exercem um direito próprio e autónomo que exclusivamente lhes pertence.
5. O irmão do réu, Perfeito K…, viveu durante alguns anos com a sua mãe em parte do prédio identificado em 1º mediante o pagamento de uma quantia mensal, no valor de 2,00€, por acordo celebrado com os seus donos, à data, falecidos J… e esposa I…, em data não concretamente apurada.
6. Em data não concretamente apurada mas antes de 1995, o irmão do réu Perfeito K… emigrou para os Estados Unidos.
7. O irmão do réu Perfeito K… veio a falecer em 4 de Junho de 1995, em Filadelfia, no Estado da Pensylvania, Estados Unidos da América do Norte.
8. A mãe do réu, O…, faleceu em 08/03/2005.
9. O réu recusa-se a entregar o prédio aos autores, apesar de tal lhe ter sido solicitado várias vezes, desde há, pelo menos, 7 anos [aditamento nos termos do artigo 5º, nº2, a) do Código de Processo Civil], incluindo por notificação judicial avulsa que correu termos nesta instância sob o nº107/15.0T8VLC.
10. O réu tem frequentemente cães, alguns de grande porte, no prédio identificado em 1.
11. O réu colocou no muro e nos portões do referido prédio, que mantém trancados, tela de cor verde e plásticos de cor branca para impedir a visualização para o seu interior.
12. Os atos referidos em 9 a 11 impedem o acesso e utilização do prédio pelos autores.
13. Os autores e os seus antecessores, legítimos proprietários do prédio identificado em 1º, nunca autorizaram ou consentiram, sob qualquer forma, que o réu ocupasse e utilizasse o referido prédio.
14. O prédio identificado em 1 apresenta-se como carecido de, pelo menos, uma pintura nunca tendo sido realizadas ali obras desde, pelo menos, 1982.
15. A partir da data em que o irmão do réu emigrou – em 1982 – este passaram a habitar o prédio identificado em 1 juntamente com a sua mãe.
16. Em 27 de Julho 2001 a mãe do réu remeteu uma carta com aviso de receção ao Dr. W… e F…, para a Avenida …, nº .., …, …. Lisboa, a qual foi assinada a rogo pelo réu.
17. No ponto nº 4 da missiva remetida é referido: "Nestes termos solicito a V. Exa, formal e por este meio, que dê cumprimento ao legalmente estabelecido, promovendo a celebração por escrito do contrato de arrendamento que tem por objeto, a casa de habitação referida no ponto1, ficando eu desde já disponível para o assinar logo que me seja presente".
18. O réu procedeu a título de depósito de rendas relativas aos meses de junho, julho, agosto, setembro e outubro de 2016, o valor de 10,40€, à ordem do Tribunal Judicial de Vale de Cambra, na conta da M… nº ……………., com o nome de “herdeiros de J…”.
19. O réu ocupou e usufruiu de parte do prédio identificado em 1, aí dormindo, fazendo as suas refeições, recebendo as suas visitas e correspondência, fazendo do mesmo a sua casa de habitação, sem nunca ter pago qualquer contrapartida pela ocupação de parte do imóvel identificado em 1, com exceção do pagamento referido em 18.
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- Factos não provados -
a. Os autores, por si e possuidores, executaram obras de conservação e restauro quando necessário nos 50 anos imediatamente anteriores à data de entrada da ação.
b. O réu não reside no prédio identificado em 1 dos factos provados.
c. O réu faz constar às pessoas da localidade que “vai conseguir ficar com o prédio sem pagar nada pelo mesmo”.
d. O réu e a mãe O… desde 1982 passaram a pagar pontualmente a renda e o proprietário a emitir pontualmente os recibos no montante de 400 escudos.
e. Com o falecimento do irmão do réu, que era o primitivo inquilino, foi celebrado novo contrato de arrendamento entre o proprietário do prédio, Dr. W…, advogado, residente, na região de Lisboa, e o réu K… e sua mãe O….
f. O proprietário do prédio Dr. W… e os seus herdeiros sempre se recusaram a reduzir a escrito o contrato de arrendamento.
g. Os autores bem sabem da existência de contrato de arrendamento há mais de 30 anos e que sempre se recusaram reduzir a escrito, recorrendo a expedientes ilícitos para assustar e coagir o réu.
h. O réu alega, de forma deliberada e consciente, factos que bem sabe não serem verdadeiros, deduzindo oposição e pretensão cuja falta de fundamento bem conhece alterando a verdade dos factos com o fim exclusivo de entorpecer a ação da justiça e de prejudicar os autores, obrigando-o a mais despesas e diligências acrescidas de prova.
i. O montante médio de mercado do valor das rendas de um imóvel com as mesmas características do prédio identificado em 1 dos factos provados é de 300,00€ mensais.
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- Mérito da causa -
Nas conclusões de recurso sob os pontos 18 a 22 e 25 a apelante insurge-se contra a decisão de direito que reconheceu os autores como proprietários do prédio e condenou o réu à restituição do mesmo aos autores.
Considera, em síntese, que os autores não lograram provar a aquisição do prédio por usucapião, na medida em que se julgou provado que o réu se encontra na posse do prédio desde 1982. Conclui que o tribunal interpretou e aplicou de forma errada os artigos 1294º e 1296º do Código Civil e não podia ter concluído que os autores adquiriram a posse do imóvel por usucapião pela falta da posse durante o lapso de tempo legalmente referido.
A questão colocada pelo apelante mostra-se prejudicada pelo facto de se considerar que os autores beneficiam da presunção de propriedade, fundada no registo, ao abrigo do art. 7º CRP, a qual não foi ilidida por prova em contrário. O apelante não se insurge contra tal segmento da sentença, que reconheceu a propriedade dos autores com tal fundamento.
Contudo, sempre se dirá que atenta a matéria de facto apurada não assiste razão ao apelante.
A presente ação surge estruturada como uma ação de reivindicação de propriedade prevista no art. 1311º CC., na qual os autores reivindicam a propriedade de um prédio e a sua restituição de quem, sem justo título, ocupa o mesmo.
Em tese geral, a ação de reivindicação constitui o meio processual adequado para defesa do direito de propriedade, pois através dela o proprietário não possuidor pede que seja considerado como proprietário de um determinado objeto e que este lhe seja restituído – art. 1311º CC.
A causa de pedir nesta ação é o direito de propriedade e o fim que se pretende alcançar é a declaração da titularidade do direito de propriedade. A restituição do objeto pode entender-se ser uma consequência necessária daquela declaração[30].
O Autor de acordo com as normas sobre repartição do ónus da prova tem que alegar e provar, que o objeto cuja entrega pede lhe pertence em propriedade (art. 342º/1 CC).
Sobre o réu recai o ónus de alegação e prova da existência de justo título de aquisição ou detenção da coisa, como facto impeditivo da restituição (art. 342º/2 CC).
O direito de propriedade, como resulta do disposto no art. 1316º CC adquire-se por sucessão, contrato, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei.
No entanto, na ação de reivindicação é necessário ter em conta a forma de adquirir e neste particular a doutrina distingue entre aquisição originária e aquisição derivada.
Na aquisição originária - como o é a acessão, ocupação e usucapião – o direito do proprietário reivindicante é um direito autónomo, um direito independente do direito do proprietário anterior, no qual não influem as condições de existência do direito deste.
Na aquisição derivada há de ter-se em conta o direito do anterior proprietário na medida em que nestas situações como sejam as dos negócios translativos (compra e venda, doação) não criam a propriedade, apenas a transferem. O Autor terá nestes casos que demonstrar sempre que o direito existia no anterior proprietário.
Cabe, pois, ao Autor provar o direito causa da reivindicação.
O usucapião constitui uma das formas de aquisição originária do direito de propriedade, reportando-se o momento da aquisição à data do início da posse – art. 1316º, 1317º CC.
O usucapião surge como um modo de aquisição originária dos direitos reais, “pela transformação em jurídica duma situação de facto, de uma mera aparência, em benefício daquele que exerce a gestão económica da coisa“[31].
Como decorre do art. 1287º CC para se reconhecer a aquisição do direito por usucapião, torna-se necessário a verificação de dois requisitos:
- a posse do direito; e
- o decurso de certo lapso de tempo.
A posse conducente a usucapião, tem de ser pública e pacífica, influindo as características de boa ou má-fé, justo título e registo de mera posse, na determinação do prazo para que possa produzir efeitos jurídicos.
A posse, como define o art. 1251º CC, consiste no “poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real“.
Na conceção subjetiva da posse, acolhida no Código Civil[32], a posse é constituída por dois elementos: o elementos objetivo “ o corpus “ e o elemento subjetivo “ o animus “ (art. 1251º e 1253º CC).
Considera-se possuidor quem exerce os poderes de facto correspondentes ao exercício do direito, com a intenção de exercer, como seu titular, um direito real sobre a coisa.
Com efeito, decorre do art. 1253º CC, que são havidos como detentores ou possuidores precários:
“ a) Os que exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito;
b) Os que simplesmente se aproveitam da tolerância do titular do direito;
c) Os representantes ou mandatários do possuidor e, de um modo geral, todos os que possuem em nome de outrem. “
Como referem PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA“ para que haja posse, é preciso alguma coisa mais do que o simples poder de facto; é preciso que haja por parte do detentor a intenção (animus) de exercer, como seu titular, um direito real sobre a coisa, e não um mero poder de facto sobre ela“[33].
Os detentores ou possuidores precários não podem adquirir para si, por usucapião, o direito possuído, como determina o art. 1290º CC.
No caso presente apurou-se:
4. Os autores, por si e seus antecessores, vêm habitando e utilizando o prédio, dando o mesmo de arrendamento, tentando proceder à sua limpeza [aditamento nos termos do artigo 5º, nº2, a) do Código de Processo Civil] e pagando as contribuições pelo prédio devidas ao longo dos anos, há mais de 50 anos, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, de forma ininterrupta e exclusivamente, na convicção de que exercem um direito próprio e autónomo que exclusivamente lhes pertence.
19. O réu ocupou e usufruiu de parte do prédio identificado em 1, aí dormindo, fazendo as suas refeições, recebendo as suas visitas e correspondência, fazendo do mesmo a sua casa de habitação, sem nunca ter pago qualquer contrapartida pela ocupação de parte do imóvel identificado em 1, com exceção do pagamento referido em 18.
Estão reunidos os pressupostos de facto que conduzem à usucapião, pelo facto de há mais de 50 anos, ou seja, há mais de 15 e 20 anos (elemento temporal) os autores por si e seus antecessores usufruírem e disporem do prédio (elementos objetivo da posse) como seus donos (elemento subjetivo da posse). A posse revela-se pacífica, de boa-fé e continua.
Por outro lado, o réu surge investido na posição de um mero detentor, a quem a lei não reconhece os efeitos da posse e que não possui justo título de ocupação do prédio.
Contrariamente ao defendido, sob os pontos 19 a 22 e 25 das conclusões de recurso, o réu não logrou provar que ocupa o prédio na qualidade de arrendatário do mesmo. O apelante entra em consideração com factos que não se provaram, como seja, a existência de um contrato de arrendamento e com exceções, que não foram suscitadas, a transmissão do arrendamento por óbito da primitiva arrendatária.
Na sentença recorrida apesar de se anotar que o réu não invocou a aquisição da posição de arrendatário, por transmissão por óbito do primitivo arrendatário, apreciou-se de tal exceção, com argumentos que não merecem censura e que aqui reproduzimos fazendo nossos:
“Mais ficou provado, tendo aliás sido admitido pelos autores, que a mãe do réu viveu durante alguns anos com o referido arrendatário.
Todavia, não pode falar-se em transmissão do arrendamento por morte do irmão do réu para a sua mãe, nos termos do artigo 85º, nº1, d) do RAU, mesmo não havendo a comunicação do óbito a que se refere o artigo 89º daquele diploma (sendo doutrina e jurisprudência unânimes no sentido de que a transmissão se opera automaticamente e que inexiste sanção para a falta de comunicação, indicando-se a título meramente ilustrativo o ac. do STJ de 7.05 2014, processo n.º 7507/06.4TBCSC.L1.S, in www.dgsi.pt) porquanto naquela data há muito que o referido arrendatário não residia no locado.
Ou seja, não podia transmitir-se um direito que o irmão do réu já não tinha. E consequentemente, a mãe do réu igualmente nada podia transmitir a este. De outra perspetiva também não pode falar-se em cedência lícita do gozo da coisa nos termos e para os efeitos dos artigos 1038º, f) e g) e 1049º do Código Civil na sua redação original por ser a vigente na data em que o irmão do réu emigrou (1982) nos termos do citado artigo 12º do Código Civil, por nada ter sido alegado ou demonstrado quanto à comunicação de tais factos ao senhorio ou ao reconhecimento por este da qualidade de arrendatária da mãe do réu ou deste, ainda que os anteriores proprietários tenham tolerado a presença da mãe do réu no locado.
Sendo certo que aos autores, atenta a sua qualidade de herdeiros, não lhe incumbia alegar tal factualidade, mas antes ao réu para sustentar o seu direito ao uso e habitação do prédio em causa nos autos, o que não fez”.
Conclui-se, assim, que não merece censura a decisão que reconheceu o direito de propriedade dos autores, com fundamento em usucapião e não considerou legitima a ocupação do prédio pelo réu, determinando a sua restituição e entrega aos autores.
Improcedem as conclusões de recurso sob os pontos 18 a 22 e 25
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- Da indemnização -
Nas conclusões de recurso, sob os pontos 23 e 24, insurge-se o apelante contra o segmento da sentença que arbitrou uma indemnização pelos prejuízos sofridos pelos autores com a ocupação ilícita do prédio pelo réu.
Considera que não se provaram os prejuízos, nem existe fundamento legal para arbitrar a indemnização a partir de 1982.
Na sentença com fundamento em responsabilidade civil fixou-se a indemnização pelo dano sofrido com a ocupação do prédio identificado nos autos, na quantia média mensal de 15,00€ desde a data de ocupação em 1982 até efetiva entrega.
A questão que se coloca consiste em apurar se os autores lograram demonstrar os prejuízos sofridos com a ocupação do prédio e se a provar-se tal prejuízo, a indemnização deve ser arbitrada a partir de Dezembro de 1982.
Conforme resulta do disposto no art. 1305º CC: ”o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas.”
O proprietário goza de modo pleno dos seus direitos significa que, acima deles, não existe qualquer outro poder. O direito é exclusivo porque o proprietário pode exigir que os terceiros se abstenham de invadir a sua esfera jurídica, quer usando ou fruindo a coisa, quer praticando atos que afetem o seu exercício[34].
A propriedade como direito que é está dotada de garantia jurídica. A sua violação dá direito a indemnização, por responsabilidade civil.
A questão da indemnização dos prejuízos sofridos com a ocupação de um imóvel, pode merecer dois enquadramentos jurídicos distintos – em sede de responsabilidade civil (Ac. STJ 23.09.2008 (Proc. 08A 2363), Ac. STJ 10.07.2008 (Proc. 08A2179), Ac. STJ 26.05.2009 (Proc. 09A0531, www.dgsi.pt) e segundo o regime jurídico do enriquecimento sem causa (Ac. STJ 26.05.2009 - Proc. 09A0531; Ac. STJ 08.05.2007 – Proc. 07A1066 – www.dgsi.pt).
Fundando-se a obrigação de indemnizar na prática de facto ilícito, a responsabilidade do agente deve ser aferida à luz do regime da responsabilidade civil, nos termos do art. 483º CC.
Nestas circunstâncias tem-se entendido que a mera privação (de uso) do prédio reivindicado, impedindo, embora, o proprietário do gozo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição nos termos do artigo 1305º do CC, só constitui dano indemnizável se alegada e provada, pelo dono, a frustração de um propósito, real, concreto e efetivo de proceder à sua utilização, os termos em que o faria e o que auferiria, não fora a ocupação-detenção, pelo lesante (Ac. STJ 10.07.2008 – Proc. 08A2179, www.dgsi.pt) .
A apreciação da responsabilidade à luz do regime jurídico do enriquecimento sem causa, reconduz-se aos denominados casos que a doutrina classifica de: “ lucro por intervenção de terceiro “.
Como se refere no Ac. STJ de 26.05.2009: “[p]ode colocar-se uma outra situação em que não será necessário alegar-se e provar-se que se pretendia usar a coisa para dela usufruir determinada utilidade que ela era suscetível de proporcionar.
Trata-se dos denominados casos de lucro por intervenção de terceiros que darão lugar à restituição por enriquecimento sem causa, embora possa não ocorrer empobrecimento do titular do direito, visto que, mesmo então, a deslocação patrimonial carece de causa justificativa e foi obtida à custa do titular.
Importa por isso articular a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa com a obrigação de indemnizar baseada na responsabilidade civil.
Como observa A. Varela (Das Obrigações em geral – vol. I – 6ª ed. – fls. 471) “Os dois institutos podem concorrer na qualificação da mesma situação, principalmente nos casos de intromissão nos bens ou direitos alheios ...
Se a intromissão não envolve responsabilidade civil (porque não há culpa, ou porque não há dano), mas há enriquecimento sem causa justificativa, o carácter subsidiário da obrigação de restituir nela fundada não impede, como é óbvio, a sua aplicabilidade”.
As duas situações são, como se vê, diferentes, pois, enquanto no âmbito da responsabilidade civil há que reparar um dano sofrido pelo lesado (e por isso mesmo, se não houver dano não há lugar à indemnização) no enriquecimento sem causa visa-se restituir aquilo que foi obtido sem justa causa e à custa do titular, isto é, em última análise, aquilo que, nos termos do ordenamento jurídico devia pertencer ao titular dos bens ou do direito, ainda que ele não estivesse disposto a utilizar a coisa ou o seu direito para obter aquela concreta utilidade“. (Proc. 09A0531 – www.dgsi.pt)
No caso presente, os Autores visam obter uma indemnização correspondente à contrapartida pela ocupação, correspondente ao montante médio de mercado do valor das rendas de um imóvel com as mesmas características, por constituírem o valor objetivo do uso e fruição do imóvel que os proprietários estiveram privados, que quantificaram em €300,00 mensais.
Na sentença apreciou-se da responsabilidade o réu à luz do regime da responsabilidade civil e foi com esse fundamento que o juiz do tribunal “ a quo “ reconheceu o direito à indemnização.
A obrigação de indemnizar, com fundamento na responsabilidade civil tem como pressupostos a prática de um facto, ilícito, imputável a título de culpa ou de risco, causador de prejuízos, existindo entre o facto e o dano um nexo de causalidade ou na posição defendida por Menezes Cordeiro “ o dano e a imputação ”[35].
No âmbito da responsabilidade civil pela prática de facto ilícito, o elemento básico da responsabilidade é o facto do agente – um facto dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma de conduta humana.
O facto consiste num ato, numa ação, ou seja, num facto positivo que importa a violação de um dever geral de abstenção, do dever de não ingerência na esfera de ação do titular do direito absoluto. Pode traduzir-se também num facto negativo, numa abstenção ou numa omissão.
Contudo, apenas o facto ilícito é suscetível de censura.
O facto é ilícito, nomeadamente, quando se traduz na violação do direito de outrem. Os direitos subjetivos aqui abrangidos são principalmente, os direitos absolutos, nomeadamente os direitos sobre as coisas ou direitos reais, os direitos de personalidade, os direitos familiares e a propriedade intelectual.
Por outro lado, para que o facto ilícito gere responsabilidade é necessário que o autor tenha agido com culpa, o que significa atuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito: o lesante, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, podia e devia ter agido de outro modo.
Por fim, para haver obrigação de indemnizar é condição essencial que haja dano, que o facto ilícito e culposo tenha causado um prejuízo a alguém e ainda, que se verifique existir um nexo de causalidade entre o facto e o dano[36].
A respeito do dano, distingue o Professor ANTUNES VARELA o “dano real do dano patrimonial“[37].
O dano real é o prejuízo “ in natura ” que o lesado sofreu nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar.
É a lesão causada no interesse juridicamente tutelado, como seja a destruição ou apropriação de coisa alheia.
Ao lado do dano assim definido, há o dano patrimonial – que é o reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado.
O dano patrimonial mede-se por uma diferença: a diferença entre a situação real atual do lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria, se não fosse a lesão.
Dentro do dano patrimonial cabe, não só o dano emergente ou perda patrimonial, como o lucro cessante ou lucro frustrado.
Na avaliação do prejuízo podemos distinguir a avaliação concreta do dano, quando a avaliação do prejuízo se faz em função do valor que a coisa tem no património do lesado e a avaliação abstrata do dano, quando apenas se procura determinar o valor objetivo da coisa atingida.
Na jurisprudência, perante situações idênticas à analisada nos autos tem-se entendido que a mera privação do uso ou fruição do imóvel, não constitui só por si um dano indemnizável em sede de responsabilidade civil, pois para além dos demais pressupostos da responsabilidade civil o lesado tem ainda, o ónus de alegação e prova do concreto prejuízo sofrido, o dano real e efetivo.
Como se refere no Ac. STJ de 26.05.2009 a respeito do critério de avaliação do dano “privação de uso“: “Se a coisa em questão for, por exemplo, um prédio urbano, será suficiente demonstrar que se destinava a ser colocado no mercado de arrendamento ou que o seu destino era a habitação própria, se se pudesse dispor dele em condições de normalidade.
Mas, será já dispensável a prova efetiva que estava já negociado um concreto contrato de arrendamento e a respetiva renda acordada ou os prejuízos efetivos decorrentes de o não poder, desde logo, habitar.
No primeiro caso, a indemnização pela privação do uso corresponderá ao valor locativo que o A. indicará por mera aproximação com os preços praticados no mercado, valor que poderá vir a ser apurado em execução de sentença.
No segundo caso, se não estiver disponível factualidade que permita determinar, com exatidão o valor do dano, nem for possível relegar a sua quantificação para execução de sentença, nem por isso deve ser negada uma indemnização a calcular segundo juízos de equidade“ (Proc. 09A9531 - www.dgsi.pt).
Também no Ac. STJ 08.05.2007 provando-se, apenas que:
“A garagem permite a guarda e aparcamento de dois automóveis”;
“O que proporcionaria aos autores, no mercado de arrendamento, um rendimento médio mensal de, pelo menos, 100 euros.”
Concluiu-se:
“ … verificou-se simples impedimento dos poderes de fruição.
Mas crê-se que a situação não é, só por si, geradora do dever de indemnizar sem que a pretensão indemnizatória seja fundamentada.
E os fundamentos não podem consistir em mera virtualidade do bem gerar frutos civis, por suscetível de serem frustrados eventuais propósitos de o integrar em circuito comercial baseado unicamente nos usos correntes.
O dono que se vê privado do bem tem de alegar e provar ter visto frustrado um propósito, real e efetivo, proceder à sua utilização, e em que precisos termos o faria e o que auferiria não fora a ocupação pelo lesante.
A mera referência ao valor locativo é insuficiente, já que muitos proprietários mantém prédios devolutos, não têm propósito de os arrendar nem nunca diligenciaram para o fazer, não existindo qualquer dano, real e efetivo, resultante da mera ocupação por outrem.
A questão poderia ser posta apenas em sede de enriquecimento do ocupante.
Só que, para além da subsidiariedade da obrigação de restituir o enriquecimento, o mesmo sempre teria de se caracterizar pelo correlativo “empobrecimento” do peticionante (dano patrimonial deste), o que também não surge demonstrado. “(Proc. 07A1066 –
www.dgsi.pt)
No Ac. STJ 10.07.2008 analisada a mesma questão, concluiu-se:
“ Do acervo de factos provados resultou, e na parte que, aqui, releva, que:
a) Em 8 de Agosto de 1992 os Réus partiram o vidro da porta do armazém onde se introduziram, substituindo a fechadura;
b) No dia 10 seguinte a Autora substituiu a fechadura que os Réus tinham colocado;
c) Para obstar a novo esbulho, a Autora contratou os serviços de uma empresa de segurança deixando um empregado desta no interior do armazém;
d) Mais tarde, nesse dia, os Réus reocuparam o local, forçando a porta e afastando a segurança;
e) A partir de então a empresa de segurança passou a manter no interior do armazém dois empregados seus;
f) A Autora ficou privada de utilizar o armazém, na sequência de concurso público que lançara para aquisição de sistemas de energia elétrica de emergência, destinados a serem instalados no armazém;
g) O valor locativo seria de 500.000$00 mensais;
h) Os Réus exibiram uma arma de fogo aos seguranças afirmando que a usariam contra quem se lhes opusesse.
i) Com os seguranças a Autora despendeu 2.445.143$00;
j) Em 28.01.1998 a Autora lançou um concurso público para aquisição e montagem de um equipamento informático;
k) Como consequência desse concurso, abriu outro concurso público para fornecimento de sistemas de energia elétrica de emergência;
l) Tais equipamentos destinavam-se a ser instalados no armazém.
Deste quadro fáctico resulta claramente o nexo causal, quer naturalisticamente, quer de adequação legal, entre o despendido com os seguranças e o esbulho violento dos Réus.
Indubitavelmente que terão de os indemnizar daquele montante, face (além dos princípios gerais da responsabilidade extra contratual) ao disposto no citado artigo 1284.º, n.º 1 do Código Civil.
Quanto ao “quantum” atribuído a título de privação do locado, mantemos a posição, reiteradamente antes assumida, de que a mera privação de uso do prédio, impedindo embora o proprietário do gozo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição, nos termos do artigo 1305.º do Código Civil, só constitui um dano indemnizável se o dono (ou possuidor) alegar e provar a frustração de um propósito real, concreto e efetivo de proceder à sua utilização, os termos em que o faria e o que auferiria não fora a ocupação – detenção pelo lesante.
Ora, “in casu” foi alegado e provado, apenas, o valor locativo do armazém e que a Autora esteve privada do seu uso não podendo aí instalar equipamento de energia elétrica de emergência, para cuja aquisição teve de lançar um segundo concurso público internacional.
Mas não se alegou ou provou o tal propósito de utilização imediata – por arrendamento ou similar contrato locativo – frustrado pela ocupação.
Mas teve seguramente custos com os sucessivos concursos públicos que teve de lançar, esses sim consequência direta do esbulho e, por isso, como se deixou dito, indemnizáveis.
Daí que só a indemnização pelo valor locativo não tenha lugar aqui, mas apenas as acima referidas (sendo a das despesas dos concursos a liquidar em sede executiva, por não apurado o seu “quantum”,mas sempre tendo como limite os 3.408,45 euros “( Proc, 08A2179 – www.dgsi.pt )
No Ac. STJ de 23.09.2008 considerou-se, ainda, que o valor da renda constitui um elemento de valoração do dano:
“ Numa situação como a dos presentes autos, o valor da renda do imóvel não é mais do que um elemento de valoração e cálculo do dano, não o próprio dano.
O pedido não tem como pressuposto a perda de quaisquer rendas que o imóvel pudesse produzir por eventualmente poder estar destinada ao mercado de arrendamento.
O dano consubstancia-se, assim, na privação do gozo da coisa pela respetiva proprietária.
O valor locativo (renda) é apenas um elemento de cálculo desse dano, correspondente aos frutos civis que a coisa é suscetível de produzir (artigo 212º, nº 2, do Código Civil).
Tudo isto decorre do disposto nos artigos 1305º e 1271º do mesmo Código.
Na verdade, o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição – aproveitamento dos frutos materiais e jurídicos – e disposição das coisas que lhe pertencem, respondendo o possuidor de má fé perante aquele pelo valor dos frutos que um proprietário diligente poderia ter obtido.
Mostra-se, pois, legalmente estabelecido o critério indemnizatório do facto ilícito cometido pelo possuidor de má fé, por remissão para o valor dos frutos que a coisa podia produzir, de harmonia com o que, em termos gerais, se prescreve nos preceitos referentes à responsabilidade por factos ilícitos e à obrigação de indemnização (cfr. artigos 483º a 498º e 563º e 564º, nº 1, do Código Civil).
Infere-se, assim, que não é necessário que o lesado alegue e demonstre quais os concretos fins ou utilidades que visava com o bem, assim como os reflexos que isso teve no seu património.
Assim, tendo a aqui recorrente direito a ser indemnizada pela privação do imóvel em causa, tendo – reportando-se ao documento de fls. 18 – indicado os sucessivos valores das rendas mensais que o imóvel podia dar de rendimento, sendo de €283,66 aquando da propositura da ação, e não tendo tal factualidade sido impugnada, deverá atender-se a esses valores na fixação da indemnização a arbitrar, caso se entenda que a Autora tem direito a ser indemnizada desde a data da arrematação e da adjudicação do prédio, ou ao apontado valor de € 283,66, na hipótese de se considerar que a indemnização deverá ser atribuída apenas a partir da citação. “(Proc. 08A2363 – www.dgsi.pt).
Resulta dos factos provados, que os autores são donos e legítimos proprietários do prédio cuja restituição peticionam.
O réu recusou a restituição do imóvel invocando a qualidade de arrendatário, direito que não lhe foi reconhecido.
Tais atos consubstanciam a ilicitude da atuação do réu, pois privou os autores da fruição plena do prédio que possuem e nisso se traduz o dano real.
Considera o apelante que os autores não produziram qualquer prova sobre os prejuízos sofridos pela ocupação do imóvel pelo réu. O tribunal de forma arbitrária determinou uma indemnização não peticionada e não discutida em audiência de julgamento.
A indemnização foi peticionada, com a ampliação do pedido.
A conduta do réu causou prejuízos aos autores, pelo simples facto de se encontrarem impedidos de usar e fruir de modo pleno algo que lhes pertence em propriedade e que estava destinado ao mercado do arrendamento, sendo essa a utilização normal do bem. O prédio esteve ocupado desde data anterior a 1982 por estar a ser utilizado para arrendamento.
Os autores alegaram e provaram os factos que demonstram a existência do prejuízo e quantificaram os prejuízos mediante uma avaliação abstrata do dano: o valor genérico devido pelo arrendamento de um prédio para habitação, por ser essa a utilização dada ao prédio e lograram provar parte dos factos em causa.
Afigura-se-nos, porém, que atenta a natureza do dano, o prejuízo apurado, é suscetível de ser ressarcido, porque os autores demonstraram que pretendiam usar a coisa, que dela pretendiam retirar as utilidades (ou alguma delas), que normalmente lhes proporcionaria se não estivessem dela privados pela atuação ilícita do réu-lesante.
Ponderando o critério seguido para o cálculo da indemnização, argumenta o apelante que o prédio foi ocupado por Perfeito N… até 1995, por O… até 2005 e por isso, o tribunal não tem fundamento legal para condenar o réu ao pagamento de uma compensação desde 1982.
Não resulta dos factos provados que até 1995 o primitivo arrendatário ocupou o prédio e procedeu ao pagamento da renda e que depois dessa data e até 2005 O… tenha continuado a pagar a renda, sendo certo que recaía sobre o réu, enquanto facto impeditivo do direito dos autores, alegar e provar o pagamento da renda e que tal valor se mostrava suficiente para garantir a indemnização dos prejuízos sofridos pelos autores com a ocupação do prédio, factos que o réu não alegou e como tal não logrou provar.
Por outro lado, provou-se que pelo menos desde 1982 o réu está a ocupar o prédio e durante este período de tempo apenas procedeu ao depósito da quantia referenciada no ponto 18 dos factos provados, valor que não foi recebido pelos autores.
Conclui-se, assim, que o segmento da sentença que condenou a Ré a pagar a indemnização aos Autores não merece censura, porque se apurou o dano e prejuízo sofrido com a ocupação do prédio pelo réu.
O réu não se insurge contra o critério adotado (equidade) e valor apurado para cálculo da indemnização, pelo que nada cumpre apreciar sobre tal matéria.
Improcedem, desta forma, as conclusões de recurso, sob os pontos 23 e 24.
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- Inconstitucionalidade -
No ponto 25 das conclusões de recurso o apelante considera que a sentença viola o art. 65º e art. 2º da CRP. A sentença fez uma interpretação das normas constantes nos artigos 1064º, 1069º, 1075º e artigo 1106, nº 1 b) que viola os art.65º, nº 1 e o art. 2º da CRP.
A respeito da conformidade da interpretação das normas jurídicas com o direito constitucional refere o PROFESSOR GOMES CANOTILHO:
“O princípio da interpretação das leis em conformidade com a constituição é fundamentalmente um princípio de controlo (tem como função assegurar a constitucionalidade da interpretação) e ganha relevância autónoma quando a utilização dos vários elementos interpretativos não permite a obtenção de um sentido inequívoco dentre os vários significados da norma. Daí a sua formulação básica: no caso de normas polissémicas ou plurisignificativas deve dar-se preferência à interpretação que lhe dê um sentido em conformidade com a constituição”[38]
Afigura-se-nos, porém, que a interpretação defendida, não contende com os princípios constitucionais enunciados, nomeadamente, o princípio constitucional da segurança jurídica, que engloba o princípio da tutela da confiança.
Em obediência ao princípio da segurança jurídica, o individuo tem o direito de poder confiar em que aos seus atos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçadas em normas jurídicas vigentes e válidas por esses atos jurídicos deixado pelas autoridades com base nessas normas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico[39].
A interpretação acolhida na sentença e no presente acórdão, garante o princípio da segurança jurídica, na sua vertente da tutela da confiança, porque a interpretação defendida assenta no regime previsto nos art. 1064º, 1069º, 1075º e artigo 1106, nº 1 b) que define os critérios a observar na celebração do contrato de arrendamento e transmissão da posição contratual por morte do arrendatário, sendo certo que tal regime jurídico não é inovador.
No contexto dos factos provados não seria viável outra interpretação, face ao regime jurídico vigente, sendo certo que no ponto 25 o apelante leva em consideração factos que não se provaram.
Improcedem, também nesta parte, as conclusões de recurso.
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- Litigância de má-fé -
Na última questão colocada, sob o ponto 26 das conclusões de recurso, insurge-se o apelante contra o segmento da sentença que indeferiu o pedido de condenação dos autores como litigantes de má-fé.
Na sentença considerou-se que a conduta dos autores não importava um juízo de censura, com fundamento em litigância de má-fé, com os fundamentos que se transcrevem:
“ Ora, da factualidade dada como provada e não provada não resultou que alguma das partes tenha atuado de má fé, pois que, por um lado, não se provou que os autores litigavam sabendo que o réu não tinha contrato de arrendamento, nem que este tivesse consciência da falta de fundamento da sua oposição e querendo protelar a ação da justiça.
Com efeito, relativamente aos primeiros provou-se o contrário, pelo que, está liminarmente arredada a má fé.
No que respeita ao segundo, a oposição deduzida traduz-se apenas na perspetiva do réu sobre os factos, verificando-se que com isso pretende fazer vingar a sua versão e manter-se na habitação que tem por sua, ainda que a tese não tenha sido procedente, não sendo a mesma totalmente desprovida de fundamento considerando a existência de um arrendamento anterior que conseguiu demonstrar.
Em suma, não se encontram reunidos, por falta de prova dos factos correspondentes, dos pressupostos legais da litigância de má fé, devendo os autores e réu ser absolvidos dos correspondentes pedidos”.
Cumpre, assim, apreciar se existe fundamento para condenar os autores como litigantes de má-fé.
Na análise da questão não podemos deixar de ter presente o enquadramento e inserção no sistema do instituto em causa - litigância de má-fé -, no sentido de conseguir conciliar a faculdade de usar dos meios judiciais para fazer valer os “supostos“ direitos, com a responsabilidade por lide temerária.
ALBERTO DOS REIS referia a este respeito:
“Dizemos “supostos“, porque nunca se pôs, nem poderia pôr, como condição para o exercício do direito de ação ou de defesa que o autor ou o réu seja realmente titular do direito substancial que se arroga. Seria, na verdade, absurdo que se enunciasse esta regra: só pode demandar ou defender-se em juízo “ quem tem razão “; ou, por outras palavras, só é lícito deduzir no tribunal pedidos ou contestações objetivamente fundados.
Só na altura em que o tribunal emite a sentença, é que vem a saber-se se a pretensão do autor é fundada, se a defesa do réu é conforme ao direito. De modo que exigir, como requisito prévio para a admissibilidade da ação ou da defesa, a demonstração da existência do direito substancial, equivalia, ou a cair numa petição de princípio, ou a fechar a porta a todos os interessados: aos que não têm razão e aos que a têm.
O Estado tem, pois, de abrir o pretório a toda a gente, tem de pôr os seus órgãos jurisdicionais à disposição de quem quer que se arrogue um direito, corresponda ou não a pretensão à verdade e à justiça”[40].
E na análise do instituto, nas considerações gerais, referia ainda, com mais propriedade: “… uma coisa é o direito abstrato de ação ou de defesa, outra o direito concreto de exercer atividade processual. O primeiro não tem limites; é um direito inerente à personalidade humana. O segundo sofre limitações, impostas pela ordem jurídica; e uma das limitações traduz-se nesta exigência de ordem moral: é necessário que o litigante esteja de boa fé ou suponha ter razão”[41].
PEDRO DE ALBUQUERQUE no seu estudo sobre litigância de má fé, salienta que:“[a] proibição de litigância de má fé apresenta-se, assim, como um instituto destinado a assegurar a moralidade e eficácia processual, porquanto com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça. O dolo ou má fé processual não vicia vontades privadas nem ofende meramente interesses particulares das partes envolvidas. Também não se circunscreve a uma violação sem mais do dever geral de atuar de boa fé. A virtualidade específica da má fé processual é outra diversa e mais grave: a de transformar a irregularidade processual em erro ou irregularidade judicial“[42].
A lei enuncia no art. 542º CPC as situações que qualifica como litigância de má-fé, considerando para esse efeito que litiga de má fé, quem com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
A lei especifica, assim, os comportamentos processuais suscetíveis de infringir os deveres de boa fé processual e de cooperação. Integram-se na previsão da lei condutas que digam respeito a ofensas cometidas no exercício da atividade processual a posições também elas processuais ou ao processo em si mesmo.
Trata-se de uma ilicitude baseada na violação de posições e deveres processuais que, a serem atingidos, geram de imediato uma ilicitude sancionável independentemente da existência ou lesão de qualquer ilícito de direito substantivo[43].
Os comportamentos processuais são sancionados quer sejam dolosos, quer se devam a negligência grave da parte ou do seu representante ou mandatário, podendo por isso fundar-se em erro grosseiro ou culpa grave[44].
Repetidamente, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem considerado que “a litigância de má fé não se basta com a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta”[45], porque a lei impõe que a parte tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento.
Argumenta o apelante que “os autores emitiram recibos de renda; os autores receberam quantitativos de renda pagos pelo réu; os autores não responderam a carta remetida pelo réu no sentido do contrato de arrendamento ser reduzido a escrito; os autores vêm alegar a inexistência de tais factos e alegam ocupação ilícita; os autores reconheceram a existência de contrato de arrendamento e passaram recibos; a autora confessou a existência de contrato de arrendamento com mãe do réu; os autores invocaram factos que não eram verídicos, tendo atuado com dolo ou negligência grave; tinham pleno conhecimento da falta de fundamento da sua pretensão pois durante 35 anos receberam rendas, alegando uma realidade e factos que eram inverídicos, como dizendo que o réu não habitava o imóvel”.
O apelante entra em consideração com factos que não se provaram, nem se alegaram. De igual forma subverte as declarações prestadas pela autora, na medida em que a autora não identificou a pessoa – mulher – que ocupou o prédio como arrendatária.
Como se referiu integram-se na previsão da lei condutas que digam respeito a ofensas cometidas no exercício da atividade processual a posições também elas processuais ou ao processo em si mesmo.
Não decorre dos factos apurados que os autores violando os deveres de boa fé processual, alteraram a verdade dos factos e omitiram outros relevantes para a decisão da causa, nomeadamente que sempre reconheceram o réu como arrendatário e receberam as rendas que por este tenham sido depositadas.
Conclui-se que não estão reunidos os pressupostos para condenar os autores, com fundamento em litigância de má-fé e por isso, a sentença não merece censura quando julgou improcedente o incidente.
Improcedem, também nesta parte, as conclusões de recurso sob os pontos 26.
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Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas pelo apelante, sem prejuízo do apoio judiciário.
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III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e nessa conformidade:
- julgar improcedente a reapreciação da decisão de facto;
- confirmar a sentença e decisão do incidente de litigância de má-fé.
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Custas a cargo do apelante, sem prejuízo do apoio judiciário.
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Desentranhe e devolva os documentos ao apelante.
Custas do incidente a cargo do apelante, fixando-se a taxa de justiça em €60,00 (sessenta euro), sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
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Porto, 24 de Setembro de 2018
(processei e revi – art. 131º/5 CPC)
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
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[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico
[2] Cfr. ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, Reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, pag. 6.
[3] ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, ob. cit., pag. 11.
[4] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, julho 2013, pag.184-185.
ANTUNES VARELA et al Manual de Processo Civil,2ª edição, Revista e Atualizada, Coimbra, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pag. 532.
[5] AMÂNCIO FERREIRA Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª ed., Coimbra, Almedina, 2009, pag. 215.
[6] ANTUNES VARELA, et al, Manual de Processo Civil, ob. cit., pag. 690.
[7] FRANCISCO MANUEL LUCAS FERREIRA DE ALMEIDA Direito Processual Civil, Vol.II, Almedina, 2015, pag. 369
[8] FRANCISCO MANUEL LUCAS FERREIRA DE ALMEIDA Direito Processual Civil, Vol.II, Almedina, 2015, pag. 369, nota 744
[9] MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, Limitada, 1993, pag. 156.
[10] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, Coimbra, Coimbra Editora, pag. 357
[11] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, ob. cit., pag. 486
[12] MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE Noções Elementares de Processo Civil, ob. cit., pág. 183
[13] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, vol. V, ob. cit., pag.424
[14] ANTUNES VARELA et al Manual de Processo Civil, ob. cit., pág. 393
[15] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, ob. cit., pág. 21 a 23
[16] ANTUNES VARELA, J.M.BEZERRA, SAMPAIO NORA, Manual de Processo Civil, ob. cit., pag. 675
[17] MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, Limitada, 1993, pag. 156
[18] ALBERTO DOS REIS Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, Coimbra, Coimbra Editora, pag. 357
[19] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, Julho 2013, pag. 126.
[20] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, ob. cit., pag. 225.
[21] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Temas da Reforma de Processo Civil, vol. II, Coimbra, Almedina, Janeiro 2000, 3ª ed. revista e ampliada pag.272.
[22] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, vol IV, pag. 569.
[23] Ac. Rel. Guimarães 20.04.2005 - www.dgsi.pt.
[24] Ac. STJ 28.05.2009 - Proc. 115/1997.5.1 – www.dgsi.pt.
[25] Ac. Rel. Porto de 19 de setembro de 2000, CJ XXV, 4, 186; Ac. Rel. Porto 12 de dezembro de 2002, Proc. 0230722, www.dgsi.pt
[26] ANTÓNIO DOS SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos em Processo Civil – Novo Regime, Coimbra, Almedina, Setembro 2008, 2ª ed. revista e atualizada pag. 299 e Ac. STJ 20.09.2007 CJSTJ, XV, III, 58, Ac STJ 28.02.2008 CJSTJXVI, I, 126, Ac. STJ 03.11.2009 – Proc. 3931/03.2TVPRT.S1; Ac. STJ 01.07.2010 – Proc. 4740/04.7 TBVFX-A.L1.S1 (ambos em www.dgsi.pt).
[27] FERNANDO PEREIRA RODRIGUES, A Prova em Direito Civil, 1ª edição, Coimbra, Coimbra Editora-grupo Wolters Kluwer, 2011, pag. 88.
[28] FERNANDO PEREIRA RODRIGUES Os meios de prova em Processo Civil, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, pag. 72
[29] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos em Processo Civil – Novo Regime, 2ª edição revista e atualizada, Almedina, 2008, pag. 295.
[30] MANUEL RODRIGUES JÚNIOR Revista de Legislação e Jurisprudência , Ano 57, pag.114.
[31] PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA Código Civil Anotado – com a colaboração de Henrique Mesquita, Vol. III, 2ª edição Revista e Atualizada - Reimpressão, pag. 64.
[32] Segundo o entendimento maioritário da doutrina – Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pag. 5, Mota Pinto “ Direitos Reais “, pag. 189, Orlando de Carvalho, RLJ,122 ss.- em sentido contrário Oliveira Ascensão “ Direitos Reais “ e Menezes Cordeiro “ A posse “.
[33] PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA Código Civil Anotado – com a colaboração de Henrique Mesquita, Vol. III, pag. 5
[34] PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA Código Civil Anotado – com a colaboração de Henrique Mesquita, Vol. III, pag. 83.
[35] MENEZES CORDEIRO Direito das Obrigações, Vol.II, pag. 281.
[36] ANTUNES VARELA Das Obrigações em Geral, vol. I, pag. 417.
[37] ANTUNES VARELA Das Obrigações em Geral, vol. I, pag. 492
[38] J.J.GOMES CANOTILHO Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª edição, (7ª Reimpressão) Coimbra, Almedina, 2003, pág.1226.
[39] J. J.GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição ob. cit., pag. 257.
[40] ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil- Anotado, vol.II, pag. 258-259.
[41] ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil- Anotado, vol.II, pag. 261.
[42] PEDRO DE ALBUQUERQUE Responsabilidade Processual por Litigância de Má Fé, Abuso de Direito e Responsabilidade Civil em Virtude de Atos Praticados no Processo, ed. Almedina, Coimbra, 2006, pag. 56.
[43] PEDRO DE ALBUQUERQUE Responsabilidade Processual por Litigância de Má Fé, Abuso de Direito e Responsabilidade Civil em Virtude de Atos Praticados no Processo, ob. cit., pag. 52.
[44] CARLOS FRANCISCO DE OLIVEIRA LOPES DO REGO Comentários ao Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 1999, pag. 308.
[45] Ac. STJ 18 de fevereiro de 2015, Proc. 1120/11.1TBPFR.P1.S1, www.dgsi.pt; Ac. STJ 11Fev 2015, Proc. 1392/05.0TBMCN.P1.S1, www.dgsi.pt.