Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1659/10.6JAPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DEOLINDA DIONÍSIO
Descritores: PROIBIÇÃO DE PROVA
GRAVAÇÃO ILÍCITA
Nº do Documento: RP201207111659/10.6JAPRT.P1
Data do Acordão: 07/11/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Sabendo-se que as proibições de prova têm em vista a tutela de direitos fundamentais e que abrangem não só os meios probatórios propriamente ditos mas também os meios de obtenção de prova, para obviar a excessivas, desproporcionais e desnecessárias intrusões na privacidade do visado podendo, por sua vez, podem determinar proibições de valoração mais ou menos restritas, é inegável que constituem assim, um dos limites imanentes ao princípio da livre apreciação da prova.
II - Ressalta do art.º 126º do CPP que, enquanto as provas obtidas mediante tortura, coacção ou ofensa da integridade física ou moral das pessoas não admitem qualquer concessão ou compressão sendo irremediável e inexoravelmente nulas por atingirem a essência de direitos fundamentais de natureza pessoal, já a nulidade das demais - relativas a intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações - pode ser sanada mediante consentimento do titular.
III - A diversidade de regimes assenta na diferente natureza e essência dos valores carecidos de protecção, tendo-se entendido que os últimos podiam ficar na livre disponibilidade do respectivo titular por não atacarem o núcleo fundamental dos direitos de personalidade.
IV – O consentimento poderá ser prévio, subsequente ou evidenciado por actos expressos de renúncia à invocação da nulidade cometida por indevida intromissão em direitos de natureza pessoal com garantia legal e constitucional, como é o caso da reserva da vida privada.
V – O arguido requereu que fosse visualizada em audiência a gravação constante de um CD apreendido.
VI - Resulta do requerimento que o próprio formulou que se desconhece a identidade de um dos participantes e, por isso, não pode considerar-se assente a existência de consentimento de todos os visados.
VII – Neste âmbito, há ainda que ponderar a proibição de valoração cominada no art. 167° do CPP, nos seguintes termos: As reproduções fotográficas, cinematográficas, fonográficas ou por meio de processo electrónico e, de um modo geral, quaisquer reproduções mecânicas só valem como prova dos factos ou coisas reproduzidas se não forem ilícitas nos termos da lei penal”.
VIII – Por outro lado, de harmonia com o disposto no art. 199° n.° 1 e 2 a), do Código. Penal, quem, sem consentimento, filmar outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias.
IX - Ainda que se admita que a ilicitude penal poderia ser afastada pela renúncia ao direito de queixa por parte do ofendido, sempre tal argumento colidiria com a circunstância de não estar demonstrada a identidade de todos os visados na filmagem em causa e, por isso, a admitir-se a visualização do CD, estaríamos perante meio de prova proibido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1659/10.6JAPRT.P1
4ª Secção
Relatora: Maria Deolinda Dionísio
Adjunto: Moreira Ramos.

Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO
No processo comum, com intervenção de tribunal colectivo, n.º 1659/10.6JAPRT, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, foi julgado e condenado, por acórdão proferido a 17/2/2012, o arguido B…, com os demais sinais dos autos,[1] nos seguintes termos:
1. - PENA ÚNICA: 6 (seis) anos e 9 (nove) meses de prisão
2. – PENAS PARCELARES
> 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punível pelo art. 152º n.ºs 1 a) e 2, do Código Penal;
> 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão pela prática de um crime de detenção ilegal de arma, previsto e punível pelo art. 86º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, com a redacção introduzida pela Lei n.º 17/2009, de 16 de Maio;
> 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão pela prática de um crime de detenção ilegal de arma, previsto e punível pelo art. 86º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, com a redacção introduzida pela Lei n.º 17/2009, de 16 de Maio.
3. - PENA ACESSÓRIA: Proibição de contacto com a vítima pelo período de 5 (cinco) anos.
4. – MEDIDA DE SEGURANÇA: Cassação de licença de detenção, uso e porte de arma, pelo período de 8 (oito) anos
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§ 1º No decurso da audiência de julgamento, na sessão levada a efeito no dia 13 de Janeiro de 2012, no âmbito da inquirição da testemunha C…, o arguido B…, requereu a exibição das imagens constantes de CD apreendido nos autos, com os seguintes fundamentos:
“Atento o teor do depoimento ora prestado pela testemunha em inquirição, requer que seja exibido em audiência, o CD apreendido nos autos que conste a gravação feita, aparentemente, num quarto de hotel, em que participa o arguido, a assistente e uma terceira pessoa, fisicamente semelhante e de aparência idêntica à testemunha, quer na dicção (voz), e com compleição física e respectivos traços fisionómicos. Para melhor localização do referido suporte informático, desde já se indica que existe cópia da gravação junta com o requerimento de instrução deduzida nos presentes autos.
O visionamento das imagens visam exclusivamente aferir da liberdade ou não dos intervenientes, e subsequente confirmação da identidade da testemunha como sendo ou não a terceira pessoa visionada, sendo certo que esta declarou ao Tribunal não se opor a tal exibição.”
§2º O Ministério Público e mandatário da assistente declararam nada ter a opor ao requerido.
§3º Por seu turno, o tribunal a quo apreciou e indeferiu a pretensão formulada nos termos que se transcrevem:
«Entende o Tribunal que a prova testemunhal prestada em julgamento deverá ser avaliada de acordo com as regras de experiência, bem como em conjugação com toda a restante prova existente no processo, nomeadamente, prova documental ou que se encontre em suportes informáticos ou outros.
Uma coisa é avaliar o depoimento da testemunha, outra coisa será avaliar a restante prova do processo.
Se dessa restante prova resultar que o depoimento da testemunha possa não ser verdadeiro, a consequência será o mesmo não ser tido em conta.
Acresce que resulta, quer do depoimento da assistente, quer do depoimento desta testemunha que as gravações que tenham sido feitas da sua pessoa, em eventuais actos da sua vida privada, o foram sem o seu consentimento e sem o seu conhecimento, o que nos termos do disposto no art. 126º n.º 3, do C.P.P., é considerado prova nula.
Por tais razões, o Tribunal entende não visualizar as gravações em causa, primeiro porque seguirá as regras de apreciação dos depoimentos das testemunhas, e segundo porque a prova em causa poderá ser nula nos termos acima expostos.
Notifique.»
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Inconformado com o decidido e bem assim com o subsequente acórdão final condenatório, o arguido, interpôs recurso, finalizando a respectiva motivação com as seguintes conclusões: (transcrição)
Recurso Interlocutório
1) - Porque vem ao ora Recorrente imputada a factualidade de, com a finalidade de obrigar a Assistente a manter relações sexuais com terceiros, ter-lhe apontado armas de fogo e até armas brancas tendo tais encontros ocorrido em diversos hotéis, nomeadamente no D… em Lisboa gravando tais encontros em filme - cfr. n.ºs 4 a 9 da Acusação.
2) - Porque o Recorrente, no exercício do seu direito de defesa assevera que sendo verdade que ocorreram tais encontros, os mesmos ocorreram por livre vontade de todos os intervenientes, incluindo a Assistente que os fomentava.
3) - Porque estão apreendidos nos autos, tanto centenas de fotografias, como diversos filmes em vídeo de tais encontros, em que participam não só a Assistente, como o ora Recorrente e algumas das testemunhas arroladas nos autos.
4) - Porque no decurso da inquirição da testemunha C… ocorrida em 13.1.2012, um dos intervenientes nos factos imputados ao arguido, foi pelo ora Recorrente requerida, para prova do por si alegado, a exibição, em audiência de julgamento, do vídeo apreendido nos autos pelo OPC, no decurso das buscas autorizadas e efectuadas nos autos.
5) - Porque o requerido visionamento das imagens visa, exclusivamente, aferir da liberdade da Assistente, ou não, e bem assim a confirmação da identidade da testemunha como sendo, ou não, a terceira pessoa visionada, sendo certo que esta declarou ao Tribunal não se opor a tal exibição.
6) - Porque declarado que foi pela referida testemunha não só que se não opunha a tal exibição em audiência de julgamento, como até solicitava a sua realização e tendo sido declarado pela Assistente e Digmº Procurador da República que se não opunham à referida exibição, dessa forma patenteando o respectivo expresso consentimento na requerida exibição do vídeo.
7) - Porque o que está em causa com a diligência de prova requerida não é aferir da avaliação do depoimento da testemunha que estava em depoimento, nem sequer a sua conjugação com a restante prova produzida, ou a produzir.
8) - Porque esse não foi o fundamento do requerido, mas tão só poder o Tribunal, na formação da respectiva convicção, legitimamente valorar o conteúdo daquela prova constante dos autos e apreendida pelo OPC.
9) - Porque o que está em causa, isso sim, é o Tribunal poder valorar a prova constituída pelo registo das imagens gravadas no decurso de uma concreta situação - encontro para prática de actos sexuais a três - e, também na respectiva ponderação, formar a convicção a declarar na Decisão que vier a ser proferida, nomeadamente sobre se tais encontros ocorriam sob a ameaça de armas e, ou, contra a vontade da Assistente tal como, concretamente, é imputado na pronúncia ao Arguido.
10) - Porque essa foi a única questão suscitada e que, salvo o devido respeito não foi apreciada e, por isso, não foi tida em conta na Decisão em apreço que dela não conheceu.
11) - Porque o visionamento das imagens - que inequivocamente versam sobre actos da vida privada, que não integram a prática de crime em si mesmos - constitui um meio de prova requerido pelo arguido, com vista a demonstrar que tais encontros - concretamente aquele a que se reportam as imagens -, não ocorreu sob ameaça de arma ou contra a vontade da Assistente, antes permitindo conferir o grau e nível de participação desta nos factos objecto da pronúncia.
12) - Porque a lei comina com nulidade as provas obtidas mediante intromissão na vida privada apenas quando inexiste consentimento do respectivo titular.
13) - Porque tudo quanto a Lei determina é que a nulidade subsiste quando, e se, não existir consentimento do titular do direito à reserva da vida privada.
14) - Porque a Lei não impõe que tal consentimento e mesmo conhecimento, seja prévio à gravação das imagens, ou de qualquer acto que integre intromissão na vida privada.
15) - Porque os únicos intervenientes na filmagem, que constitui o vídeo cuja exibição foi requerida, são o próprio Recorrente - que a requereu -, a Assistente e a testemunha então em depoimento que anuíram à sua exibição.
16) - Porque a ratio legis do disposto no art. 126º, n.º 3 do CPP radica, essencialmente, na protecção do direito constitucionalmente garantido e plasmado tanto no disposto no art. 26º, n.º 1 como no art. 32º, n.º 8, ambos da C. R. P.
17) - Porque estamos perante um direito - reserva da vida privada - a que o titular pode, caso assim o entenda, renunciar.
18) - Porque a nulidade decorrente das provas nulas obedece a um regime distinto consoante se esteja perante uma nulidade insanável ou, ao invés, de uma nulidade sanável.
19) - Porque a nulidade da prova proibida que atinge os direitos à privacidade previstos no art. 126º, n.º 3 do CPP é sanável pelo consentimento do titular do direito.
20) - Porque a consentimento pode ser dado ex ante ou ex post facto.
21) - Porque se o titular do direito pode consentir na intromissão na esfera jurídica do seu direito, ele também pode renunciar expressamente à arguição da nulidade ou aceitar expressamente os efeitos do acto, tudo com a consequência da sanação da nulidade da prova proibida.
22) - Porque todos os intervenientes, ou melhor, todas as pessoas filmadas prestaram o consentimento na exibição do meio de prova e uso da prova requeridos pelo ora Recorrente em audiência de julgamento.
23) - Porque ao indeferir a prova requerida pelo Recorrente, o Tribunal a quo impediu o legítimo exercício do contraditório e da defesa, constitucionalmente garantidos pela consagração do estatuído no art. 32º, n.ºs 1 e 5 da CRP.
24) - Porque o entendimento e interpretação feita do disposto no art. 126º, n.º 3 do CPP e plasmado na Decisão em apreço, segundo a qual por do depoimento da assistente, quer do depoimento desta testemunha resulta que as gravações que tenham sido feitas da sua pessoa, em eventuais actos da sua vida privada, o foram sem o seu consentimento, e sem o seu conhecimento, o que nos termos do disposto pelo art. 126º, n.º 3 do C.P.P., é considerada prova nula está ferido de inconstitucionalidade por violação daquelas normas constitucionais e uma vez que quer a Assistente, quer a testemunha, quer o Recorrente prestaram o consentimento para a exibição da gravação em causa no decurso da audiência de discussão e julgamento, foi dessa forma sanando a eventual nulidade da prova.
25) - Porque a, sempre douta, decisão em apreço viola, por erro de interpretação e de aplicação o disposto nos arts. 126º, n.º 3 e 379º, n.º 1 c) ambos do CPP e arts. 26º, n.º 1 e 32º, n.º 8, ambos da C. R. P.
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4. Apreciando e decidindo
4.1 Recurso interlocutório
Sustenta o recorrente que o indeferimento do seu requerimento, no sentido de ser visualizada em audiência a gravação constante de um CD apreendido, violou os seus direitos de exercício do contraditório e de defesa, asseverando que a exibição não é nula e que visava provar que os encontros sexuais não decorriam sob a ameaça de armas.
Crê-se que o simples cotejo das conclusões do recurso evidenciam o quão infundada é a sua pretensão.
Na verdade e com vista a afastar a eventual nulidade da pretendida produção de prova, ou seja a exibição da gravação constante de um suporte técnico junto aos autos - invoca a existência de consentimento de todos os que nela participam: arguido, assistente e testemunha C….
Todavia, segundo o seu próprio requerimento um dos fundamentos do visionamento das imagens era precisamente o de estabelecer a identidade de um dos intervenientes.
Sabendo-se que as proibições de prova têm em vista a tutela de direitos fundamentais e que abrangem não só os meios probatórios propriamente ditos mas também os meios de obtenção de prova, para obviar a excessivas, desproporcionais e desnecessárias intrusões na privacidade do visado podendo, por sua vez, podem determinar proibições de valoração mais ou menos restritas, é inegável que constituem assim, um dos limites imanentes ao princípio da livre apreciação da prova.
O núcleo essencial das proibições de prova foi consagrado no art. 126º, do Cód. Proc. Penal, nos seguintes termos:
«1 - São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.
2 - São ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas, mediante:
a) Perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos;
b) Perturbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de avaliação;
c) Utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei;
d) Ameaça com medida legalmente inadmissível e, bem assim, com denegação ou condicionamento da obtenção de benefício legalmente previsto;
e) Promessa de vantagem legalmente inadmissível.
3 - Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.
4 - Se o uso dos métodos de obtenção de provas previstos neste artigo constituir crime, podem aquelas ser utilizadas com o fim exclusivo de proceder contra os agentes do mesmo.»
Deste cotejo legal, ressalta claramente que enquanto as provas obtidas mediante tortura, coacção ou ofensa da integridade física ou moral das pessoas não admitem qualquer concessão ou compressão sendo irremediável e inexoravelmente nulas por atingirem a essência de direitos fundamentais de natureza pessoal, já a nulidade das demais - relativas a intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações - pode ser sanada mediante consentimento do titular.
A diversidade de regimes assenta na diferente natureza e essência dos valores carecidos de protecção, tendo-se entendido que os últimos podiam ficar na livre disponibilidade do respectivo titular por não atacarem o núcleo fundamental dos direitos de personalidade.
O consentimento poderá ser prévio, subsequente ou evidenciado por actos expressos de renúncia à invocação da nulidade cometida por indevida intromissão em direitos de natureza pessoal com garantia legal e constitucional, como é o caso da reserva da vida privada, assistindo, nesse particular, razão ao recorrente.
Simplesmente, se resulta do requerimento que o próprio formulou que a identidade de um dos participantes não está assente é impossível, por manifesta contradição, sufragar a existência de consentimento de todos os visados.
Acresce que, nesta sede, há ainda que ponderar a proibição de valoração cominada no art. 167º, do Cód. Proc. Penal, nos seguintes termos: “As reproduções fotográficas, cinematográficas, fonográficas ou por meio de processo electrónico e, de um modo geral, quaisquer reproduções mecânicas só valem como prova dos factos ou coisas reproduzidas se não forem ilícitas nos termos da lei penal”.
Ora, de harmonia com o disposto no art. 199º n.ºs 1 e 2 a), do Cód. Penal, quem, sem consentimento, filmar outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias.
E, ainda que se admita que a ilicitude penal poderia ser afastada pela renúncia ao direito de queixa por parte do ofendido,[2] sempre tal argumento colidiria com a circunstância de não estar demonstrada a identidade de todos os visados na filmagem em causa.
De todo o modo, o obstáculo primordial à tese do recorrente prende-se com a inadequação do meio à pretensão formulada.
Senão vejamos.
Como resulta das conclusões apresentadas, o recorrente associa a violação do princípio do contraditório e do direito de defesa à circunstância de estar acusado e pronunciado, além do mais, de ter apontado armas de fogo e até armas brancas à assistente para a obrigar a manter relações sexuais com terceiros, tendo tais encontros ocorrido em diversos hotéis, nomeadamente no D… em Lisboa gravando tais encontros em filme, visando com a exibição das imagens constantes do vídeo apreendido nos autos permitir ao tribunal firmar convicção sobre se tais encontros ocorriam sob a ameaça de armas e, ou, contra a vontade da Assistente.
Ora, desde logo, desconhecendo-se as concretas circunstâncias [designadamente espácio-temporais] das filmagens em causa, é impossível estabelecer a sua relação com o objecto do processo.
E, por outro lado, como evidencia o teor da acusação, dado por reproduzido no despacho de pronúncia, a imputação feita ao arguido não é a de que os encontros com terceiros ocorressem sob a ameaça de armas mas antes a de que, para determinar a assistente a manter relações sexuais com terceiros, além de lhe ter dito que era necessário para o excitar sexualmente, lhe apontou armas de fogo e até armas brancas.
Consequentemente e tendo presente que a produção de provas em audiência de julgamento, além da observância do princípio da legalidade (art. 125º, do Cód. Proc. Penal), se deve orientar pela necessidade e adequação às respectivas finalidades, ou seja à descoberta da verdade e boa decisão da causa, devendo ser indeferidas as provas inadmissíveis, irrelevantes ou supérfluas e os meios de prova inadequados, como decorre do estatuído no art. 340º, n.ºs 1, 3 e 4 a) e b), do aludido diploma legal, nenhuma censura pode ser dirigida ao despacho recorrido.
Uma última nota relativamente ao reparo do recorrente de que o tribunal a quo não teria, realmente, apreciado a questão por si suscitada.
Sendo pacífica a jurisprudência no sentido de que a decisão não carece de tomar posição com referência aos fundamentos/argumentos das pretensões formuladas mas sim sobre as questões específicas que lhe forem submetidas – in casu a produção em audiência de determinada prova – é manifesto, face ao anteriormente exposto, que o tribunal apreciou e indeferiu tal pretensão.
Neste preciso contexto, se os fundamentos de decisão recorrida não se afiguravam suficientemente esclarecedores para o recorrente devia este, na ocasião, ter solicitado a respectiva aclaração ao tribunal a quo.
Não o tendo feito, qualquer eventual irregularidade de que o despacho proferido pudesse padecer ficou sanada, como decorre da disciplina legal consagrada no art. 123º n.º 1, do Cód. Proc. Penal.
Conclui-se, pois, pela improcedência do recurso interlocutório.
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4.2 Recurso do acórdão condenatório
4.2.1 Matéria de facto
É consabido, assim o afirmando pacífica, constante e uniformemente a jurisprudência dos tribunais superiores, que o recurso em matéria de facto admite duas vertentes: a dos erros de julgamento e a dos vícios da decisão, nos termos e de harmonia com o disposto, respectivamente, nos arts. 412º, e 410º, do Cód. Proc. Penal.
E, só a primeira delas admite a reapreciação da prova produzida em audiência de julgamento já que a restante há-de evidenciar-se do texto da decisão recorrida, por si ou em conjugação com as regras de experiência, mas sem recurso a qualquer elemento que lhe seja estranho, ainda que constante dos autos ou resultante da discussão da causa.
Cumpre, então, descer ao caso concreto.
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A) Erros de julgamento
Uma vez que o recurso tem em vista o estrito controlo da observância da legalidade na concretização do acto de julgar e decidir de outro órgão judiciário, tal instituto configura, pois, uma ferramenta jurídico-processual destinada a impugnar uma decisão judicial e não a obter decisão sobre questões novas.
Assim, a reapreciação realizada pelo tribunal ad quem incide sobre a validade dos fundamentos da decisão recorrida estando exclusivamente vocacionada à expurgação/correcção de concretos vícios, ilegalidades ou erros aí cometidos, não visando o cotejo de diferentes sensibilidades sobre a questão controvertida.
Consequentemente, sabendo-se que ao tribunal superior apenas compete emitir juízos de censura crítica relativamente aos concretos e determinados pontos da decisão impugnados pelo interessado, não podendo sequer conhecer de questões novas que não tenham sido apreciadas ou decididos naquela, já que “o recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, constituindo apenas um remédio para os vícios do julgamento em primeira instância”,[3] a reapreciação da prova foi submetida a requisitos muito específicos que o interessado terá que cumprir se pretender impugnar a decisão por essa via.
Assim, consoante estatuído nos n.ºs 3 e 4 do aludido art. 412º, nesta sede, cumpre ao recorrente especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida – ambos por referência ao consignado na acta, nos termos do art. 364º n.º 2, do Cód. Proc. Penal, e com indicação das concretas passagens da gravação em que apoia a sua pretensão (no caso de ter havido documentação por esse meio) - e as provas que devem ser renovadas.
A este propósito há ainda que ter presente a recente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão n.º 3/2012 (Proc. n.º 147/06.0GASJP.P1-A.S1), de 8/3/2012, publicado no DR, I Série, n.º 77, de 18/4/2012, no sentido de que: “Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações.”
O recorrente censura a matéria de facto provada sob os pontos 3, 4, 5, 6, 9, 10, 12, 13, 14, 17, 29, 30, 31, 32.
Estriba-se, essencialmente, em duas ordens de razões: a ausência e incoerência probatórias e a violação do princípio in dubio pro reo.
No primeiro caso, invoca que o tribunal recorrido se baseou quase integralmente nas declarações da assistente e escritos juntos aos autos, sem atentar nas extensas incongruências e contradições em que a mesma incorreu e sem valorizar a falta de crédito e de verdade que ressumava da versão que a mesma apresentou, ao mesmo tempo que desprezou a tese da defesa, propugnada por si e testemunhas que arrolou.
E para dar sustentação à sua tese procedeu à transcrição integral das declarações e depoimentos produzidos na audiência para a qual remete genérica e indistintamente. Pretende, pois, que o tribunal de recurso faça novo julgamento de toda a prova produzida, ao arrepio das regras vigentes nesta matéria e da jurisprudência do nosso Mais Alto Tribunal que tem reafirmado que “o recurso da matéria de facto perante a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes é um remédio jurídico destinado a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros”.[4]
Conjugando tal circunstância com a extensão da matéria sob censura e requisitos deste tipo de recurso, facilmente se intui, pois, a inadequação do meio escolhido.
Com efeito, a impugnação da matéria de facto nos termos do art. 412º n.ºs 3 e 4, do Cód. Proc. Penal, não se basta com a existência de divergências ou contradições probatórias, antes dependendo da especificação de prova que imponha decisão diversa daquela a que chegou o tribunal.
In casu, é por demais evidente que o arguido, aqui recorrente, ao longo de dezenas de conclusões, se limita a transmitir a sua leitura dos meios probatórios produzidos e dos acontecimentos objecto do processo, atribuindo-lhes valoração e credibilidade que, em larga margem, conflitua com a interpretação vertida na decisão recorrida.
Porém, se a impugnação assenta unicamente no apelo à dúvida e na censura ao valor ou crédito que o tribunal a quo decidiu atribuir a este ou aquele meio probatório, é incontestável que não se indica qualquer segmento probatório do qual resultaria, necessariamente e sem margem para dúvidas, uma conclusão diversa sobre determinado acontecimento objecto do processo, falhando, pois, em rigor, um dos requisitos essenciais do recurso em matéria de facto com tal natureza.
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A.1) Violação das regras de experiência
No nosso ordenamento jurídico-criminal impera, em sede de valoração probatória, o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127º, do Cód. Proc. Penal, o qual preceitua que “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção da entidade competente.”
Obviamente, este princípio não pode ser entendido como uma permissão ao juiz de decidir o objecto do processo submetido à sua apreciação de forma caprichosa e discricionária, impondo antes uma operação objectivada, lógica e racional, cujo limite normativo imanente é estabelecido pelas regras de experiência, como meio de impedir a arbitrariedade.
Por seu turno, a fiscalização da observância desse limite é garantida pela obrigação de fundamentação da sentença que, nos termos do art. 374º n.º 2, do Cód. Proc. Penal, há-de conter “uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”
Assim, havendo meios de prova divergentes e versões contraditórias, há-de ser possível perceber, através da fundamentação da decisão, como é que, de acordo com as regras de normalidade e experiência comum, se formou a convicção do tribunal num ou noutro sentido e bem assim porque é que considerou fiável um meio de prova em detrimento de outro.
E os factos dados como provados ou não provados devem ser os que resultarem da livre convicção do julgador, colhido do conjunto probatório submetido à sua apreciação e análise, de acordo com a sua consciência e as regras de experiência, na qual interferirá sempre uma convicção pessoal.
Nesta perspectiva e auxiliado ainda pelos princípios da oralidade e imediação, o dominus do processo (ou seja o julgador) não está sujeito a critérios de quantidade ou qualidade, podendo, em sua livre convicção, considerar provado determinado facto com base num único depoimento ou declaração e como não provado um facto referido por vários declarantes ou testemunhas.
Por outro lado, um depoimento pode ser considerado inteiramente credível mas também pode ser aceite apenas em parte, negando-se-lhe crédito noutras partes.[5]
Finalmente, no cotejo de prova por declarações (arguido, assistente, demandante) ou por depoimento (testemunhas) não existe qualquer relação de especialidade, continuando a vigorar em pleno a livre convicção assente no concreto contexto da ocorrência, em confronto com a globalidade e consistência dos elementos probatórios disponíveis e a sua credibilidade intrínseca e extrínseca.
Em consequência e como nos ensina a psicologia do testemunho, a existência de pormenores divergentes intrínsecos à própria declaração ou resultantes do cotejo das várias declarações produzidas em audiência, não implica, necessariamente e só por si, a falta de credibilidade de quem os produz.
Não sendo afectado o núcleo essencial da versão trazida a juízo, pode o tribunal convencer-se que as declarações, apesar dos pormenores aparentemente divergentes, são verdadeiras e convincentes no que ao caso interessa. A forma de comunicação, a capacidade de expressar sentimentos, ou de transmitir factos vivenciados e a memória visual ou cognitiva evidenciada pelo declarante ou depoente, aliadas às regras de experiência, razoabilidade e bom senso e logicamente concatenadas, confrontadas e ponderadas pelo julgador dão substância à sua convicção (livre mas não arbitrária) sobre a verificação ou não dos factos controvertidos submetidos à sua apreciação.
Neste pressuposto, facilmente se intui a falta de fundamento da argumentação do recorrente assente na circunstância dos pontos de facto censurados se sustentarem quase exclusivamente nas declarações da assistente que classifica de incongruentes, contraditórias e sem credibilidade sem, contudo, referenciar clara e concretamente qualquer dessas hipóteses limitando-se a emitir juízos de valor e a transmitir a sua própria visão sobre a validade dos meios probatórios, por vezes de forma nem sequer muito inteligível. Assim veja-se a associação feita entre a descoberta, durante a realização da busca, de fotografias de nudez e de cariz sexual nas gavetas do quarto da filha menor do casal e o facto do arguido não colaborar nas lides domésticas, para se concluir que a “dona de casa” (assistente) sempre comparticiparia nesse estilo de vida, presumindo-se, pois, que fora a assistente – no âmbito das suas actividades domésticas – quem guardara tais fotografias para sua própria satisfação sexual e olvidando-se completamente as parafilias diagnosticadas ao arguido e os demais elementos probatórios recolhidos que inculcam que os filmes e fotografias eram usados por ele, designadamente para se masturbar.
Por outro lado, também a circunstância da assistente não ter visto os anúncios que diz que o arguido colocava na internet para conseguir parceiros sexuais é irrelevante se tivermos em conta que aquela tem conhecimento directo e foi confrontada com o resultado dos mesmos, ou seja a presença e comparência de indivíduos assim contactados, para efeitos de encontros sexuais relatados nos autos, mostrando-se, por essa via, perfeitamente válido o crédito atribuído às declarações.
Finalmente, a versão da assistente sobre a toma da pílula é deturpada pelo recorrente - fazendo equivaler a afirmada irregularidade da toma à toma ininterrupta – como, aliás, evidencia a motivação do tribunal a quo, com vista a sustentar uma inexistente incredibilidade das mesmas.
Aliás e salvo o devido respeito, a motivação da convicção exarada na decisão recorrida – perfeitamente adequada, exaustiva e transparente - contraria frontalmente a escassez probatória invocada pelo recorrente.
A prova, na sua globalidade, logicamente encadeada e apreciada, é avassaladora e vai bem mais além do que as simples declarações da assistente e escritos juntos.
Assim, a título meramente exemplificativo, recordaremos os documentos fotográficos e filmagens da assistente que evidenciam as marcas de agressão que a mesma ostenta e, entre outros, os depoimentos da inspectora da Polícia Judiciária, E… - que, não tendo presenciado os factos em análise, dá nota do comportamento daquela durante a realização da busca domiciliária e trâmites subsequentes – e de um funcionário do arguido, F… – que presenciou uma agressão à assistente e chegou a ver-lhe hematomas e cujo relato ajuda a definir a personalidade do aqui recorrente - circunstâncias que coadjuvam e reforçam a versão em causa como bem demonstra o tribunal a quo.
Acresce ainda que, como decorre da motivação da decisão recorrida, os julgadores consideraram isentas, dignas de crédito e suficientemente consistentes as declarações da assistente face às circunstâncias que rodearam a ocorrência, em plena observância com as regras e princípios que regem nesta sede e ao abrigo da livre convicção esclarecida e devidamente estribada e fundamentada nos elementos probatórios disponíveis e apreciados de forma objectiva, imparcial e sem qualquer interesse no resultado do processo ao contrário da visão interessada do recorrente que, ainda assim, pretendia ver o seu entendimento sobrepor-se àquele, agarrando-se a pormenores acessórios, sem qualquer real interesse para a matéria que, realmente, se aprecia nos autos, e por si subjectivamente interpretados.
Consequentemente, não há qualquer evidência de violação das regras de experiência, sendo antes, o juízo formulado na decisão recorrida a tal propósito, perfeitamente consentâneo com os cânones da normalidade do acontecer, exprimindo uma preferência devidamente fundamentada e estruturada em determinados meios probatórios considerados mais credíveis. Com efeito, daí se extrai que se valorou de forma clara e objectiva a prova produzida, explicando-se também, de forma simples mas perspicaz, as circunstâncias e razões que fundamentaram a opção por determinado meio de prova em detrimento de outro ou porque algum deles não foi atendido na totalidade.
Na verdade, não pode olvidar-se que a prova é apreciada globalmente e não através de extractos descontextualizados ou desgarrados deste ou daquele meio probatório.
É óbvio que o recorrente discorda de tal apreciação e pretendia que a sua versão prevalecesse. Não é de estranhar pois o seu interesse era ser absolvido e foi condenado.
Termos em que resta concluir pela inexistência de qualquer violação dos limites impostos pelas regras de experiência ao princípio da livre apreciação da prova.
Por fim, apenas uma breve nota relativamente à pretensa imprecisão da perícia médico-legal quando conclui que na data dos factos o recorrente se encontrava em situação de imputabilidade, porquanto estando em apreço factos ocorridos desde há mais de 15 e mesmo 18 anos até ao presente, no entender do recorrente, sempre será impossível aferir a que período se refere a perícia. Não vemos em que circunstância assenta a dúvida. A perícia foi realizada já na fase de julgamento, a solicitação do próprio arguido, estando devidamente delimitado o período temporal da prática dos factos delituosos e tendo o perito respectivo consultado o processo – v. fls. 1260, 1552, 1554 e 1586 (originais a fls. 1601 e segs.). Consequentemente, se o perito alude à data dos factos, é óbvio que o faz por referência à realidade processual estabelecida nenhuma dúvida sendo admissível a tal propósito, até porque nenhum esclarecimento ou nova perícia foram requeridos, nos termos previstos no art. 158º, do Cód. Proc. Penal.
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A.2) Da violação do princípio in dubio pro reo
Insistindo na tese de que a prova produzida é muito contraditória e insuficiente sufraga o recorrente que o tribunal a quo, “não representou na valoração da prova produzida e examinada uma dúvida fundada, conquanto inultrapassável, sobre se o Recorrente praticou, ou não, os factos provados apenas por decisão e vontade própria ou se, ao invés, os praticou de comum acordo com a própria Assistente e na prossecução de desejo comum e mútuo, sendo certo que era caso para o ter feito, assim sendo violado o princípio in dubio pro reo”.
Os próprios termos da alegação patenteiam a manifesta falta de fundamento desta pretensão do recorrente.
Vejamos.
De harmonia com o disposto no art. 32º n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença condenatória.
Assim, o princípio in dubio pro reo, corolário da especificada presunção de inocência, dá resposta ao problema da dúvida inultrapassável em relação à matéria de facto, garantindo a não aplicação de qualquer pena sem prova suficiente dos elementos típicos do crime, exigindo ao juiz que, em caso de persistência da dúvida após a produção da prova, decida em sentido favorável ao arguido, considerando o facto incriminador como não provado.[6]
O seu campo de actuação encontra-se, pois, limitado pela existência de dúvida sobre matéria de facto essencial à boa decisão da causa, impondo que o julgador se pronuncie favoravelmente ao arguido, se durante o processo de formação da sua convicção, se deparar com questões de facto sobre as quais paire, irremediavelmente, a dúvida.
Em consequência, a violação de tal princípio apenas existe quando se comprova que o juiz tenha ficado com dúvidas (num estado psicológico de incerteza, no dizer do nosso mais Alto Tribunal)[7] sobre factos relevantes e tenha decidido desfavoravelmente ao arguido, não bastando para o efeito a constatação da existência de versões contraditórias apresentadas por arguido e testemunhas ou mesmo entre testemunhas, ou quando o tribunal utiliza provas instrumentais e as regras de experiência como coadjuvantes da convicção adquirida – v., a este propósito, o Ac. do STJ de 29/4/2003, Proc. n.º 3566/03-5ª, rel. Simas Santos, in dgsi.pt).
Isto é, do simples facto de haver versões distintas e mesmo provas contraditórias sobre determinados factos não resulta como consequência directa e necessária a absolvição do arguido. Tal só ocorrerá se, nessa circunstância, se gerou um estado de dúvida insanável no espírito do julgador que, nem mesmo com recurso às regras de experiência ou presunções judiciais, o mesmo logrou ultrapassar.
Ora, in casu, o próprio recorrente admite expressamente que o tribunal a quo não teve dúvidas mas, ainda assim, entende que devia ter sido absolvido do crime de violência doméstica, porquanto se aquele não teve deveria ter tido dúvidas sobre a sua responsabilização quanto a esse facto delituoso.
No entanto, como ressalta do já exposto, existindo exteriorização clara e inequívoca do raciocínio seguido pelo tribunal na formação da convicção relativamente à matéria de facto provada e não provada, o qual se evidencia escorreito e consentâneo com as regras de experiência comum, é impossível afirmar a existência de qualquer lesão do princípio in dubio pro reo.
É que, a circunstância da prova poder admitir entendimentos diversos e dos interessados optarem por aquele que lhes é mais favorável ou exprimirem dúvidas a tal propósito também não impõe a conclusão de que o julgador, se não ficou, devia ter ficado em dúvida e decidido em benefício do arguido.
Com efeito, o princípio “in dubio pro reo” não serve para controlar as dúvidas do recorrente sobre a matéria de facto, mas antes o procedimento do tribunal quando teve dúvidas sobre tal matéria.
Ora, na hipótese sub judice, não evola a ocorrência de qualquer dúvida no espírito dos julgadores a propósito da factualidade que deram como provada sendo, pois, irrelevantes as dúvidas que o recorrente, na sua interpretação subjectiva, entende que deveriam subsistir a propósito da matéria fáctica que sustenta a sua responsabilização criminal já que não foi essa a conclusão a que chegou o dominus do processo e não há rasto de violação das regras de experiência ou de prova tarifada.
Termos em que resta afirmar a falta de fundamento da invocada violação do princípio in dubio pro reo.
***
B) Vícios da decisão
Como avulta do já anteriormente exposto, a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias distintas:
a) A requerimento do interessado e mediante o ónus de prévio cumprimento dos específicos requisitos previstos no art. 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do Cód. Proc. Penal, através de impugnação; ou
b) A requerimento ou oficiosamente, por intermédio dos vícios que se evidenciem do texto da própria decisão, nos termos do disposto no art. 410º n.º 2, do Cód. Proc. Penal.
Nesta hipótese, visam-se as desarmonias ou incoerências da decisão evidenciadas no respectivo texto, circunstância que justifica que possam até conhecer-se e declarar-se oficiosamente mesmo que a impugnação apresentada se limite a matéria de direito. É o que se convencionou chamar de recurso de “revista ampliada” querendo isto significar que o tribunal superior mantém intactos os poderes de cognição dos vícios documentados no texto da decisão proferida pelo tribunal a quo, que contendam com a apreciação do facto, ainda que não tenham sido directamente invocados pelo recorrente ou o tenham sido de forma parcial e deficitária.
O elenco legal destes vícios abrange nas alíneas:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (reportada, essencialmente, a hiatos factuais que podiam e deviam ter sido averiguados e se mostram necessários à formulação de juízo seguro de condenação ou absolvição);[8]
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (desdobrável em três hipóteses - contradição insanável de fundamentação, contradição entre os fundamentos e a decisão e contradição entre os factos);[9] e
c) O erro notório na apreciação da prova (em regra associado desconformidades de tal modo evidentes que não passam despercebidas a qualquer pessoa minimamente atenta, ou seja é um erro patente que não escapa ao homem comum).[10]
Assentes estes pressupostos, vejamos a hipótese sub iudicio.
Ao delimitar o objecto do seu recurso e na conclusão 49ª, invoca o recorrente a existência de insuficiência para a decisão da matéria de facto e de contradição insanável da fundamentação.
Todavia, percorrendo a motivação e síntese conclusiva do recurso, evidencia-se claramente que o recorrente não sustenta a existência de qualquer hiato factual que impossibilitasse a formulação da decisão recorrida ou a contradição entre factos ou entre a fundamentação e a decisão, aludindo antes à insuficiência dos meios probatórios produzidos para fundamentar a matéria dada como assente pelo tribunal a quo nos pontos 3, 4, 12, 13, 14, 17, 29, 31 e 32 e à ausência de prova quanto aos pontos 5 e 6, sendo óbvio que a invocação não atinge a densificação normativa emprestada pelo art. 410º n.º 2 a) e b), do Cód. Proc. Penal, não tendo sequer tais referências sido utilizadas em sentido técnico-jurídico.
Com efeito, o recorrente não invoca qualquer omissão fáctica susceptível de afectar o thema decidendum submetido à apreciação do tribunal a quo aludindo antes à insuficiência ou ausência probatória que possa, em seu entender, sustentar parte dos factos dados como provados.
E também não deu nota de qualquer incongruência entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão.
Como é óbvio, tendo presente o já anteriormente explicitado a propósito do âmbito de estatuição do art. 410º n.º 2, do Cód. Proc. Penal, o facto do ora recorrente entender que tal matéria não devia ter sido considerada por insuficiência ou ausência da prova produzida não é susceptível de integrar qualquer dos vícios aí previstos porquanto estes devem evidenciar-se e ser analisados por referência ao teor real e concreto da decisão impugnada e não a qualquer outro que o recorrente tenha por mais adequado.
Ou seja, também aqui, o recorrente continua a questionar unicamente a convicção adquirida pelo tribunal a quo com base na prova produzida que, em seu entender, é insuficiente e justificaria decisão diversa, confundindo erros de julgamento com vícios da própria decisão associando estes, por seu turno, à sua própria convicção sobre a credibilidade da prova produzida, olvidando que, aqui, apenas podia invocar qualquer desconformidade ou incongruência que se evidenciasse do texto do acórdão.
Existe, pois, clara confusão entre os vícios da decisão – que devem evidenciar-se do texto da sentença tal como elaborada e publicada pelo juiz - e a impugnação da matéria de facto por via da reapreciação da prova gravada – onde podem ser invocados erros de julgamento que inquinam a fundamentação de facto da sentença – e que não tem cabimento nesta sede.
Assim, cotejando agora o teor da decisão recorrida, por si e em conjugação com as regras de experiência e normalidade do acontecer, facilmente se conclui que a mesma dá como provados os factos necessários e suficientes ao raciocínio lógico-subsuntivo que integra a decisão, não evidenciando contradição insanável da fundamentação, nem expondo conclusão contrária àquela que, para a generalidade das pessoas, seria a adequada.
Ou seja e concluindo, não evidencia os vícios suscitados pelo recorrente, nem impõe a declaração oficiosa de qualquer dos elencados no art. 410º n.º 2, do Cód. Proc. Penal.
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4.2.2 Os factos e o direito
a) Subsunção jurídica do crime de violência doméstica
Tendo sido condenado pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º n.ºs 1 a) e 2, do Cód. Penal, na pena de 4 anos e 3 meses de prisão, sustenta o recorrente que não se verifica a circunstância agravante, pelo que a moldura legal da infracção é a de até 5 anos de prisão, não podendo a pena em concreto, limitada pela medida da culpa, ser quantificada em mais de 2 anos e 6 meses.
Sendo indubitável que o tipo matriz em causa prevê a punição, além do mais e no que ao caso importa, de quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais ao cônjuge, com pena de prisão de 1 a 5 anos, é igualmente certo que comina a agravação da punição para prisão de 2 a 5 anos se o facto for praticado “contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima”.
O recorrente sufragava a alteração da qualificação jurídica deste ilícito com fundamento na ausência de prova relativamente a determinados factos.
De todo o modo e ainda que assim fosse (que não é como já vimos), ao contrário do que parece ser o seu entendimento, o limite mínimo abstractamente fixado para esta infracção, mesmo no tipo incriminador base, nunca seria inferior a 1 ano de prisão.
No entanto, mantendo-se incólume a factualidade apurada e descrita pelo tribunal a quo nos pontos 2, 11, 12, 13, 14 e 31 da decisão recorrida, facilmente se conclui que nenhuma censura merece a integração da conduta na previsão legal do art. 152º n.ºs 1 a) e 2, do Cód. Penal.
***
b) Nulidades da decisão
Sustenta o recorrente que a decisão recorrida se mostra inquinada por omissão de pronúncia relativamente à subsunção jurídica dos crimes de detenção ilegal de arma, da escolha da pena aplicável a tal crime (falta de ponderação de aplicação da pena pecuniária) e da determinação das medidas das penas parcelares e única (falta de ponderação de parâmetros que lhe eram favoráveis e de avaliação global da conduta na fixação da pena conjunta) ou, quando assim se não entenda, haverá insuficiência de fundamentação nessas matérias.
Vejamos se lhe assiste razão.
Para além dos vícios previstos no já supra citado art. 410º n.º 2, outros existem, de efeito mais restrito, visto que inquinam unicamente a decisão recorrida, e que são também, actualmente, de conhecimento oficioso.
Trata-se das nulidades da sentença plasmadas no art. 379º, do Cód. Proc. Penal que preceitua o seguinte:
“1 – É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do art. 374º;
b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358º e 359º;
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que devia tomar conhecimento.
2 – As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo lícito ao tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do art. 414º.”
Por seu turno, o aludido art. 374º n.º 2, preceitua que: “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”
***
b-1) Da nulidade por insuficiência de fundamentação - art. 379º n.º 1 a), do Cód. Proc. Penal.
§1º Como decorre do já exposto, o art. 374º, do Cód. Proc. Penal, estabelece os requisitos da sentença criminal, impondo que a mesma contenha um relatório, seguido de fundamentação e finalizando com o dispositivo, sendo que a inobservância da obrigação de fundamentação, em qualquer das vertentes aí explanadas, é cominada com a nulidade.
É pacificamente aceite que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são necessariamente fundamentadas, por imperativo constitucional decorrente da previsão do art. 205º n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
E, de harmonia com o disposto no art. 97º n.ºs 1 e 5, do Cód. Proc. Penal, os despachos e sentenças do juízes constituem actos decisórios necessariamente fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito que os sustentam.
A motivação tem em vista o controlo crítico da lógica (por via de recurso) e transparência da decisão.
O recorrente invoca a nulidade da decisão recorrida, além do mais, por insuficiência de fundamentação da medida da pena concretamente fixada ao crime de violência doméstica, percebendo-se da motivação do recurso (já que a moldura do quadro sumariado, nesse preciso segmento, é perfeitamente hermética), que tal censura assenta no facto do tribunal a quo apenas ter ponderado as circunstâncias que lhe eram desfavoráveis, ignorando as que o favoreciam. A ser assim, estaremos perante uma falha na exposição dos motivos de direito com consequências directas na questão da determinação da sanção.
Pois bem.
Na lição do Professor Figueiredo Dias, o modelo de determinação da medida da pena que melhor combina os critérios da culpa e da prevenção é «aquele que comete à culpa a função (única, mas nem por isso decisiva) de determinar o limite máximo inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma “moldura de prevenção”, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos – dentro do que é consentido pela culpa – e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida “moldura de prevenção”, que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente.»
Em consonância com estes princípios estatui o art. 71º n.º 1, do Cód. Penal, que:
«1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3 – Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.»
Assim, a determinação da medida concreta da pena, dentro da moldura abstracta prevista na lei, deve fazer-se atendendo ao grau de culpa documentado nos factos e às exigências de prevenção geral e especial que, no caso, se mostrem relevantes, tomando em linha de conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, deponham a favor ou contra o arguido.
Quanto à pena adequada à culpabilidade, isto é, consonante com a culpa revelada, certo é dever corresponder à sanção que o agente do crime merece, ou seja, deve corresponder à gravidade do crime. Só assim se consegue a finalidade político-social de restabelecimento da paz jurídica perturbada pelo crime e o fortalecimento da consciência jurídica da comunidade.
Há que ter em atenção, porém, que aquilo que é “merecido” não é algo preciso, resultante de uma concepção metafísica da culpabilidade, mas sim o resultado de um processo psicológico valorativo mutável, de uma valoração da comunidade que não pode determinar-se com uma certeza absoluta, mas antes a partir da realidade empírica e dentro de uma certa margem de liberdade, tendo em vista que a pena adequada à culpa não tem sentido em si mesma, mas sim como instrumento ao serviço de um fim político-social, pelo que a pena adequada à culpa é aquela que seja aceite pela comunidade como justa, contribuindo assim para a estabilização da consciência jurídica geral. Isto é, ao sentido pedagógico e ressocializador das penas acresce a finalidade de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime, sem que possa ser excedida a medida da culpa.[11]
In casu, o tribunal a quo fundamentou a medida da pena aplicada nos seguintes moldes:
“Comecemos pela medida da pena a aplicar ao crime de violência doméstica.
A determinação da medida concreta da pena faz-se em função da culpa do arguido, determinando esta o limite máximo e inultrapassável da pena, das exigências de prevenção geral, com vista a obter uma pena que tutele os bens jurídicos em causa dentro do que é consentido pela culpa, de modo a restabelecer o sentimento de segurança e a conter a criminalidade, e das exigências de reprovação especial de modo a atingir as necessidades de socialização e reintegração do agente.
Daqui resulta que a determinação da pena será feita em função das categorias da prevenção e da culpa, sendo a culpa uma censura dirigida ao agente em virtude da atitude de desvalor relativamente a certo facto, indicando sempre o limite máximo da pena. Por sua vez, o limite mínimo decorrerá de considerações ligadas à necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto.
Assim decorre do art. 40º já acima citado, que a medida da pena, em primeiro lugar, é fornecida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral (moldura de prevenção), no dizer da Prof. Anabela Rodrigues (in “O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena”, RDCC 12-2, Abril/Jun de 2002).
Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização e integração do agente ou das necessidades de intimidação e de segurança individuais.
Há assim que sopesar as circunstâncias agravantes e atenuantes.
Ter-se-á em conta, designadamente, o modo de actuação do arguido revelador de um elevadíssimo grau de ilicitude, perdurando as suas actuações ao longo de mais de 15 anos, evidenciando o arguido total indiferença face às consequências nefastas do crime para a saúde física e psíquica da assistente, bem como a intensidade do dolo que é directo.
Mais se terá em conta as prementes exigências de prevenção geral que se fazem sentir neste tipo de crime, dada a frequência com que ocorre e as consequências tão negativas no seio familiar para a saúde física e psíquica do lesado, atingindo, por vezes, a própria vida.
Igualmente serão consideradas as elevadíssimas exigências de prevenção especial, evidenciadas na personalidade revelada pelo arguido, marcada pela ausência de autocrítica, de empatia, de remorso, de arrependimento ou interiorização do mal do crime. Com efeito, o arguido apesar de nas suas declarações afirmar que desde que foi detido repensou a sua situação e quer alterar o seu modo de actuação, de que se envergonha, revelou nessas mesmas declarações exactamente o contrário dessas afirmações. De facto, o arguido ainda hoje não demonstra reconhecer a ilicitude da sua actuação, não demonstra reconhecer a sua culpa, nem a gravidade dos factos por si praticados ao longo de todos estes anos, nem as consequências que para a assistente resultaram desta sua actuação, pois que nas suas declarações tentou convencer o Tribunal que a sua actuação resultava da vontade da própria ofendida, que assim queria que ele agisse, não reconhecendo que lhe tenha provocado qualquer mal (muito pelo contrário, entende que sempre lhe deu tudo que ela quis). Ora, tal atitude do arguido é manifestamente reveladora das elevadíssimas exigências de prevenção especial, convencendo o Tribunal de que, caso tivesse nova oportunidade, voltaria a agir exactamente da mesma forma.
Acresce que em julgamento o arguido não revelou qualquer arrependimento, apesar de se dizer arrependido. Com efeito "Há arrependimento relevante quando o arguido mostre ter feito reflexão positiva sobre os factos ilícitos cometidos e propósito firme de, no futuro, inflectir na sua conduta anti-social, de modo a poder concluir-se pela probabilidade séria de não recair no crime. O arrependimento é um acto interior revelador de uma personalidade que rejeita o mal praticado e que permite um juízo de confiança no comportamento futuro do agente por forma a que, se vierem a deparar-se-lhe situações idênticas, não voltará a delinquir. Revela uma reinserção social, consumada ou prestes a consumar-se, pelo que as exigências de prevenção, na determinação da medida judicial da pena, são de diminuta relevância" (cfr. Ac STJ de 21-06-2007, proc.° 07P2042, Relator: Cons. SIMAS SANTOS, in www.dgsi.pt). Ora, como já acima se deixou dito, o arguido ainda hoje não aceita que tenha praticado qualquer mal, não demonstra reconhecer a ilicitude da sua actuação, nem a gravidade dos factos por si praticados ao longo de todos estes anos, nem as consequências que para a assistente resultaram desta sua actuação, pelo que manifestamente não está arrependido dos actos que praticou.
Verifica-se assim que, ao longo da sua vida de casal, o arguido desrespeitou gravemente a dignidade de pessoa da assistente, tornando-a o “objecto” eleito do exercício, por variadas formas, do seu domínio. Através da violência física e psicológica, o arguido sujeitou a assistente ao seu “poder” e controlo.
Na ponderação global dos factos predomina serem eles expressão de uma atitude do arguido de dominação, no âmbito familiar, imposta pela violência física e psicológica, exercida com constância ao longo de mais de quinze anos. Na prática do crime o arguido B… revelou o desrespeito e a indiferença pelos laços familiares e pela dignidade da pessoa da mulher, dando livre expressão às qualidades desvaliosas da sua personalidade, sem que, na relação conjugal encontrasse fundamentos para adoptar mecanismos inibitórios e de auto-controlo.
Manifesta-se, portanto, na prática do crime, uma verdadeira tendência criminosa do arguido, que demonstra, na prática dos factos, uma defeituosa compreensão de valores essenciais de convivência humana, no âmbito das relações conjugais.
Assim, ponderados os supra citados elementos de ilicitude e de culpa e exigências de prevenção e reprovação do crime, a fixação da pena acima do seu limite médio, parece-nos ser a única forma capaz de acautelar as exigências de tutela dos bens jurídicos em causa dentro do que é consentido pela culpa, donde, temos que a pena de 4 anos e 3 meses de prisão se mostra justa e equilibrada.”
É consabido e pacificamente aceite que sendo respeitados os módulos de escolha da pena constantes do já citado art. 71º, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, o que determina que a ingerência do tribunal ad quem no controlo da proporcionalidade da pena concretamente aplicada tenha que ser necessariamente comedida. No entanto, um dos campos de intervenção admissível é precisamente o da invocada falta de indicação de factores relevantes.[12]
E, atentando nos fundamentos em que se louvou o tribunal recorrido há que dar razão ao recorrente uma vez que, aludindo à necessidade de “sopesar as circunstâncias agravantes e atenuantes”, se limitou a discorrer sobre a gravidade da conduta, intensidade da ilicitude e da culpa, bem como sobre as exigências de prevenção geral e especial, olvidando completamente a referência às condições pessoais e económicas do arguido - designadamente o facto de já se encontrar divorciado da ofendida tendo cessado a génese desta conduta delituosa -, omitindo a ausência de antecedentes criminais e a circunstância do mesmo ser imputável mas padecer de um desvio de personalidade (perturbação narcísica) e de parafilias (sadismo, voyeurismo) que interferem necessariamente na análise de alguns dos comportamentos integradores do crime de violência doméstica e que poderão (ou não, o tribunal o dirá) reflectir-se na medida da pena.
***
§ 2º Invocou ainda o recorrente a insuficiência da fundamentação relativamente à subsunção jurídica da conduta integradora dos crimes de detenção ilegal de arma, porquanto a decisão recorrida “não identifica em relação a que armas entende estar preenchido o tipo legal” nem especifica os fundamentos da imputação de uma pluralidade criminosa a esse título, sendo, pois, incontrolável.
Recordemos o que ficou exarado na decisão recorrida a tal propósito:
“Passemos aos crimes de detenção ilegal de arma
Os arguidos foram pronunciados:
- O arguido B… pela prática de um crime de detenção ilegal de arma, p. p. pelo art. 86º nº 1 al. c) da Lei nº 5/2006 de 23-02, na redacção introduzida pela Lei nº 17/2009 de 16-05; e de um crime de detenção ilegal de arma, p. p. pelo art. 86º nº 1 al. d) da Lei nº 5/2006 de 23-02, na redacção introduzida pela Lei nº 17/2009 de 16-05.
(…)
Dispõe o referido art. 86º nº 1 als. c) e d) da Lei nº 5/2006 de 23-02, na redacção introduzida pela Lei nº 17/2009 de 16-05, o seguinte:
“1 - Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, transferir, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação, transferência ou exportação, usar ou trouxer consigo:
a) …;
b) …;
c) Arma das classes B, B1, C e D, espingarda ou carabina facilmente desmontável em componentes de reduzida dimensão com vista à sua dissimulação, espingarda não modificada de cano de alma lisa inferior a 46 cm, arma de fogo dissimulada sob a forma de outro objecto, ou arma de fogo transformada ou modificada, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias;
d) Arma da classe E, arma branca dissimulada sob a forma de outro objecto, faca de abertura automática, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, estrela de lançar, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do n.º 7 artigo 3.º, armas lançadoras de gases, bastão, bastão extensível, bastão eléctrico, armas eléctricas não constantes da alínea b) do n.º 7 do artigo 3.º, quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, silenciador, partes essenciais da arma de fogo, munições, bem como munições com os respectivos projécteis expansivos, perfurantes, explosivos ou incendiários, é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias.
….”
Da factualidade apurada em julgamento, dúvidas não restam de que o arguido B… ao deter as armas e munições em causa, que vieram a ser apreendidas, conhecendo as suas características, sem possuir licença que o autorizasse a tal, agindo livre, voluntária e conscientemente, e sabendo detê-las fora das condições legais, preencheu todos os elementos – objectivos e subjectivos – dos crimes de detenção ilegal de arma proibida por que vinha pronunciado.
(…).
Os crimes cometidos pelo arguido B… encontram-se em situação de concurso efectivo nos termos do artigo 30º do Código Penal.”
Confrontando o exposto com a matéria fáctica dada como provada nos pontos 15, 16 – 1º a 17º -, 17, 18º - 1º e 2º -, 22 – 1º a 3º - 24, 26, 27 e 28, onde se faz a descrição de uma grande panóplia de armas de várias espécies, munições e acessórios, não é realmente possível descortinar exactamente a que “armas” se reporta cada uma das incriminações dada por assente,[13] nem sequer se vislumbra a razão do número de crimes imputados [porquê 2 e não 1, 5 ou 20? Que resoluções criminosas se perfilam? Que concreto acto integra cada comportamento? A diferente natureza das armas justifica a pluralidade de infracções?] sendo também impenetrável, porque meramente conclusiva, a referência a que as condutas se encontram em situação de concurso efectivo.
Assiste, pois, também aqui razão ao recorrente, ocorrendo nulidade por falta de fundamentação neste segmento da decisão recorrida.
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§ 3º O recorrente invocou também a insuficiência de fundamentação da pena única de 6 anos e 9 meses de prisão fixada no âmbito do cúmulo jurídico realizado na decisão recorrida.
A este propósito ficou exarado na decisão recorrida o seguinte:
“Cabe proceder à realização do cúmulo jurídico das penas de prisão, ao abrigo do disposto no artigo 77º.
A moldura da pena do cúmulo é, em obediência ao estipulado no citado artigo 77º, de 4 anos e 3 meses de prisão a 9 anos e 5 meses de prisão.
Considerando o conjunto dos factos, já acima relatados e que aqui nos escusamos de repetir, concluímos que os mesmos indiciam uma personalidade do arguido muito distante da pressuposta pela ordem jurídica, razão pela qual se afigura adequada a pena única de 6 anos e 9 meses de prisão.”
Aludindo ao requisito objectivo - moldura abstracta dos limites mínimos e máximos – de fixação da pena unitária e refugiando-se na fórmula legal do “conjunto dos factos”, limita-se depois o tribunal a ditar a pena.
Neste segmento decisório constitui jurisprudência pacífica dos Tribunais Superiores a afirmação do dever de especial fundamentação da medida da pena do concurso, embora sem necessidade de atingir a dimensão imposta pelo art. 71º, do Cód. Penal, relativamente à determinação das penas parcelares, pois que só assim será possível assegurar todas as garantias de defesa ao condenado, designadamente o direito de recurso, permitindo ao tribunal ad quem verificar se foi devidamente ponderada a gravidade do ilícito global perpetrado e a personalidade neles manifestada.
Ou seja e reproduzindo as palavras certeiras que lemos no parecer do Ex.mo PGA, «os factos singulares, não sendo reapreciados enquanto tal, deverão ser avaliados como parte de um conjunto, de uma globalidade, essa necessariamente sujeita a um novo julgamento “destinado a habilitar o tribunal a produzir um juízo autónomo relativamente aos produzidos nos julgamentos dos crimes singulares”[14] …».
Cremos, pois, que também aqui emerge a invocada insuficiência de fundamentação.
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b-2) Da nulidade por omissão de pronúncia - art. 379º n.º 1 c), do Cód. Proc. Penal.
O recorrente, para além da alegação simultânea deste vício com o de insuficiência de fundamentação, relativamente às questões da subsunção jurídica do crime de detenção ilegal de arma e determinação da medida das penas que lhe foram aplicadas e consequentemente já prejudicada pela apreciação supra, invocou-o ainda a propósito da falta de apreciação da não aplicabilidade da pena pecuniária ao referido crime.
A omissão de pronúncia pode ser definida como a “ausência de posição ou de decisão do tribunal em caso ou sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa sobre questões que lhe sejam submetidas: as questões que o juiz deve apreciar são todas aquelas que os sujeitos processuais interessados submetam à apreciação do tribunal (art. 660.º, n.º 2, do CPC), e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual”.[15]
É certo que o legislador previu para os crimes de detenção de arma proibida tipificados no art. 86º n.º 1 c) e d), da Lei n.º 5/2006, de 23/2, a aplicação, em alternativa, de pena de prisão ou multa, e que o arguido foi condenado em pena de prisão efectiva pelos que foram considerados verificados.
De igual modo, é também inegável que, a propósito do critério para escolha da pena, preceitua o art. 70º do Cód. Penal, que: “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
Em consequência, dúvidas não há sobre a necessidade do tribunal a quo fundamentar a preferência pela pena privativa da liberdade relativamente a tais ilícitos.
E, pese embora o diverso entendimento do arguido, o certo é que o fez, nos seguintes termos:
“Vejamos agora os crimes de detenção ilegal de armas.
No que a estes crimes diz respeito, diremos desde logo que se não afigura de modo algum adequada a opção por pena de multa, dadas as quantidades e variedades de armas e munições apreendidas ao arguido, a sua personalidade violenta, bem como as elevadas exigências de prevenção geral e especial reclamadas pela situação dos autos, pelo que ao abrigo do disposto pelo artigo 70º se optará pela pena de prisão.”
Poderá ou não discordar-se da opção do tribunal. Todavia, é inegável que a questão da escolha da pena privativa de liberdade em detrimento da pena pecuniária foi apreciada e a falta de conformação com a argumentação expendida não é susceptível de enformar qualquer nulidade da decisão (seja ela por omissão de pronúncia ou insuficiência de fundamentação).
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4.3 Síntese
Perante o exposto, facilmente se conclui que, devendo considerar-se definitivamente assente a matéria de facto por inexistência de erros de julgamento ou vícios do art. 410º, do Cód. Proc. Penal, e bem assim a subsunção de parte dessa factualidade ao crime de violência doméstica, previsto e punível pelo art. 152º n.ºs 1 a) e 2, do Cód. Penal, a decisão recorrida se mostra inquinada de nulidade decorrente de insuficiência de fundamentação no que concerne à qualificação/subsunção jurídica dos restantes factos provados e à determinação das penas (parcelares e unitária), a qual deverá ser devidamente esclarecida e corrigida, com possibilidade de reabertura da audiência de julgamento para produção de prova suplementar para determinação da medida da sanção, se necessário for, de harmonia com o estatuído no art. 371º, do Cód. Proc. Penal, devendo igualmente ser reponderada e devidamente fundamentada a questão relativa à aplicação e medida da pena acessória e medida de segurança directamente relacionada com as invalidades detectadas e mandadas regularizar.
Nestes termos e perante o evidenciado, nada mais se impõe que declarar as apontadas nulidades, devendo a decisão ser reformada em conformidade com o exposto, ficando, assim, prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas pelo recorrente.
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III – DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação em negar provimento ao recurso interlocutório e conceder parcial provimento ao recurso do acórdão condenatório e, em consequência:
1 – JULGAR improcedente o recurso interlocutório mantendo nos precisos termos o despacho recorrido;
2 – MANTER inalterável a matéria de facto dada como provada no acórdão condenatório;
3 – MANTER a subsunção jurídica de parte desses factos ao crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º n.ºs 1 a) e 2, do Cód. Penal;
4 – ANULAR PARCIALMENTE, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 379º n.º 1 a) e 374º n.º 2, do Cód. Proc. Penal, o acórdão recorrido, nos segmentos supra especificados e relativos às questões qualificação/subsunção jurídica dos demais factos (detenção de arma proibida) e determinação da medida das penas parcelares concretamente aplicadas e da pena única resultante do respectivo cúmulo jurídico, que deve ser reformulado e expurgado dos vícios enunciados pelo mesmo colectivo, podendo, se necessário, ser reaberta a audiência para os efeitos previstos no art. 371º, do citado diploma legal.
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Sem tributação – art. 513º n.º 1, a contrario, do Cód. Proc. Penal.
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[Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º n.º 2, do CPP]

Porto, 11 de Julho de 2012
Maria Deolinda Gaudêncio Gomes Dionísio
António José Moreira Ramos
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[1] O arguido restante G… foi absolvido.
[2] Trata-se de crime de natureza semi-pública como decorre da previsão dos arts. 199º n.º 3 e 198º, do Cód. Penal.
[3] Germano Marques da Silva, in Forum Justitiae Maio/1999.
[4] Ponto I do sumário do Ac. do STJ de 20/11/2008, Proc. n.º 08P3269, disponível in dgsi.pt.
[5] Neste sentido, Enrico Altavilla, Psicologia Judiciária, II vol., pág. 12.
[6] V., a propósito, Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, pág. 215.
[7] Cf. Ac. STJ de 24/3/1999, CJ-STJ, Tomo I, pág. 247.
[8] Cf. Ac. do STJ de 5/12/2007, Processo n.º 07P3406, disponível in dgsi.pt.
[9] V., a este propósito, Ac. do STJ de 26/11/2008, Processo n.º 08P3372/relator Santos Cabral, disponível em dgsi.pt.jstj, Simas Santos/Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 7ª Ed., págs. 75/76, e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, pág. 340.
[10] Cfr. Leal-Henriques e Simas Santos no Código de Processo Penal Anotado, vol. II, 2ª edição, pág. 740, em anotação ao artigo 410º.
[11] V., entre outros, Acs. STJ de 10/4/96 e 20/5/98, CJSTJ 1996 e 1998, Tomo 2, pág. 168 e 205, respectivamente.
[12] Neste sentido Acs. do STJ de 30-04-2008, processo n.º 4723/07 - 3ª; de 21-05-2008, processos n.ºs 414/08 e 1224/08, da 5ª secção e de 21-01-2009, processo n.º 2387/08-3ª, disponíveis in dgsi.pt.
[13] Aliás nem se percebe exactamente o que foi considerado proibido e porquê.
[14] Apud Ac. desta RP, de 3/3/2010, Proc. n.º 484/06.3PAMRG, in dgsi.pt.
[15] AC. STJ, de 20/12/2006, Proc. 06P3379, rel. Henriques Gaspar.