Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
122/19.4T8MLD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOAQUIM CORREIA GOMES
Descritores: DOCUMENTO ELETRÓNICO
SMS
VALOR PROBATÓRIO
ASSINATURA ELETRÓNICA CERTIFICADA
Nº do Documento: RP20200924122/19.4T8MLD.P1
Data do Acordão: 09/24/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - As mensagens curtas de texto, vulgarmente designadas como SMS, correspondem a um documento eletrónico, ou seja, a um “documento elaborado mediante processamento eletrónico de dados”, estando, por isso e enquanto prova documental, sujeitas ao Regime Jurídico dos Documentos Eletrónicos e de Assinatura (RJDEA) (Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 02/ago, sucessivamente alterado) bem como pelo Regulamento (UE) n.º 910/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de julho de 2014, relativo à identificação eletrónica e aos serviços de confiança para as transações eletrónicas no mercado interno.
II - O valor probatório dos documentos eletrónicos aos quais não seja aposta uma assinatura eletrónica qualificada certificada por entidade certificadora credenciada é apreciado nos termos gerais de direito, designadamente de acordo com as regras gerais da prova documental.
III - Sendo o SMS proveniente do telemóvel da parte, que se limitou a impugnar a autoria do correspondente texto, imputando-o a outrem, incumbe à mesma demonstrar que esse SMS não foi por si realizado, existindo, por isso, uma prova indiciária de ter sido essa parte a feitora desse texto.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso n.º 122/19.4T8MLD.P1 (ProvaDigital01)
Relator: Joaquim Correia Gomes:
Adjuntos: António Paulo Vasconcelos; Filipe Caroço
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto
I. RELATÓRIO
1. Neste processo n.º 122/19.4T8MLD.P1 do Juízo de Competência Genérica da Mealhada, da Comarca de Aveiro, em que são:

Recorrente/Ré (R): B…

Recorrido/Autor (A): C…

foi proferida sentença em 13/mar./2020, cuja parte dispositiva foi a seguinte:
A. Julgar a presente acção parcialmente procedente, e em consequência:
- declara-se a nulidade do contrato de mútuo celebrado entre o Autor C… e a Ré B…;
- condena-se a Ré B… a restituir a quantia de €20.000,00 (vinte mil euros) acrescida de juros à taxa legal em vigor desde a data da citação até efectivo e integral pagamento ao Autor;
- absolve-se a Ré B… do demais peticionado.
B. Julgar verificada a litigância de má-fé da Ré B…, e consequentemente:
- condenar a Ré B… no pagamento de uma multa que se fixa em 4 Ucs; e
- condenar a Ré B… no pagamento ao Autor C… de uma indemnização no valor de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros) ao Autor.
C. Julgar não verificada a litigância de má-fé do Autor C…, e em consequência absolve-se o mesmo do pedido de condenação.
D. Condenar o Autor C… e a Ré B… no pagamento das custas processuais na proporção do respectivo decaimento.
1.1. O A. em 06/mai./2019 demandou a R. invocando que em 15/abr./2015 a pedido da segunda entregou-lhe a quantia de €20.000,00 em numerário, para a mesma obter uma licença de Praça de Táxis na localidade de …, em …, sendo essa quantia paga ao primeiro durante um ano após a data do empréstimo, em prestações mensais de valor variável, o que nunca chegou a ser realizado. Mais referiu que esse acordo foi apenas realizado verbalmente, tendo terminado com o seguinte pedido:
“a) Ser declarado nulo o contrato de empréstimo celebrado entre Autor e Ré;
b) Ser a Ré condenada a restituir ao Autor a quantia total que lhe foi emprestada pelo Autor, no montante de 20.000,00€ (vinte mil euros), acrescida de juros civis equivalentes aos juros de mora contados, à taxa legal em vigor para os juros civis e que, nesta data, perfazem o montante de 3.245,00€ (três mil e duzentos e quarenta e cinco euros) e nos juros vincendos, sempre calculados à taxa legal, até completa e integral restituição do montante em dívida;
c) Custas, taxa de justiça, demais despesas tabelares e Procuradoria a cargo da Ré;
d) No mais, conforme for de Direito.”
1.2. A R. contestou em 24/mai./2019 impugnando a versão do A., acrescentando que este nunca lhe entregou tal importância em dinheiro com a obrigação de restituir, mas que em virtude do seu então companheiro D…, filho do A., ter passado a viver com a primeira em … e mediante promessas do A. de que se os mesmos fossem residir para …, em … viria a adquirir e oferecer a cada um deles uma praça de Táxis. Tal veio a suceder em meados de 2015, tendo comprado duas pelo valor de €40.000,00, uma para a R. e outra para o filho do A.. Porém e na sequência de desavenças entre a R. e o filho do A., aquela com o filho de ambos ausentou-se de casa (…, …) e regressou a …, em …. Termina invocando que o A. litiga de má-fé, pugnando pela improcedência da ação e a sua absolvição, bem como pela condenação do A. como litigante de má-fé, em multa e indemnização.
1.3. O A. em 11/jun./2019 respondeu à mencionada litigância de má-fé e retorquindo pediu a condenação da R. como litigante de má-fé.
1.4. A R. em 13/jun./2019 opôs-se à sua condenação como litigante de má-fé.
2. A R. insurgiu-se contra a sentença, tendo em 12/jun./2020 interposto recurso da mesma, pugnando sua revogação, e apresentando as seguintes conclusões:
1ª. O Tribunal “a quo” dá como provados os factos 1, 2, 4, 9 e 12 sustentando-se nas declarações das testemunhas E…, F…, G… e H…, em conjugação com as mensagens alegadamente enviadas pela Ré a esta última testemunha, filha do Autor, tendo-se limitado a verificar o número de telemóvel e a identificação associada àquele número (colocada pela dona do dispositivo móvel).
2ª. Encontramo-nos perante documentos electrónicos (sms) que nem sequer vêm assinados, limitando-se a estarem associados a um número telefónico.
3ª. Posta em causa a sua genuinidade compete ao apresentante demonstrar a sua autenticidade, nos termos do artigo 374.º, nº 2, CC.
4ª. Confrontada com o teor de tais mensagens (via sms) alegadamente enviadas pela Ré,
do seu telemóvel para a filha do Autor H…, a Ré nega terem sido remetidas por si, explicando que à data do alegado envio vivia com o companheiro D…, o qual tinha total acesso ao seu telemóvel, utilizando-o diversas vezes, sendo que o seu telemóvel não era protegido por PIN.
5ª. Requerido à operadora I… para juntar aos presentes autos todas as mensagens
telefónicas recebidas pelo n.º de telemóvel ………, no dia 11-12-2018, a partir das 17:00 horas, bem como informar aos autos o titular do n.º de telemóvel ………, foi pela mesma informado (a 27/12/2019, referência citius 9627059) que já não dispunha nos seus sistemas dos registos das comunicações no período indicado no ofício.
6ª. Nas declarações de parte da Ré B… (as suas declarações encontram-se gravado no CD, das 09:42:12 a 10:09:06, na audiência de 12/12/2019, dos minutos 15.44 a 16.31 e dos minutos 24.59 a 26.29) a RÉ aceita expressamente que o número de telemóvel do qual foram enviadas as mensagens para a filha do Autor era seu e que era o número por si usado. O que ela contrapõe é que foi o seu à data companheiro D…, numa altura em que a relação já não ia bem, que poderá ter feito uma utilização abusiva de tal meio, de livre acesso visto a Ré não ter PIN no seu dispositivo móvel, tendo sido ele, que tinha livre acesso ao telemóvel daquela, quem enviou as mensagens para a sua irmã, fazendo-se passar pela Ré.
7ª. Por sua vez a testemunha H… limita-se a afirmar que recebeu as mensagens do número de telemóvel da Ré, sem poder, contudo, garantir que as mesmas foram remetidas por aquela, e não tendo sido efectuada qualquer outra prova nomeadamente que a Ré detinha o controlo exclusivo sobre o dispositivo que criou o documento.
8ª. A única coisa que o Tribunal “a quo” podia concluir é que houve mensagens trocadas
entre o número de telemóvel de H… e o número de telemóvel da Ré, com o teor ali constante, mas não quem foi o seu autor, extravasando os limites da livre apreciação da prova ao concluir como concluiu.
9ª. A própria testemunha D… na sua inquirição refere que tem perfeito conhecimento das mensagens e confirma que foram em Dezembro de 2018 quando as “coisas” entre o casal não andavam bem (o seu depoimento encontra-se gravado no CD, das 10:11:45 a 10:56:08, na audiência de 14/11/2019, dos minutos 21.44 a 22.48; dos minutos 23.39 a 26.54).
10ª. A tese defendida pela Autora – certamente queria dizer R –, segundo a qual os €20.000 não lhe foram emprestados mas sim doados é a que mais se coaduna com a versão decorrente da prova produzida em audiência de julgamento, através da qual podemos concluir, sem margem para dúvidas, que quem fez o negócio das praças de táxis (… e …) foi efectivamente o Autor,
11ª. O que é contrário à tese avançada pelo Autor na sua Petição Inicial segundo a qual emprestou em 15/04/2015 à Ré, a pedido expresso desta, a quantia de €20.000,00 em numerário para aquisição de uma licença de praça de táxis existente na localidade de …, concelho de ….
12ª. Ficou provado que foi o Autor quem regateou o preço com o vendedor F…, baixando o mesmo de €50.000,00 para €40.000,00; quem emitiu e entregou dois cheques, um primeiro de €10.000,00 em Abril de 2015 e um segundo de €5.000,00 em Junho de 2015 ambos à ordem de F…, sem que a Ré e o D… estivessem presentes e quem entregou a quantia de €25.000,00 em numerário aos vendedores F… e esposa.
13ª. Decorre do depoimento do filho do Autor, ex-companheiro da Ré, que o negócio das praças foi feito entre o Autor e os vendedores, razão pela qual a testemunha nem sequer sabia ao certo qual o montante entregue em numerário aos vendedores. Mais refere que foram assinados dois documentos pela Ré, um aquando da entrega em numerário do dinheiro aos vendedores (2015) e outro em Dezembro de 2018 e que não ficaram na posse do Autor, mas antes da testemunha. Segundo a testemunha tais documentos, que se encontravam alegadamente na posse dos “devedores” (o que é incompreensível e foge às regras de experiência comum), desapareceram (D…, dos minutos 28:38 a 33:17; 38:19 a 38:54 e 39:52 a 43:49).
14ª. No que se prende com os depoimentos dos vendedores F… (o seu depoimento encontra-se gravado no CD, das 11:44:07 a 11:56:12, na audiência de 14/11/2019, dos minutos 02:05 a 03:59, 06:22 a 06:42, 07.42 a 09.55) e G… (o seu depoimento encontra-se gravado no CD, das 11:56:58 a 12:05:37, na audiência de 14/11/2019, dos minutos 01.19 a 02.30, 06.32 a 07.31) confirmaram os mesmos que o negócio das duas praças de táxi foi realizado com o Autor, o qual regateou o preço e pagou as mesmas.
15ª. Portanto, contrariamente ao facto dado como não provado d), foi de facto o Autor quem comprou as praças.
16ª. A Ré B… (dos minutos 02.09 a 09.58; dos minutos 12.55 a 13.29; dos minutos 14.08 a 15.34; dos minutos 18.55 a 21.34) esclarece que o Autor ofereceu uma praça de táxis e um carro a cada um – a ela e ao D…, em 2015, para eles recomeçarem uma vida melhor na zona de …, o que levou a que deixassem os empregos e tudo o que tinham em …; refere que o então companheiro D… foi primeiro para … e só depois é que foi a Ré, não tendo qualquer dúvida que quem tratou do negócio das praças de táxi foi o Autor; só quando saiu de casa em Janeiro de 2019, terminando a relação com o D… é que o Autor reclamou um alegada dívida de €20.000,00, pelo que corresponde à verdade o facto dado como não provado e).
17ª. Refere ainda que só esteve uma vez com os vendedores das praças (o que é corroborado por aqueles que podemos verificar) e nessa altura o Autor entregou-lhe um valor em dinheiro, tendo sido aí que ficou a conhecer as viaturas e o valor das compras (€40.000,00).
18ª. Já no que respeita às declarações do Autor C… (encontram-se gravado no CD, das 10:09:16 a 10:54:17, na audiência de 12/12/2019, dos minutos 01.37 a 06.34, 08.25 a 09.50, 12.05 a 12.13, 29.54 a 31.27, 32.25 a 35.16) são marcadas por constantes contradições. Começa por referir que foi a Ré e o D… quem concretizou o negócio das praças de táxis e que foi o próprio D… quem falou com o vendedor para o Luxemburgo. Ora, esta versão é contrariada pela RÉ, pelo próprio D… e pelos vendedores como tivemos oportunidade de verificar.
19ª. Depois refere que sinalizou o negócio com um cheque de €10.000,00 e que foi a Ré e o D… quem o entregou aos vendedores, o que tem foi contrariado pelos vendedores.
20ª. Novamente contrariando o que já havia declarado, corrige dizendo que afinal passou um cheque de €5.000,00 e entregou aos vendedores, porque a Ré e o D… estavam a trabalhar em …. Tais declarações demonstram que o facto provado 4 encontra-se mal julgado, já que se refere que em Junho de 2015, o cheque de €5.000,00 foi entregue pelo Autor «na presença de D… e da Ré», o que não corresponde à verdade já que segundo o próprio Autor o ex-casal estaria a trabalhar em … nessa altura.
21ª. E, por último, admite que deu os €25.000,00 em numerário aos vendedores.
22ª. No que se prende com a forma de pagamento a testemunha D… refere que o combinado foi que ele e a Ré começavam a pagar ao Autor quando pudessem, sem prazos. Contudo, o Autor refere que o combinado foi o D… e a Ré darem um “x” por mês quando pudessem.
23ª. Os depoimentos são contraditórios no que se prende à forma de devolução do montante, uma vez que o que sempre esteve em causa foi uma liberalidade, não tendo nunca as partes acordado qualquer devolução.
24ª. Sempre foi convicção daquele D… e da Ré que se tratava de uma doação, o que sempre disseram a todos que os rodeavam, como decorre dos depoimentos das testemunhas J…, (encontra-se gravado no CD, das 14:07:36 a 14:22:45, na audiência de 14/11/2019, dos minutos 04.08 a 05.25; 07.50 a 08.56); D… encontra-se gravado no CD, das 14:23:27 a 14:43:27, na audiência de 14/11/2019, dos minutos 02.35 a 04.38); K… (encontra-se gravado no CD, das 14:44:05 a 15:04:20, na audiência de 14/11/2019, dos minutos 04.11 a 07.14; 08.00 a 08.21; 09.03 a 09.57); L… (encontra-se gravado no CD, das 15:04:54 a 15:14:09, na audiência de 14/11/2019, dos minutos 02.40 a 06.34);
M… (encontra-se gravado no CD, das 15:15:01 a 15:21:41, na audiência de 14/11/2019, dos minutos 02.06 a 02.35; 03.05 a 03.12; 03.43 a 03.48; 04.14 a 04.46).
25ª. Pela prova produzida deveria ter sido dado como provado que foi o Autor quem realizou os negócios de aquisição das praças de táxis, tendo doado as mesmas ao seu filho e à sua companheira (uma a cada um) para que os mesmos pudessem ter uma vida melhor; que o D… e a Ré só estiveram presentes aquando do último pagamento em numerário, sendo que em todos os demais contactos entre o Autor e os vendedores F… e G… aquele D… e a Ré não participaram ou sequer deram o seu acordo.
26ª. O Tribunal “a quo” erra ao julgar como provado no facto 4 que o segundo pagamento foi efectuado na presença do D… e da Ré quando nenhuma testemunha afirma isso, nem o próprio Autor (refere que eles estavam a trabalhar em …). Erra ainda ao não retirar as ilações devidas do facto daquele D… e da Ré só terem estado presentes no último pagamento, nem sabendo quanto é que foi pago de cada vez, o que demonstra claramente que não tiveram qualquer controlo sobre o negócio.
27ª. Pela audição da prova gravada, em confronto com as regras de experiência comum, é possível concluir que, nos termos da al. c), do n.º 1, do art. 640.º do CPC, a decisão que deverá ser proferida sobre os factos provados 1, 2, 4, 9, 12 e factos não provados d); e) é a seguinte:
«Factos provados:
d) O Autor comprou duas praças de táxis por €40.000,00 (quarenta mil euros), a praça de táxis do … que ofereceu ao filho D… e a praça de táxis de … que ofereceu à Ré.
e) A partir de 22 de Janeiro de 2019, o Autor solicitou à Ré, pela primeira vez, a liquidação da dívida pela aquisição da praça de táxis, bem sabendo que a mesma tinha sido por si oferecido à Ré.
Factos não provados:
3. O Autor declarou ceder ao filho D… e à Ré, à data companheira do filho, as quantias de €20.000,00 (vinte mil euros) a cada um, que se destinavam à aquisição de uma praça de táxis para cada um, de modo a iniciarem uma actividade profissional por conta própria.
4. Ficou acordado, entre Autor e o filho D… e a Ré que estes pagariam o referido valor de €20.000,00 (vinte mil euros), cada um, ao Autor, entregando prestações pecuniárias mensais, consoante as suas possibilidades e com o fruto do trabalho que iriam exercer nas praças de táxis.
5. Por acordo entre o Autor e a Ré e o D…, as quantias mencionadas em 1. e 2. foram entregues directamente pelo Autor a F… e a G…, do seguinte modo: · em Abril de 2015, por cheque, o montante de €10.000,00 (dez mil euros); · em Junho de 2015, por cheque, o montante de €5.000,00 (cinco mil euros), na presença de D… e da Ré; e· na reunião descrita e na presença nas pessoas mencionadas em 3., em numerário, o montante de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros).
9. O Autor ia solicitando ao filho D… e à Ré para que começassem a pagar o dinheiro descrito em 1. e 2.
12. A Ré sabia do mencionado em 1.e 6., ou seja, que a quantia que o Autor entregou a F…, assim o foi por seu acordo e era-lhe cedida para financiar a aquisição da praça e da viatura, sendo que sabia também que se havia comprometido a devolver igual quantia em prestações mensais, consoante as suas possibilidades, não se tratando de qualquer oferta.»
28ª. Autor e Ré imputaram à contraparte e reciprocamente a litigância de má-fé. Não obstante se tenha considerado como não provada em parte a factualidade inerente ao diverso enquadramento jurídico da pretensão do Autor, a verdade é que esta última também não resultou totalmente demonstrada.
29ª. Ambas as partes alegaram, assim, factos não totalmente coincidentes com a realidade que se veio a apurar em audiência de julgamento.
30ª. Isto não significa que tenham alterado a verdade dos factos, uma vez que o dolo ou a negligência grave pressuposta no instituto da litigância de má-fé, pressupõe mais do que a simples improcedência da acção/contestação, exigindo uma lide temerária, o que, no caso em apreço, não vemos que tenha existido por parte de ambos.
31ª. Não estamos aqui perante um caso típico de duas posições extremadas, mas sim a convicção que cada parte ficou relativamente à natureza do negócio: o Autor defende que se está perante um empréstimo, a Ré tem a convicção de que se tratou de uma doação.
32ª. Actuaria a Ré como litigante de má-fé, se no articulado da contestação tivesse alegado uma realidade que se provasse inexistir e cuja inexistência forçosamente conhecia, o que significa que havia alterado a verdade dos factos a fim de deduzir intencionalmente, portanto, com dolo, oposição, cuja falta de fundamento não podia deixar de conhecer.
33ª. Contudo, e tal decorre do depoimento da mesma, aquilo que a Ré alegou na contestação foi a convicção com que sempre ficou, e que sempre transmitiu a todos quanto a rodeavam.
34ª. Contrariamente ao que foi alegado pelo Autor na sua petição inicial, ficou provado que foi o mesmo quem entrou em contacto com os vendedores, negociou e pagou as praças de táxis, não se tendo limitado a dar o dinheiro ao seu filho D… e à Ré para que os mesmos celebrassem o negócio.
35ª. Acresce que ficou provado que todo o negócio foi conduzido pelo Autor, que efectuou os dois pagamentos sem sequer o ex-casal estar presente. Ou seja, estes não tiveram qualquer controlo sobre o negócio, o que reforça a convicção da Ré de que se tratou de uma doação e não de qualquer empréstimo.
36ª. Mesmo que o Tribunal “a quo” se convencesse (erradamente) com a tese avançada pelo Autor, tal não significa que devesse condenar a Ré em litigância de má-fé, já que ambas as partes vieram alegar factos não totalmente coincidentes com a realidade que se veio a apurar em audiência de julgamento.
37ª. Nestes termos, violou a sentença recorrida o disposto no artigo 542.º do CPC.
3. O A. respondeu ao recurso em 12/jun./2020, sustentando a sua improcedência, apresentando as seguintes conclusões:
1ª - O Tribunal Recorrido deu como provados os factos 1 a 4, 9 e 12, alicerçando a sua motivação de facto” essencialmente, por consideração das declarações das testemunhas E…, F…, G…, H… em conjugação com as mensagens enviadas pela Recorrente, à testemunha H…, filha do aqui Recorrido,
2ª - Os teores de tais mensagens constam do documento nº 4 da petição inicial, junto a fls. 15, e cuja veracidade foi atestada em diligência probatória expendida em sede de audiência e julgamento através da observação e consulta do telemóvel da referida testemunha, mediante consentimento da mesma para tal, e no âmbito da qual foram visualizadas as mensagens constantes de fls. 15 e 112 a 115;
3ª - O Tribunal “a quo” observou as mensagens enviadas e recebidas e carregando na opção “informação” relativa ao remetente da mensagem, constava o número de telemóvel ………, quer como sendo número de casa, quer como sendo número de telemóvel com identificação “B…” – visível a documento nº 111 – tudo conforme capturas de ecrã que foram sendo retiradas e impressas aquando da visualização, com a presença e concordância das Ilustres Mandatárias;
4ª - Nas suas Alegações de Recurso a Apelante diz, reafirmando, que o número de telemóvel do qual foram enviadas as mensagens para testemunha H… era seu e que era o número por si usado. Contudo,
5ª -Contrapõe que foi o seu, à data companheiro, D…, numa altura em que a relação já não ia bem, que poderá ter feito uma utilização abusiva de tal meio, de livre acesso visto a Apelante não ter pin no seu dispositivo móvel, tendo sido ele, que tinha livre acesso ao telemóvel da Apelante, quem enviou as mensagens para a irmã (testemunha H…) fazendo-se passar pela Apelante,
6ª - Porém, a testemunha D…, em audiência de julgamento, confrontado com o documento de fls 15 dos Autos, documento nº 4 junto à p.i., afirmou peremptoriamente que o teor da mensagem (sms) nele transcrito foi enviado pela Apelante à sua irmã H…, nos Autos identificada como testemunha H…, porque esta lhe mostrou posteriormente (cfr. transcrição do depoimento de D… constante nas Alegações da Apelante).
7ª - Por sua vez, a testemunha H… na sua ouvida em sede de audiência e julgamento disse, peremptoriamente, que as mensagens cujo teor consta do documento de fls. 15 dos Autos
(documento nº 4, junto à p.i.) foram-lhe enviadas pela Ré/Apelante, autora de tais mensagens, numa troca de mensagens efectuada entre esta testemunha e a Ré/Apelante, ocorrida no dia 11/12/2018, pelas 17,33h e predispôs-se, imediatamente, a exibi-las ao Tribunal, o que foi aceite e consentido.
8ª - De facto, as referidas mensagens foram, todas elas, visualizadas em sessão de julgamento tendo sido delas tiradas um screenshot, foram impressas e juntas aos Autos (fls. 112 a 115).
9ª - No caso presente, as mensagens enviadas por telemóvel da Recorrente à testemunha H… têm, sem dúvida alguma, um enquadramento factual que, como meio probatório conjugadas com os depoimentos prestados em sede de julgamento por outras testemunhas, merecem ser tidas em conta. Desde logo porque,
10ª- Resulta dos costumes, da experiência comum e do conhecimento geral que as mensagens enviadas por telemóvel, vulgarmente denominadas sms, não são assinadas por quem as escreve
e envia.
11ª- Os ditos sms são trocados entre pessoas chegadas, muito próximas e até com alguma ou muita intimidade, identificando-se apenas pelo número do telemóvel que os envia e recebe, não sendo normalmente assinadas,
12ª - Da análise do conteúdo das referidas mensagens constantes a fls. 15 (documento nº 4 junto à petição inicial), 112 a 115, dos Autos, conclui-se sem dificuldade e sem qualquer margem para dúvidas que foram trocadas entre a Apelante e a testemunha H… (filha do Apelado);
13ª - Do teor dos seus conteúdos só se pode concluir que a Apelante reconhece perante a referida testemunha H… que deve ao Apelado a quantia que este despendeu na compra da praça de táxis que a Apelante explora.
14º - De facto, da leitura das mensagens trocadas entre a testemunha H… e a Ré, denota-se que a conversa começa e flui muito naturalmente com referência à festa do filho do casal, pequeno N…, no momento em que a Ré solicita à testemunha que traga algo para a sobremesa e em seguida diz ”isto se ficar cá” indiciando que o conflito entre o casal ainda existia e a testemunha H… responde Então mas não iam fazer as pazes? Retorquindo a Ré “Teu irmão quer que assine um papel por causa da praça” e a testemunha questiona E não é o correcto?, respondendo a Ré “Eu sei moralmente não preciso assinar nada sei devo teu pai lhe tenho de pagar seja acontecer”, respondendo a testemunha Exactamente. Vocês ainda tem de pagar o resto das praças. Mas deves compreender que o meu pai fica mais descansado se assinares, prosseguindo a Ré que “Sei não consegue passar para meu lado para me entender. Os sentimentos não tem ver monetário”
15ª - O valor probatório das mensagens escritas constantes de fls. 15 e 112 a 115” que a Apelante coloca em crise, é de salientar e trazer à colação a doutrina segundo a qual “as declarações escritas são verdadeiros documentos, embora apenas narrativos ou de cariz testemunhal” (Manuel Andrade, Noções elementares, nº 113), privando-os de força probatória plena, não deixando contudo “de ter relevância, pois constituem indício do facto respectivo” (Alberto dos Reis, Código anotado, 4º) a apreciar livremente pelo Tribunal (artigo 366º do Código Civil).
16ª- Como diz, a própria Apelante, nas suas Alegações, citando Luís Filipe Pires de Sousa que defende que “o juiz apreciará livremente se o suporte da informação satisfaz os requisitos cumulativos da fidedignidade, inteligibilidade e conservação, criando-se uma espécie de sistema de autenticação processual do documento assente na apreciação do juiz”. Deste modo,
17º - O Tribunal “a quo” deu como provados os factos 1 a 4, 9 e 12, alicerçando a sua motivação de facto “essencialmente, por consideração das declarações das testemunhas E…, F…, G…, H… em conjugação com as mensagens enviadas pela Ré, aqui Recorrente, à testemunha H…, filha do Autor.
18ª – Portanto, o Tribunal “a quo” valorou as mensagens enviadas pela Ré/Apelante com total e absoluta observação do disposto no artigo 607º do C.P.C., constituindo tais mensagens meios de prova plenamente admitidos pela Lei.
19ª- O negócio de compra e venda das praças de táxi das localidades de … e do …, foi feito entre F… e mulher G…, como vendedores e a Ré e seu ex-companheiro D…, como compradores;
20ª - Este negócio foi feito por iniciativa do D… e da Ré que, porque não tinha dinheiro para o efectuarem, contactaram o Autor para que os financiasse;
21ª – Achando boa ideia a compra das praças, tanto mais que o D… e a Ré estavam sem dinheiro e com uma situação económica muito débil, logo o Autor se prontificou a financiar tal
negócio para a Ré e companheiro D….
22ª- Para isso, o Autor prometeu ao D… e à Ré que, dentro das suas possibilidades, lhes emprestaria o dinheiro necessário para a operação negocial.
23ª- Assente que o aludido negócio era para avançar, o Autor, A PEDIDO DA Ré e do D…, telefonou para o F…, dono das referidas praças de táxi, encontrando-se este no Luxemburgo em visita a uma sua filha, perguntando-lhe se ainda estava disposto a vender as suas praças.
24ª - Tendo o F… respondido que sim, o Autor perguntou qual o preço que pretendia pela venda, tendo o F… respondido que pretendia 50.000,00€ (cinquenta mil euros), por ambas as praças.
25º - O Autor transmitiu a disponibilidade do F… para a venda das praças e o respectivo preço ao D… e à Ré, tendo este dito que 50.000,00€ era muito mas que davam 40.000,00€ pelas duas praças, 20.000,00€ por cada uma, preço que o Autor também achou aceitável.
26ª- O Autor transmitiu esta posição da Ré e do D… ao F…, que aceitou, juntamente com sua mulher a venda das duas praças pelo preço total de 40.000,00€ quarenta mil euros), 20.000,00€ (vinte mil euros para cada uma), tendo o Autor emitido a favor do F… um cheque de 10.000,00€ para garantir o negócio, funcionando tal verba como sinal e princípio de pagamento, que lhe entregou a 15/04/2015;
27ª- Volvido um mês, a 15/05/1015, o Autor emitiu novo cheque a favor do F…, no valor de 5.000,00€, cheque que lhe foi entregue pelo Autor que se deslocou à residência do F… juntamente com a Ré e o D…, para aquele efeito da entrega, reforçando assim, o sinal inicial que já havia prestado;
28ª - O Negócio entre F… e G…, como vendedores de duas praças de táxi, sita em … e no …, ambas as localidades do Concelho de …, e a Ré e D…, como compradores das mesmas praças, ficou concluído em Junho de 2015, em casa do casal FG…, na presença deste F… e de sua mulher, G…, do Autor, da Ré e do D…;
29ª - Nessa reunião, o Autor fez entrega ao F…, em numerário, da quantia de 25.000,00€ (vinte e cinco mil euros) correspondente ao restante preço acordado pela Ré, D… e F… e consequentemente,
30ª – O F… e G…, fazem entrega à Ré e ao D… das referidas praças de táxi, ficando a Ré, por escolha desta, com a praça de táxi de … e a viatura de matrícula .. - AO - .. de F… e a praça do … e respectiva viatura de G… ficado para o D….
31ª- Em tal reunião e finalização do negócio, foram assinados todos os documentos necessários às transmissões das respectivas praças de táxi, documentos que foram assinados pelo Ré, D…, F… e G…, tendo ainda sido assinado um documento entre Autor, Ré e D…, no qual a Ré e o D… declaravam terem recebido por empréstimo do Réu a quantia de 20.000,00 (vinte mil euros) cada um, que tal dinheiro se destinou à compra da praça de táxi de … e do …, comprometendo-se a pagar tal quantia ao autor em prestações mensais de montante indeterminado mas que seria de acordo com as possibilidades da Ré e do D….
32ª – Tudo como foi dito pelas testemunhas D…, no seu depoimento prestado em audiência de julgamento e que se encontrava gravado em CD, das 10:11:45 a 10:56:08, sessão de 14/11/2019, F… no seu depoimento prestado em audiência de julgamento, sessão de 14/11/2019, que se encontra gravado em CD das 11:44:07 a 11:56:12, G…, depoimento prestado em 14/11/2019, gravado em CD das 11:56:38 a 12:05:32, e ainda como resulta do Depoimento de parte do Autor, ouvido em audiência do Julgamento assim como a Ré por iniciativa própria do Tribunal, dadas as posições extremadas de ambos.
33ª – Assim, os factos dados como provados e descritos nos pontos 1 a 4 dos factos, foram correctamente decididos, segundo o princípio da livre apreciação da prova, artigo 607º do C.P.C., tendo a convicção do julgador que fundamenta tal decisão sobre a matéria probatória, sido lógica, objectivável, racional e formada de acordo com a experiência das coisas e respectiva natureza.
34ª – Sobre estes pontos, de todas as testemunhas que depuseram em tribunal, apenas a Ré no seu depoimento de parte, diz que não esteve presente na entrega do cheque de 5.000,00€ que o Autor fez ao F…, em 15/05/2015 e que o dinheiro utilizado na compra das praças de táxi e respectivas viaturas não foi emprestado pelo Autor, tendo-lhe sido dada pelo Autor por mera cortesia, a praça de táxi de …, assim como a respectiva viatura de matricula ..-AO-.., como valor conjunto de 20.000,00€ e que pertencia a F….
35ª-No mesmo sentido, o facto dado como não provado na alínea d), está correctamente julgado, decorrendo tal decisão dos depoimentos das referidas testemunhas e ainda, dos depoimentos das
testemunhas E… e H… e das mensagens constantes do telemóvel desta e que foram enviadas para esta pela Ré directamente, como já foi dito, resultando que o Autor não comprou duas praças por 40.000,00€, oferecendo-as posteriormente uma ao filho D… e a outra à Ré, respectivamente … e ….
36ª - De mais a mais, o depoimento das testemunhas F… e G… e atribuem credibilidade ao depoimento do Autor e da testemunha D… na parte em que descrevem que no dia do negócio e na reunião entre todos, o Autor, O D… e a Ré assinaram um documento relativo ao empréstimo do valor de 20.000,00€ (vinte mil euros) a cada um deles…”
37ª - O Tribunal “a quo” deu todo o crédito aos depoimentos das testemunhas F… e G… que adiantaram ainda no seu depoimento que entre o Autor, a Ré e o D… foram assinados uns documentos que disse (o F…) serem deles e que não sabia o teor de tal documento, tendo o Autor dito no fim ao filho e à Ré B… “Meninos, agora há que trabalhar para me pagar”.
38ª- A testemunha G…, igualmente afirmou em audiência de julgamento, que enquanto o D… e a Ré assinavam os documentos da transmissão, comentou que ela e o marido faziam “bom
dinheiro, mas tínhamos de trabalhar”, tendo de seguida o Autor retorquido que “Prontos, vocês agora têm de trabalhar para me pagarem”.
39ª- Estas testemunhas mereceram inteira credibilidade do Tribunal “a quo”, porque foram espontâneas e directas nas suas respostas e demais considerações e, não sendo amigos nem conhecidos de nenhuma das partes, não têm qualquer interesse no litígio.
40ª- Igualmente os depoimentos das testemunhas H… e E… foram considerados muito sérios e totalmente credíveis pois que viveram toda a situação que decorre desta acção, tomando como experiência própria o facto da Testemunha E…, também taxista, e para a compra da qual o pai dela, aqui Autor, também emprestou dinheiro que a testemunha já pagou ao Autor através de prestações mensais de montante variável.
41ª - Do teor do conteúdo das mensagens enviadas pela Ré à testemunha H…, e que constam dos documentos de fls. 15, 112 a 115 do Autos dos seus conteúdos só se pode concluir que a Apelante reconhece perante a referida testemunha H… que deve ao Apelado a quantia que este despendeu na compra da praça de táxis que a Apelante explora.
42ª - De facto, como muito bem refere a Exma Juíza que proferiu a Douta Decisão de que se recorre “da leitura das mensagens trocadas entre a testemunha H… e a Ré, denota-se que a conversa começa e flui muito naturalmente com referência à festa do filho do casal, pequeno N…, no momento em que a Ré solicita à testemunha que traga algo para a sobremesa e em seguida diz isto se ficar cá indiciando que o conflito entre o casal ainda existia e a testemunha H… responde Então mas não iam fazer as pazes? Retorquindo a Ré Teu irmão quer que assine um papel por causa da praça e a testemunha questiona E não é o correcto?, respondendo a Ré
43ª –Tendo ainda a Ré acrescentado: Eu sei moralmente não preciso assinar nada sei devo teu pai lhe tenho de pagar seja acontecer, respondendo a testemunha Exactamente. Vocês ainda tem de pagar o resto das praças. Mas deves compreender que o meu pai fica mais descansado se assinares, prosseguindo a Ré que Sei não consegue passar para meu lado para me intender. Os sentimentos não tem ver monetário”
44ª- A testemunha H… não tem qualquer dúvida nem para tal deixa margem a contrario, que o Autor emprestou 20.000,00€ À Ré para a compra da praça, que a Ré ainda não pagou nada, apesar do seu pai, aqui Autor lhe pedir o pagamento por variadíssimas vezes.
45ª - A mesma testemunha afirmou ainda que o Autor fez o empréstimo à Ré e ao D…, então companheiro desta, para que eles tivessem a possibilidade de ter uma vida melhor com o seu próprio negócio, sendo que estes deviam devolver a mesma quantia ao Autor, como já havia sucedido com a irmã E…;
46ª- A testemunha E… foi espontânea, clara e autêntica dada a forma natural com que respondeu às perguntas que lhe foram colocadas sem qualquer discurso preparado ou sem qualquer afirmação firme desnutrida de convicção, demonstrando que não depôs em julgamento municiada de respostas preconcebidas ou instrumentalizadas.
47ª - Desta testemunha “contempla-se a autenticidade como reconheceu, que no processo deliberativo, que perpassou a família, quanto ao pai emprestar dinheiro à Ré e ao D…, então viverem em união de facto, para adquirirem as praças, quer na sua ideia, quer na da sua mãe, o pai, aqui Autor, não devia emprestar o dinheiro em crise nem à Ré nem ao irmão D…, frisando que o irmão não era melhor do que a Ré, pois que tanto um como outro nunca
pagaram e conseguia antever que era o que ia suceder;
48ª - A testemunha, que afirmou de modo peremptório que o pai, ora Autor, emprestou o dinheiro para a compra das praças à Ré e ao D…, contra a sua vontade, desabafava, dizendo, que nada podia fazer contra tal empréstimo porque o dinheiro era do Autor, realçando que o Autor, seu pai, sempre trabalhou toda a vida, havia dias em que ele não jantava com a família e que ele não seria honesto se estivesse neste tribunal a pedir aquilo que não era dele, Por outro lado,
49ª - O Tribunal “a quo” não deu qualquer credibilidade ao depoimento de parte prestado pela Ré, considerando-o um depoimento fechado em círculos, sem capacidade de pormenorizar, isento de espontaneidade, muito firmado na negação e de nada sabia, sem respostas muito concretas e mantendo uma postura tensa de quem se encontrava comprometida. Espelhou-se um desprendimento de tal postura apreensiva quando discorria sobre assuntos periféricos, mas sem relevância para o cerne da Acção, como por exemplo, na contextualização do início da relação com o D…, desprendimento esse que já não conseguia assumir quando se pretendia delinear o negócio realizado, É pouco normal que a Ré diga que não queria saber, confiava no D… e que era ele quem tratava de tudo e que sabia que o Autor lhe ia oferecer uma praça e uma viatura, mas que nem quis saber o valor das mesmas. Assim como,
50ª- Não dá credibilidade às testemunhas J…, K…, D…, L…, e M… todas elas testemunhas de ouvir dizer, sendo certo que só ouviram dizer da Ré e do D…, pessoa que é completamente descredibilizada pelas mesmas testemunhas e que nem sequer conheciam o Autor nem os vendedores das praças quando foi realizado o negócio.
51ª – Assim, resulta claro que foram a Ré e o D… que compraram as praças pelo valor de €20.000,00 (vinte mil euros), cada uma, sendo a de … e respectiva viatura para a Ré e a do … para o D…, compra essa que foi paga pelo Autor que deu de empréstimo a mesma quantia 20.000,00€ a cada um deles, assumindo estes perante o Autor o compromisso de pagar ao Autor tal empréstimo, mormente a Ré no caso concreto.
52ª – Assim, os factos de 1 a 4, 9 e 12 dos factos dados como provados devem ser mantidos tal como foram objecto de decisão da 1ª Instância, sem qualquer alteração, porque bem decididos;
53ª – Devendo ainda manter-se, pelo mesmo motivo, como não provados os factos descritos nas alíneas d) e e).
54ª – A Ré ao deduzir oposição na acção contra ela intentada pelo Autor, afirmando que o dinheiro que o Autor utilizou na compra da praça de táxi que ela detem, não foi emprestado pelo autor mas sim foi-lhe, por este oferecido, deturpa dolosamente a verdade dos factos, litigando assim com evidente má-fé, nos termos do artigo 542º, nº 2, al. a). Como tal,
53ª- Foi muita justamente pelo Tribunal “a quo” condenada como litigante de má-fé, devendo-se tal condenação ser sufragada e mantida.
4. Admitido o recurso, foi o mesmo remetido à Relação, onde foi autuado em 26/jun./2020, procedendo-se a exame preliminar e cumprindo-se os vistos legais.
5. O objeto deste recurso incide sobre o reexame da matéria de facto e as suas possíveis consequências (a) e a litigância de má fé (b)
*
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. A sentença recorrida
“1. Factos Provados
Com relevância para a boa decisão da causa, consideram-se provados, os seguintes factos:
1. O Autor declarou ceder ao filho D… e à Ré, à data companheira do filho, as quantias de €20.000,00 (vinte mil euros) a cada um, que se destinavam à aquisição de uma praça de táxis para cada um, de modo a iniciarem uma actividade profissional por conta própria.
2. Ficou acordado, entre o Autor e o filho D… e a Ré que estes pagariam o referido valor de €20.000,00 (vinte mil euros), cada um, ao Autor, entregando prestações pecuniárias mensais, consoante as suas possibilidades e com o fruto do trabalho que iriam exercer nas praças de táxis.
3. Numa reunião entre F…, G… e o Autor, D… e a Ré, o D… e a Ré escolheram e acordaram que a Ré ficaria com a praça de táxis de … e a viatura de matrícula .. – AO - .. de F… e que o D… ficaria com a praça de táxis … e a viatura de G…, pelo valor de €20.000,00 (vinte mil euros) cada uma, tratando de toda a documentação referente a tais transferências (vertidas infra a factos n.ºs 5 e 6).
4. Por acordo entre o Autor e a Ré e o D…, as quantias mencionadas em 1. e 2. foram entregues directamente pelo Autor a F… e a G…, do seguinte modo: em Abril de 2015, por cheque, o montante de €10.000,00 (dez mil euros); em Junho de 2015, por cheque, o montante de €5.000,00 (cinco mil euros), na presença de D… e da Ré; e na reunião descrita e na presença nas pessoas mencionadas em 3., em numerário, o montante de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros).
5. Da licença de táxi Município de … consta «AVERBAMENTOS Averbado do anterior titular F… Licença n.º .. Matrícula ..- AO - .. Titular B… Alvará n.º ……., Localidade … (…) Emitida em 02 de Julho de 2015». – documento de fls. 11 que aqui se dá por integralmente reproduzido.
6. A Ré possui o alvará n.º …… emitido pelo IMT para realizar transporte em táxi, válido de 09 de Julho de 2015 a 25 de Maio de 2020, donde consta o averbamento do veículo de matrícula .. - AO - ...
7. Após o descrito em 4. a Ré e D… começaram a gerir as suas praças.
8. Até hoje, a Ré não liquidou ao Autor qualquer valor referente à quantia mencionada em 1. e 2..
9. O Autor ia solicitando ao filho D… e à Ré para que começassem a pagar o dinheiro descrito em 1. e 2..
10. No dia 22 de Janeiro de 2019, o Autor, através da sua mandatária, enviou à Ré um email com o seguinte teor «venho comunicar v/Ex.ª, que fui contactada pelo meu cliente, Sr. C…, no sentido de diligenciar junto de V.ª Ex.ª, a liquidação da divida que tem para com o meu cliente. Em tempos, segundo me referiu, estava disposta a entregar a Praça e o veículo, pois o empréstimo que o meu cliente lhe fez, foi para adquirir a praça e o veículo. Assim, aguardo que no prazo de 3 dias, me dê notícias no sentido de saber como pretende liquidar a divida, se até ao final deste mês, ou se pretende mais alguns dias, máximo mais 15 dias, um mês total.».
11. A 24 de Janeiro de 2019, a Ré respondeu ao Autor aludindo que «No seguimento do v/ e-mail de 22 de Janeiro de 2019, sou a informar expressamente Vª. Exª. que não apresento qualquer dívida para com o v/ constituinte Sr. C…, daí só poder compreender o mesmo (v/ e-mail), por um manifesto lapso de escrita. É manifestamente falso que o v/ constituinte tenha, em qualquer altura, feito um empréstimo à minha pessoa».
12. A Ré sabia do mencionado em 1. a 6., ou seja, que a quantia que o Autor entregou a F…, assim o foi por seu acordo e era-lhe cedida para financiar a aquisição da praça e da viatura, sendo que sabia também que se havia comprometido a devolver igual quantia em prestações mensais, consoante as suas possibilidades, não se tratando de qualquer oferta.
2. Factos Não Provados
Com relevância para a boa decisão da causa, consideram-se não provados, os seguintes factos:
a) O aludido em 3. teve lugar no dia 15 de Abril de 2015, no lugar e freguesia da …, área do concelho e comarca da Mealhada e foi a pedido expresso da Ré.
b) O pagamento do valor da quantia mencionada em 1. e 2. tinha de ser efectuado no prazo de um ano.
c) A quantia aludida em 1. foi entregue em numerário à Ré e esta na sua posse praticou o descrito em 3..
d) O Autor comprou duas praças de táxis por €40.000,00 (quarenta mil euros), a praça de táxis do … que ofereceu ao filho D… e a praça de táxis de … que ofereceu à Ré.
e) A partir de 22 de Janeiro de 2019, o Autor solicitou à Ré, pela primeira vez, a liquidação da dívida pela aquisição da praça de táxis, bem sabendo que a mesma tinha sido por si oferecida à Ré.
Com especial relevância para a boa decisão da causa nada mais resultou provado e não
provado.
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3. Motivação de Facto
Encontram-se admitidos por acordo os factos n.ºs 5, 6, 7, 8, 10 e 11 da matéria factual assente como provada. Ademais, consideram-se corroborados por prova documental os factos n.ºs 5, 6,10 e 11.
Veja-se, pormenorizadamente cada um destes, conforme art. 607.º, n.º 4, segunda parte do CPC.
Os factos admitidos por acordo assim foram considerados atentas as posições manifestadas pelas partes nos seus articulados, da leitura dos quais se extrai que a fulcral divergência entre ambos diz respeito apenas quanto à intenção do Autor relativamente ao valor
dos €20.000,00 (vinte mil euros) adjudicados à compra da praça de táxis de … e viatura automóvel que passaram a ser propriedade da Ré, ao modo de entrega e por quem foi entregue aquele valor económico, sendo que na demais factualidade e ora mencionada, não foram apontadas divergências.
No que concerne aos factos n.ºs 5 e 6 relativos à descrição e inscrição da transmissão da praça de táxis e respectiva licença, bem como a titularidade e transmissão das mesmas, atestam-se por consulta da licença de táxi e alvará de licença emitido pelo Instituto de Mobilidade dos Transportes Terrestres, respectivamente, tendo sido juntos como documentos n.º 1 a 4 da petição inicial e constantes de fls. 11 a 14.
Por fim os factos n.ºs 10 e 11 assentam na correspondência trocada entre as partes e vertida a fls. 53 e 54, carreadas pela Ré como documentos n.ºs 4 e 5 da contestação.
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A convicção em que se alicerçou a decisão sobre a restante matéria de facto provada resultou do conjunto da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, devidamente concatenada com os documentos juntos aos autos, tudo apreciado livremente e de forma conjugada com as regras de experiência comum, em conformidade com o disposto no artigo 607.º do Código de Processo Civil.
Os factos n.º 1 a 4, 9 e 12 sedimentaram-se provados, essencialmente, por consideração das declarações das testemunhas E…, F…, G…, H… em conjugação com as mensagens enviadas pela Ré à testemunha H…, filha do Autor, constante de documento n.º 4 da petição inicial, junto a fls. 4, e cuja veracidade foi atestada em diligência probatória expendida em sede de audiência de discussão e julgamento através da observação e consulta do telemóvel da testemunha, mediante consentimento da mesma para tal, e no âmbito da qual foram visualizadas as mensagens constantes de fls. 15 e 112 a 115.
Concretizando, o Tribunal observou as mensagens enviadas e recebidas e carregando na opção “informação” relativa ao remetente da mensagem, constava o número de telemóvel ………, quer como sendo número de casa, quer como sendo número de telemóvel, com a identificação “B…” – visível a documento n.º 111 – tudo conforme capturas de ecrã que foram sendo retiradas e impressas aquando da visualização, com a presença e concordância das Ilustres Mandatárias. – conforme acta de fls. 107 e segs.
Explore-se e clarifique-se.
Salienta o Tribunal que a credibilidade conferida às testemunhas supra identificadas tem por base o modo muito autêntico e espontâneo com que todas aquelas prestaram depoimento, respondendo ao que era questionado com muita naturalidade, sem qualquer discurso preparado ou sem qualquer afirmação firme desnutrida de convicção, com uma assunção muito própria daquilo que não sabiam ou que não recordavam e demonstrando reacções adequadas às perguntas e respostas proferidas.
Perquirindo cada uma delas no foco do que concorreu para a factualidade provada, e iniciando este percurso pela testemunha E…, contempla-se a autenticidade como reconheceu, que no processo deliberativo, que perpassou a família, quanto ao pai emprestar dinheiro ao Autor e à Ré para adquirirem as praças, quer na sua ideia, quer na da sua mãe, o pai, aqui Autor, não devia ter emprestado o dinheiro em crise nem à Ré nem ao irmão D…, frisando que o irmão não era melhor do que a Ré, pois que tanto como um como outro nunca pagaram e conseguia antever que era o que ia suceder, pois como aludiu o seu «irmão falhava sempre» e a relação de ambos poderia não durar. A testemunha contextualizou que o pai em tempos também lhe emprestara dinheiro para iniciar a sua vida e que lhe foi pagando todo o valor mensalmente com o rendimento que auferia e que era suposto que assim sucedesse com o seu irmão e a Ré. Foi perceptível que o sentimento de ingratidão que a testemunha exprimia, em razão do que se passava com o seu pai, era tanto para com o irmão, como para com a Ré, não se denotando especial animosidade para com esta, que não fosse na afirmação de que esta devia reconhecer e pagar o que deve, tal e qual como pelo irmão D…. Em verdade aludiu a testemunha que, por vezes, em casa do pai o ouviu questionar o irmão D… e a Ré pelo pagamento das quantias em crise, pois que já havia passado muito tempo sem que um ou outro pagassem qualquer valor, talqualmente mencionou que o casal se desculpabilizava sempre, sendo que numa das vezes a Ré até respondeu ao Autor que parecia que este tinha medo que não lhe pagasse. Sopesa-se que a testemunha apresentou um discurso lógico, coerente e integrando, tendo sido capaz de esclarecer como foram sucedendo os acontecimentos e sublinha-se que os sentimentos que demonstrava ao longo do depoimento surgiam e esvaneciam de um modo bastante natural e adequado ao que relatava, sem ser pelo mínimo que fosse esforçado, artificial ou redundante.
Neste ensejo, balançou, também, o Tribunal, o depoimento da testemunha H…, que com a mesma genuinidade, autenticidade e espontaneidade da irmã E…, contextualizou que o pai emprestou o dinheiro em crise ao irmão e à Ré B… para que tivessem a possibilidade de ter uma vida melhor, através de um negócio próprio, sendo que estes deviam devolver a mesma, como já havia sucedido com a irmã e não consigo, porquanto ainda não havia necessitado. Considerou-se, aqui, a tenra idade desta testemunha em face dos outros irmãos e que prosseguiu estudos, encontrando-se a laborar no estrangeiro, e que se compadece com a afirmação da mesma de que para já nunca precisou que lhe emprestasse dinheiro. Esta testemunha clarificou que na altura também não estava a favor da de emprestar dinheiro a alguém que mal conheciam, fazendo menção a um processo deliberativo acerca da concessão do empréstimo pelo Autor, tal e qual o fez a irmã E…. A testemunha contextualizou, ainda, que a família ficou mais preocupada quando o casal começou a apresentar problemas, porquanto o Autor nada tinha em sua posse documentado a salvaguardar a dívida da Ré para com o mesmo e que o mais provável seria que em caso de separação, a Ré nunca mais cumprisse a sua obrigação, motivo pelo qual lhe solicitaram que assinasse um documento em que caso se separassem a praça ficaria para eles, já que ela não tinha capital para pagar, e é nesse âmbito que ocorre a conversação já supra avançada de fls. 112 a 115, mas não aprofundada, como ora se fará.
Da leitura das mensagens trocadas entre a testemunha H… e a Ré denota-se que a conversa começa e flui muito naturalmente com referência à festa do filho do casal, pequeno N…, no momento em que a Ré solicita à testemunha que traga algo para sobremesa e em seguida diz «isto se ficar cá», indiciando que o conflito entre o casal ainda existia, e a testemunha H… responde «Então mas não iam fazer as pazes?» retorquindo a Ré «Teu irmão quer que assine um papel por causa da praça» e a testemunha questiona «E não é o correcto», respondendo a Ré «Eu sei moralmente não preciso assinar nada sei devo teu pai lhe tenho de pagar seja acontecer» - sublinhado nosso, respondendo a testemunha «Exatamente. Vocês ainda tem de pagar o resto das praças. Mas deves compreender que o meu pai fica mais descansado se assinares», prosseguindo a Ré que «Sei não consegue passar para meu lado para me intender. Os sentimentos não tem ver monetário». Constatou o Tribunal que tais mensagens foram enviadas do número de telemóvel que foi afirmado pela Ré, em declarações, como sendo o seu número de telemóvel.
Então, escrute-se de início a posição da Ré, que tendo prestado declarações primeiro do que a testemunha H…, ou seja, antes de ter sido realizada a diligência probatória que se descreveu supra de visualização das mensagens, confrontada com o documento de fls. 15, junto pelo Autor, a Ré mesmo sem o ler já negava que tinha enviado tais mensagens. Compreendia-se, como a Ré assumiu posição em articulado próprio, que o documento simples junto pelo Autor podia não comprovar que tais mensagens tivessem sido, efectivamente, enviadas pela Ré. E, é facto que podia ter o nome «B…» associado a outro número que não o da mesma, a título exemplificativo, ou seja, mil cenários podiam ter sido colocados, até o de em última linha o documento ser falsificado. É nesta linha de defesa que considerava a Ré que tanto bastava negar a autoria das mensagens, para que o mesmo permanecesse em crise.
Sucede que com a diligência probatória levada a cabo pelo Tribunal, produzida em sede audiência, resultou cabal que aquelas mensagens foram enviadas do número de telemóvel da Ré para a Autora e que o documento era verdadeiro. Perseverando na posição da Ré, perante esta novidade probatória, veio a mesma, então, dizer que foi o seu ex-companheiro D… que as enviou.
Ora, não logra sentido a tese do ex-companheiro D… ter enviado as ditas mensagens, porquanto segundo as regras da lógica e da experiência comum, meditando o teor da conversa supra reproduzida, observa-se que a testemunha H… e a Ré estavam a conversar sobre a festinha de anos do menino e a pedir que levasse alguma sobremesa, aparecendo tal conversa de modo natural e imbricado no contexto anterior, sendo que se fosse uma qualquer orquestração do D… para enviar uma mensagem confessória, o podia ter feito de um modo mais cuidado e preciso, desde logo atenta a falta de rigor da escrita e a não pormenorização do que devia e quanto devia. Não procede tal tese que é por demais imaginativa e que no confronto dos depoimentos tidos pela testemunha H… e pela Ré, aquele teve precedência de credibilidade quer pelo que já se expôs, quer pelo que se continuará a esquadrinhar. De igual feita, a testemunha H… alude que falta pagar o «resto» das praças, porquanto sabia que o casal havia entregue uma determinada quantia ao Autor, mas que só soube depois que a mesma foi quanto a outro empréstimo que já havia sido feito e não quanto ao pagamento das praças, pelo que quanto a estas tudo faltava liquidar. Ora se tal conversa fosse simulada, mais uma vez se afirma que o seria de modo muito benéfico e integral ao Autor.
Questiona, então, o Tribunal que se a Ré acreditasse na tese, que apresentou, de que a praça e a viatura lhe foram oferecidas pelo pai do companheiro, por que motivo reconheceria que moralmente sabia que tinha de pagar?! Por que motivo diria que não precisava assinar nenhum documento, porque independentemente do que acontecesse sabia que tinha de pagar?! E, por que motivo afirmaria que os sentimentos não têm valor económico?! Responde-se que nenhum, sendo que por demais se evidencia a realidade de que o dinheiro fora cedido a título de empréstimo, apesar de entregue directamente aos vendedores da praça, e não que tais praças foram oferecidas. Conjura-se, até, que mesmo que o moralmente se devesse ao facto de que a separação em si a podia tornar devedora moral de tal quantia, a mesma nunca foi afirmada e demonstra-se totalmente contrária à postura assumida pela Ré em audiência de julgamento, que sempre firmemente disse que tal quantia não seria nunca para pagar, que nunca lhe foi pedida e que tais mensagens não se verificaram.
Deslinda-se, aqui, que o depoimento da Ré foi um depoimento fechado em círculos, sem capacidade de pormenorizar, isento de espontaneidade, muito firmado na negação e de que nada sabia, sem respostas muito concretas e mantendo uma postura tensa de quem se encontrava comprometida. Espelhou-se um desprendimento de tal postura apreensiva quando discorria sobre assuntos periféricos, mas sem relevância para o cerne da acção, como por exemplo, na contextualização do início da relação com o D…, desprendimento esse que já não conseguia assumir quando se pretendia delinear o negócio realizado. É pouco normal que a Ré diga que não queria saber, confiava no D… e que era ele que tratava de tudo e que sabia que o Autor lhe iria oferecer uma praça e uma viatura, mas que nem quis saber o valor das mesmas.
Diz a lógica e o normal acontecer que se alguém resolve oferecer a outrem algo com tanto valor económico, quer quem oferece como quem recebe falam sobre tal situação, manifestando quer a intenção de dar, quer de receber, nutrindo, quem recebe, um sentimento de gratidão para com quem dá e que por norma terá um mínimo de curiosidade de saber o que lhe vai ser oferecido e em que valor. É tanto mais normal no decurso do suceder que se um sujeito resolve ajudar o filho e a companheira oferecendo-lhes bens que lhes permita ter um negócio próprio para um crescimento económico melhor e em família, quer o filho quer a companheira conversassem com aquele e entre si sobre o assunto, sendo por todo dissonante que a companheira que vai receber uma oferta no valor de €20.000,00 (vinte mil euros), que por muito que dissesse não saber o valor exacto da praça, podia antevê-lo aproximadamente, do pai do seu companheiro, não lhe fale nunca do assunto, nem para o compreender, nem para agradecer, limitando-se a comparecer no dia do negócio da compra das praças para assinar, só aí tomando conhecimento do valor e das praças, recebendo tal oferta.
Demonstrou-se ainda desconexo, a meio do seu discurso a Ré aludir que ficou de «pé atrás», porque tinha um emprego fixo nas ambulâncias Vouga, quando iniciou o seu depoimento a dizer que tal oferta era uma «dádiva». Repare-se que se tal praça lhe era oferecida, tudo o que obtivesse com tal actividade profissional seria lucro, sendo certo que poderia crescer economicamente de um modo muito mais exponencial do que com o emprego estável mas de baixo rendimento que tinha. Compreende-se, até, que tal oferta, a alguém sem especiais qualificações profissionais e que aufere um salário próximo da retribuição mínima mensal garantida, como foi mencionado pela irmã da Ré, era uma alavanca de progressão, que em nada permitiria ter dúvidas em aceita-la, pois que ainda que o negócio não fosse rentável, tendo sido oferecido, só teria de dar caminho ao mesmo, obtendo o lucro da venda. Diferente seria, se com o fruto da actividade tivessem de pagar o valor da aquisição da praça, pois que aí justificar-se-ia o receio de não conseguir obter lucros suficientes que permitissem liquidar a praça e obter vencimento, ficando de «pé atrás».
A Ré negou as interpelações afiançadas pela testemunha E… como expendidas pelo Autor para pagamento, negou o envio das mensagens recebidas pela testemunha H…, mas não ficou por aqui, negando até coisas que sucederam na reunião da celebração do negócio e que foram avançadas por outras testemunhas.
Perscrute-se.
Em sede de julgamento, prestaram, ainda, depoimento F… e G…, os vendedores das praças e viaturas em crise, respectivamente à Ré e a D..., e sublinha, aqui, o Tribunal, o modo isento como prestaram depoimento, desprendidos de qualquer das posições assumidas pelas partes, não sendo amigos de nenhuma das mesmas, tendo respondido com honestidade e espontaneidade quanto ao modo como viram suceder as coisas, tendo sido perceptível até a imparcialidade que procuravam manter, afirmando só aquilo que sabiam.
Deste modo e com mais enfoque no depoimento da testemunha F… disse este que estava no Luxemburgo quando o Autor lhe telefonou a questionar se ele e a esposa mantinham interesse em vender as praças de táxis de … e do …, que tinha tido conhecimento da intenção dos mesmos de o fazer, ao que este respondeu que sim, tendo dito que pretendia €50.000,00 (cinquenta mil euros) pela aquisição das duas praças, ao que o Autor lhe respondeu que tinha que falar com o filho e a companheira, mas que por esse valor de certeza que estes não iam aceitar, tendo ficado acordado entre ambos que falariam melhor em Portugal. Aduziu a testemunha que após conversar com a esposa aceitaram reduzir o valor das praças para €40.000,00 (quarenta mil euros) sendo que correspondia €20.000,00 (vinte mil euros) a cada uma e que, já em Portugal, o Autor lhe entregou um cheque de €10.000,00 (dez mil euros) para segurar o negócio, que depois foi entregue um segundo cheque no valor de €5.000,00 (cinco mil euros), em que estavam presentes o Autor, o D… e a Ré, tendo, posteriormente, o negócio sido feito entre todos, alinhando que a Ré B… escolheu a viatura em crise por ser mais pequena, tendo o D… ficado com a outra, sendo que as praças passaram directamente dos vendedores para estes e o Autor entregou o restante dinheiro que faltava para o pagamento, ou seja, os €25.000,00 (vinte cinco mil euros). Não se tolde que a Ré referiu que só soube todos os contornos e esteve com os vendedores naquela reunião, quando segundo esta testemunha a Ré já estava presente na entrega do segundo cheque no valor de €5.000,00 (cinco mil euros), o que deita por terra, novamente, as declarações da Ré. Esclareceu, ainda, a testemunha que entre o Autor, o filho D… e a Ré foram assinados uns documentos que disse serem deles e que não sabia o teor, sendo que no fim o Autor disse ao filho e à Ré «Meninos, agora há que trabalhar para me pagar».
Também a testemunha G… focou que o D… e a Ré foram ver os carros, tendo aquele ficado com a sua carrinha … e a Ré com o do marido e que enquanto o D… e a Ré assinavam os documentos de transmissão, comentou que ela e o marido faziam «bom dinheiro, mas tínhamos de trabalhar», tendo em seguida sido retorquido pelo Autor que «Prontos, vocês agora têm de trabalhar para me pagarem».
Se por um lado as afirmações não são por inteiramente coincidentes, como o não são quanto ao local em que se falou do filho e a Ré aceitar ou não a quantia inicialmente pedida, são de todo coincidentes no seu sentido, substância e alcance, pois que com o tempo decorrido é por
demais natural que as pessoas misturem ou não tenham de modo preciso em mente os locais e momentos, embora fixem o que é essencial e o que foi denotado pelos vendedores das praças e das viaturas em crise é que sabiam que transferiam directamente a propriedade das suas viaturas e praças para o D… e para a Ré, muito embora fosse o Autor a liquidar a mesma, desde logo pela primeira afirmação de aquele tinha de confirmar o valor da compra com estes, para aceitarem, e em segundo pela afirmação feita pelo Autor e frisada por ambos aquando da reunião da realização do negócio. Assim, assumindo que foi a percepção com que ficaram face aos elementos mencionados era de que eles tinham de pagar o valor das praças ao Autor e que eram ele que aprovavam o negócio, mas que não se interessaram muito, porque para eles o negócio estava feito.
É certo que o Autor em declarações de parte veio dizer que tal expressão foi dita por um dos vendedores e não por si, mas tal não retira a credibilidade do depoimento daqueles, afirmando-a em certa medida, pois demonstra-se que aqueles e este depuseram desprendidos e sem qualquer combinação de discurso. Além do mais, percebe-se que atento o lapso temporal decorrido, como já se mencionou, possa surgir no Autor confusão quanto a quem possa ter dito tal afirmação, podendo até ter sido o próprio.
Denotou-se, com clarividência, que o Autor, enquanto parte interessada, prestou um depoimento muito assertivo e vincado na afirmação e na vontade de perpassar a ideia total de que a compra era do filho D… e da Ré e que o dinheiro lhes fora emprestado e entregue, negando e afirmando coisas que sabia na sua essência corresponder à verdade, mas que entendia que teria de o dizer para lograr provar a verdade do empréstimo. Não tinha, tanto não tinha, que claudicou não provado a factualidade como vinha descrita na petição inicial no que diz respeito ao rumo dos acontecimentos, tendo no entanto resultado provado o fulcral de que aquele dinheiro fora entregue a F… para pagar a praça de táxis e a viatura da Ré, enquanto emprestado a esta, com a condição de que esta lhe pagasse ao longo do tempo. Pressionado quanto a tal atitude, o Autor «baixou a guarda» e desfez-se assumindo que efectivamente foi ele que contactou com F…, inicialmente, mas que tudo foi sob as ordens do filho e da Ré, bem como entregou directamente àquele o dinheiro que acordou emprestar à Ré e ao filho, nunca por si e na intenção de lhes oferecer, mas porque foi para esse efeito que lhes pediram emprestado, tanto que tal discurso se corrobora com toda a prova analisada até então. Note-se, ainda, que o Autor conseguiu demonstrar um discurso muito mais concretizado e contextualizado do que a Ré.
De mais a mais, o depoimento das testemunhas F… e G… atribuem credibilidade ao depoimento do Autor e da testemunha D… na parte em que descrevem que no dia do negócio e na reunião entre todos, o Autor, o D… e a Ré assinaram um documento relativo ao empréstimo do valor de €20.000,00 (vinte mil euros) a cada um deles, pois que a Ré negou ter assinado qualquer documento, mas aquelas testemunhas afirmam que efectivamente assinaram papéis entre eles, muito embora não se tivesse apurado o teor, sobrepondo-se aqui novamente a versão daqueles em detrimento desta. Avançou a testemunha D… que a Ré terá dado descaminho a tal documento, levando-o embora quando se separaram, relevando, apenas, que o documento no fim da reunião ficou na posse do filho do Autor, D… e da Ré.
E tal assim se afirma, porquanto foi perceptível pelo Tribunal que quando confronta o Autor do porquê de ter deixado tal documento com o filho e a Ré que eram os devedores, quando devia ter ficado com ele, enquanto credor, este reage de um modo tanto de triste quanto de humilhação em que reconheceu a falta de lógica e astúcia adjacente a tal comportamento, sustentando-o no sentimento de confiança que sempre teve e quis manter com os filhos, tendo actuado de igual modo com a outra filha D… que sempre lhe pagou e ficou com o papel também, esta espontaneidade sentiu-se no modo súbito como os olhos se encheram de água e a voz ficou presa, enquanto elucidava tal situação, demonstrando a humildade inerente àquela família.
E se em lógica tal situação não faria qualquer sentido no âmbito de uma relação contratual normal, é compreensível a ligeireza com que se actua quando tais negócios são realizados entre família tão próxima como o filho e a companheira do mesmo. Outrossim, é de todo congruente e lógico que nestes empréstimos entre família não se fixem prazos para pagamento, com o que é muito comum o acordo do pagamento quando e consoante puderem.
Ou seja, aquilo que em sede de alegações foi classificado como irrazoável é o que é razoável e comum e que distingue estes quadros de emprestar dinheiro entre família e amigos que não existe com entidades bancárias, em que aí sim se fixam prazos de pagamento e valores fixos
mensais.
Perante todo este quadro esmiuçado do modo que ora se expôs, compreende-se como o Tribunal cravejou tal factualidade provada.
Valora-se, ainda, que segundo um raciocínio estruturado, baseado na naturalidade das coisas, poder-se-ia entender que um pai oferecesse a um filho €20.000,00 (vinte mil euros) para o ajudar em início de vida, mas já não se entende com tanta naturalidade que oferecesse igual quantia a uma companheira do filho, numa relação tão curta de quatro anos. Pelo menos não se compreende, numa família que apesar de demonstrar ter algum capital, não apresenta uma capacidade económica de tal porte em que oferecer tal quantia é indiferente financeiramente, que permita fazer tal oferta a uma pessoa que não lhe é familiar directa, somente companheira do filho, e que poderá deixar de ter qualquer ligação, bastando a ruptura da relação com o filho. Aliás e como afirmado pela testemunha e filha H…, nunca o pai lhe ofereceu qualquer quantia económica, que não fosse no dia-a-dia do seu sustento, questionando-se, por que motivo o faria com a Ré?! A ser oferta, muito provavelmente e por cautelas, colocaria ambas as praças no nome do filho. É certo que as regras da lógica e da experiência comum como ora expendidas não permitem só de per si sustentar que o dinheiro foi emprestado, mas permitem atribuir robustez à prova produzida e valorada pelo Tribunal do modo como supra se explanou.
É certo que a Ré apresentou testemunhas, nomeadamente, J…, D…, K…, L… e M…, que nada mais se limitaram a esclarecer que entendiam que a praça e o carro tinham sido oferecidos à Ré pelo pai do D…, não porque presenciaram algo, mas porque era o que ouviam dizer ou do D… ou da Ré.
Quanto à testemunha D…, como se constatou, o depoimento, dada a relação crítica existente entre o mesmo e a Ré, não foi tido em consideração pelo Tribunal para sustentar a sua decisão, a não ser na parte firmada por outras testemunhas, e que apesar da animosidade que se percebia existir do mesmo para com a Ré, acabou por ter relatado factos concordantes com os alinhavados e quanto à Ré o depoimento foi descredibilizado pelo Tribunal. Isto para concluir que o ouvi dizer de algum destes não podia concorrer com a prova viva e presenciada que foi produzida em audiência de julgamento, tanto mais que as próprias testemunhas afirmavam a personalidade da testemunha D… como não lhe atribuindo muita credibilidade, pelo que se quanto a umas coisas não acreditavam nele, de igual modo o podiam fazer quando a testemunha supostamente e como expressão usada pelas mesmas este se «gabava» da oferta do pai, sendo contraditório afirmar que as praças foram oferecidas, porque uma pessoa que descredibilizavam lhes disse isso.
Assim, tais testemunhas depuseram sem ciência dos factos, aludindo todas que não sabiam bem como foi em concreto, mas que ouviam dizer que foi o pai do D… que lhes ofereceu, algumas uma só vez. Da testemunha irmã da Ré K… extraiu-se que a família da Ré era contra esta mudança da Ré para …, porquanto tinha um emprego estável, que auferia o ordenado mínimo, o que pelos motivos já avançados supra não se coadunam com a oferta afirmada. E se testemunhas há que ouviram dizer que as praças foram dadas, testemunha houve, O…, que também dissesse que fazia muitas viagens no táxi da Ré e que esta lhe disse que o dinheiro tinha sido emprestado para comprar a praça.
O que é certo é que enquanto testemunhas de «ouvi dizer», do Autor têm-se os depoimentos que foram valorados pelo Tribunal e que envolvem pessoas que tiveram intervenção directa neste processo.
Refulge, ainda, que apesar da Ré ter tentado sustentar a tese de que tudo isto seria uma vingança do filho do Autor para com ela, em virtude da separação do casal, repescando o processo de violência doméstica que teve lugar nessa ocasião, evidenciou-se que quem nesta acção imiscuiu as esferas foi a Ré, que como mencionou ficou com dívidas em virtude da relação que mantinha com o D… e que ainda hoje as está a pagar e nesse sentido negou que o dinheiro lhe era emprestado, afirmando que fora oferecida a praça, visando assim saldar contas, esquecendo-se, porém, que o dinheiro em crise não era do D…, mas do Autor, alheio às vivências e dívidas do casal.
A Ré sabia, por tudo o que se exauriu, pelo modo como as coisas se passaram, que a quantia apesar de ter sido entregue directamente pelo Autor aos vendedores, lhe era emprestada, tendo apenas sido cortada uma transferência na cadeia transmissiva do capital, bem como sabia que o Autor não tinha a intenção de lhe oferecer a praça e a viatura, tendo ainda assim alegado tal tese para se tentar livrar do pagamento ao Autor e saldar dividas com o que ficou a dever por causa do filho do mesmo.
Quanto aos factos não provados a) a e) assim se firmaram por estarem em manifesta contradição com a factualidade provada, tendo por base a prova como valorada e acabada de explanar e na ausência total de prova nesse sentido.”
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2. Fundamentos do recurso
a) Reexame da matéria de facto
O Novo Código de Processo Civil (Lei n.º 41/2013, de 26/jun. - NCPC) estabelece no seu artigo 640.º, n.º 1 que “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”. Acrescenta-se no seu n.º 2 que “No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”. Nesta conformidade e para se proceder ao reexame da factualidade apurada em julgamento, deve o recorrente: (i) indicar os factos impugnados; (ii) a prova de que se pretende fazer valer; (iii) identificar o vício do julgamento de facto, o qual se encontra expresso na motivação probatória. Nesta última vertente assume particular relevância afastar a prova ou o sentido conferido pelo tribunal recorrido, demonstrando que o julgamento dos factos foi errado, devendo o mesmo ser substituído por outros juízos, alicerçados pela prova indicada pelo recorrente.
Assim, tal reexame passa, em primeiro lugar, pela reapreciação da razoabilidade da convicção formada pelo tribunal “a quo”, a incidir sobre os pontos de factos impugnados e com base nas provas indicadas pelo recorrente (recurso de apelação limitada). Daí que esse reexame esteja sujeito a este ónus de impugnação, sendo através do mesmo que se fixam os pontos da controvérsia, possibilitando-se o seu conhecimento pela Relação, que formará a sua própria convicção sobre a factualidade impugnada (Acs. STJ de 04/mai./2010, Cons. Paulo Sá; 14/fev./2012, Cons. Alves Velho, www.dgsi.pt). Porém, fica sempre em aberto, quando tal for admissível, a possibilidade do tribunal de recurso, designadamente por sua iniciativa e perante o mesmo, renovar ou produzir novos meios de prova (662.º, n.º 2, al. a) e b) NCPC), alargando estes para o reexame da factualidade impugnada (recurso de apelação ampliada). Mas em ambas as situações, sob pena de excesso de pronúncia e de nulidade do acórdão (666.º, 615.º, n.º 1, al. d) parte final), o tribunal de recurso continua a estar vinculado ao ónus de alegação das partes (5.º) e ao ónus de alegação recursiva (640.º) – de acordo com a primeira consideram-se como não escritos o excesso de factos que venham a ser fixados, face à segunda o tribunal superior não conhece de questões não suscitadas, salvo se for de conhecimento oficioso (Ac. STJ de 11/dez./2012, Cons. Alves Velho, www.dgsi.pt).
Por sua vez, estipula-se no artigo 607.º, n.º 5 que “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”. A estes últimos condicionantes legais de prova, seja os de natureza substantiva elencados no Código Civil, seja adjetiva enunciados na mesma lei do processo civil (410.º - 422.º; 444.º - 446.º; 463.º; 446.º, 489.º, 490.º, 516.º NCPC), com destaque para a prova ilícita (417.º, n.º 3 NCPC), acrescem e têm primazia aqueles outros condicionantes resultantes dos direitos humanos e constitucionais, os quais têm desde logo expressão no princípio a um processo justo e equitativo (20.º, n.º 4 Constituição; 10.º, DUDH; n.º 14.º, n.º 1 PIDCP; 6.º, n.º 1 CEDH; 47.º § 2 CDFUE). Nesta conformidade, podemos assentar que o regime da legalidade da prova, enquanto “imperativo de integridade judiciária”, tanto versa sobre os meios de prova, que correspondem aos elementos que servem para formar a convicção judicial dos factos submetidos a julgamento, como sobre os meios de obtenção de prova, que são os instrumentos legais para recolha de prova. Tal regime acaba por comprimir o princípio da livre apreciação da prova, estabelecendo as correspondentes proibições de produção ou valoração de prova. Por tudo isto, o princípio da livre apreciação das provas é constitucional e legalmente vinculado, não tendo carácter arbitrário, nem se circunscrevendo a meras impressões criadas no espírito do julgador. O mesmo está desde logo sujeito aos princípios estruturantes do processo justo e equitativo (a) – como seja o da legalidade das provas –, como ainda condicionado pelos critérios legais que disciplinam a sua instrução (b), estando, por isso, submetido às regras da experiência e da lógica comum (i), e nalguns casos expressamente previstos (v.g. 364.º exigência legal de documentos escrito) subtraído a esse juízo de livre convicção (ii), sendo imprescindível que esse julgamento de factos, incluindo a sua análise crítica, seja motivado (c).
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O NCPC consagra no seu artigo 413.º a regra da livre atendibilidade das provas, enunciando que “O tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las, sem prejuízo das disposições que declarem irrelevante a alegação de um facto, quando não seja feita por certo interessado.” No entanto e consoante a prova em causa, pode existir disciplina específica que a regulamenta. Tal ocorre com o regime jurídico dos documentos electrónicos e de assinatura (RJDEA), estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 02/ago. (DR I-A, n.º 178, 1.º Suplemento) e sucessivamente alterado – pelos Decreto-Lei n.º 62/2003, de 03/abr. (DR I-A, n.º 79), Decreto-Lei n.º 165/2004 (DR I n.º 157), Decreto-Lei n.º 88/2009, de 04/abr. (DR I, n.º 70) – bem como pelo Regulamento (UE) n.º 910/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de julho de 2014, relativo à identificação eletrónica e aos serviços de confiança para as transações eletrónicas no mercado interno (JOUE L 257, de 28/ago./2014).
O RJDEA estabelece no seu artigo 2.º, alínea a) a seguinte definição de documento electrónico: “documento elaborado mediante processamento electrónico de dados;”, abrangendo, por isso, as mensagens curtas de texto, vulgarmente designadas como SMS. No que concerne forma e força probatória de tais documentos electrónicos, o subsequente artigo 3.º estabelece o seguinte comando:
1 - O documento electrónico satisfaz o requisito legal de forma escrita quando o seu conteúdo seja susceptível de representação como declaração escrita.
2 - Quando lhe seja aposta uma assinatura electrónica qualificada certificada por uma entidade certificadora credenciada, o documento electrónico com o conteúdo referido no número anterior tem a força probatória de documento particular assinado, nos termos do artigo 376.º do Código Civil.
3 - Quando lhe seja aposta uma assinatura electrónica qualificada certificada por uma entidade certificadora credenciada, o documento electrónico cujo conteúdo não seja susceptível de representação como declaração escrita tem a força probatória prevista no artigo 368.º do Código Civil e no artigo 167.º do Código de Processo Penal.
4 - O disposto nos números anteriores não obsta à utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos electrónicos, incluindo outras modalidades de assinatura electrónica, desde que tal meio seja adoptado pelas partes ao abrigo de válida convenção sobre prova ou seja aceite pela pessoa a quem for oposto o documento.
5 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, o valor probatório dos documentos electrónicos aos quais não seja aposta uma assinatura electrónica qualificada certificada por entidade certificadora credenciada é apreciado nos termos gerais de direito.
A jurisprudência civil tem entendido, como sucedeu com o Ac. do TRP 03/dez./2013 (Des. Igreja Matos, www.dgsi.pt) que “I - Uma mensagem telefónica, vulgo SMS, uma vez aberta, recebida e lida terá a mesma protecção da carta em papel que tenha sido recebida pelo correio e que foi aberta e guardada em arquivo pessoal. II – Em tese geral, o destinatário de um SMS pode fazer uso do mesmo em sede probatória uma vez descartada a confidencialidade da mensagem enviada ou algum dever especial de sigilo que possa impender, quer pela natureza da mensagem quer pela qualidade dos intervenientes nessa comunicação electrónica”. Por sua vez, no Ac. do TRC 14/nov./2017 (Des. Maria João Areias, www.dgsi.pt) considerou-se que “1. As mensagens sms e os e-mails, enquanto documentos eletrónicos, integram-se no conceito de prova documental. 2. Enquanto aos documentos eletrónicos com assinatura qualificada é atribuída a força probatória plena de documento particular assinado nos termos do art. 376º CC, os demais documentos aos quais não seja aposta uma assinatura com essas caraterísticas são apreciados “nos termos gerais de direito” (art. 3º, nº 2, DL 290-D/99).”.
Assim, no caso de o SMS não conter uma assinatura digital, seguem-se as regras substantivas da prova documental previstas no Código Civil. De acordo com o artigo 374.º, n.º 1 “A letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras”, acrescentando-se no n.º 2 que “Se a parte contra quem o documento é apresentado impugnar a veracidade da letra ou da assinatura, ou declarar que não sabe se são verdadeiras, não lhe sendo elas imputadas, incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade.” – sendo nosso o negrito. Mais adiante no artigo 376.º, n.º 1 e quanto à força probatória do documento particular, enuncia o seu n.º 1 que “O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.” – também é nosso o negrito.
Sendo o SMS proveniente do telemóvel da parte, que se limitou a impugnar a autoria do correspondente texto, imputando-o a outrem, incumbe à mesma demonstrar que esse SMS não foi por si realizado, existindo, por isso, uma prova indiciária de ter sido essa parte a feitora desse texto, em conformidade com o disposto nos artigos 374.º, n.º 2 e 373.º, n.º 1, ambos por interpretação a contrario, do Código Civil.
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A recorrente impugna os factos provados descritos mediante os itens 3, 4, 5, 9 e 12, de modo que sejam considerados como não provados, bem como o referenciado nas alíneas d) e e) dos factos não provados, mas agora para serem fixados como assentes. A mesma invoca essencialmente, mas não apenas, o depoimento das testemunhas J…, D…, K…, L… e M…. E de modo a reforçar o seu entendimento, retira a necessária elisão quanto às mensagens enviadas do seu telemóvel, que são apontadas como sendo da sua autoria, mas que a mesma nega – na sua versão teriam quanto muito sido enviadas pelo seu ex-companheiro D… e à sua revelia – sustentando que nestes casos caberia a quem apresentou tais documentos o ónus de demonstrar a veracidade de quem as teria enviado.
No que concerne a esta prova testemunhal e após a sua audição, assim como das demais invocadas na impugnação e sustentação da matéria de parte, que acaba por ser toda a prova oral produzida, seja mediante declarações de parte, seja testemunhal, a convicção probatória desta Relação é que as testemunhas J…, D…, K…, L… e M…, não tinham um conhecimento direto dos acontecimentos, mas apenas indiretos, mormente do que “ouviram dizer” da R. e do referido ex-companheiro. As únicas testemunhas que têm conhecimento direto são aquelas que venderam o lugar de praça de táxis, mais precisamente F…, G… e ainda D…, ex-companheiro da A. Quanto ao depoimento desta última testemunha e atenta a aversão revelada pela mesma relativamente à R., seguimos o posicionamento do tribunal de 1.ª de desconsiderar a sua versão. Porém, no que concerne ao depoimento daquelas duas anteriores testemunhas, o mesmo é revelador que o negócio de venda de tais “lugares de táxi” foi efetivamente liderado pelo A., mas em benefício da R. e do filho daquele. Para o efeito a expressão assinalada pela testemunha F… de que tanto a R., como o seu filho, teriam agora – após a celebração de tal negócio – de trabalhar para o pagarem, é manifestamente revelador de que não existiu qualquer propósito de liberalidade, mas antes de “adiantamento” do preço, que mais tarde seria pago pelos seus beneficiários.
Aliás, os textos-mensagens, vulgarmente designado como SMS, enviados do telemóvel da R. para o telemóvel da testemunha H… são bem elucidativos dos intuitos conducentes à entrega pelo A. da referenciada quantia em dinheiro, ou seja, dos €20.000,00 (x 2), tendo um deles o seguinte teor:

Trata-se de prova documental objetiva e originária do TLM da Ré, havendo, por isso e como referimos anteriormente, uma prova indiciária de que foi a mesma a enviar tal texto.
Apenas uma última nota, a qual advém das regras da experiência: tendo o A. para além do filho D… outras filhas, qual seria a razão para aquele não só beneficiar aquele primeiro descendente, ainda que fosse em desfavor das demais, mas também a R. com a tal doação de €20.000 (+ €20.000 para o seu filho)? Que na ocasião era companheira do primeiro? A resposta é que não tem nenhum sentido ou então qualquer lógica. Mas tudo isto podia criar uma dúvida ao julgador, que se dissipa com a versão apresentada pelas duas testemunhas filhas do A. que na sua versão dos acontecimentos não distinguiram o procedimento do seu irmão e ex-companheiro da R, desta última. E a sua versão dos acontecimentos está alicerçada na referenciada prova documental dos SMS.
Nesta conformidade e sem necessidade de mais considerações, atenta a escorreita e concludente convicção probatória manifestada pelo tribunal de 1.ª instância, será de manter a factualidade provada e não provada que aí foi considerada.
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b) Litigância de má-fé
O Novo Código de Processo Civil enuncia atualmente no seu artigo 8.º, o qual reproduz o anterior artigo 266.º - A, que “As partes devem agir de boa-fé e observar os deveres de cooperação ...”, dando consagração legal à obrigação moral das partes em litígio observarem os deveres de verdade e probidade. Dando expressão a estes deveres o artigo 542.º, que repete o anterior 456.º, consagra a responsabilidade de parte nos casos de má fé, começando por enunciar no seu n.º 1 que “Tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta pedir”. A má fé, como resulta do proémio do subsequente n.º 2, tem sempre subjacente uma conduta voluntária, que tanto pode ser dolosa, sendo essa intencionalidade em qualquer das suas modalidades de direta, necessária ou eventual, como negligentemente grave, mediante uma violação grosseira do dever do cuidado. As posturas de parte de má fé reconduzem-se a situações de má fé material ou instrumental. As primeiras compreendem a dedução de pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia de ignorar (a), a alteração consciente da verdade dos factos ou a omissão de factos essenciais (b). As segundas incluem a omissão grave do dever de cooperação (c), o uso manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais para se conseguir um fim ilegal (i), impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça (ii) ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão (iii) (d).
Como se pode constatar dos factos provados, a cedência do dinheiro realizado pelo A. à R. foi no intuito de esta devolver tal quantia ao primeiro, que correspondeu a €20.000,00. Ora a falta de documento que suportasse tal entrega e propósito, levou que a R. negasse, não a entrega desse dinheiro, mas a sua obrigação de o devolver mais tarde. Assim, não se trata apenas de uma leitura distinta dos acontecimentos, mas um propósito nítido de criar acontecimentos de liberalidade ou gratuitidade desse dinheiro. Ao agir desse modo a mesma deduziu oposição cuja falta de fundamento não devia de ignorar. Daí que não exista nenhuma censura a fazer nesta parte à sentença recorrida.
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Na improcedência deste recurso, as suas custas ficam a cargo da recorrente – 527.º NCPC.
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No cumprimento do disposto no artigo 663.º, n.º 7 do NCPC apresenta-se o seguinte sumário:
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III. DECISÃO
Nos termos e fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso interposto pela Ré B…, confirmando-se a sentença recorrida.
As custas deste recurso ficam a cargo da recorrente.
Notifique.

Porto, 24 de setembro de 2020
Joaquim Correia Gomes
António Paulo Vasconcelos
Filipe Caroço