Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
726/08.0TBESP-D.P1
Nº Convencional: JTRP00043980
Relator: FREITAS VIEIRA
Descritores: INVENTÁRIO SUBSEQUENTE A DIVÓRCIO
BENS PARTILHÁVEIS
Nº do Documento: RP20100422726/08.0TBESP-D.P1
Data do Acordão: 04/22/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA EM PARTE.
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: I – Tendo o novo crédito origem em crédito nascido na constância do casamento, deve o valor correspondente integrar os bens comuns a partilhar.
II – Os rendimentos provenientes do trabalho, que por força das relações patrimoniais estabelecidas entre os cônjuges, face a casamento no regime de comunhão de adquiridos, integrariam a comunhão, deixam de integrar essa comunhão depois do divórcio, e com efeitos a partir da data da propositura da acção respectiva.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO
Proc. N.º 726/08.0TBESP-D
Tribunal Judicial de Penafiel/2.º Juízo
(INVENTÁRIO PARA PARTILHA DE BENS EM CASOS ESPECIAIS)
Recorrente: A interessada, reclamante, B………...
Recorrido: O interessado e cabeça-de-casal, C…………

ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

Em acção de divórcio litigioso intentada por B………., como Autora, contra o Réu, C………, realizou-se, em 27-01-2009, tentativa de conciliação, e tendo sido requerida a conversão do divórcio em divórcio por mútuo consentimento, foi proferida sentença que decretou o divórcio, por mútuo consentimento, entre os requerentes, e, ao abrigo do artº 1778º do Cód. Civil, homologou definitivamente os acordos que ficaram a constar da acta.

No seguimento do divórcio assim decretado Foi posteriormente instaurado, a requerimento do identificado C………., inventário para partilha dos bens comuns, dando origem aos presentes autos.
Neles viria aquele C………. apresentar, na qualidade de cabeça-de-casal, relação especificada de bens comuns móveis, descritos em 41 verbas.

A requerida B………. reclamou da relação de bens assim apresentada, onde começa por se opor à inclusão nos bens a partilhar dos que foram relacionados sob as verbas nº 1 a 36 e 37 e 38 da referida relação de bens, por considerar que terem já sido adjudicados à requerida (verbas nº 1 a 36) e ao requerente (verbas nº 37 e 38), enquanto acordo integrante do processo de divórcio por mútuo consentimento, remetendo para o que ficou consta do ponto 5 da acta de tentativa de conciliação que veio a ser homologada por sentença.
Requereu ainda a exclusão da verba nº 39 por considerar não ser bem comum do casal.
Reclamou por último a inclusão como bens comuns a relacionar, do saldo da conta bancária do D……….., e bem assim da quantia de € 66.768,93 por ser referente a valor pago ao cabeça-de-casal a título de créditos salariais, bem como o valor dos salários pagos ao mesmo cabeça-de-casal nos meses decorridos desde que foi decretado o arrolamento.

A reclamação assim apresentada viria a ser objecto de decisão, por despacho datado de 24-10-2009, que a julgou parcialmente procedente, sendo determinado que o cabeça-de-casal apresentasse nova relação de bens da qual:
A) Exclua a verba n.º 39;
B) Inclua:
1 - O saldo da conta bancária no 18476173 do D……..;
2 – Metade do salário auferido relativo ao mês de Julho de 2008, no montante de € 892,56.
+
É desta decisão que agora vem interposto recurso pela interessada B……………, a qual, em síntese das alegações correspondentes, formula as seguintes CONCLUSÕES:
Inclusão de bens já partilhados por sentença transitada em julgado.
………..
………..
………..
………..
………..
+
O recorrido e cabeça-de-casal contra-alegou por sua vez, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida, argumentando que no processo de divórcio não houve qualquer partilha dos bens móveis, que o crédito à indemnização atribuída ao recorrido pela sua antiga entidade patronal, nasceu na data em que as partes entenderam por termo ao contrato de trabalho, o que ocorreu já depois da data da propositura da acção de divórcio, data à qual se retroagem os efeitos patrimoniais do divórcio. Mais argumenta que, orque anteriores a essa data devem ter-se por excluídos da comunhão os valores correspondentes aos salários de Agosto a Dezembro de 2008.
+
Remetidos os autos a este tribunal da Relação impõe-se proferir decisão, sendo que o objecto do recurso é o que resulta como tal delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente.

Assim que as questões submetidas à nossa apreciação se reconduzem às seguintes:
I – Se deve considerar-se que, com o acordo consignado em acta de tentativa de conciliação havida nos autos de divórcio litigioso, se procedeu a partilha parcial de bens móveis constantes das verbas 1 a 38 da relação de bens, que por isso a decisão recorrida, permitindo a inclusão de bens que já haviam sido objecto de partilha, fez incorrecta aplicação do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 1353 e nº 6 do mesmo preceito, conjugado com o 1419, 1374 e 1395, todos do CPC, e ainda do disposto nos artigos 219, 2102 e 2122 do CCivil.
II - Se o valor da Indemnização de € 66.768,93 tem a natureza de bem comum por se tratar de uma indemnização emergente do contrato de trabalho do cabeça-de-casal, que nasceu, perdurou e cessou durante a vigência do contrato do casamento;
III Se por idêntica razão deve ser relacionado como bem comum o valor correspondente aos ordenados dos meses de Agosto a Dezembro de 2008.
+
A matéria de facto a atender, com relevo para a decisão das questões em apreciação é a que na decisão recorrida é tida como adquirida, e bem assim o que resulta das certidões que instruem os presentes autos.

Pode assim ter-se como assente a seguinte factualidade:
- Nos autos de Divórcio litigioso que, sob o nº 726/08.0TBESP correram termos no Tribunal Judicial de Espinho, 2° Juízo, sendo Autora, a ora recorrente, B………, e Réu, o ora recorrido C………, teve lugar, a 27-1-2009, tentativa da conciliação, tendo os ali autora e réu declarado pretender a conversão do divórcio litigioso em divórcio por mútuo consentimento, para o que formularam os seguintes acordos:
"1) Autores partes acordam em fixar o valor da pensão de alimentos, a título definitivo, a pagar pelo réu C……….. à autora B……….., em CSOO (quinhentos euros) mensais, que o réu deverá pagar através de transferência bancária, para o N/B que a Ilustre Mandatária da autora se compromete a indicar aos autos no prazo de 5 dias, até I ao dia 8 de cada mês, iniciando-se tal pagamento no próximo mês de Fevereiro, nada mais havendo a exigir a título de alimentos.
2) Não existem filhos menores.
3) Autores partes acordam que a casa de morada de família seja atribuída à autora B…………….
4) Autores partes acordam que os bens comuns a partilhar, oportunamente, correspondem àqueles cujo arrolamento foi ordenado nos respectivos processos de arrolamento apensos.
5) Autora e Réu, desde já acordam, em relação aos bens móveis que compõem o recheio da casa morada de família, que os mesmos fiquem a pertencer à autora.
6) As partes acordam, que o veículo descrito na verba 38 do requerimento inicial do apenso B e o material descrito na verba 37 dessa mesma peça e desse mesmo apenso, no estado em que se encontrarem, fiquem a pertencer ao réu.
7) Em relação aos restantes bens arrolados, que se resumem a quantias pecuniárias, autora e réu comprometem-se a dividi-las, em sede própria e oportunamente. "

- Seguidamente a Mmª Juiz proferiu sentença em que, para além do mais decretou: "… Atento o propósito dos cônjuges em se divorciarem por Mútuo Consentimento e verificados que estão os requisitos previstos nos Art. 1775º do Código Civil e 1407º, nº 2 e 3 do Código do Processo Civil, ainda ao abrigo do Art. 1778º daquela Lei substantiva, homologo definitivamente os acordos que antecedem e, em consequência, decreto o divórcio por Mútuo Consentimento entre B…………, residente na Rua …, Nº …, …., 4500 Espinho e C…………, I residente na Rua …, nº …, …, 4500 Espinho."

Na decisão que, após produção de prova, recaiu sobre a reclamação da relação de bens apresentada nos autos de Inventário para Partilha de Bens em Casos Especiais, que com o nº 726/08.0TBESP-C, correm termos no Tribunal Judicial de Espinho, 2° Juízo, vem dado como adquirida a seguinte factualidade, que ora releva para a decisão das questões em apreço:
- Que, conforme decorre do processo de divórcio litigioso apenso, as verbas indicadas sob os números 1 a 36 foram adjudicados à Requerida enquanto acordo integrante do processo de divorcio por mútuo consentimento com o n° 726/08.0TBESP que correu termos no 2° juízo deste tribunal, conforme consta do ponto 5 da acta de tentativa de conciliação que veio a ser homologada por sentença judicial proferida naqueles autos em 27 de Janeiro de 2009 e já transitada em julgado.
- Resulta ainda dali que as verbas 37 e 38 foram adjudicadas ao Requerente no ponto 6 daquela acta de tentativa de conciliação.
- Quanto à verba n.º 39, resultou demonstrado através dos depoimentos simples e coerentes das testemunhas irmãs da reclamante, que estas receberam, por morte de sua mãe, cerca de 15.000,00€ cada uma, e ainda que B……….. utilizou tal montante para constituir um certificado de aforro.
- Consta e do ponto 4 do acordo integrante do processo de divorcio por mútuo consentimento com o N° 726/0B.OTBESP que correu termos no 2° juízo deste tribunal – acta de tentativa de conciliação que veio a ser homologada por sentença judicial proferida naqueles autos em 27 de Janeiro de 2009 e já transitada em julgado - que "Autores partes acordam que os bens comuns a partilhar, oportunamente, correspondem àqueles cujo arrolamento foi ordenado nos respectivos processos de arrolamento apensos. "
- Conforme carta da E……….. S.A. datada de 3/03/2009, junta aos autos de arrolamento a fls. 309, foi paga ao cabeça-de-casal, ora recorrido, pela E…….. S.A., a quantia de 66.768,93€ , recebida pelo recorrido em final de 2008, a título de compensação pecuniária de natureza global por créditos salariais;
+
Isto dito.
I – Quanto à pretendida exclusão de bens móveis por alegadamente já partilhados.
Os autos vêm instruídos com certidão relativa aos autos de divórcio litigioso registados com o nº 726/08.0TBESP.
Assim que, muito embora não venha certificada a data da entrada da acção de divórcio, somos levados a concluir que se trata de processo instaurado antes ainda das alterações ao regime de divórcio introduzidas pela Lei nº n.º 61/2008, de 31 de Outubro, a qual só entrou em vigor a 30 de Novembro de 2008, sem aplicação aos processos pendentes, já que este diploma, entre outras alterações, veio abolir o divórcio litigioso, passando o divórcio a poder ser apenas por mútuo consentimento, com ou sem o consentimento do outro cônjuge – cfr. artº 1775º, nº1, do Cód. Civil , na redacção introduzida pelo artigo 1.º do Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro.
A acção de divórcio certificada nos autos, e os acordos que nela tiveram lugar, devem assim ser analisados à luz do Cód. Civil na redacção anterior à das alterações introduzidas pela referida Lei 61/2008.

Importa deixar claro que o processo de divórcio não tem, por regra, como objecto a partilha dos bens do dissolvido casal.
A possibilidade de, no âmbito do processo de divórcio, se processar a partilha dos bens do dissolvido casal apenas veio a ser introduzida pelo o Dec.-Lei n.º 324/2007, de 28 de Setembro, que veio dar nova redacção ao art.º 14°/2, do Dec-Lei n.º 272/2001, bem como ao art.º 272.° do Cód.Reg.Civil, introduzindo o denominado "procedimento simplificado de partilha do património conjugal", permitindo assim que no processo de separação judicial de pessoas e bens ou de divórcio por mutuo consentimento, instaurado na conservatória, se procedesse também à partilha dos bens comuns – imóveis, móveis ou participações sociais sujeitos a registo.
Trata-se no entanto de processamento que apenas pode ter lugar nos divórcios por mútuo consentimento intentados nas Conservatórias de registo Civil, dependendo de expressa formulação dessa intenção por parte dos cônjuges requerentes, acompanhada de acordo de partilha.

Neste contexto, a homologação, por sentença, do acordo sobre os bens comuns, nem sequer faz caso julgado em relação à titularidade do direito de propriedade sobre os bens que sejam referidos como bens comuns na relação de bens que deve acompanhar o requerimento de divórcio por mútuo consentimento, ou do pedido de conversão do divórcio litigioso em divórcio por mútuo consentimento, nos termos dos artigos 1419º, nº1, alínea b) e artº 1407º, nº 3, ambos do Cód. Proc. Civil.
A relação de bens comuns é apenas um documento que, nos termos do artº 1419º, nº1, alínea b), do Cód. Proc. Civil, deve acompanhar o requerimento de divórcio por mútuos consentimento, não constando sequer dos acordos que, nos termos dos artigos 1778º e 1775º, nº 2, do Cód. Civil, são homologados pela sentença que decreta o divórcio. Trata-se por isso de mera condição de prosseguimento da acção.

A recorrente, não pondo directamente em causa este entendimento, sustenta que foi intenção das partes procederem, logo no momento da realização da tentativa de conciliação, à partilha parcial de bens. E que o acordo em que concretizaram essa sua intenção foi homologado por sentença, ficando assim abrangido pelo caso julgado formado pela mesma. E concluiu que por isso os bens que foram abrangidos nesse acordo terão de ter-se como excluídos dos bens a partilhar.

Por sua vez o Sr. Juiz a quo, no despacho recorrido, muito embora dê como adquirido que, enquanto acordo integrante do processo de divorcio por mútuo consentimento, as verbas indicadas sob os números 1 a 36 foram adjudicados à Requerida e as verbas 37 e 38 foram adjudicadas ao Requerente, e que tais acordos foram homologados por sentença proferida naqueles autos e já transitada em julgado, acaba por concluir que nada ficou acordado relativamente à composição dos quinhões, nem às tornas a receber ou a pagar por cada um dos interessados, e que ali se antecipou a adjudicação de verbas mas nada se disse quanto aos seus valores e ao seu cômputo na partilha integral dos bens do casal, pelo que o referido acordo só poderia produzir efeitos em sede de inventário.

Não vemos que possa proceder esta conclusão.
Torna-se antes de mais evidente, perante o consignado em acta de tentativa de conciliação, que foi intenção dos ora recorrente e recorrido, proceder, logo naquela ocasião, à partilha parcial de bens que indicam nos pontos 5 e 6 do acordo que fizeram consignar na referida acta da tentativa de conciliação. É a esse respeito clara a intenção das partes quando declaram:

" 5) Autora e Réu, desde já acordam, em relação aos bens móveis que compõem o recheio da casa morada de família, que os mesmos fiquem a pertencer à autora.
6) Autores partes acordam, que o veículo descrito na verba 38 do requerimento inicial do apenso 8 e o material descrito na verba 37 dessa mesma peça e desse mesmo apenso, no estado em que se encontrarem, fiquem a pertencer ao réu. "

Nada na lei obsta a que se proceda à partilha parcial de bens, como nada obsta a que essa partilha, quando referente a bens móveis, possa ter lugar mesmo extrajudicialmente. Questão é que sobre isso acordem todos os interessados. E esse acordo pode inclusive ser expresso ou tácito [1].
A partir do momento em que é efectuada a partilha de tais bens os mesmos deixam de integrar a comunhão, e como tal não têm que ser referidos em sede de partilha a final, dos restantes bens. Nada obsta, e é até frequente, que os membros do casal dissolvido, partilhem entre si os bens móveis sobre os quais inexiste divergência, deixando para momento ulterior, a partilha dos bens sobre os quais existam divergências, ou que, por se tratar de bens imóveis, se imponha a partilha por escritura pública ou em sede de inventário.
Questão é que, no caso vertente, as partes, os ora recorrente e recorrido, indo além daquele que era o objecto do processo de divórcio, fizeram constar da acta de tentativa de conciliação do divórcio litigioso, e acompanhando o seu requerimento de conversão do mesmo em divórcio por mútuo consentimento, aquele seu acordo sobre a partilha parcial de bens comuns do casal.
Esse acordo, na medida em que versa sobre bens móveis não sujeitos a registo, vale por si, em termos de partilha. Independentemente de ser ou não homologado por sentença. Poderá dizer-se que dessa forma algo irregular acabaram por fazer constar de documento com especial força probatória – acta de tentativa de conciliação – aquele seu acordo, que no entanto poderia ter sido apenas verbal.

Sem prejuízo do que vem de referir-se, facto é que o Sr. Juiz do processo proferiu sentença que, decretando o divórcio, homologou os acordos que a antecediam, sem fazer qualquer ressalva, abrangendo assim, ainda que indevidamente, não só os acordos que, nos termos do artº 1778º e 1775º, nº 2, do Cód. Civil, deveria ter homologado, mas também o supracitado acordo sobre a partilha parcial dos bens comuns do dissolvido casal.
Perante isso, a ora recorrente, que perante a relação de bens, poderia ter invocada apenas a partilha extrajudicial, por acordo, para fundamentar a sua pretensão de exclusão daqueles bens da relação de bens a partilhar, vai mais longe e, muito embora invocando o referido acordo sobre a partilha dos bens móveis, tal como ficou a constar da acta, esgrime o caso julgado formado pela sentença que decretou o divórcio, na medida em que, ainda que incorrectamente, homologou também esse acordo.
Sobre essa matéria o despacho recorrido é totalmente omisso.

Impõe-se sublinhar que a sentença, ao homologar os acordos constantes da acta, sem qualquer ressalva, abrangendo assim também o acordo sobre a partilha dos bens constantes das verbas 1 a 36 e 37 e 38, exorbitou o objecto do processo.
Transitando em julgado sem que tivesse sido arguida qualquer irregularidade, a sentença em causa fez caso julgado nos exactos termos em que decidiu. Como claramente resulta do disposto no artigo 673º, do Cód. Proc. Civil, e judiciosamente afirma Castro Mendes – Limites Objectivos do Caso Julgado ", págs. 275/276 - o que é fundamental para o caso julgado não é o objecto do processo, mas a sentença. A sentença constitui caso julgado nos precisos termos em que julga. Até pode ser nula, por conhecer de questão de que não poderia tomar conhecimento, mas, se essa nulidade não foi oportunamente arguida, transita em julgado tal como (ainda que mal) decidiu.

Não decorre daqui o efeito que em abono da sua pretensão reivindica a recorrente. Com efeito a sentença, limitando-se a homologar os acordos, não contém em si nenhuma decisão sobre a partilha ou não dos bens. E por isso não pode pretender ver-se na sentença homologatória referida qualquer decisão sobre a partilha.
Não houve por isso violação de caso julgado no despacho recorrido
Mas não deixa de considerar-se que assiste razão à recorrente quando sustenta terem, recorrente e recorrido, procedido já à partilha parcial dos bens.
A partilha não decorre da sentença, visto que esta não tinha por objecto a partilha – nem podia ter – mas decorre do acordo celebrado entre recorrente e recorrido. Com efeito, estando dado como assente que as verbas nº 1 a 36 foram adjudicadas à ora recorrente, e as verbas nº 37 e 38 foram adjudicadas ao ora recorrido, enquanto acordo integrante do processo de divórcio por mútuo consentimento com o no 726/06.0TBESP que correu termos no 2° juízo deste tribunal, conforme consta do ponto 5 da acta de tentativa de conciliação, não poderá deixar de considerar-se que tal acordo consubstancia uma partilha parcial dos bens integrantes das referidas verbas, não devendo por isso manter-se na relação de bens a partilhar.

II – Quanto ao valor da compensação pecuniária de € 66.768,93.
Acusada a falta de relacionação da referida verba, enquanto valor que teria sido pago ao ora recorrido, a título de créditos salariais, o Sr. Juiz a quo, após produção da prova, viria a ter como adquirido que tal quantia, de € 66.768,93 euros foi paga ao recorrido pela E……….. S.A., e por este recebida no final do ano de 2008, a título de compensação pecuniária de natureza global, nos termos do artigo 394º, nº4, do Código do Trabalho.
Quanto aos créditos laborais o artº 1724º, alínea a), do Cód. Civil é claro ao preceituar que, no regime de comunhão de adquiridos, o produto do trabalho auferido na constância do casamento pelos cônjuges faz parte da comunhão.
Haverá ainda de ter em conta que os efeitos patrimoniais do divórcio se retroagem à data da propositura da acção conforme se infere do disposto no 1789º, nº1, do Cód. Civil, pelo que, quais quer rendimentos mesmo que produto do trabalho dos cônjuges, auferido depois daquela data, deverão ser tidos como excluídos da comunhão.
No caso dos autos, foi tido como adquirido na sentença recorrida, que a acção de divórcio deu entrada em 16/Julho/2008.
O despacho recorrido é omisso quanto à factualidade que permita concluir a data precisa em que tal acordo foi efectuado, os termos concretos de tal acordo, as circunstâncias e a data em que teve lugar. De quanto vem dado como adquirido no despacho recorrido sabe-se apenas que foi paga ao cabeça-de-casal, ora recorrido, pela E……… S.A., a quantia de 66.768,93€, recebida pelo recorrido em final de 2008, a título de compensação pecuniária de natureza global por créditos salariais.
Em todo o caso que, mesmo dando como adquiridos o pressuposto de que parte o despacho recorrido, sem nessa parte ser posto em causa, de que tal quantia foi recebida pelo cabeça-de-casal, no âmbito do acordo de cessação do contrato de trabalho, como compensação de créditos laborais, não pode subscrever-se a conclusão, a que se chega na mesma decisão, de que, porque recebida aquela quantia depois da data da propositura da acção de divórcio (16-7-2008), não integraria a comunhão de bens. Importa atender à natureza da referida prestação pecuniária global.
A este propósito tem sido entendido[2] que, ao convencionarem aquela compensação global em substituição de todos os créditos já vencidos à data da cessação do contrato de trabalho ou exigíveis em virtude dessa cessação, as partes mais não fazem do que extinguir todos estes créditos, por meio da criação de uma nova obrigação em lugar deles (artº 857º do CC). O fundamento (imediato) deste novo crédito deixa de ser o contrato de trabalho para passar a ser outro contrato, um contrato (revogatório) que põe justamente fim àquela relação. O crédito surge como consequência da revogação. O exequente, ao exigir o pagamento daquela concreta compensação, fundamenta-se então, não no contrato de trabalho, mas no acordo que o revogou.
Mas se de facto deve considerar-se que o fundamento imediato deste novo crédito não é o contrato de trabalho, o que se verifica, para todos os efeitos, através da novação objectiva, é a substituição da anterior obrigação decorrente do vínculo laboral, por uma nova obrigação. Essa nova obrigação tendo como fundamento imediato o acordo revogatório, não deixa de ter origem na anterior obrigação, decorrente da relação laboral, ou se quisermos, e do ponto de vista do credor, o crédito que daí resulta não deixa de ser um crédito que, desprendendo-se da relação laboral, está em substituição do crédito emergente da relação laboral que vigorou e se extinguiu ainda na vigência do casamento entre recorrente e recorrido.

Por isso que na situação referida nos autos não pode deixar de considerar-se como bem comum a relacionar o valor correspondente à quantia de €66.768,93 euros, recebida pelo recorrido a título de compensação pecuniária de natureza global por créditos laborais. Trata-se ao fim e ao resto de acautelar, em situações em que a lei prevê a coexistência de um património comum ao lado de patrimónios próprios dos cônjuges, a consistência de cada um deles, face às possíveis vicissitudes de que possam ser objecto os bens e direitos que as integram. Para tanto é necessário que sempre que se verifique a substituição de um bem por outro, ou, como no caso em análise, a substituição de um crédito por outro, o bem adquirido, ou o crédito resultante da novação, mantenha o carácter que tinha antes da substituição, ou pelo menos que aquele crédito seja substituído na massa patrimonial que dele ficou privada por virtude da novação, por um direito de compensação sobre a massa ou património na qual ingressou ([3]). Que essa é a intenção do legislador resulta desde logo do mecanismo de funcionamento da sub-rogação real, prevista no artº 1723º, alínea b), do Cód. Civil, enquanto afloramento de um princípio geral que obriga às compensações entre os patrimónios próprios dos cônjuges, e entre estes e o património comum, sempre que um deles, no final do regime, se encontre enriquecido em detrimento de outro, princípio que pode, aliás, ser deduzido também do disposto no artigo 1689° do CC.
Neste contexto, e sob pena de se dar cobertura a manobras ou actuações que se traduziriam no enriquecimento do património próprio de um dos ex-cônjuges à custa do empobrecimento do património comum, não pode deixar de concluir-se que, tendo o novo crédito origem em crédito nascido na constância do casamento, deve o valor correspondente integrar os bens comuns a partilhar.
Basta pensar na facilidade com que poderia protelar-se a exigência de créditos salariais para momento posterior ao divórcio, e só então os exigir, no contexto da negociação de uma compensação pecuniária global, subtraindo assim do património comum rendimentos que foram realizados na constância do casamento.
Procedem por isso as conclusões de recurso também nesta parte, devendo ser incluída na relação dos bens comuns a partilhar uma verba correspondente ao valor de €66.768,93 euros referente a indemnização recebida em substituição dos créditos laborais.

III - Considerou o Sr. Juiz a quo que, porque os efeitos patrimoniais do divórcio decretado a 27.01.2009, retroagem à data da propositura da acção respectiva, que teve lugar a 16.7.2008, apenas haverá que relacionar como bens comuns a quota parte dos mesmos compreendida entre 30.06.2008 (data da saída de casa do cabeça-de-casal) e 16.07.2008.
Pretende a recorrente que devem ser relacionados como bem comum o valor correspondente aos ordenados recebidos pelo cabeça-de-casal e ora recorrido, desde o arrolamento decretado em 16 de Maio de 2008, incluindo os salários recebidos entre Agosto e Dezembro de 2008.
Argumenta que a ratio do artº 1789º, nº1, do Cód. Civil é apenas a de evitar que um dos cônjuges seja prejudicado pelos actos de insensatez e prodigalidade que o outro cônjuge pudesse praticar depois da propositura da acção de divórcio.
Se essa finalidade esteve na origem do preceito, o certo é que o divórcio, ao dissolver o casamento, faz cessar todas as relações patrimoniais e pessoais entre os cônjuges – artº 1688º do Cód. Civil. E o artigo 1789º, nº1, do Cód. Civil, ao estabelecer o momento a partir do qual os efeitos patrimoniais se produzem, não faz qualquer ressalva, não se justificando por isso qualquer interpretação restritiva, como parece ser aquela que sustenta a recorrente.
Assim que, tendo sido decretado o divórcio, o mesmo tem como efeito, além do mais, pôr termo à comunhão patrimonial inerente ao regime de bens em que foi celebrado o casamento, e esse efeito, tal como os demais efeitos patrimoniais, são, por força do referido artº 1889º, nº1, do Cód. Civil, feitos retroagir ao momento da propositura da acção. Temos pois como conclusão evidente a de que os rendimentos provenientes do trabalho, que por força das relações patrimoniais estabelecidas entre os cônjuges, face casamento no regime de comunhão de adquiridos, integrariam a comunhão, deixam de integrar essa comunhão depois do divórcio, e com efeitos a partir da data da propositura da acção respectiva.
O recurso deve por isso improceder quando pretende que seja incluído como bem comum a partilhar, o valor correspondente aos salários auferidos pelo recorrido entre Agosto a Dezembro de 2008, dado que, por força do referido artº 1789º, nº1, do Cód. Civil se deve entender que a partir de 16.7.2008 cessaram todas as relações patrimoniais entre os cônjuges.

TERMOS EM QUE ACORDAM, NA SECÇÃO CÍVEL DESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO, EM CONSIDERAR PARCIALMENTE PROCEDENTE O RECURSO, E, ALTERAM A DECISÃO RECORRIDA, DETERMINANDO QUE SEJAM ELIMINADAS DA RELAÇÃO DE BENS COMUNS A PARTILHAR, OS BENS CONSTANTES DAS VERBAS 1 A 36, POR SE CONSIDERAR TEREM SIDO JÁ OBJECTO DE PARTILHA ENTRE OS ORA RECORRENTE E RECORRIDO NOS TERMOS QUE FICARAM A CONSTAR DO ACORDO CONSIGNADO EM ACTA DE TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO, E HOMOLOGADO POR SENTENÇA QUE NA MESMA ALTURA FOI PROFERIDA.
ALTERAM AINDA A DECISÃO RECORRIDA DETERMINANDO QUE SEJA ADITADA À MESMA RELAÇÃO, COMO BEM COMUM A PARTILHAR, UMA VERBA RESPEITANTE AO VALOR CORRESPONDENTE À QUANTIA DE €66.768,93 EUROS, RECEBIDA PELO RECORRIDO A TÍTULO DE COMPENSAÇÃO PECUNIÁRIA DE NATUREZA GLOBAL POR CRÉDITOS LABORAIS.
EM TUDO O MAIS, CONSIDERAM IMPROCEDENTE O RECURSO, CONFIRMANDO A DECISÃO RECORRIDA.

CUSTAS POR RECORRENTE E RECORRIDO NA PROPORÇÃO DO DECAIMENTO.

Porto, 22 de Abril de 2010
Evaristo José Freitas Vieira
José da Cruz Pereira
Manuel Lopes Madeira Pinto
____________
[1] Rabindranath Capelo de Sousa – Lições de Direito das Sucessões, II Vol., págs. 151/152
[2] Ac. do STJ de 21-2-2006, disponível in www.dgsi.pt, Doc. Nº SJ200602210017014
[3] RITA ARANHA DA GAMA LOBO XAVIER, " Limites à Aut. Privada na Disc. Das Rel. Patr. Entre os Cônjuges", págs. 389/390