Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0130559
Nº Convencional: JTRP00031229
Relator: SALEIRO DE ABREU
Descritores: ALIMENTOS
SEGURANÇA SOCIAL
MAIORIDADE
Nº do Documento: RP200105030130559
Data do Acordão: 05/03/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T F M BRAGA
Processo no Tribunal Recorrido: 430-C/98-1S
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: DIR CIV - DIR FAM.
Legislação Nacional: CCIV66 ART1880.
L 75/98 DE 1998/11/19.
DL 164/99 DE 1999/05/13.
Sumário: Não é possível fazer recair sobre o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social a obrigação de pagamento da prestação de alimentos para além da menoridade do beneficiário.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.
Nos autos de Nova Regulação do Poder Paternal a correr termos, com o nº .../.., pelo Tribunal de ........................., em que é requerente o Ministério Público e requeridos Dolores ............ e José .................., decidiu o M.mo Juiz a quo “fixar em 11.577$00 por cada um dos menores (José Augusto, Patrícia Andreia, Cláudia Sofia e Jessica Vanessa, todos de apelido ..........., filhos dos requeridos) a quantia a pagar pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social a favor da beneficiária”, quantias a actualizar anualmente a partir de Janeiro de 2002 e “...mantendo-se para lá da menoridade, se verificados os requisitos do art. 1880º do C. Civil”.
Inconformado com a parte da decisão que o condenou a manter o pagamento das prestações de alimentos para lá da menoridade, se verificados os requisitos do art. 1880º do C. Civil, interpôs o Instituto referido o presente recurso de agravo e, alegando, formulou as seguintes conclusões:
1. A Lei 75/98, de 19.11, e o DL nº 164/99, de 13.5, que a veio regulamentar, constituem lei especial, que prefere ao art. 1880º do CC, que constitui lei geral;
2. A referida disposição da lei civil não pode aplicar-se às situações de pagamento a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, quando os destinatários daquele Fundo atingem a maioridade;
3. Tal aplicação contrariava frontalmente o espírito e a letra da Lei 75/98 e do DL 164/99;
4. Os citados diplomas referem sempre de forma expressa a sua aplicação a menores.
5. Assim sendo, o pagamento das prestações é feita às pessoas a cuja guarda aqueles se encontram;
6. Aliás, o preâmbulo do DL 164/99 menciona a sua aplicação às crianças e jovens até aos 18 anos de idade, nos termos de recomendações do Conselho da Europa no sentido da protecção social àquele extracto populacional, mais desprotegido e carente.
Pede a revogação da decisão na parte em causa.
O Ministério Público apresentou alegações, tendo-se pronunciado pela procedência do recurso.
O M.mo Juiz a quo sustentou a decisão posta em crise.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II.
Balizado o âmbito do objecto do recurso pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC), temos que a única questão a decidir consiste em saber se, face à legislação em vigor, é possível fazer recair sobre o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social a obrigação de pagamento da prestação de alimentos para lá da menoridade do beneficiário.
Entendemos que a razão está do lado do recorrente.
Vejamos:
A Constituição da República Portuguesa consagra expressamente, no seu art. 69º, o direito das crianças “à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral”. E – como se escreveu no preâmbulo do DL nº 164/99 - esse direito impõe ao Estado os deveres de assegurar a garantia da dignidade da criança como pessoa em formação, recaindo sobre o Estado, em última instância, a obrigação de lhe proporcionar condições de subsistência mínimas e essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna, sendo certo que a protecção da criança se manifesta, desde logo e de modo particular, no assegurar-lhe o direito a alimentos.
A Lei nº 75/98, de 19.11, veio precisamente consagrar a garantia de alimentos devidos a menores, e quer da sua letra, quer do seu espírito, bem como do DL nº 164/99, que a veio regulamentar, decorre que o seu campo de aplicação se restringe aos menores.
Na verdade, tais diplomas referem-se exclusivamente a menores e não se nos afigura possível alargar a sua aplicação a maiores, ainda que nas condições previstas no art. 1880º do CC.
Aquela Lei, para além do seu elucidativo título – Garantia dos alimentos devidos a menores – apenas faz referência, nas suas várias disposições, a menores (vd. arts. 1º, 2º, nº 2, 3º, nº 3, 4º, nº 1, 6º, nºs 1 e 3).
Também o DL 164/99, inclusive no seu preâmbulo, se refere apenas a menores (vd. arts. 1º, 2º, nºs 1 e 2, 3º. nº 1. al. b), 4º, nºs 1 e 3, 5º, nº 1, 9º, nº 2, 10º, nºs 1 e 2).
Tais diplomas não fazem nunca qualquer alusão a maiores, mormente na situação do art. 1880º do CC, ou seja, carecidos de alimentos para completarem a sua formação profissional.
E não procede o argumento invocado pelo M.mo Juiz a quo no despacho de sustentação, quando pretende justificar a sua decisão dizendo que se o Estado exige dos pais “que prolonguem as suas prestações aos filhos para lá da menoridade, desde que verificadas certas condições, também ele tem que lhes estender protecção, no caso de os pais a não poderem cumprir”.
Com efeito, e como se disse supra, com os referidos diplomas o Estado apenas visou garantir às crianças condições de subsistência mínimas, assegurando-lhes a satisfação do seu direito a alimentos, quando o respectivo devedor, designadamente por ausência ou incapacidade, não cumpra a respectiva obrigação.
Por outro lado, o Estado só impõe o prolongamento da obrigação alimentar para além da maioridade ou emancipação, para possibilitar o completar da formação profissional dos filhos, “quando seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento”, donde decorre que não existe uma tal obrigação se os pais a não podem cumprir. Mas, se assim é, o argumento invocado pelo Sr. Juiz conduziria precisamente a resultado oposto ao pretendido, ou seja, também ao Estado não seria exigível o cumprimento daquela obrigação, já que a mesma não poderia ser exigida aos pais...
Como bem refere o digno magistrado do Mº Pº, com a finalidade de proporcionar aos jovens formação profissional, ou o completar da formação profissional, põe o Estado ao seu dispor outros benefícios sociais, como bolsas de estudo, residências universitárias, cursos de formação subsidiados, etc. Não tiveram essa finalidade, segundo bem se nos afigura, os diplomas acima referidos.
Procedem, assim, as conclusões do recurso.
III.
Nestes termos, e sem necessidade de outras considerações, concede-se provimento ao agravo e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida na parte em que mantém a obrigação de pagamento das prestações de alimentos para lá da menoridade, se verificados os requisitos do art. 1880º do C. Civil.
Sem custas.
Porto, 3 de Maio de 2001
Estevão Vaz Saleiro de Abreu
Fernando Manuel de Oliveira Vasconcelos
José Viriato Rodrigues Bernardo