Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
44/14.5TOPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CASTELA RIO
Descritores: HOMICÍDIO POR NEGLIGÊNCIA
NEGLIGÊNCIA MÉDICA
VIOLAÇÃO DE LEGIS ARTIS
VIOLAÇÃO DO DEVER DE CUIDADO
Nº do Documento: RP2015030444/14.5TOPRT.P1
Data do Acordão: 03/04/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – A responsabilidade penal por negligência - como na actividade médica - pressupõe o julgamento «indiciado» de factos susceptíveis de integrarem todos os elementos dos tipos objectivo e subjectivo que são:
1. Do ponto de vista do «ilícito negligente»:
1.1. A violação do dever objectivo de cuidado que perpassa por:
1.1.1. Previsibilidade objectiva do perigo para determinado bem jurídico;
1.1.2. Não observância do cuidado objectivamente adequado a impedir a ocorrência do resultado típico;
1.2. A imputação objectiva do resultado típico (“desvalor de resultado”) à acção violadora do dever objectivo de cuidado (“desvalor de acção”) que perpassa por:
1.2.1. O «nexo causal efectivo»;
1.2.2. A «conexão típica»;
1.3. O objecto do elemento subjectivo «representação» da possibilidade de resultado:
1.3.1. Havendo-o, a «negligência consciente»;
1.3.2. Caso contrário, a «negligência inconsciente»;
2. Do ponto de vista da «culpa negligente»:
2.1. Além da «imputabilidade penal», especificamente:
2.2. A previsibilidade subjectiva do perigo;
2.3. A possibilidade de o agente ter cumprido o dever objectivo de cuidado por ter representado ou pelo menos tido a possibilidade de representar os riscos da conduta que pratica.
II – Enquanto em Medicina um qualquer «falhanço» de «acto médico» é reputado como «erro médico» de pessoa individualizada ou do concreto sistema de prestação de cuidados médicos a que importa a trajectória de acontecimentos a ser objecto de prevenção, o Direito Penal queda-se pela punição por prevenção apenas do «erro médico» que seja uma «violação» de «artes legis» específicas ou de um «dever de cuidado» de conteúdo mais ou menos específico ou incisivo, aferidos por exemplo por protocolos de diagnóstico e ou de terapêutica e ou de execução ou procedimento médicos.
III – A «complexificação da actividade médica» - produto da evolução dos conhecimentos científicos e dos desenvolvimentos tecnológicos - reduziu o campo de actuação de cada Médico mercê de uma «especialização directa» ou horizontal e de uma «especialização indirecta» ou vertical por que o «acto médico» é cada vez mais produto de uma «equipa de saúde» - designadamente na «actividade hospitalar» - do que da clássica «relação hipocrática pessoal» entre Médico e seu Paciente.
IV – Como representantes de especialidades médicas com objectos diferentes mas complementares, Cirurgião e Anestesiologista actuam com total autonomia científica e técnica nas diferentes fases da intervenção médico-cirúrgica - antes, durante e após a cirurgia – na consideração de uma «delimitação material de competências», sem prejuízo de casuístico «alargamento do âmbito de competência de um especialista» quando um deles voluntariamente: 1. Assume de facto a competência do outro como no caso de ausência deste conhecida daquele; 2. Admite a prática de «acto médico conjunto» conhecendo uma «incapacidade acidental» do outro para nele intervir.
V – Como a «posição de garantia» do Cirurgião consiste num «conteúdo terapêutico» por ser dirigido à saúde e até à vida do Paciente e que pode ser assegurado directamente ou por interposta pessoa, a responsabilidade do Cirurgião por «homicídio por negligência» pode fundar-se num «erro» do tipo «violação» - apenas na fase pós-operatória e ainda que não esteja presente – de um «dever de cuidado específico» tendo por objecto uma omissão de «prescrição profiláctica» de uma «vigilância específica» pelo pessoal de enfermagem do surgimento de uma lesão potencialmente fatal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Na 1ª Secção Judicial / Criminal do TRP acordam em Conferência os Juízes no
Recurso Penal 44/14.5TOPRT.P1 vindo do extinto 3º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal do Porto com origem no processo separado Instrução 79/2014 com origem na certidão extraída da Instrução 12/2013 com origem no Inquérito 14427/10.6TDPRT da 5ª Secção do DIAP do Porto [1]

Tal Inquérito culminou no DESPACHO [2]:

● De ARQUIVAMENTO ut art 277-2 do CPP quanto aos Arguidos B…, C…, D…, E… e F…, porquanto:

«Os presentes autos tiveram início com a participação de fls. 4 comunicando o óbito de G… ocorrido no dia 09 de Outubro de 2010, pelas 6h 35m, na H…, sita na Rua …, no Porto.
No dia 08 de Outubro de 2010, pelas 17h45m G… foi submetido a uma tiroidectomia total e amigdalectomia.
Permaneceu no bloco operatório entre as 17h45m e as 21h15m, referindo-se na ficha anestésica acordar agitado mas sem qualquer intercorrência. Fez laringoscopia após tendo-se verificado a existência de edema da orofaringe e muito boa mobilidade das cordas vocais.
Às 5h45m o doente encontrava-se em paragem respiratória com frequência cardíaca.
Não foi possível fazer-lhe traqeostomia, tendo G… falecido às 6h35m.
Tal factualidade é susceptível de integrar a prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art. 137°, do Código Penal.
Procedeu-se à realização de todas as diligências que se consideravam relevantes para a descoberta da verdade.
Assim e de acordo com tais diligências veio a apurar-se que a equipa médica era formada por I…, J… e por K… e que as enfermeiras que intervieram na sobredita cirurgia foram L…, M… e N….
De acordo com os elementos probatórios apurados veio a apurar-se que os arguidos B…, C…, D…, E… e G…, de acordo com as declarações prestadas no interrogatório não tiveram qualquer intervenção directa com os factos participados.
Nada nos autos nos indica que a versão dos factos apresentada pelos arguidos não corresponda à verdade, uma vez que os elementos probatórios existentes não contrariam tal versão, mas pelo contrário, a confirmam.
Assim e não se vislumbrando, além das efectuadas, a realização de quaisquer outras diligências úteis, analisados os elementos recolhidos na perspectiva da existência ou não de indícios suficientes da verificação de crime e da respectiva autoria conclui-se pela inexistência daqueles.
Pelo exposto, sem prejuízo da reabertura do inquérito se e caso surjam novos elementos de prova que a justifiquem nos termos do disposto no art°. 279°, nº 1, do C.P.P., determina-se nesta parte, nos termos do disposto no art°. 277°, n°. 2, do mesmo C.P.P., o arquivamento do presente inquérito» [3].

● De ACUSAÇÃO contra 1. O Médico Otorrinolaringologista J… [4], 2. o Médico Cirurgião I… [5], 3. o Médico Anestesista K… [6] e 4. a Enfermeira O… [7], cada um pela AUTORIA material de um HOMICÍDIO POR NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA p.p. pelo art 137-1-2 do Código Penal [8], porquanto:

1.Em data não concretamente apurada do ano de 2010, mas que se situará no mês de Junho ou Julho de 2010, G… dirigiu-se à P…, em Barcelos, tendo sido observado pelo arguido, J… (Dr.), que aí desempenhava funções como médico otorrinolaringologista que lhe diagnosticou problemas crónicos de amígdalas e uma tumefacção da tiróide.

2.Face ao quadro clínico de G… que obrigava à realização de cirurgia para combater a doença diagnosticada, o arguido J… (Dr.) sugeriu a G… que fosse observado pelo arguido I… (Dr.), seu colega de profissão que exercia funções como cirurgião geral na H…, no Porto, tendo G…, aceite tal sugestão e recorrido aos serviços do arguido I… (br.), que o observou e que lhe propôs a realização de terapêutica cirúrgica de amigalectomia total e de tiroidectomia total com um único acto anestésico, logrando obter o seu consentimento para o efeito.

3.Em 08 de Outubro de 2010, pelas 15.00 horas, foi G… internado na H…, no Porto, onde foi submetido a terapêutica cirúrgica de amidalectomia total e de tiroidectomia total, realizada pelos arguidos, J… (Dr.), que interveio na cirurgia de amigalectomia, I… (Dr.), que interveio na cirurgia de tiroidectomia total e K… (Dr.) que interveio na qualidade médico anestesista. Estiveram ainda presentes na referida intervenção cirúrgica as enfermeiras, M…, N… e L….

4.A intervenção cirúrgica decorreu entre as 17h45m e as 21h15m sem qualquer intercorrência técnica.

5.O doente G… deu entrada imediata na sala de recobro logo após a intervenção cirúrgica de amigalectomia total e de tiroidectomia total finalizada às 21h15m, tendo permanecido na sala de recobro entre as 21h15m até às 22h25m monitorizado e acompanhado pelos arguidos e pelas enfermeiras,

6.Nessa altura, porque o seu estado de saúde foi considerado estável foi-lhe dada alta médica, tendo G… seguido para o internamento sem monitorização.

7.Cada um dos arguidos médicos sabia que a realização, no mesmo tempo anestésico, de duas intervenções cirúrgicas - amigdalectomia e tiroidectomia total - acarretava um potencial de risco de edema da orofaringe, tratando-se de duas cirurgias com risco de obstrução da via aérea e quando realizadas em simultânea o seu risco seria mais elevado.

8.Impondo-se que o doente permanecesse em ambiente de monitorização permanente muito para além daquele período de 1h10m, para que qualquer dificuldade, nomeadamente a dificuldade respiratória fosse detectada muito precocemente e com possibilidades de actuação imediata.

9.No diário de enfermagem elaborado pela Sra. Enfermeira, a arguida O… que estava encarregada do serviço de atendimento aos quartos e que fez assistência do doente G… refere que:

o doente regressou da Unidade de Recobro às 22h30m...ansioso, inquieto e sempre queixoso ...à chegada com edema supra-interno da tiroidectomia sem evolução; já observado na Unidade de Recobro por J… (Dr.) e pelo anestesista, K… (Dr.)...tem dreno com vácuo funcionante à chegada com 100 cc de conteúdo hemático. Às 24h foi expelindo saliva sanguinolenta; às 2h refere novamente dores; às 4h, por não expelir a saliva retirava-lhe o que acumulava na cavidade oral, referiu calor ficou apenas com lençol, sutura da tiróide exposta e edema do pescoço sem evolução de diâmetro de pescoço, drenagem sobreponível à entrada...às 5h, doente pergunta se está o chover e refere novamente calor, expelindo saliva sanguinolenta, mantendo sinais vitais estáveis ... 5h40m, deparei com pré paragem respiratória, À chamada sem resposta verbal, com pulso periférico, sat 02-93%, sem oxigénio, sem saliva na boca, pedido de ajuda pelo meu telemóvel ao 112 que me respondeu de imediato, pedido de ajuda ao médico de permanência Dr. B… e Colega Enfermeiro E… para iniciar manobras de respiração. À chegada do INEM iniciou suporte avançado de vida, também com ajuda posterior do arguido, K… (br.) anestesista do doente paro a cirurgia efectuada ... após várias tentativas de reanimação não eficaz ... foi verificado o óbito pelas 6h35m por JK… (Dr.)...”.

10.Ora, cerca das 22h30m, a arguida, a Sr enfermeira, O…, em serviço naquele Serviço apercebeu-se que o doente, apresentava sinais de agitação, referindo dores naquela altura, expelindo saliva sanguinolenta às 24h, queixando-se de dores às 2h, não expelindo saliva às 4h e expedindo mais uma vez saliva sanguinolenta às 5h apresentando um quadro clínico que rapidamente se deteriorava.

11.Face ao quadro clínico de G… era notório que o mesmo apresentava alterações no seu estado de saúde, queixava-se sistematicamente de dores, não expelia a saliva e foi expelindo saliva sanguinolenta às 24 e às 5h, razão pela qual a arguida O… quando às 24h verificou a existência de saliva sanguinolenta e às 2h o doente se continua a queixar com dores, deveria de imediato ter chamado o médico de permanência na sobredita Clínica, o Dr. B….

12.Contudo, tal não aconteceu, o médico de permanência, o Dr. B…, observou apenas o doente às 5h45m do referido dia 09 de Outubro de 2010, quando o doente se encontrava já em paragem respiratória com frequência cardíaca variável ... os Srs. Enfermeiros já se encontravam a fazer massagem cardíaca e a ventilar com ambu ...apresentava edema cervical e da orofaringe...abriu com bisturi a cicatriz operatória (de tiroidectomia), com saída de pequena /média quantidade de sangue e de coágulo e foram mantidas manobras de suporte básico de vida, tendo chegado o INEM que assumiu a situação.

13.O arguido, K… (Dr.), foi contactado pela Sra. enfermeira O… para se deslocar à H… às 5h40m, tendo chegado 15 minutos depois. Quando aí chegou o doente já estava a ser assistido pelo INEM, tendo constatado em laringoscopia marcado edema da orofaringe, que inviabilizou a intubação traqueal e a tentativa de traqueostomia, que foi também impossível.

14.A equipa médica do INEM efectuou as manobras de reanimação, possíveis, sem sucesso.

15.O doente faleceu às 6h35m.

16.O doente, G…, faleceu no pós operatório imediato de uma intervenção cirúrgica - amigdalectomia seguida de tiroidectomia total - na sequência de edema acentuado da laringe (úvula [9], epiglote [10] e seio pririforme), responsável por obstrução e paragem respiratória que se revelou insolúvel face à não possibilidade de intubação traqueal, por via oral ou traquestomia.

17.A morte de G… foi devida a asfixia consecutiva a edema laríngeo de origem inflamatória aguda / infecciosa surgida após cirurgia.

18.A morte de G… ficou a dever-se à omissão, por parte de cada um dos arguidas, dos mais elementares deveres de prudência, de cuidado de previdência e de cautela, que podiam e deviam ter no exercício da sua profissão,

19.Os arguidos tinham conhecimentos técnicos que lhes permitiam saber que tendo submetido ao mesmo tempo anestésico, de duas intervenções cirúrgicas justificava-se prolongar o período de observação do doente e que se impunha uma estreita vigilância e um controle constante e permanente do doente que só seria possível se o doente permanecesse em ambiente de monitorização permanente, sendo sempre avaliado por médicos e por enfermeiras, fazendo a avaliação das frequências e dos ritmos cardíacos e respiratório, bem como intermitentemente da tensão arterial, o que não foi feito pelos arguidos.

20.Ora, o doente apenas permaneceu na sala de recobro anestésico 1h10m, período claramente insuficiente para recobro - controlo pós operatório de uma intervenção daquele tipo.

21.Houve, pois, uma clara situação de incúria por parte dos arguidos.

22.Com efeito, não podiam os médicos e a enfermeira que acompanhou o doente no pós-operatório deixar de representar como possível que o doente viesse a precisar de auxílio no pós-operatório, impondo-se uma estreita vigilância e um controle constante e permanente.

23.Ao omitirem a referida vigilância permanente, os arguidos criaram grave perigo para a vida, corpo ou saúde do doente, que veio a morrer em virtude das referidas omissões, demitindo-se assim dos mais elementares deveres de cuidado.

24.Os arguidos, agindo da forma descrita, exerceram a sua profissão preterindo a atenção e o cuidado que o exercício de medicina e as técnicas de enfermagem requerem, cuidado e atenção que lhes eram exigíveis e de que eram capazes.

25.Por isso, a morte de G… ficou dever-se, unicamente, à actuação descuidada, desatenta e inadequada dos arguidos.

26.Previram os arguidos como possível que, em resultado daquelas suas formas de actuação poderiam vir a colocar em causa a vida de G… mas conformaram-se levianamente com a não verificação desse facto» [11].

Enquanto a Assistente Q… – mãe do falecido - deduziu ACUSAÇÃO PARTICULAR contra os 4 Arguidos acusados e PEDIDO CIVIL também contra a H… [12] para pagamento de 129400 € e juros de mora à taxa legal legal desde a data de notificação até efectivo e integral pagamento [13],

Por outro lado apenas o Médico Cirurgião I… requereu abertura de INSTRUÇÃO [14] para que, «…realizadas as diligências que ora se sugerem, além das que V.Exª considere necessárias para o apuramento da verdade, … ser não pronunciado pelo crime …imputado», porquanto:

6.A factualidade dos autos funda-se numa terapêutica cirúrgica de amigadalectomia e de tiroidectomia total, protagonizada, respectivamente, pelo Arguido J… e pelo aqui Arguido, no dia 08 de Outubro de 2010, na H…, no Porto.

7.A esse tratamento terapêutico foi submetido, nas circunstâncias de tempo e de lugar acima indicadas, G…, pessoa que dessas intervenções cirúrgicas necessitava e que veio a falecer na madrugada do seguinte dia 09 de Outubro.

8.A intervenção médica do aqui Arguido confinou-se à cirurgia de tiroidectomia total, a fim de eliminar uma patologia maligna da tiróide que havia sido diagnosticada ao doente G….

9.A análise de todo o processo clínico respeitante ao internamento do falecido G…, cuja cópia se encontra nos autos de inquérito, evidencia ter o Arguido observado, todas as obrigações de cuidado que a concreta situação destes autos impunha.

10.Dos registos clínicos que compõem o inquérito, resulta, efectivamente, que a intervenção cirúrgica realizada pelo aqui Arguido decorreu sem qualquer intercorrência técnica e treminou com o doente perfeitamente estabilizado, tendo acordado e bem.

11.Atente-se, a este propósito, no depoimento da testemunha indicada na acusação pública proferida, L…, enfermeira, a qual, a fls. 99 declarou o seguinte: “Refere que cirurgia correu com normalidade. Esteve presente no momento do acordar do paciente na sala onde foi intervencionado. Acordou bem, falou normalmente, tem do sido dadas instruções por parte do anestesista para o paciente ser transferido para o recobro. (negrito nosso)

12.A enfermeira M…, testemunha indicada na acusação pública deduzida, a fls 103, declarou igualmente o seguinte: “A cirurgia correu com normalidade.”(negrito nosso)

13.Também a enfermeira N…, enfermeira, testemunha indicada na acusação pública deduzida, a fls. 104, declarou também o seguinte: “A cirurgia decorreu com normalidade, tendo o paciente acordado e falado normalmente.” (negrito nosso)

14.No final da intervenção cirúrgica por si realizada e após verificar que tudo estava normal, o Arguido retirou-se do bloco operatório.

15.Prova inquestionável de que a cirurgia da tiróide realizada pelo Arguido foi tecnicamente correcta e bem executada é encontrada no registo clinico de fls. 66, o qual corresponde ao pós-operatório e onde se lê: Apenas de referir acordar agitado, mas sem qualquer intercorrência. Fez laringoscopia após, tendo-se verificado existência de edema da orofaringe e muito boa mobilidade das cordas vocais. (negritos nossos)

16.O teor do transcrito registo clinico de fls. 66 é, por si só, objectivamente incompatível com a imputada conduta medicamente inadequada ou incorrecta no contexto da intervenção cirúrgica realizada pelo aqui Arguido, tal como vem imputada na acusação pública proferida.

17.Após o exame de visualização da laringe (laringoscopia), atestou-se a sua integridade e uma “muito boa mobilidade das cordas vocais”.

18.Tal significa não ter havido qualquer lesão do nervo recorrente laríngeo durante a cirurgia, como se confirma pela análise de fls. 31 do relatório de autópsia (figuras 9 e 10).

19.Mais se lê a fls. 67 dos autos, no item referente às “complicações operatórias” e “post-operatórias”, “sem complicações”, o que reforça o sucesso da operação realizada à tiróide decorrente da estrita observância pelo Arguido da legis artis a que estava vinculado no exercicio da sua actuação médica.

20.De resto, os acima indicados factos constantes de fls. 67 são valorizados na consulta técnico-científica de fls. 195 a 198.

21. Na 3ª conclusão da autópsia realizada ao cadáver do falecido G…, a fls. é referido que “a morte pode ter sido devida a asfixia consecutiva a edema laríngeo de origem inflamatória aguda / infecciosa.”

22.A acima referida possibilidade avançada a fls. 44 como possível causa da morte do falecido G… não constitui decorrência previsível, face à já referenciada informação de fls. 66 dos autos.

23.Em face do exposto, inexiste explicação para o edema referido a fls. 44, aqui importando anotar que o mesmo pode resultar em determinados casos como reacção orgânica a medicamentos ou outro tipo de situações como a própria agressão cirúrgica.

24.De resto, na 4ª conclusão da autópsia realizada ao cadáver do falecido G…, a fls. 44, é referido que “este quadro de edema laríngeo de origem inflamatória aguda / infecciosa surgiu após cirurgia (amigadalectomia e tiroidectomia) a que a vitima foi submetida no dia 08/10/2010, e pode estar relacionada com o traumatismo local inerente à cirurgia e/ou às manobras de intubação oro-traqueal.”

25.Por resultar dos sinais dos autos, designadamente a fls. 26, aqui se salienta que as acima transcritas manobras de intubação oro-traqueal susceptíveis de ter provocado o quadro de edema laríngeo de origem inflamatória aguda/infecciosa que pode estado na origem da morte do doente, ocorreram muitas horas depois da intervenção cirúrgica levada a efeito pelo aqui Arguido.
Temos assim que:
26.Dos autos de inquérito resultam sinais vários que inequivocamente comprovam não ter o aqui Arguido violado qualquer dever objectivo de cuidado, por referência às Iegis artis médicas, como vem descrito na acusação pública formulada, antes pelo contrário.

27.Não existe, com efeito, nos autos, o menor indicio de que o Arguido, ao agir como agiu, no exercício da sua actividade médica, tenha inobservado ou omitido negligentemente certo cuidado terapêutico e/ou cirúrgico no desempenho da sua função profissional.

Ademais:
28.Refere o parecer de fls. 195 a 198 dos autos o seguinte:
(…)
Situações de edema pós-operatório com inerentes situações de grave, por vezes fatal, insuficiência respiratória, apesar de raras, são bem conhecidas e, de alguns casos específicos, as referências bibliográficas do Relatório de Patologia Forense são disso exemplo.

A solução passa por uma muito precoce intervenção de re-permeabilização das vias aéreas, seja por intubação oro-traqueal seja, quando esta se revela impossível, pela realização de uma traqueostomia, efectuada de imediato.

Para que estas medidas sejam possíveis de efectuar, em tempo útil, impõe-se que os doentes permaneçam em ambientes de monitorização permanente, para que a dificuldade respiratória seja detectada muito precocemente e com possibilidades de actuação imediata.

O volume de edema justifica, igualmente, que a tentativa de intubação oro-traqueal não tenha sido conseguida sendo, contudo, menos compreensível, o porquê da não realização da traqueostomia, uma vez que a ferida operatória já tinha sido aberta e, por isso, a traqueia estaria exposta. Todavia, de acordo com a descrição temporal dos factos, é possível que, no momento em que estas manobras foram tentadas, já tivesse passado tempo suficiente para o estabelecimento de um quadro de anóxia cerebral irreversível.
Outro aspecto que nos parece relevante ponderar é o da realização, no mesmo período anestésico, de duas intervenções cirúrgicas — amigdalectomia e tiroidectomia total — que, isoladamente, se acompanham de algum edema da orofaringe e, cuja associação, poderá traduzir-se por um potencial risco acrescido desse edema.(negrito nosso)

29.Isto é: em nenhuma passagem do relatório de consulta técnico-científica de fls. 195 a 198 é suscitada qualquer tipo de desconformidade ou censura, por mais velada que seja, à actuação médica do Arguido no contexto do objecto dos presentes autos.

30.A única interrogação que aí expressamente é feita relaciona-se com a razão de ser de não ter sido realizada uma traqueostomia ao doente, deixando-se no ar a ideia de que tal intervenção poderia tê-lo salvo, ainda que com a ressalva seguinte que aí se faz e que acima se transcreveu também.

31.A indicada questão referida no parecer médico-legal de fls. 195 a 198 não apresenta, obviamente, qualquer relação com a pessoa do aqui Arguido, porquanto se coloca temporalmente muitas horas depois da intervenção cirúrgica por aquele irrepreensivelmente realizada.
Por sua vez:
32.Não refere o último parágrafo do parecer de fls. 195 a 198 que a realização de duas intervenções cirúrgicas no mesmo acto anestésico constituiu violação da legis artis ou a violação pelo aqui Arguido de um dever objectivo de cuidado, ao contrário do que vem imputado ao Arguido na acusação pública deduzida.

33.Não é censurada pelo Perito médico-legal essa decisão e muito menos referido que essa vicissitude é violadora da boa praxis médica.

34.Simplesmente aí é dada nota de que essa opção é susceptível de traduzir potencial risco de aparecimento de edema da orofaringe e nada mais do que isso.
Entretanto:
35.Na consulta médica cientifica de fls. 233 e 234 é referido, fundamentalmente, o seguinte:
(…)
Em concreto, diremos que no pós-operatório ¡mediato de uma intervenção que não foi responsável por marcada ou importante alteração hemodinâmica e em doentes sem morbilidades importantes, a monitorização pós operatória imediata é compatível com um ambiente de recobro.
Era esta a situação do doente em causa.
O doente permaneceu no Recobro da H… entre as 21h 15 e as 22h25, onde esteve “…sempre monitorizado...” e, de acordo com as normas de boas práticas, foi sendo avaliado por médicos e enfermeiros. Além desta avaliação clínica, o doente deverá ter mantido em permanência das suas funções vitais controlados por equipamentos médicos, não invasivos, que fazem, em continuidade, a avaliação das frequências e dos ritmos cardíaco e respiratória, bem como intermitentemente da tensão arterial

36.Acrescenta o referido Parecer médico-legal, em análise da informação de fls. 213 dos autos, o seguinte:
Registamos que o controlo e a Alta de uma Unidade de Recobro estão devidamente definidas por Normas que, em princípio, deverão ser universalmente cumpridas e devidamente registadas.
O doente permaneceu na Sala de Recobro Anestésico 1h10, pelo que admitindo que todos os tempos, padrões de avaliação e gestos foram correctos e adequados, isso aconteceu enquanto o doente permaneceu no Recobro, ou seja, durante a referida 1 e 10m, período de tempo claramente insuficiente para Recobro - controlo pós-operatório - de uma intervenção deste tipo.

De acordo com os relatos e registos que nos foram dados apreciar no Processo que já anteriormente analisámos, constata-se que na Enfermaria o acompanhamento e monitorização não foram os adequados, de molde a permitirem a imediata assistência clinica ao doente logo que exibiu os primeiros sinais de obstrução respiratória, momento em que ainda teria sido possível repermeabilizar a via aérea com sucesso.” (sublinhado nosso)

Com o devido respeito, entendamo-nos:

37.O aqui Arguido é médico-cirurgião, não é anestesista ou enfermeiro.

38.Não é ao aqui Arguido quem compete definir os tempos de recobro dos doentes que opera, após a saída do bloco operatório.

39.Não é, com efeito, o aqui Arguido o responsável por dar alta médica da sala de recobro para o internamento dos doentes.

40.Numa situação como a dos autos, em que demonstrado está, através dos registos clínicos existentes, que a intervenção cirúrgica realizada correu bem, sem qualquer intercorrência, nenhum motivo objectivo existia para o aqui Arguido desse esta ou aquela indicação especial para que o período de recobro fosse superior àquele que viesse a ser entendido — não Arguido, pois não pertence às suas competências funcionais - como o necessário.

Como quer que seja:

41.Não pode o Arguido deixar de discordar da Perícia de fls. 233 e 234 quando considera “claramente insuficiente o período de recobro de uma operação deste tipo”, uma vez que resulta do teor de fls. 64 que a “Tabela de Aldrete/lndicie de Recuperação”, apresenta um indicie suficiente para o doente ter tido alta da unidade de recobro.

42.Aliás, a este respeito a testemunha indicada no despacho de acusação U…, a fls. 337, a este respeito declarou o seguinte: «… não há um tempo mínimo estipulado de permanência no recobro e a alta do mesmo é definida pelos critérios clínicos apresentados pelo doente.”

43.De resto, constata, ainda, o Arguido que a Perícia de fls. 233 e 234 considera “claramente insuficiente o período de recobro de uma operação deste tipo”, mas é omissa em relação ao concreto período de tempo de recobro que então se impunha observar.

44.Dos depoimentos testemunhais que constam dos autos, nada resulte que aponte para qualquer violação do aqui Arguido dos deveres de cuidado a que estava obrigado.

45.Salvo o devido respeito, não se compreende, por conseguinte, quais os indícios recolhidos durante a fase de inquérito que podem ter sido considerados bastantes e suficientes para se achar que ao Arguido pode vir a ser aplicada uma pena ou uma medida de segurança, pois a toda a prova documental, pericial e testemunhal recolhida no decurso do inquérito despista contundentemente essa possibilidade.
Deste modo:
46.Atento tudo o que atrás se expôs, nenhum crime é susceptível de ser imputado ao Arguido.

47.O Arguido não praticou nenhum acto susceptível de configurar a prática do crime pelo qual vem acusado» [15].

A INSTRUÇÃO – com junção de «Relatório» de 21.01.2013 do Sr Dr S… efectuada pelo Arguido I…, pela prestação de declarações e pelo Relatório de 30.9.2013 de aditamento aos Relatórios de 11.10.2011 e de 14.02.2012 de «Consulta Técnico-Científica» e DEBATE INSTRUTÓRIO - culminou na seguinte Decisão Instrutória de NÃO PRONÚNCIA [16]:

«O arguido I… veio requerer a abertura da instrução no sentido da sua não pronúncia, por não se conformar com a acusação que lhe imputa a autoria de um crime de homicídio por negligência previsto e punível pelo artigo 137.°, n.° 1 e n.° 2, do Código Penal.
Alegou o que consta do requerimento de fls. 457 a 472 e juntou um relatório que faz fls. 583 a 585.
Realizaram-se as diligências instrutórias consideradas necessárias e procedeu-se ao debate instrutório.
Não há nulidades ou quaisquer outras questões prévias ou incidentais que ora cumpra conhecer.
Nos termos do artigo 286.° do Código de Processo Penal, a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.
Assim, se até ao encerramento da instrução tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia — artigo 308.° do Código de Processo Penal.
Consideram-se suficientes os indícios quando deles resulta uma possibilidade razoável de condenação do arguido numa pena ou medida de segurança - artigo 283.° do Código de Processo Penal.
Compulsados os autos, verifica-se que a acusação se fundamenta essencialmente nos elementos de prova pericial — relatório de autópsia e parecer técnico-científico elaborado pelo Conselho Médico-Legal do Instituto Nacional de Medicina Legal — juntamente com os documentos dos autos.
De acordo com o relatório de autópsia, junto a fls. 25 a 44, a morte de G… pode ter sido devida a asfixia consecutiva a edema laríngeo de origem inflamatória aguda/infecciosa (fls. 44) e a fls. 37, pode ler-se que “os achados morfológicos de edema laríngeo, embora pudessem ser sugestivos de choque anafiláctico, são mais compatíveis com um processo inflamatório agudo/infeccioso, associado a ulceração na epiglote e ao estado pós-cirúrgico a que foi submetido (amigdalectomia)”.

Na sequência da consulta técnico-científica, o Conselho Médico-Legal do Instituto Nacional de Medicina Legal aprovou o parecer constante de fls. 195 a 198, no qual se refere, com particular interesse, que situações de edema pós-operatório com inerentes situações de grave, por vezes fatal, insuficiência respiratória, apesar de raras, são bem conhecidas e, de alguns casos específico as referências bibliográficas do Relatório de Patologia Forense são disso exemplo”.

E prossegue o mesmo Parecer: | “A solução passa por uma muito precoce intervenção de re-permeabilização das vias aéreas, seja por intubação oro-traqueal seja, quando esta se revela impossível pela realização de uma traqueostomia, efectuada de imediato. | Para que estas medidas sejam possíveis de efectuar, em tempo útil, impõe-se que os doentes permaneçam em ambientes de monitorização permanente, para que a dificuldade respiratória seja detectada muito precocemente e com possibilidades de actuação imediata.”

Sublinhando ainda, no final: Outro aspecto que nos parece relevante ponderar é o da realização, no mesmo tempo anestésico, de duas intervenções cirúrgicas - amigdalectomia e tiroidectomia total - que, isoladamente, se acompanham de algum edema da orofaringe e, cuja associação, poderá traduzir-se por um potencial risco acrescido desse edema.”

Por ofício de fls. 213, a H… veio informar que o falecido saiu da sala do Bloco Operatório às 21h 15m do dia 08-10-2010 e deu entrada imediata na sala de Recobro aonde permaneceu até as 22h e 25m, sempre monitorizado e acompanhado por médicos e enfermagem, quando foi considerado estável, teve alta médica e seguiu para o internamento, sem necessidade de qualquer monitorização, como consta do registo do Recobro”.

Com base nessa informação, o Conselho Médico-Legal do Instituto de Medicina Legal emitiu novo parecer complementar, a fls. 233 e 234 dos autos, registando que o controlo e a Alta de uma unidade de Recobro estão devidamente definidas por Normas que, em princípio, deverão ser universalmente cumpridas e devidamente registadas”. “O doente permaneceu na Sala de Recobro Anestésico 1h 10m, pelo que admitindo que todos os tempos, padrões de avaliação e gestos foram correctos e adequados, isso aconteceu enquanto o doente permaneceu no Recobro, ou seja, durante a referida 1h e 10m, período claramente insuficiente para Recobro - controlo pós-operatório — de uma intervenção deste tipo.

De acordo com os relatos e registos que nos foram dados apreciar no Processo que já anteriormente analisámos, constata-se que na Enfermaria o acompanhamento e monitorização não foram os adequados, de molde a permitirem a ¡mediata assistência clínica ao doente logo que exibiu os primeiros sinais de obstrução respiratória, momento em que ainda teria sido possível repermeabilizar a via aérea superior com sucesso.”
O arguido I… alegou, no seu requerimento de abertura de instrução, que não é o responsável por dar alta médica da sala de recobro para o internamento dos doentes, e que do teor de fls. 64 resulta que a “Tabela de Aldrete/Índice de Recuperação”, apresentava um índice suficiente para o doente ter tido alta da unidade de recobro.

Já no inquérito o arguido afirmara que quem deu indicações para o paciente sair da unidade de recobro foi o médico anestesista, o Dr. K…, como concluiu resultar de fls. 65.

Efectivamente, do processo clínico do doente, junto a fls. 58 a 78, consta, a fls. 65, a indicação do “Clínico Responsável pela ALTA” como sendo o Dr. K…, ou seja o Dr. K…, médico anestesista.

No diário de enfermagem, a fls. 69 e 70, elaborado pela Enf.ª O…, consta que o doente foi observado na U.R. [Unidade de Recobro] pelo Dr. J… e pelo anestesista Dr. K….

O arguido I… não acompanhou a evolução do doente após a cirurgia, e já nas declarações que prestou na instrução esclareceu que o doente acabado de operar vai para uma unidade do recobro, e que a vigilância do doente no pós—operatório, nomeadamente do estado hemodinâmico do doente, compete única e exclusivamente ao médico anestesista, a quem compete dar alta ao doente da unidade de recobro, e que foi isso que aconteceu nos presentes autos.

O arguido afirmou ainda, de forma sincera e convincente, que já não estava no bloco operatório quando o doente teve alta do recobro, e que quem tomou conta e decidiu a alta do recobro foi o seu colega anestesista. Esclareceu também que a saída do doente do recobro não foi discutida pelo corpo clínico, nem é habitual a discussão do tempo de recobro, tempo esse que é dado pela evolução clínica do doente.

Afirmou também que a decisão de extubar o doente é unicamente do médico anestesista.

Esclareceu também que terá saído da H… cerca de meia hora depois da operação, depois de perguntar ao anestesista se estava tudo bem e de ter recebido uma resposta positiva.

No intuito de esclarecer estas questões, solicitámos ao Conselho Médico-Legal o esclarecimento sobre a quem compete, numa determinada equipa anestésico-cirúrgica a decisão sobre o tempo de recobro, se deve ser uma decisão colectiva ou exclusivamente uma decisão do médico anestesista, tendo o referido Conselho informado que não dispõe de registos clínicos bastantes que nos permitam responder objectivamente às questões concretas que agora nos são formuladas (fls. 616).

Nestas circunstâncias, e inexistindo prova documental ou testemunhal de qualquer intervenção decisória do arguido no tocante ao tempo de observação e monitorização do doente na Unidade de Recobro, inexistindo qualquer elemento de prova de uma acção ou omissão negligente por parte do arguido, consideramos suficientemente justificados os fundamentos de facto e de direito invocados pelo arguido no seu requerimento de abertura de instrução e que aqui se dão por reproduzidos, com excepção dos do art.° 41.°, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 307.°, n.° 1, do Código de Processo Penal.
Da prova recolhida no inquérito e na instrução não resulta possível concluir, nem mesmo indiciariamente, que o arguido I… tenha sido o responsável pela alta do doente da Unidade de Recobro, facto que o Conselho Médico-Legal terá considerado negligente e revelador de má prática, e que terá sido determinante e causal para a sucessão de eventos que resultaram no decesso do doente.

Na falta de indícios da violação de normas da leges artis ou de deveres de cuidado por parte do requerente da instrução, concluímos assim que, em julgamento, seria sempre mais provável uma absolvição do que uma condenação do arguido I…, por falta de prova da sua responsabilidade.

Pelo exposto e decidindo, nos termos dos artigos 307.°, n.° 1 e 308.° do Código de Processo Penal, não pronuncio o arguido I…, determinando o arquivamento dos autos na parte relativa ao mesmo arguido.

Notifique e oportunamente remeta os autos aos Juízos Criminais do Porto, para distribuição como processo comum (tribunal singular), devendo aí ser cumprido o disposto nos artigos 311.°, n.° 2, e 312.°, do Código de Processo Penal, relativamente às acusações, pública e particular, formuladas contra os arguidos J…, K… e O…, uma vez que a instrução não abrangeu estes arguidos por não a terem requerido.

Satisfaça o solicitado nos oficios de fls. 639 e 640, remetendo ao Conselho Disciplinar Regional do Norte da Ordem dos Médicos cópia do relatório de fls. 25 a 44.» [17].

Inconformado com o decidido, o MINISTÉRIO PÚBLICO tempestivamente interpôs RECURSO pela Declaração de interposição com MOTIVAÇÃO [18] rematada com as sgs 11 CONCLUSÕES [19]:

1.Nos presentes autos, o Ministério Público deduziu acusação contra os arguidos J… (médico otorrinolaringologista), I… (médico cirurgião), K… (médico-anestesista) e O… (enfermeira) imputando a cada um deles, em co-autoria material, a prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art. 137, n.ºs 1 e 2, do Código Penal;

2.O arguido I…, médico-cirurgião, requereu a abertura de instrução, na sequência da qual, o Mmo. Juiz veio a proferir decisão de não pronúncia daquele arguido, pela prática do referido crime;

3.Por entender inexistir: ... prova documental ou testemunhal de qualquer intervenção decisória do arguido no tocante ao tempo de observação e monitorização do doente na Unidade de Recobro, inexistindo qualquer elemento de prova de uma acção ou omissão negligente por parte do arguido, consideramos suficientemente justificados os fundamentos de facto e de direito invocados pelo arguido no seu requerimento de abertura de instrução e que aqui se dão por reproduzidos, com excepção dos do art. 41.°, nos termos e para os efeitos previstos no art. 307°, n.º 1, do Código de Processo Penal.

Da prova produzida no inquérito e na instrução não resulta possível concluir, nem mesmo indiciariamente, que o arguido I… tenha sido o responsável pela alta do doente da Unidade de Recobro, facto que o Conselho Médico-Legal terá considerado negligente e revelador de rtá prática, e que terá sido determinante e causal para a sucessão de eventos que resultaram no decesso do doente.

Na falta de indícios da violação de normas da legis artis ou de deveres de cuidado por parte do requerente da instrução, concluímos assim que, em julgamento, sempre seria mais provável uma absolvição do que uma condenação do arguido I…, por falta de prova da sua responsabilidade».

4.Com tal decisão, o Mmo Juiz de Instrução, do nosso ponto de vista, violou o disposto nos arts. 137, n.ºs 1 e 2, do Código Penal e 308, n.º 1, do Código de Processo Penal;

5.Porquanto, salvo o devido respeito, os indícios recolhidos nos autos apontam claramente para uma situação de omissão, por parte dos médicos cirurgiões, os aqui arguidos I… e J…, do dever de prestar assistência ao doente a quem tinham acabado de efectuar, cada um deles, uma intervenção cirúrgica, designadamente, não cuidando de prevenir uma potencial e possível situação de edema, com inerente insuficiência respiratória, evitando assim a morte daquele;

6.Tais indícios resultam da prova junta aos autos, e designadamente do relatório de autópsia de fls. 25 a 44, dos Pareceres de fls. 195 a 198, 233/4 e 615/6;

7.E bem assim das regras da experiência comum, pois das mesmas decorre que os cirurgiões devem ter o cuidado de zelar para que sejam prestadas toda a vigilância e cuidados necessários e adequados ao sucesso pleno da intervenção cirúrgica efectuada a um doente também no período pós- operatório, e mais ainda no caso de duas ao mesmo tempo;

8.Ao omitir tal vigilância permanente, o arguido Dr. I…, criou um grave perigo para a vida, corpo ou saúde do doente, que, em consequência disso, veio a falecer, tendo o arguido previsto como possível tal resultado, embora confiando, de forma leviana, que o mesmo não se produziria;

9.Acresce que, na decisão instrutória, o Mmo. Juiz de Instrução pronunciou, pela prática do aludido crime, o arguido Dr. J…, cirurgião que se encontrava exactamente nas mesmas circunstâncias do arguido Dr. I…, e que não requereu a abertura de instrução, o que poderia conduzir à violação do disposto no art. 307, n.º 4, do CPP;

10.Ao não pronunciar o arguido I…, o Mmo. Juiz de Instrução violou as disposições já citadas;

11.Pelo que, deverá tal decisão ser revogada nessa parte e ser substituída por outra que determine a pronúncia também deste arguido pela prática dos factos e crime constantes da acusação pública, dando-se, assim, cumprimento ao disposto no art. 308, n.° 1, do C.P.P.» [20],

Por considerar que:

«No presente processo, o Ministério Público deduziu acusação contra os arguidos J… (médico- otorrinolaringologista), I… (médico cirurgião), K… (médico-anestesista) e O… (enfermeira) imputando a cada um deles, em co-autoria material, a prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art. 137, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.

Os factos em causa reportam-se às causas e à responsabilidade da morte de G…, ocorrida em 9 de Outubro de 2010, na H…, no Porto, na sequência da intervenção cirúrgica a que o mesmo foi submetido no dia anterior ao seu decesso.

O falecido G… foi submetido a terapêutica cirúrgica de amigdalectomia total, realizada pelo arguido Dr. J…, e a tiroidectomia total, realizada pelo arguido, Dr. I…, feitas num único acto anestésico, da responsabilidade do arguido Dr. K….

A cirurgia, ou melhor, ambas as cirurgias tiveram sucesso, no sentido em que correram bem, sem qualquer intercorrência técnica, tendo decorrido entre as 17h45 e as 21h15.

Após as cirurgias, o doente deu entrada na sala de recobro onde permaneceu até às 22h25, devidamente monitorizado e acompanhado pelos arguidos e enfermeiras.

Uma vez que o seu estado de saúde foi considerado estável, foi-lhe dada alta médica, tendo então sido conduzido para o internamento sem monitorização, onde veio a falecer cerca das 6h35, da madrugada seguinte.

Ora, de acordo com o relatório de autópsia feito pelo INML (fls. 25 a 44) a morte de G… pode ter sido devida a asfixia consecutiva a edema laríngeo de origem inflamatória aguda/infecciosa.

E o Conselho Médico-Legal do INML (fls. 195 a 198), em parecer solicitado, esclareceu que: “Situações de edema pós-operatório com inerentes situações de grave, por vezes fatal, insuficiência respiratória, apesar de raras, são bem conhecidas.
A solução passa por uma muito precoce intervenção de repermeabilização das vias aéreas, seja por intubação oro-traqueal seja, quando esta se revela impossível, pela realização de uma traqueostomia, efectuada de imediato.

Para que estas medidas sejam possíveis de efectuar, em tempo útil, impõe-se que os doentes permaneçam em ambientes de monitorização permanente, para que a dificuldade respiratória seja detectada muito precocemente e com possibilidades de actuação imediata”.

Acresce ainda outro factor importante a ponderar, segundo o mesmo parecer, qual seja, o de que a realização, no mesmo tempo anestésico, de duas intervenções cirúrgicas (amigdalectomia e tiroidectomia total) que, isoladamente, se acompanham de algum edema da orofaringe, poderá traduzir- se por um potencial risco acrescido desse edema.

Por este motivo, impunha-se que o doente permanecesse em ambiente de monitorização permanente — controlo pós-operatório —, no caso concreto, muito para além do período de 1h10 durante o qual a vitima esteve na sala de recobro, conforme esclareceu, em parecer complementar, o Conselho Médico-Legal do Instituto Nacional de Medicina Legal (cfr. fls. 233/4).

Mais aí se diz que: “De acordo com os relatos e registos que nos foram dados a apreciar no Processo que já anteriormente analisamos, constata-se que na Enfermaria o acompanhamento e monitorização não foram os adequados, de molde a permitirem a imediata assistência clínica ao doente logo que exibiu os primeiros sinais de obstrução respiratória, momento em que ainda teria sido possível repermeabilizar a via aérea superior com sucesso”.

Ou seja, a morte do falecido G… poderia ter sido evitada e só ocorreu porque cada um dos arguidos não observou os deveres de cuidado e prudência exigidos.

De acordo com os elementos de prova constantes do processo, o clinico responsável pela alta do recobro foi o médico anestesista, o arguido Dr. K…, e no diário de enfermagem, junto a fls. 69/70, encontra-se registado que o doente foi observado na Unidade de Recobro pelo Dr. J… e pelo anestesista.

O que se discute no presente recurso tem a ver com a questão de saber a quem incumbe a responsabilidade pela vigilância do doente no período pós-operatório, seja ainda no recobro, seja, posteriormente.

Assim, de acordo com os elementos de prova recolhidos nos autos, podemos afirmar, cremos que, com segurança, que o período que o doente permaneceu no recobro foi insuficiente, que o mesmo foi para o internamento sem a devida monitorização e que a realização, no mesmo tempo anestésico, de duas intervenções cirúrgicas (amigdalectomia e tiroidectomia total) que, isoladamente, se acompanham de algum edema da orofaringe, poderá traduzir- se por um potencial risco acrescido desse edema.

A posição assumida pelo arguido Dr. I… foi a de que a competência para determinar o período de recobro é do anestesista, sendo que, o que era da sua responsabilidade — tiroidectomia total — correu bem. Acrescentou que, do teor de fls. 64, resulta que a «Tabela de Aldrete/Índice de Recuperação” apresentava um índice suficiente para o doente ter tido alta da unidade de recobro.
Assim, não foi ele que deu alta médica do recobro para o internamento, tendo sido o anestesista, o arguido Dr. K…, quem deu indicações para o paciente ir para o internamento.

Mais alegou que não acompanhou a evolução do doente após a cirurgia e que a vigilância do doente no pós-operatório, nomeadamente do estado hemodinâmico do doente, compete única e exclusivamente ao médico anestesista, a quem compete dar alta ao doente da unidade de recobro, e que foi isso que aconteceu nos presentes autos, não tendo sido discutida pelo corpo clinico, nem é habitual, a discussão do tempo do recobro, tempo que é dado pela evolução clinica do doente.

Esta posição do arguido Dr. I… juntamente com a resposta inconclusiva do Conselho Médico-Legal sobre a questão colocada pelo Mmo. Juiz sobre a quem compete, numa determinada equipa anestésico-cirúrgica, a decisão sobre o tempo de recobro, e designadamente se deve ser uma decisão colectiva ou exclusivamente do médico anestesista, conduziu à presente decisão de não pronúncia do arguido supra indicado.

Com efeito, ao esclarecimento solicitado, o Conselho Médico respondeu não dispor de registos clínicos bastantes que permitam responder objectivamente às questões concretas que foram formuladas. | Por esse motivo, o Mmo. Juiz de Instrução proferiu a seguinte decisão:

“... inexistindo prova documental ou testemunhal de qualquer intervenção decisória do arguido rio tocante ao tempo de observação e monitorização do doente na Unidade de Recobro, inexistindo qualquer elemento de prova de uma acção ou omissão negligente por parte do arguido, consideramos suficientemente justificados os fundamentos de facto e de direito invocados pelo arguido no seu requerimento de abertura de instrução e que aqui se dão por reproduzidos, com excepção dos do art. 41°, nos termos e para os efeitos previstos no art. 307°, n.° 1, do Código de Processo Penal.

Da prova produzida no inquérito e na instrução não resulta possível concluir, nem mesmo indiciariamente, que o arguido I… tenha sido o responsável pela alta do doente da Unidade de Recobro, facto que o Conselho Médico-Legal terá considerado negligente e revelador de má prática, e que terá sido determinante e causal para a sucessão de eventos que resultaram no decesso do doente.

Na falta de indícios da violação de normas da legis artis ou de deveres de cuidado por parte do requerente da instrução, concluímos assim que, em julgamento, sempre seria mais provável uma absolvição do que uma condenação do arguido I…, por falta de prova da sua responsabilidade”.

Ora, não podemos concordar com a decisão instrutória no que concerne à não pronúncia do arguido I….

Na verdade, na nossa óptica, existem elementos que indiciam que o arguido que requereu a abertura de instrução violou os mais elementares deveres de cuidado respeitantes à sua função de médico-cirurgião, omitindo os cuidados necessários a evitar as complicações, e mesmo a morte, que poderiam advir da realização das duas cirurgias efectuadas, como veio a acontecer.
Esses indícios são precisamente os mesmos que conduziram à pronúncia do co-arguido J…, o qual foi também um dos médicos-cirurgiões que, nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, operou o doente.

Também este médico não foi o responsável pela alta do Recobro do doente e não obstante foi, e bem, pronunciado.

Mas, em nosso entender e salvo melhor opinião, é um erro colocar-se a tónica do problema apenas na questão da alta do recobro.

Embora esta questão seja muito relevante em termos de atribuição de responsabilidades e do nexo causal com o resultado morte, pois se o doente tivesse estado mais tempo, (mais do que a insuficiente 1h10), no Recobro Anestésico, poder-se-ia fazer uma “intervenção de re-permeabilização das vias aéreas, seja por intubação oro-traqueal seja, quando esta se revela impossível, pela realização de uma traqueostomia, efectuada de imediato”, não é a única.

Porém, não podemos olvidar a primeira parte do Parecer supra referido, designadamente na parte em que refere serem bem conhecidas as situações de edema pós-operatório com complicações, por vezes, fatais.

Foi pelos motivos acima apontados, e assentes no Parecer do Conselho Médico-Legal do INML, que o Mmo. Juiz de Instrução proferiu decisão no sentido da pronúncia do co-arguido Dr. J…, sendo certo que este arguido teve uma actuação/omissão em tudo semelhante à do arguido I….

Assim, repete-se, não se vê qualquer razão plausível para que este arguido não tenha também sido pronunciado pela prática do crime que lhe foi imputado, como o foi o arguido J…, sendo que, a decisão instrutória poderia até neste caso violar o estatuído no art.307, n.º 4, do CPP.

Acresce que, a informação prestada pelo Conselho Médico-Legal do INML de que não dispõe de registos clínicos que permitam responder objectivamente à questão se saber se a decisão do tempo de recobro deve ser uma decisão colectiva ou exclusivamente uma decisão do médico anestesista não conduz, segundo o nosso entendimento, à CONCLUSÃO a que chegou o Mmo. Juiz de Instrução.

Com efeito, não cabendo essa decisão médica especificamente a um dos clínicos, todos os médicos - e não só - responsáveis/intervenientes nas cirurgias e período pós-operatório, deverão ser responsabilizados pelas suas condutas omissivas que deram origem à morte do inditoso G….

Por outro lado, também a co-arguida O…, enfermeira que se encontrava de serviço de atendimento aos quartos, e que fez (ou não) a assistência ao doente também não foi a responsável pela alta do recobro e, não obstante, tal não foi impeditivo de ser acusada e pronunciada.
É que, também a sua actuação/omissão foi causa adequada da morte do G…, pois a mesma apercebeu-se das várias queixas manifestadas pelo doente e da existência de vários “sinais” de que o mesmo não se encontrava nas condições “normais” tendo em conta a sua submissão a duas intervenções cirúrgicas, nada fazendo, designadamente logo que o paciente exibiu os primeiros sinais de obstrução respiratória, conforme o registo que a arguida efectuou no diário de enfermagem, sendo certo que só passadas várias horas é que chamou o INEM.

Podemos assim concluir, como na acusação, que não podiam os médicos e enfermeira que acompanhou o doente no pós-operatório deixar de representar como possível que o doente viesse a precisar de auxílio naquele período, impondo-se uma estreita vigilância e um controlo constantes e permanentes.

Assim, face aos elementos de prova existentes nos autos, pergunta-se se, para além da responsabilidade do médico anestesista, cabia a cada um e aos dois médicos que efectuaram as duas cirurgias ao paciente a responsabilidade, o cuidado e a atenção de zelar pela observação dos cuidados necessários a um pós-operatório do tipo dos efectuados.

Ora, como decorre da acusação e do Parecer levado a cabo pelo Instituto Nacional de Medicina Legal “a realização, no mesmo tempo anestésico, de duas intervenções cirúrgicas — amigdalectomia e tiroidectomia total — acarretava um potencial de risco de edema da orofaringe, tratando-se de duas cirurgias com risco de obstrução da via aérea e quando realizadas em simultâneo o seu risco seria mais elevado”.

Este conhecimento é/deve ser do conhecimento dos médicos que realizaram as intervenções cirúrgicas.
Não é razoável, à luz das regras comuns da experiência, que os deveres de um cirurgião se confinem ao espaço e tempo da cirurgia, pois vão muito aquém e muito além dela.

Desde logo, não é lícito, nem expectável, que antes de levar a cabo uma intervenção cirúrgica, um cirurgião não cuide de “mandar” o paciente fazer todas as análises e exames complementares necessários, com vista a apurar se, em concreto, aquele doente está em condições plenas ou, pelo menos, suficientes que permitam submetê-lo a uma qualquer intervenção cirúrgica.

De igual modo, após a cirurgia (e ainda que esta tenha tido todo o sucesso, como aconteceu no caso em apreço) não se espera que o cirurgião “desligue» do que se passa com o doente, e, numa atitude própria de Pôncio Pilatos, lave as mãos do que possa suceder daí em diante.

De acordo com a Wikipedia a “Anestestologia é a especialidade médica que estuda e proporciorta ausêrtcia ou alívio da dor e outras sensações ao paciente que necessita realizar procedimentos médicos, como cirurgias ou exames diagnósticos, identificando e tratando eventuais alterações das funções vitais. A especialidade vem a cada dia ampliando suas áreas de atuação, englobando não só o Período Intra-Operatório, bem como os períodos Pré e Pós-Operatórios, realizando atendimento ambulatorial para Avaliação Pré-Anestésica e assumindo um papel fundamental pós-cirúrgico no acompanhamento do paciente tanto nos Serviços de recuperação pós-anestésica e Unidades de Terapia Intensiva quanto no ambiente da enfermaria (cuidados paliativos, por exemplo) até o momento da Alta Hospitalar”.
E, socorrendo-nos da informação complementar prestada pelo Conselho Médico-Legal do INML, junto a fls. 233/4, podemos, nesta parte, concluir com segurança que tendo o doente permanecido apenas 1h10m no Recobro, tal período foi manifestamente insuficiente atendendo às duas cirurgias a que foi submetido.

Porém, tal não iliba da responsabilidade o cirurgião ou cirurgiões, como aconteceu no caso concreto, de prevenir e evitar as consequências possíveis e prováveis de uma intervenção do género das realizadas.

Esperava-se que os dois cirurgiões soubessem e, prevenissem, uma eventual situação de edema pós-operatório, com risco acrescido considerando que foram realizadas duas intervenções cirúrgicas ao mesmo tempo - cfr. parecer do Conselho Médico-Legal do INML junto a fls. 195 a 198 - e que a mesma poderia ser debelada se o doente permanecesse monitorizado no pós-operatório durante um período de tempo mais alargado.

Ou seja, para além da responsabilidade do médico-anestesista, cremos que a morte do infeliz G… também deve ser imputada aos médicos-cirurgiões que não tiveram em consideração, como podiam e deviam, o risco acrescido de edema da orofaringe que poderia existir em virtude de terem submetido o doente a duas intervenções cirúrgicas ao mesmo tempo, vindo o doente a falecer na sequência de “edema acentuado da laringe (úvula, epiglote e seio pririforme)... responsável por obstrução e paragem respiratória que se revelou insolúvel face à não possibilidade de intubação traqueal, por via oral ou traqueostomia.

Discordamos, pois, da posição do Mmo. Juiz de Instrução na decisão instrutória quando apenas atribui responsabilidade e relevância jurídico-penal à actuação do médico-anestesista, dizendo não ser possível concluir que o arguido I… tenha sido o responsável pela alta do doente da Unidade de Recobro, facto que o Conselho Médico-Legal terá considerado negligente e revelador de má prática, e que terá sido determinante e causal para a sucessão de eventos que resultaram no decesso do doente”.

Efectivamente, no caso dos autos, resulta que não foi o arguido Dr. I… que deu alta do Recobro ao doente.

Como também não o foram os outros arguidos, o cirurgião Dr. J…, e a enfermeira, O… e isso não foi motivo para não os pronunciar.

Transcrevendo, podemos concluir como no sumário do Ac.da R.P.de 12-11-2008, in www.dgsi.pt: “O resultado (morte) deve ser imputado objectivamente à conduta omissiva do médico que não prestou à lesada os cuidados médicos necessários e adequados a evitar o resultado que a situação exigia, segundo as legis artis e os conhecimentos da medicina”.

Ou, citando o Ac. da R.E. de 05-02-2013, publicado no mesmo sítio: I — Só existe negligência quando a conduta do agente se traduza na criação de um risco não permitido, previsível ou cognoscível para o mesmo, e desde que se estabeleça a relevância desse comportamento, isto é, quando se verifica um resultado danoso mediante a concretização e actualização de tal risco.
II — Se o resultado — morte de doente assistido pela arguida — se tivesse produzido ainda que tivessem sido observados todos os cuidados médicos devidos, não pode concluir-se pela negligência daquela”.

Por esse motivo, a morte do G… ficou a dever-se à omissão por parte de cada um dos arguidos do dever de cuidado que podiam, e deviam ter, no exercício do seu mister, tendo sido violado o disposto no art. 137, n.ºs 1, e 2, do C.P..

Se cada um dos arguidos tivesse sido cuidadoso, diligente e cumpridor das obrigações a que estão obrigados por força das suas funções, a morte do malogrado G… poderia ter sido evitada.

Com efeito, tendo em conta os elementos de prova recolhidos nos autos e particularmente o relatório de autópsia e Pareceres do Conselho Médico-Legal do Instituto Nacional de Medicina Legal, podemos, sinteticamente, concluir que a morte do infeliz G… poderia ter sido evitada:

- Se o médico anestesista tivesse tido o cuidado, como lhe competia, de prolongar o tempo de recobro do doente no pós-operatório muito para além da insuficiente 1h10 que aí esteve, a fim de que o mesmo pudesse estar mais tempo devidamente monitorizado e pudessem evitar-se possíveis complicações;

- Se os médicos-cirurgiões tivessem tido o cuidado de determinar que a monitorização do doente deveria ser estendida no pós-operatório, já que, sabiam que as duas intervenções cirúrgicas no mesmo tempo anestésico assim o exigia e que se tratava de duas cirurgias, cada uma delas, com risco de obstrução da via aérea; e,

- Se a enfermeira de serviço, logo que detectou os primeiros sinais de obstrução respiratória do doente, tivesse chamado o médico de serviço no Hospital ou no INEM, com vista a permitir a repermeabilização da via aérea superior com sucesso» [21].

ADMITIDO o Recurso a subir imediatamente, nos próprios autos do processo separado ut art 30-1-b-c e com efeito devolutivo para este TRP ut arts 399 a 408 e 427 do CPP por DESPACHO a fls 708 / 499 notificado a MP e Ils Mandatários de Assistente e de Arguido CUNHA inclusive nos termos e para os efeitos dos arts 411-6 e 413-1 do CPP, apenas o Recorrido I... apresentou RESPOSTA a fls. 510-541 = 542-573 II deste processo em separado na qual concluiu que [22]:

1.O Ministério Público encontra-se vinculado ao seu Estatuto e ao Principio da Legalidade.

2.Por esse motivo e salvo o devido respeito, não compreende o Recorrido como se permite o Ministério Público elaborar uma motivação de recurso ignorando em absoluto os concretos elementos que integram os autos e os concretos fundamentos utilizados pelo MMO. Juiz a Quo na decisão instrutória recorrida proferida.

3.Mal se compreende, por sua vez, que a motivação de recurso do Ministério Público constitua uma repetição do despacho de acusação que proferiu, mantendo-se indiferente a tudo quanto já constava dos autos de inquérito e que assinalado foi pelo Recorrido no requerimento de abertura de instrução e àquilo que foi praticado na fase de instrução e às congruentes conclusões sufragadas na decisão recorrida.

4.Mal se compreende, ainda, que a motivação de recurso apresentada pelo Ministério Público se direccione não só à conduta do aqui Recorrido e se estenda também à apreciação da actuação das outras três pessoas que por si foram acusadas.

5.É que: só o aqui Recorrido requereu a abertura de instrução.

6.Logo, só a sua actuação foi criticamente apreciada pelo MMo. Juiz de Instrução a quo e, obviamente, o despacho de não pronúncia proferido nos termos do artigo 308.º do Código de Processo Penal teve por objecto o juízo de comprovação a que o artigo 286.º do CPP, por aferição ao exercício de prognose judicial alinhado pelo disposto no artigo 283.º do mesmo diploma legal, unicamente incidente sobre a exclusiva actuação do aqui Recorrido.

7.Dito de outro modo, fosse qual fosse a decisão do MMo. Juiz de Instrução a quo, dela jamais beneficiaria as restantes três pessoas indicadas no despacho de acusação, porquanto não requererem estas – ao invés do que promoveu o aqui Recorrido – a abertura da facultativa fase de instrução.

Vejamos, no entanto, o que refere o Ministério Público na sua motivação de recurso:
“Ora, não podemos concordar com a decisão instrutória no que concerne à não pronúncia do arguido I….
Na verdade, na nossa óptica, existem elementos que indiciam que o arguido que requereu a abertura de instrução violou os mais elementares deveres de cuidado respeitantes à sua função de médico-cirurgião, omitindo os cuidados necessários a evitar complicações, e mesmo a morte, que poderiam advir da realização das duas cirurgias efectuadas, como veio a acontecer.
Esses indícios são precisamente os mesmos que conduziram à pronúncia do co-arguido J…, o qual foi também um dos médicos-cirurgiões que, nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, operou o doente.
Também esse médico não foi o responsável pela alta do Recobro do doente e não obstante foi, e bem, pronunciado.”»]

8.Salvo o devido respeito, erra clamorosamente o Ministério Público: o MMo. Juiz de Instrução a quo não produziu – nem legalmente estava autorizado a tanto - decisão de pronúncia em relação ao co-arguido J….

Lê-se, com efeito, na decisão recorrida o seguinte:

“Pelo exposto e decidindo, nos termos nos artigos 307.º, n.º 1 e 308.º do Código de Processo Penal, não pronuncio o arguido I…, determinando o arquivamento dos autos na parte relativa ao mesmo arguido.
Notifique e oportunamente remeta os autos aos Juízos Criminais do Porto, para distribuição como processo comum (tribunal singular), devendo aí ser cumprido o disposto nos artigos 311.º, n.º 2, e 312.º, do Código de Processo Penal, relativamente às acusações, pública e particular, formuladas contra os arguidos J…, K… e O…, uma vez que a instrução não abrangeu estes arguidos por não a terem requerido.” (sublinhado e negrito nossos)»]

9.Não foi proferido despacho de pronúncia em relação aos arguidos J…, K… e O…, pela simples razão de nenhum deles ter requerido a abertura da facultativa fase de instrução.

10.Tanto assim é que a fls. 708, o MMo Juiz de Instrução a quo determinou a separação de processos em relação ao aqui Recorrido e aos restantes arguidos, aí fazendo expressamente constar: “Em face do recurso apresentado pelo Ministério Público, que incide apenas sobre a não pronúncia do arguido I…, recurso que terá um efeito não suspensivo do processo, afigura-se-me conveniente proceder à separação de processos por forma a não retardar excessivamente o julgamento dos demais arguidos que não foram abrangidos na decisão instrutória (…)” (negrito e sublinhado nossos)

11.Ininteligíveis, pois, com o devido respeito, todas as passagens do recurso apresentado pelo Ministério Público quando argumenta que a decisão recorrida não pode ser considerada boa, por alegadamente o MMo. Juiz de instrução a quo ter não pronunciado e pronunciado arguidos que estavam em suposta igualdade de circunstâncias…

12.Por outro lado e inclusivamente, vá-se lá saber o motivo, discorre largamente o recurso instaurado sobre a decisão recorrida sobre a conduta co-arguida O… …

13.Ao Ministério Público pouco importa quem é quem, quais as competências funcionais de cada um dos arguidos, qual a dinâmica factual que efectivamente ocorreu e que está documentada nos autos, analisar criticamente os depoimentos das próprias testemunhas que indicou no seu despacho de acusação, analisar minuciosa e criticamente o processo clinico do doente, saber quem requereu a abertura de instrução ou ler com a atenção devida a decisão recorrida para verificar que os outros arguidos não foram nem deixaram de ser pronunciados; importa, sim, ao Ministério Público deixar de se conformar com a decisão de não pronúncia justificada e fundadamente proferida em relação ao aqui Recorrido, porque…. Sim!

14.Com o devido respeito, as invocações a Pôncio Pilatos e, nomeadamente, à Wikipédia (?), desmerecem por completo a credibilidade das alegações apresentadas pelo Ministério Público.

15.Novamente salvo melhor opinião, a jurisprudência invocada no recurso apresentado é, por sua vez, generalista e destituída de aplicabilidade às particularidades do caso concreto.

16.Estranho que o Ministério Público tenha ignorado nas suas alegações o fundamental relatório de fls. 583 a 585.

17.Estranho, ainda, que o Ministério Público tenha ignorado o parecer médico-legal de fls. 195 a 198 e a interrogação que aí expressamente é feita e que interfere com o processo causal que culminou com a morte do doente, relacionada com a razão de ser de não ter sido realizada uma traqueostomia ao doente, deixando-se no ar a ideia de que tal intervenção poderia tê-lo salvo.

18.Atento tudo quanto seguidamente se referirá, terá necessariamente de improceder o recurso em apreço.
Com efeito:
Lê-se na decisão recorrida que decidiu a não pronúncia do Arguido e aqui Recorrido, o seguinte:

“O arguido I… veio requerer a abertura de instrução no sentido da sua não pronúncia, por não se conformar com a acusação que lhe imputa a autoria de um crime de homicídio por negligência previsto e punível pelo artigo 137.º, n.º 1 e n.º 2, do Código Penal.
Alegou o que consta do requerimento de fls. 457 a 472 e juntou um relatório que faz fls. 583 a 585.
(…)
Compulsados os autos, verifica-se que a acusação se fundamenta essencialmente nos elementos de prova pericial – relatório de autópsia e parecer técnico-cientifico elaborado pelo Conselho Médico Legal do Instituto Nacional de Medicina Legal – juntamente com os documentos dos autos.
De acordo com o relatório de autópsia, junto a fls. 25 a 44, a morte de G… pode ter sido devida a asfixia consecutiva a edema laríngeo de origem inflamatória aguda/infecciosa (fls. 44) e a fls. 37, pode ler-se que os “achados morfológicos de edema laríngeo, embora pudessem ser sugestivos de choque anafiláctico, são mais compatíveis com um processo inflamatório agudo/infeccioso, associado a ulceração na epiglote e ao estado pós-cirurgico a que foi submetido (amigdalectomia)”.
Na sequência da consulta técnico-cientifica, o Conselho Médico-Legal do Instituto Nacional de Medicina Legal aprovou o parecer constante de fls. 195 a 198, no qual se refere, com particular interesse, que situações de edema pós-operatório com inerentes situações de grave, por vezes fatal, insuficiência respiratória, apesar de raras, são bem conhecidas e, de alguns casos específicos, as referências bibliográficas do Relatório de Patologia Forense são disso exemplo”. (negrito nosso)

Prossegue a decisão instrutória recorrida, nos seguintes termos:
“O arguido I… alegou, no seu requerimento de abertura de instrução, que não é o responsável por dar alta médica da sala de recobro para o internamento dos doentes, e que do teor de fls. 64 resulta que a “Tabela de Aldrete/Indice de Recuperação”, apresentava um indicie suficiente para o doente ter tido alta da unidade de recobro.
Já no inquérito o arguido afirmara que quem deu indicações para o paciente sair da unidade de recobro foi o médico anestesista, o Dr. K…, como concluiu resultar de fls. 65.
Efectivamente, do processo clinico do doente, junto a fls. 58 a 78, consta, a fls. 65, a indicação do “Clinico responsável pela ALTA” como sendo o Dr. K…, ou seja o Dr. K…, médico anestesista.
No diário de enfermagem, a fls. 69 e 70, elaborado pela Enf.ª O…, consta que o doente foi observado na U.R. (Unidade de Recobro) pelo Dr. J… e pelo anestesista Dr. K….
O arguido I… não acompanhou a evolução do doente após a cirurgia, e já nas declarações que prestou na instrução esclareceu que o doente acabado de operar vai para uma unidade de recobro, e que a vigilância do doente no pós-operatório, no estado hemodinâmico do doente, compete única e exclusivamente ao médico anestesista, a quem compete dar a alta ao doente da unidade de recobro, e que foi isso que aconteceu nos presentes autos.
O arguido afirmou, ainda, de forma sincera e convincente, que já não estava no bloco operatório quando o doente teve alta do recobro, e que quem tomou conta e decidiu a alta do recobro foi o seu colega anestesista. Esclareceu também que a saída do doente do recobro não foi discutida pelo corpo clinico, nem é habitual a discussão do tempo de recobro, tempo esse que é dado pela evolução clinica do doente.
Afirmou também que a decisão de extubar o doente é unicamente do médico anestesista.
Esclareceu também que terá saído da H… cerca de meia hora depois da operação, depois de perguntar ao anestesista se estava tudo bem e de ter recebido uma resposta positiva. (negritos e sublinhados nossos)

Refere seguidamente a recorrida decisão instrutória:
“No intuito de esclarecer estas questões, solicitamos ao Conselho Médico-Legal o esclarecimento sobre a quem compete, numa determinada equipa anestésico-cirurgica a decisão sobre o tempo de recobro, se deve ser uma decisão colectiva ou uma decisão do médico anestesista, tendo o referido Conselho informado “que não dispõe de registos clínicos bastantes que nos permitam responder objectivamente às questões concretas que agora nos são formuladas” (fls. 616).

Continua a recorrida decisão instrutória nos seguintes termos:
“Nestas circunstâncias, e inexistindo prova documental ou testemunhal de qualquer intervenção decisória do arguido no tocante ao tempo de observação e monitorização do doente na Unidade de Recobro, inexistindo qualquer elemento de prova de uma acção ou omissão negligente por parte do arguido, consideramos suficientemente justificados os fundamentos de facto e de direito invocados pelo arguido no seu requerimento de abertura de instrução e que aqui se dão por reproduzidos, com excepção dos do art.º 41.º, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 307.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.” (Negrito nosso)

Conclui a decisão instrutória recorrida, nos termos seguintes:
“Da prova recolhida no inquérito e na instrução não resulta possível concluir, nem mesmo indiciariamente, que o Arguido I… tenha sido o responsável pela alta do doente da Unidade de Recobro, facto que o Conselho Médico-Legal terá considerado negligente e revelador de má prática, e que terá sido determinante e causal para a sucessão de eventos que resultaram no decesso do doente.
Na falta de indícios da violação de normas de leges artis ou de deveres de cuidado por parte do requerente da instrução, concluímos assim que, em julgamento, seria sempre mais provável uma absolvição do que uma condenação do arguido I…, por falta de prova da sua responsabilidade.” (sublinhados e negritos nossos)

Ora:»]

19.Inelutável é ter o MMo. Juiz quo, ao emanar despacho de não pronúncia em relação ao aqui Recorrido, proferido a única decisão possível à luz da análise dos muitos elementos que integram o processo clinico do doente, dos vários depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas durante o inquérito e, ainda, das duas Perícias médico-legais realizadas.

Senão vejamos:
Do libelo acusatório de fls. 339 a 352 vinha imputado ao aqui Recorrido, em autoria material, a prática de um crime de homicídio por negligência p. e p. pelo artigo 137.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal.
A prova indicada pelo Ministério Público para sustentar o despacho de acusação proferido contra o aqui Recorrido foi a que segue:

Documental: os documentos dos autos, designadamente, os de fls. 2 a 8, 15 a 19, informação e registos da H… de fls. 58 a 75, informação do INEM de fls. 76, Declaração de consentimento de fls. 77, declaração de internamento de fls. 78, informação da H… de fls. 123 e de fls. 213;
Pericial: relatório de patologia forense de fls. 25 a 44 e Parecer de fls. 195 a 198 e de fls. 233 e 234;
Declarante: Q…, id. a fls. 117.
Testemunhal:
(i) B…, id. a fls. 192;
(ii) Professor Doutor T…, id. a fls. 195;
(iii) U…, id. a fls. 337;
(iv) E…, id. a fls. 314;
(v) L…, id. a fls. 99;
(vi) M…, id. a fls. 103;
(vii) N…, id. a fls. 104;
(viii) V…, id. a fls. 156;
(ix) F…, id. a fls. 184;
(x) C…, id. a fls. 186;
(xi) D…, id. a fls. 188;
(xii) E…, id. a fls. 190;
(xiii) W…, id. a fls. 148;
(xiv) X…, id. a fls. 175;
(xv) Y…, id. a fls. 177; e
(xvii) D…, id. a fls. 310.
Ora:»]

20.Compulsados os autos de inquérito e tal como concluiu a decisão recorrida verifica-se ser manifesto não terem sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado a prática de qualquer crime pelo aqui Recorrido.

Historiando a factualidade objecto do processo e fazendo uma minuciosa análise crítica dos elementos que compõem os autos: »]

21.A factualidade dos autos funda-se numa terapêutica cirúrgica de amigadalectomia e de tiroidectomia total, protagonizada, respectivamente, pelo Arguido J… e pelo aqui Recorrido no dia 08 de Outubro de 2010, na H…, no Porto.

22.A esse tratamento terapêutico foi submetido, nas circunstâncias de tempo e de lugar acima indicadas, G…, pessoa que dessas intervenções cirúrgicas necessitava e que veio a falecer na madrugada do seguinte dia 09 de Outubro.

23.A intervenção médica do aqui Recorrido confinou-se à cirurgia de tiroidectomia total, a fim de eliminar uma patologia maligna da tiróide que havia sido diagnosticada ao doente G….

24.A análise de todo o processo clinico respeitante ao internamento do falecido G…, cuja cópia se encontra nos autos de inquérito, evidencia ter o Recorrido observado, todas as obrigações de cuidado que a concreta situação destes autos impunha.

25.Dos registos clínicos que compõem o inquérito, resulta, efectivamente, que a intervenção cirúrgica realizada pelo aqui Recorrido decorreu sem qualquer intercorrência técnica e terminou com o doente perfeitamente estabilizado, tendo acordado e bem.

26.Atente-se, a este propósito, no depoimento da testemunha indicada na acusação pública proferida, L…, enfermeira, a qual, a fls. 99 declarou o seguinte: “Refere que cirurgia correu com normalidade. Esteve presente no momento do acordar do paciente na sala onde foi intervencionado. Acordou bem, falou normalmente, tendo sido dadas instruções por parte do anestesista para o paciente ser transferido para o recobro.” (negrito nosso)

27.A enfermeira M…, testemunha indicada na acusação pública deduzida, a fls. 103, declarou igualmente o seguinte: “A cirurgia correu com normalidade.” (negrito nosso)

28.Também a enfermeira N…, enfermeira, testemunha indicada na acusação pública deduzida, a fls. 104, declarou também o seguinte: “A cirurgia decorreu com normalidade, tendo o paciente acordado e falado normalmente.” (negrito nosso)

29.No final da intervenção cirúrgica por si realizada e após verificar que tudo estava normal, o Recorrido retirou-se do bloco operatório.

30.Prova inquestionável de que a cirurgia da tiróide realizada pelo Recorrido foi tecnicamente correcta e bem executada é encontrada no registo clinico de fls. 66, o qual corresponde ao pós-operatório e onde se lê: “Apenas de referir acordar agitado, mas sem qualquer intercorrência. Fez laringoscopia após, tendo-se verificado existência de edema da orofaringe e muito boa mobilidade das cordas vocais.” (negritos nossos)

31.O teor do transcrito registo clinico de fls. 66 é, por si só, objectivamente incompatível com a imputada conduta medicamente inadequada ou incorrecta no contexto da intervenção cirúrgica realizada pelo aqui Recorrido, tal como vem imputada na acusação pública proferida e, agora, no recurso do Ministério Público.

32.Após o exame de visualização da laringe (laringoscopia), atestou-se a sua integridade e uma “muito boa mobilidade das cordas vocais”. (negrito nosso)

33.Tal significa não ter havido qualquer lesão do nervo recorrente laríngeo durante a cirurgia, como se confirma pela análise de fls. 31 do relatório de autópsia (figuras 9 e 10).

34.Mais se lê a fls. 67 dos autos, no item referente às “complicações operatórias” e “post-operatórias”, “sem complicações”, o que reforça o sucesso da operação realizada à tiróide decorrente da estrita observância pelo Recorrido da legis artis a que estava vinculado no exercício da sua actuação médica.

35.De resto, os acima indicados factos constantes de fls. 67 são valorizados na consulta técnico-científica de fls. 195 a 198.

36.Na 3.ª conclusão da autópsia realizada ao cadáver do falecido G…, a fls. 44, é referido que “a morte pode ter sido devida a asfixia consecutiva a edema laríngeo de origem inflamatória aguda/infecciosa.”

37.A acima referida possibilidade avançada a fls. 44 como possível causa da morte do falecido G… não constitui decorrência previsível, face à já referenciada informação de fls. 66 dos autos.

38.Em face do exposto, inexiste explicação para o edema referido a fls. 44, aqui importando anotar que o mesmo pode resultar em determinados casos como reacção orgânica a medicamentos ou outro tipo de situações como a própria agressão cirúrgica.

39.De resto, na 4.ª conclusão da autópsia realizada ao cadáver do falecido G…, a fls. 44, é referido que “este quadro de edema laríngeo de origem inflamatória aguda/infecciosa surgiu após cirurgia (amigdalectomia e tiroidectomia) a que a vitima foi submetida no dia 08/10/2010, e pode estar relacionada com o traumatismo local inerente à cirurgia e/ou às manobras de intubação oro-traqueal.”

40.Por resultar dos sinais dos autos, designadamente a fls. 26, aqui se salienta que as acima transcritas manobras de intubação oro-traqueal susceptíveis de ter provocado o quadro de edema laríngeo de origem inflamatória aguda/infecciosa que pode estado na origem da morte do doente, ocorreram muitas horas depois da intervenção cirúrgica levada a efeito pelo aqui Recorrido.
Temos assim que:

41.Dos autos de inquérito e de instrução resultam sinais vários que inequivocamente comprovam não ter o aqui Recorrido violado qualquer dever objectivo de cuidado, por referência às legis artis médicas, como vem descrito na acusação pública formulada e, agora, no recurso interposto pelo Ministério Público, antes pelo contrário.

42.Não existe, com efeito, nos autos, o menor indicio de que o Recorrido, ao agir como agiu, no exercício da sua actividade médica, tenha inobservado ou omitido negligentemente certo cuidado terapêutico e/ou cirúrgico no desempenho da sua função profissional.

43.Logo, objectivo é não ter o aqui Recorrido, por acção ou omissão, contribuído com a sua actuação para o resultado morte que se veio a verificar.
Por seu turno:

Refere o parecer de fls. 195 a 198 dos autos o seguinte:
(…) “Situações de edema pós-operatório com inerentes situações de grave, por vezes fatal, insuficiência respiratória, apesar de raras, são bem conhecidas e, de alguns casos específicos, as referências bibliográficas do Relatório de Patologia Forense são disso exemplo.

A solução passa por uma muito precoce intervenção de re-permeabilização das vias aéreas, seja por intubação oro-traqueal seja, quando esta se revela impossível, pela realização de uma traqueostomia, efectuada de imediato.

Para que estas medidas sejam possíveis de efectuar, em tempo útil, impõe-se que os doentes permaneçam em ambientes de monitorização permanente, para que a dificuldade respiratória seja detectada muito precocemente e com possibilidades de actuação imediata.
(…) O volume de edema justifica, igualmente, que a tentativa de intubação oro-traqueal não tenha sido conseguida sendo, contudo, menos compreensível, o porquê da não realização da traqueostomia, uma vez que a ferida operatória já tinha sido aberta e, por isso, a traqueia estaria exposta. Todavia, de acordo com a descrição temporal dos factos, é possível que, no momento em que estas manobras foram tentadas, já tivesse passado tempo suficiente para o estabelecimento de um quadro de anóxia cerebral irreversível.

Outro aspecto que nos parece relevante ponderar é o da realização, no mesmo período anestésico, de duas intervenções cirúrgicas – amigdalectomia e tiroidectomia total – que, isoladamente, se acompanham de algum edema da orofaringe e, cuja associação, poderá traduzir-se por um potencial risco acrescido desse edema.” (negrito nosso)

Isto é:»]
44.Em nenhuma passagem do relatório de consulta técnico-científica de fls. 195 a 198 é suscitada qualquer tipo de desconformidade ou censura, por mais velada que seja, à actuação médica do aqui Recorrido no contexto do objecto dos presentes autos.

45.A única interrogação que aí expressamente é feita e que interfere com o processo causal que culminou com a morte do doente relaciona-se com a razão de ser de não ter sido realizada uma traqueostomia ao doente, deixando-se no ar a ideia de que tal intervenção poderia tê-lo salvo, ainda que com a ressalva seguinte que aí se faz e que acima se transcreveu também.

46.A indicada questão referida no parecer médico-legal de fls. 195 a 198 não apresenta, obviamente, qualquer relação com a pessoa do aqui Recorrido, porquanto se coloca temporalmente muitas horas depois da intervenção cirúrgica por aquele irrepreensivelmente realizada.

Entretanto:

47.Não refere o último parágrafo do parecer de fls. 195 a 198 que a realização de duas intervenções cirúrgicas no mesmo acto anestésico constituiu violação da legis artis ou a violação pelo aqui Arguido de um dever objectivo de cuidado, ao contrário do que vem imputado ao Arguido na acusação pública deduzida e, novamente agora, no recurso sob resposta apresentado pelo Ministério Público.

48.Não é censurada pelo Perito médico-legal essa decisão e muito menos referido que essa vicissitude é violadora da boa praxis médica.

49.Simplesmente aí é dada nota de que essa opção é susceptível de traduzir potencial (normal) risco de aparecimento de edema da orofaringe e nada mais do que isso.
Ademais:

Na consulta médica cientifica de fls. 233 e 234 é referido, fundamentalmente, o seguinte:

(…)“Em concreto, diremos que no pós-operatório imediato de uma intervenção que não foi responsável por marcada ou importante alteração hemodinâmica e em doentes sem morbilidades importantes, a monitorização pós operatória imediata é compatível com um ambiente de recobro.
Era esta a situação do doente em causa.
O doente permaneceu no Recobro da H… entre as 21h15 e as 22h25, onde esteve “…sempre monitorizado…” e, de acordo com as normas de boas práticas, foi sendo avaliado por médicos e enfermeiros. Além desta avaliação clinica, o doente deverá ter mantido em permanência das suas funções vitais controlados por equipamentos médicos, não invasivos, que fazem, em continuidade, a avaliação das frequências e dos ritmos cardíaco e respiratório, bem como intermitentemente da tensão arterial.”

Acrescenta o referido Parecer médico-legal, em análise da informação de fls. 213 dos autos, o seguinte:

“Registamos que o controlo e a Alta de uma Unidade de Recobro estão devidamente definidas por Normas que, em princípio, deverão ser universalmente cumpridas e devidamente registadas.
O doente permaneceu na Sala de Recobro Anestésico 1h10, pelo que admitindo que todos os tempos, padrões de avaliação e gestos foram correctos e adequados, isso aconteceu enquanto o doente permaneceu no Recobro, ou seja, durante a referida 1h e 10m, período de tempo claramente insuficiente para Recobro – controlo pós-operatório – de uma intervenção deste tipo.
De acordo com os relatos e registos que nos foram dados apreciar no Processo que já anteriormente analisámos, constata-se que na Enfermaria o acompanhamento e monitorização não foram os adequados, de molde a permitirem a imediata assistência clinica ao doente logo que exibiu os primeiros sinais de obstrução respiratória, momento em que ainda teria sido possível repermeabilizar a via aérea com sucesso.” (sublinhado nosso)»]

50.Tal como teve o aqui Recorrido oportunidade de esclarecer em sede de instrução, esclarecimentos que se encontram suportados pelos documentos clínicos que constam dos autos: (i) o aqui Recorrido é médico-cirurgião, não é anestesista ou enfermeiro, (ii) não é ao aqui Recorrido quem compete definir os tempos de recobro dos doentes que opera, após a saída do bloco operatório, tal como não é o aqui Recorrido o responsável por dar alta médica da sala de recobro para o internamento dos doentes, como, de resto, não aconteceu no caso concreto – fls. 65 dos autos.

51.Numa situação como a dos autos, em que demonstrado está, através dos registos clínicos existentes, que a intervenção cirúrgica realizada correu bem, sem qualquer intercorrência, nenhum motivo objectivo existia para o aqui Recorrido desse esta ou aquela indicação especial para que o período de recobro fosse superior àquele que viesse a ser entendido – não pelo Recorrido, pois não pertence às suas competências funcionais, mas antes pelo médico anestesista - como o necessário.

Como quer que seja:

52.Não pode o Recorrido deixar de discordar da Perícia de fls. 233 e 234 quando considera “claramente insuficiente o período de recobro de uma operação deste tipo”, uma vez que resulta do teor de fls. 64 que a “Tabela de Aldrete/Indicie de Recuperação”, apresenta um indicie suficiente para o doente ter tido alta da unidade de recobro.

53.Aliás, a este respeito a testemunha indicada no despacho de acusação U…, a fls. 337, a este respeito declarou o seguinte: “…não há um tempo mínimo estipulado de permanência no recobro e a alta do mesmo é definida pelos critérios clínicos apresentados pelo doente.” (sublinhado nosso)

54.De resto, constata, ainda, o Recorrido que a Perícia de fls. 233 e 234 considera “claramente insuficiente o período de recobro de uma operação deste tipo”, mas é omissa em relação ao concreto período de tempo de recobro que então se impunha observar.

55.A decisão instrutória recorrida entendeu não dar como reproduzido o teor do artigo 41.º do requerimento de abertura de instrução e é esse o único segmento da decisão recorrida com a qual o aqui Recorrido não concorda, em face dos concretos motivos acabados de enunciar.

56.Sem prejuízo, tal segmento da decisão recorrida afigura-se de nenhum efeito em relação ao aqui Recorrido, pois dos autos resulta não ter sido este a dar a alta ao doente do período de recobro ou a definir o que quer que fosse a esse respeito – cfr. fls. 65 -, visto que trata de materialidade excluída do seu âmbito funcional e exclusivamente confinada às atribuições funcionais do médico anestesista, tal como – e bem – considerou a decisão instrutória recorrida.

Em suma:

57.Dos depoimentos testemunhais que constam dos autos, nada resulta que aponte para qualquer violação do aqui Recorrido dos deveres de cuidado a que estava obrigado.

58.Salvo o devido respeito, não se compreende, por conseguinte, quais os indícios recolhidos durante a fase de inquérito e que podem continuar a ser entendidos pelo Ministério Público como bastantes e suficientes para se achar que ao Recorrido pode vir a ser aplicada uma pena ou uma medida de segurança, pois a toda a prova documental, pericial e testemunhal recolhida no decurso do inquérito e da instrução despista, contundentemente, essa possibilidade.

59.É, pois, o despacho de não pronúncia, a única decisão que, no caso concreto, se impunha que fosse proferida.

● Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente recurso não merecer provimento e, em consequência, deve ser a decisão recorrida confirmada e devem ser os autos arquivados em relação ao aqui Recorrido » [22],

Em Vista ut art 416-1 do CPP o Exmo Procurador Geral Adjunto emitiu a fls 582 e VS III o PARECER que «… o presente recurso deve proceder» por considerar que:

«Da respectiva motivação e conclusões que encerram a mesma, estas consabida e pacificamente aceites como delimitadoras do objecto do recurso, resulta que o M. P. se insurge contra a decisão instrutória de não pronúncia do referido Arguido, pretextando e procurando demonstrar, nos termos e com os fundamentos que expõe e aqui se dão por reproduzidos, que, em face de todo o circunstancialismo em que ocorreram os factos, não pode dissociar-se da (co-) responsabilização pelos mesmos, sob pretexto de que o único responsável foi o Arguido anestesiologista, a conduta omissiva do Arguido no período pós-operatório, enquanto cirurgião interventivo numa das duas cirurgias sofridas pela Vítima sob o mesmo processo anestésico, necessariamente com riscos acrescidos da formação de edemas nos loca cirurgica, como infelizmente, veio a acontecer sem que, por via de tal incúria, a vida do paciente tivesse sido acautelada.
Entende assim o Recorrente que, dado o melindre da situação pós-cirúrgica da Vítima, em risco acrescido decorrente da cirurgia dupla a que foi submetido, risco de que o Arguido tinha consciência, impunha, não só ao médico anestesiologista e à enfermeira vigilante, mas também aos cirurgiões (I… e J… [23]) que realizaram as intervenções cirúrgicas, o acompanhamento pós-operatório pelo tempo necessário (“vigilância permanente”) à garantia de que o paciente não correria qualquer risco de vida.

E, referindo que, com a decisão de não pronunciar o Arguido em causa, “o Mm°. Juiz de Instrução violou o disposto nos arts. 137, n.ºs 1 e 2, Do Código Penal e 308, n. ° 1, do Código de Processo Penal”, acaba a impetrar a revogação da decisão recorrida, a ser “substituída por outra que determine a pronúncia também deste arguido pela prática dos factos e crime constantes da acusação pública, dando-se assim cumprimento ao disposto no art. 308, n.º 1, do C.P.P.” - fls. 491-493.

O Arguido apresentou oportuna resposta, pugnando fundamentadamente pela sua improcedência.
Apreciando, resta-nos aderir à essência do recurso do M. P. junto do TIC do Porto, cuja criteriosa, bem fundamentada e convincente argumentação, proficientemente sintetizada nas conclusões tiradas, por inteiro se subscreve e sufraga, tendo por útil acrescentar o seguinte:

Na monografia intitulada RESPONSABILIDADE PENAL POR NEGLIGÊNCIA NO EXERCÍCIO DA MEDICINA EM EQUIPA, Coimbra Editora, 2008, de Sónia Fidalgo, no Capítulo IV (Determinação da responsabilidade no exercício da Medicina em Equipa — Concretização), Subcapítulo II (Relação entre médicos especialistas em áreas diferentes) e, mais concretamente, no Ponto 2. (Intervenção simultânea — as relações entre cirurgião e anestesiologista), pode ler-se:

“… Na fase pós-operatória, o anestesiologista tem o dever de vigiar o restabelecimento da capacidade geral de funcionamento do organismo do paciente. A saída do doente da Unidade de Cuidados Pós-Anestésicos [recobro], tem de ser sempre controlada pelo anestesiologista. E da responsabilidade de ambos os especialistas a decisão sobre o local onde decorrerá o pós-operatório. enfermaria, Unidade de Cuidados Intermédios ou Unidade de Cuidados Intensivos. Também os deveres do cirurgião não se circunscreverão ao puro acto cirúrgico. Após a intervenção, o cirurgião tem o dever de prevenir e controlar os perigos e os danos que possam advir como consequência da intervenção”, citando-se, em nota de pé-de-página, o Ac. do TRL de 17.11.1998 em que se decidiu que há indícios suficientes de negligência médica quando os arguidos médicos que tendo submetido o doente (que veio a falecer) a uma intervenção cirúrgica arriscada e não aconselhável, lhe dão alta, abandonando-o à sua sorte, após o surgimento de uma infecção, consequência daquela intervenção e que exigia estreita vigilância e um controlo constante e permanente (pág. 201).

E, mais à frente, acrescenta-se: Pode ainda verificar-se um erro na fase pós-operatória nas situações em que, não cumprindo o seu dever de continuar a controlar o estado do paciente após a intervenção cirúrgica, o cirurgião abandona o paciente nas mãos de profissionais sem competência para fazer face a qualquer complicação que possa eventualmente surgir(pág. 205).
Ora, no caso em apreço, maior cuidado seria de exigir, na medida em que, constando da factualidade vertida na acusação que a Arguida, enfermeira vigilante, perante o degradar do estado de saúde do paciente durante a noite, chamou o 112, se conclui que a unidade de saúde onde o mesmo sofreu as intervenções cirúrgicas e estava internado não possuía serviço de urgência para acudir prontamente a qualquer emergência do pós-operatório» [24].

NOTIFICADOS os Il Mdts de Assistente e Arguido Recorrente para, querendo, responder em 10 dias seguidos ex vi art 417-2 do CPP, NÃO o fizeram.

Na oportunidade efectuado EXAME PRELIMINAR e colhidos os VISTOS LEGAIS os autos foram submetidos à CONFERÊNCIA.

Com interesse para decisão do Recurso recopila-se a seguinte PROVA concretamente lograda ao longo do Inquérito e da Instrução:

1.RELATÓRIO DE PATOLOGIA FORENSE a fls. 25-44 / 27-46 do qual ressumam os itens

DISCUSSÃO com o teor:

«Segundo a Bibliografia, o edema pós-operatório da via aérea superior traduz uma complicação cirúrgica descrita e que pode assumir consequências fatais. Apesar de rara, a obstrução da via aérea pode levar a paragem respiratória com necessidade de re-intubação ou de traqueostomia de emergência. O edema da úvula associada a necrose podem ser devidos à presença de tubo endotraqueal durante o procedimento cirúrgico que exerça pressão sobre estas estruturas. O traumatismo dos tecidos moles da laringe pode ocorrer como resultado de uma intubação traumática que, por sua vez, se pode associar a edema, hematoma ou laceração da laringe. A introdução do tubo endotraqueal poderá levar a ulceração da mucosa adjacente à cartilagem laríngea, resultando em necrose. Num estudo realizado em cadáveres que tinham sido submetidos a intubação por razões cirúrgicas, em 12 % dos casos foram detectadas úlceras da mucosa da epiglote, em 51 % ao nível da glote posterior e em 15 % ao nível da traqueia, no local onde fica o cuff do tubo endotraqueal.’ As razões que podem dificultar a realização de intubação incluem alterações anatómicas e edema da via aérea superior. Sendo a intubação difícil nestes casas, uma traqueostomia de emergência poderá ser necessária.

A morte por anafilaxia poderá levar ao aparecimento de achados inespecíficos que incluem o edema laríngeo e pulmonar, bem como a presença de espuma abundante nas vias aéreas. Em alguns casos poderá haver aumento dos níveis séricos de lgE e Triptase. Estes casos surgem habitualmente quando há exposição a uma determinada substância que leva ao aparecimento de uma reacção de hipersensibilidade. Estas substâncias incluem fármacos, venenos e alimentos. O diagnóstico de morte por anafilaxia pode ser muito difícil. Neste caso, não será de admitir que a morte tenha sido devida a anafilaxia, mas sim devida a asfixia consecutiva a edema laríngeo de origem inflamatória / infecciosa em função da informação clínica, dos dados necrópsicos e dos resultados dos exames complementares de diagnóstico»;
CONCLUSÕES com o teor:

«1ª - O exame toxicológico ao sangue para pesquisa de álcool etílico, drogas de abuso e substâncias medicamentosas, revelou a presença de Paracetamol numa concentração inferior a 14ug/mL (concentração sub-terapêutica segundo a TIAFT (therapeutic and Toxic Drug Concentrations List).
2ª - O exame ao sangue para doseamento de lgE total e Triptase revelou concentrações inferiores aos valores de referência para os casos de Anafilaxia.
3ª - Em face dos dados necrópsicos, da lnformação Clínica (INEM e H…), da Informação Social, colhida nesta Delegação e atrás transcritas, associados ao resultado dos exames complementares de diagnóstico, nomeadamente o exame histológico e o doseamento de lgE total e Triptase, a morte de G… pode ter sido devida a asfixia consecutiva a edema laríngeo de origem inflamatória aguda / infecciosa.
4ª - Este quadro de edema laríngeo de origem inflamatória aguda / infecciosa surgiu após cirurgia (amigdalectomia e tiroidectomia) a que a vítima foi submetida no dia 08/10/2010, e pode estar relacionada com o traumatismo local inerente à cirurgia e/ou às manobras de intubação oro-traqueal.
5ª - Há sinais de tentativa de traqueostomia através da incisão cirúrgica, facto que foi constatado através da observação da retirada dos pontos cirúrgicos (Figura 4); no entanto não se observou a abertura da traqueia a esse nível. Estes achados são compatíveis com os descritos nos registos clínicos»;

2.Cópia do processo clínico existente na H… … a fls 58-78 / 57-78, do qual consta – além do mais - o «Relato Operatório (8/10/10)» de «ORL» e de «Cirurgia Geral Tireoidectomia Total», o «Diário de Enfermagem» e o «Diário Clínico», todos manuscritos e cujos dados foram relevados na «Consulta técnico-científico» ao Conselho Médico-Legal infra citada;

3.Depoimento em 10.5.2011 da então Testemunha Otorinolaringologista FREITAS

«O depoente exerce funções como Otorrinolaringologista na H… no Porto.
O falecido G… recorreu aos serviços do aqui depoente na P… em Barcelos, cerca de dois ou três meses antes do acto cirúrgico. À data o mesmo tinha problemas crónicos de amigdalas, assim como uma tumefacção da tiroide, tendo-se realizado os exames necessários, designadamente ecografia e punção biópsia, tendo sido diagnosticada uma lesão maligna na tiróide. Sugeriu ao falecido que fosse observado pelo Dr. I…, seu colega de Cirurgia Geral.
Foi apresentado ao falecido o Termo de Consentimento, tendo tudo sido explicado pelo aqui depoente e pelo seu colega Dr. I… os procedimentos necessários para a cirurgia e os riscos advenientes. Nada fazia prever que algo corresse mal tendo em conta a idade do paciente e o tipo de intervenção. A intervenção cirúrgica foi realizada pelo depoente, pelo Dr. I…, pelo Dr. K… (anestesista) e pela enfermeira L… (instrumentista)
A intervenção correu bem, o pós operatório imediato foi normal, foi prescrita pelo médico anestesista a medicação adequada.
Esclarece que a ficha de fls, 66 foi assinada pelo médico anestesista, tendo ainda referido que a sintomatologia constante da mesma, corresponde ao normal numa situação idêntica.
Confrontado com fs. 44 esclarece que a morte do referido paciente resultou de asfixia provocada por edema da laringe, não sendo tal decorrência previsível, face á informação clínica de fls. 66.
A intubação do paciente é realizada pelo médico anestesista. Está convicto que a mesma foi feita convenientemente, uma vez que no pós operatório foi verificado que a laringe não apresentava qualquer tipo de edema, apresentando outrossim, uma boa mobilidade das cordas vocais.
Acompanhou o paciente, juntamente com o anestesista, até o mesmo sair do recobro, cerca das 22.00 horas, uma vez que o paciente se encontrava bem e o mesmo já podia ser transferido para a enfermaria.
Confrontado com fls. 65 esclareceu que a enfermeira de serviço administrou ao paciente paracetamol e petidine, conforme prescrito.
Confrontado com as conclusões de fls. 44, na parte concernente às consequências que determinaram a morte de G…, onde se refere que a mesma pode ter sido devida a asfixia consecutiva a edema laringeo de origem inflamatória aguda / infecciosa, referiu não ter explicação para o referido edema, uma vez que o mesmo pode resultar em determinados casos como reacção orgânica a medicamentos ou outro tipo de situações.
Esclarece que na tentativa de reanimação efectuada pelo INEM e posteriormente pelo anestesita o paciente foi sujeito a tentativa de entubação e tentativa de traqueotomia, podendo o edema ter ocorrido nessa situação, tentativas essas que não foram bem sucedida»;

4.Depoimento em 17.5.2011 da então Testemunha Anestesista K…

«O depoente exerce funções como Anestesista na H… no Porto.
O depoente esteve presente como anestesista na intervenção cirúrgica efectuada no dia 08.10.2010 a G…. Estiveram ainda presentes na referida cìrurgia o Dr. J…, o Dr. I…, a enfermeira L… (instrumentista), a enfermeira M… e a enfermeira N….
No recobro esteve presente a enfermeira Z….
O paciente tez uma intervenção à tiroide e às amigdalas, com extracção total, sendo um doente sem antecedentes de doença. Preconizou o tipo de anestesia adequada a situações desta natureza. Procedeu à intubação do paciente, após administração de fármacos e iniciou ventilação controlada.
Primeiro foi operado às amigdalas (amigdalectomia total) e depois à tiroide (tiroidectomia total). sem qualquer intercorrência.
Sempre que existe uma operação à tiroide, é obrigatório fazer uma laringoscopia que se traduz na visualização das cordas vocais e da traqueia, para excluir o risco de lesão do nervo laringeo recorrente.
No caso em análise, o paciente fez laringoscopia como resulta do relatório da anestesia de fls. 66, tendo tudo corrido dentro do normal.
O paciente teve um acordar agitado, não se tendo verificado, contudo, qualquer ocorrência anestésico - cirúrgica.
Esteve presente no recobro, verificou o dreno, que estava a funcionar e a fazer vácuo. O paciente queixou-se apenas de dores de garganta e dificuldades em deglutir, o que é normal em situações análogas.
Por volta das 06.05 horas, foi contactado, sendo-lhe dito que o doente se encontrava em paragem cardio- respiratória, e de imediato dirigiu-se à H…, tendo chegado pelas 06.20 horas. Encontrou o doente em paragem cardio respiratória assistido pelo INEM e a colega em serviço pediu ajuda para efectuar traqueostomia, uma vez que lhe era impossível a intubação orotraqueal, Fez nova tentativa de laringoscopia tendo constatado marcado edema da orofaringe, pelo que fez intubação nasotraqueal e orotraqueal, também se efeito. Fez tentativa de traqueostomia utilizando Kit de Quicktrack, que foi também impossível. Foi verificado o óbito pelas 06.35 horas.
No final da cirurgia, o paciente não tinha edema que justificasse paragem respiratória. O paciente falou com o depoente, com a enfermeira e o colega que se encontravam no recobro, não tinha a voz rouca e não apresentava qualquer problema.
Está convicto que a situação de edema surgiu como consequência de uma reacção alérgica a um medicamento - choque anafilático.
A asfixia provocada pelo edema poderá ter sido devida a vários factores designadamente o sobredito choque anafilático, tendo em conta o hiato temporal que mediou o acto cirúrgico e a paragem cardio respiratória»;

5.Depoimento em 17.5.2011 da Enfermeira L…

«Exerce funções como Enfermeira lnstrumentista na H… no Porto. | Esteve presente na intervenção efectuada no dia 08.10.2010 ao paciente G…. | Refere que a cirurgia correu com normalidade. Esteve presente no momento do acordar do paciente na sala onde foi intervencionado. Acordou bem, falou normalmente, tendo sido dadas instruções por parte do anestesista para o paciente ser transferido para o recobro. A partir desta situação nada mais sabe, por não ter estado presente. Saiu no final do serviço, cerca das 21.30 horas, segundo se lembra»;

6.Depoimento em 18.5.2011 da então Testemunha Cirurgião I…

«O depoente exerce funções como Cirurgião Geral na H… no Porto.
Conheceu o doente através do Dr. J… tendo-lhe sido solicitado apoio para o tratamento de uma doença relacionada com a área da Cirurgia Geral e não de Otorrinolaringologia (que é da especialidade do Dr. J…).
Concordou como o diagnóstico efectuado previamente pelo colega, e propôs ao doente a realização de tireoidectomia total, tendo o doente aceite. Inclusivamente propôs que a cirurgia fosse realizada apenas com um único acto anestésico
A cirurgia correu sem qualquer intercorrência técnica e terminou com o doente perfeitamente estabilizado, acordado e bem. No final da operação, tendo verificado que tudo estava normal, retirou-se do bloco.
À data o falecido tinha problemas crónicos das amigdalas, assim como uma tumefacção da tireóide, tendo-se realizado os exames necessários, designadamente ecografia e punção biópsia, tendo sido diagnosticada uma lesão maligna da tireóide.
Foi apresentado ao falecido Termo de Consentimento, tendo sido tudo explicado pelo aqui depoente e pelo seu colega Dr. J…, os procedimentos necessários para a cirurgia e os riscos advenientes. Nada fazia prever que algo corresse mal tendo em conta a idade do paciente e o tipo de intervenção cirúrgica a efectuar.
A intervenção cirúrgica foi realizada pelo aqui depoente, pelo Dr. J… (otorrinolaringologista), pelo Dr. K… (anestesista) e pela enfermeira L… (instrumentista).
A intervenção correu bem, o pós operatório imediato foi normal, foi prescrita pelo médico anestesista a medicação adequada.
Esclarece que a ficha de fls. 66 foi assinada pelo médico anestesista, tendo ainda referido que a sintomatologia constante da mesma, corresponde ao normal numa situação idêntica.
Confrontado com fls. 44 esclarece que a morte do referido paciente resultou de asfixia provocada por edema da laringe, não sendo tal decorrência previsível, face à informação clinica de fls. 66.
A intubação do paciente foi realizada pelo médico anestesista, está convicto que a mesma foi feita convenientemente, uma vez que no pós operatório foi verificado que a laringe não apresentava qualquer tipo de edema, apresentando outrossim, uma boa mobilidade das cordas vocais (sinal de que a cirurgia da tireóide foi tecnicamente correcta).
Esclarece que a enfermeira de serviço administrou ao paciente paracetamol e petidine, conforme prescrito.
Confrontado com as conclusões de fls. 44, na parte concernente às consequências que determinaram a morte de G…, onde se refere que a mesma pode ter sido devida a asfixia consecutiva a edema laríngeo de origem inflamatória aguda/infecciosa, referiu não ter explicação para o referido edema, uma vez que o mesmo pode resultar em determinados casos como reacção orgânica a medicamentos ou outro tipo de situações como a própria agressão cirúrgica.
Esclarece que na tentativa de reanimação efectuada pelo INEM e posteriormente pelo anestesista, o paciente foi sujeito a tentativa de traqueostomia. Foi informado que nessa tentativa se verificou não haver qualquer hematoma cervical importante»;

7.Depoimento em 24.5.2011 da Enfermeira M…

«Exerce funções como enfermeira na H… no Porto, tendo assistido à intervenção cirúrgica realizada a G…, no dia 08.10.2010 , na qualidade de enfermeira circulante. | A cirurgia correu com normalidade. | Saiu do bloco logo que a cirurgia terminou, não assistindo ao momento do acordar do paciente. | Desconhece a identificação do médico que estava de serviço naquele dia»;

8.Depoimento em 24.5.2011 da Enfermeira N…

«Exerce funções como enfermeira na H… no Porto. | Esteve presente na cirurgia efectuada a 08.10.2010 a G…, como enfermeira de apoio a anestesia. | A cirurgia decorreu com normalidade, tendo o paciente acordado e falado normalmente. | Após foi transferido para a Unidade de Recobro. A partir desse momento não teve mais contacto com o paciente»;

9.PARECER I do Professor Doutor T… (Relator) aprovado por unanimidade em reunião de 11.10.2011 do Conselho Médico-Legal do INML, IP, no Processo 73/2011 de «Consulta técnico-científica» solicitado pelo MP, com o teor:

«Processo referente à situação clínica do Senhor G…, de 32 anos de idade, internado na H… do Porto, no dia 8 de Outubro de 2010, onde foi submetido a terapêutica cirúrgica de amigdalectomia e tiroidectomia total e falecido, nesta Instituição de Saúde, pelas 6h 35m do dia 9 de Outubro de 2010.
Síntese do caso:

O doente foi internado nesta Instituição de Saúde pelas 15 horas do dia 8 de Outubro de 2010 a fim de ser tratado cirurgicamente pelos Drs. J… e I….
A intervenção cirúrgica prevista — amigdalectomia e tiroidectomia total - decorreu entre as 17h 45m e as21 h54m—Fl1as 62-.

Na Folha 61 encontramos o Relato Operatório com descrição por ORL — Dr. J… - do procedimento de Amigdalectomia e por Cirurgia Geral - Dr. I… - da Tiroidectomia Total. | Ambos os procedimentos estão detalhadamente descritos e evidenciam intervenções cirúrgicas lineares e, tal como registado — Fla 67 — “…sem complicações pré, per- e pós-operafórias, anestésicas ou cirúrgicas ...”.

Na Ficha Anestésica - Fla 66 -, encontramos em “... Notas ... apenas de referir acordar agitado mas sem qualquer intercorrência. Fez laringoscopia após tendo-se verificado existência de edema da orofaringe e muito boa mobilidade das cordas vocais...”.

No Diário de Enfermagem — Folha 69 e de acordo com o que nos é possível ler - é referido, “... às 22:30h doente regressou da U.R (?) ... ansioso, inquieto e sempre queixoso à chegada com edema supra-interno da tiroidectomia sem evolução: já observado na U.R. pelo Dr J… + Anestesista Dr. K… tem dreno com vacuo funcionante à chegada com 100cc de conteúdo hemático sem registos relevantes às 24h e às 2h … às 4h, por não expelir a saliva retirava-lhe o que acumulava na cavidade oral, referiu calor ficou apenas com lençol, sutura da tiroide exposta e edema do pescoço sem evolução de diametro do pescoço, drenagem sobreponível à entrada … às 5h, doente pergunta se está a chover e refere novamente calor, expelindo saliva sanguinolenta, mantendo sinais vitais estáveis … 5h40h, deparei com pré-paragem respiratória, à chamada sem resposta verbal, com pulso periférico, sat 02-93%, sem O2, sem saliva na boca, pedido de ajuda pelo meu TLM ao 112 que me respondeu de imediato, pedido de ajuda ao médico de permanência Dr B… e Colega Enf° E… para iniciar manobras de reanimação. À chegada do INEM iniciou suporte avançado de vida, também com ajuda posterior do Dr. K…, anestesista do doente para a cirurgia efectuada após várias tentativas reanimação não eficaz foi verificado o óbito pelas 6h35 pelo Dr K… ...”.

No Diário Clínico - Flas 74 — é referido pelo Dr B… que observou o doente às 5h45 do dia 9 de Outubro e “...paragem respiratória çom frequência cardíaca variável os Snrs Enfermeiros já se encontravam a fazer massagem cardíaca e a ventilar com ambu apresentava edema cervical e da orof … abri com bisturi a cicatriz operatória (de tiroidectomia), com saída de pequena /média quantidade de sangue e coágulos … foram mantidas manobras de suporte básico de vida, tendo chegado o INEM, que assumiu a situação…”

Segue-se - Flas 75 — o registo do Dr K… - Anestesista - que refere ter sido contactado pela Casa de Saúde e que quando, chegou 15 minutos depois de ter sido chamado, “...o doente estava a ser assistido pelo INEM constatou em laringoscopia marcado edema da orofaringe, que inviabilizou a intubação fraqueal tentativa de fraqueostomia, que foi também impossível foi verificado o óbito após terem sido feitas todas as manobras de ressuscitação às 6h 35..”

Em Auto de lnquirição- Flas 94, 95 — o Dr. J…, Médico Otorrinoiaringologista, refere que observou o doente cerca de dois a três meses antes do acto cirúrgico e porque “... o doente tinha problemas crónicos de amigdalas, assim como uma tumefacção da tiroide, diagnosticada- ecografia se citologia – como lesão maligna – sugeriu que o doente fosse observado pelço peIo Cirurgião Geral, Dr. I… a intervenção foi efectuada por ambos nada fazia prever que corresse mal, atendendo à idade do doente e ao tipo de intervenção ...”.

O Dr. K…, no seu depoimento em Auto de Inquirição — Flas 97 e 98 - refere que, sem que qualquer alteração fora do habitual tenha surgido “... no final da cirurgia, o paciente não tinha edema que justificasse paragem respiratória … conversou com o doente no Recobro … às 6h 20 não conseguiu intubar o doente, nem fazer a traqueostomia com Kit de Quicktrack está convicto que a situação de edema surgiu como consequência de uma reacção alérgica a um medicamento — choque anafiláctico -…”.

O Cirurgião Geral, Dr. I… refere que “... concordou com o diagnóstico da lesão tiroideia propôs a realização de tiroidectomia total a cirurgia correu sem qualquer intercorrência técnica e terminou com o doente perfeitamente estabilizado ...”.

Além dos fármacos habitualmente utilizados na Anestesia, foram prescritos e administrados no Recobro: 1 gr lV de Paracetamol às 24h e 50 mg de Petidina i.m. às 2 horas.

Solicita o Departamento de Investigação e Acção Penal do Porto que este Conselho se pronuncie se segundo o estado dos conhecimentos da experiência da medicina, foram levados a cabo pelos diversos clínicos e equipas de enfermagem que acompanharam o paciente durante a cirurgia e o pós-operatório todos os tratamentos que eram possíveis, de acordo com as leges artis ou se, pelo contrário, foram preteridas algumas das boas práticas clínicas.

Da análise do Processo que nos foi dados apreciar, conclue-se que, de acordo com os dados de informação clínica e do Relatório de Patologia Forense que o doente, Senhor G…, faleceu no pós-operatório imediato de uma intervenção cirúrgica - Amigdalectomia seguida de Tiroidectomia Total -, na sequência de “... edema acentuado da laringe (úvula, epiglote e seio pririforme) ...” responsável por obstrução e paragem respiratória que se revelou insolúvel face à não possibilidade de intubação traqueal, por via oral ou traqueostomia.
Em resposta concreta ao solicitado cumpre a este Conselho reiterar a justificação clínica e fisiopatológica da causa de morte que, a Flas 43, consta da excelente Discussão elaborada pelo Perito responsável pelo Relatório de Patologia Forense. O muito cuidado e sólido suporte bibliográfico permitiu ao Senhor Perito fazer um exercício de grande qualidade científica com que fundamenta o diagnóstico possível face aos elementos clínicos encontrados.

É assim possível atribuir a Causa de Morte a “ ...asfixia consecutiva a edema laríngeo de origem inflamatória aguda/infecciosa… surgido após cirurgia… podendo estar relacionado com o traumatismo local inerente à cirurgia …excluindo a anafilaxia como causo possível do edema ...”.

Situações de edema pós-operatório com inerentes situações de grave, por vezes fatal, insuficiência respiratória, apesar de raras, são bem conhecidas e, de alguns casos específicos, as referências bibliográficas do Relatório de Patologia Forense são disso exemplo.

A solução passa por uma muito precoce intervenção de re-permeabilização das vias aérea seja por intubação oro-traqueal seja, quando esta se revela impossível, pela realização de uma traqueostomia, efectuada de imediato.

Para que estas medidas sejam possíveis de efectuar, em tempo útil, impõe-se que os doentes permaneçam em ambientes de monitorização permanente, para que a dificuldade respiratória seja detectada muito precocemente e com possibilidades de actuação imediata.

Desconhece este Conselho se o Recobro da H… do Porto , satisfaz estas condições.

Compreende-se que a assistência de enfermagem, prestada logo após a valorização da paragem respiratória, tenha sido infrutífera na medida em que o edema da orofaringe inviabilizava a adequada ventilação do doente que “... lhe estava a ser prestada com ambu...”.

O volume do edema justifica, igualmente, que a tentativa de intubação oro-traqueal não tenha sido conseguida sendo, contudo, menos compreensível o porquê da não realização da traqueostomia, uma vez que a ferida operatória já tinha sido aberta e, por isso, a traqueia estaria exposta. Todavia, de acordo com a descrição temporal dos factos, é possível que, no momento em que estas manobras foram tentadas, já tivesse passado tempo suficiente para o estabelecimento de um quadro de anóxia cerebral irreversível.

Outro aspecto que nos parece relevante ponderar é o da realização, no mesmo tempo anestésico, de duas intervenções cirúrgicas — amigdalectomia e tiroidectomia total — que, isoladamente, se acompanham de algum edema da orofaringe e, cuja associação, poderá traduzir-se por um potencial risco acrescido desse edema»;

10.Depoimento em 31.5.2011 de Q…

«… era a mãe de G…. Disse que o seu filho tinha 32 anos, era solteiro, técnico de informática e vivia consigo. Em data que não se recorda verificou que o seu filho tinha o pescoço inchado, e tendo-lhe referido tal facto, o mesmo desvalorizou o assunto. Depois soube que foi a um médico em Barcelos, desconhecendo o nome, e o que lhe disse, pois o seu filho a respeito da sua saúde não lhe contava nada, talvez porque não a quisesse afligir. Soube então que o filho iria ser operado no Porto, ao que julga à tiróide, o que sucedeu no dia 9 de Outubro do ano passado. O seu filho saiu de casa para o efeito por volta da uma da tarde, tendo sido acompanhado pela sua irmã W… (de 44 anos de idade), pois a mesma disponibilizou-se a conduzi-lo à clínica e a acompanhá-lo. A saber alguma coisa sobre o que se passou no hospital, a sua filha poderá responder com mais acerto, na medida em que a depoente nem se deslocou ao hospital pois estava previsto que o seu filho regressaria no dia seguinte. A sua filha W… reside Rua…»;

11.Depoimento em 08.7.2011 de W…

«É Técnica de farmácia.
Em finais de Junho ou inícios de Julho de 2010, o seu irmão queixou-se-lhe que tinha a garganta inchada, sem contudo sentir dores de garganta.
Perante tai, a depoente marcou-lhe uma consulta para o Dr. J…, Otorrino, na P…, em Barcelos, por já o ter consultado ela própria e o considerar um bom médico.
O seu irmão compareceu a essa consulta, tendo-lhe o médico mandado fazer uma ecografia à tiróide e umas análises.
Como a ecografia acusou nódulos na tiróide, o Dr. J… mandou-o fazer uma biopsia.
Vindo o resultado desta, aconselhou-o a ir a uma consulta com um cirurgião da tiróide do Hospital Militar, cujo nome não recorda.
O seu irmão foi então consultado por esse cirurgião e, após, foi novamente a uma consulta com o Dr. J….
A depoente veio saber posteriormente, no fim da cirurgia, que a biopsia acusara nódulos malignos.
Todos os resultados destes exames devem estar com os médicos ou na H….
O Dr. J… marcou então a cirurgia às amígdalas e à tiróide na H… que é o local onde este opera.
Esta cirurgia foi realizada por este e pelo aludido cirurgião da tiróide no dia 8 de Outubro de 2010.
Nesse dia a depoente acompanhou o seu irmão à H… pelas 15 horas.
Ele entrou para o bloco pelas 17 horas e voltou para o quarto cerca das 22 horas e 30 minutos. A depoente esteve sempre no quarto à espera que ele voltasse.
Quando o seu irmão regressou ao quarto a depoente falou com ele, tendo-lhe este dito que havia entrado em pânico no recobro por não conseguir engolir. O seu irmão falava muito baixo, com os olhos fechados, queixando-se ainda de muitas dores e dificuldades em engolir.
Saiu de junto dele cerca da meia noite e meia, tendo-lhe deixado a campainha ao alcance e tendo-lhe dito que a tocasse se precisasse de alguma coisa.
Após a operação ter terminado o Dr. J… falou consigo tendo-lhe dito que a operação havia corrido bem, que a tiróide havia ficado limpa e que, como tinha ficado com dois buracos na garganta por causa da remoção das amígdalas, lhe havia dado dois pontos para que não ficasse com resíduos de alimentos.
Logo lhe disse também que o seu irmão não teria alta no Domingo, conforme estava inicialmente previsto, porque seria conveniente que ficasse mais um tempo para observação.
O seu irmão veio a falecer durante a noite.
De manhã telefonou a perguntar como este havia passado a noite, tendo-lhe sido dito que havia passado a noite muito agitado, que não estava bem e que os médicos estavam à espera da família.
Deslocou-se então para o Porto, na companhia da sua irmã X…, o marido desta AB…, um amigo do seu irmão, Y… e a mulher deste, AC….
Quando chegaram à H… estavam lá à sua espera os dois médicos e o anestesista, Dr. K….
Foi este quem lhes comunicou o sucedido, afirmando suspeitar de choque anafilático, tendo dito que abrira a incisão (na zona do pescoço), não tendo visto nada. Perguntou-lhes ainda se ele era alérgico a algum medicamento, tendo a sua irmã X… dito que ele era alérgico à peninsilina, ao que aquele disse que não esta não lhe havia sido administrada.
Mais lhe disse que a enfermeira havia dado com o seu irmão em paragem cardíaca entre as 5 e as 6 da manhã, que haviam chamado o INEM que tentou a reanimação do mesmo, sem sucesso.
Além do seu irmão sofrer da garganta (por vezes fazia amigdalites), não tinha qualquer outro problema de saúde.
Chamaram uma amigo da família, de nome V…, que é proprietário-de uma Funerária, que foi quem tratou de chamar a polícia, para removerem o corpo para o IML para realização da autópsia.
Mais afirmou já ter fornecido a identificação das pessoas supra referidas ao processo»

12.Depoimento em 04.8.2011 de V…

«… EM INICIO DE NOVEMBRO DE 2010 NÃO SE RECORDA DO DIA EXATO, FOI CONTACTADO PELA SENHORA W… IRMÃ DO FALECIDO, A PEDIR OS SERVIÇOS DA AGENCIA FUNERÁRIA DA TESTEMUNHA.
EM VIRTUDE DE O SEU IRMÃO TER FALECIDO E COMO A FAMÍLIA NÃO TINHA CABEÇA PARA AS BUROCRACIAS PARA A REALIZAÇÃO DO FUNERAL, DELEGARAM TUDO O QUE FOSSE NECESSÁRIO NA TESTEMUNHA.
A TESTEMUNHA A PEDIDO DA W… DESLOCOU-SE Á H… AO PORTO EM QUE O MÉDICO SE ENCONTRAVA LÁ NO LOCAL Á ESPERA DA TESTEMUNHA.
A TESTEMUNHA CHEGADA Á H…, ENCONTRAVA-SE O MÉDICO ANESTESISTA EM QUE A TESTEMUNHA LHE ENTREGOU O CERTIFICADO DE ÓBITO E O MEDICO O PREENCHEU CONSTANDO A TESTEMUNHA QUE NO CERTIFICADO O MEDICO TINHA COLOCADO CAUSA INDETERMINADA COMO CAUSA DE MORTE, JÁ NÃO PODENDO LEVANTAR O CORPO.
VISTO QUE A CAUSA DE MORTE ERA INDETERMINADA A TESTEMUNHA SOLICITOU OS SERVIÇOS DA H… PARA CONTACTAR A PSP EM QUE A IRMÃ SUPERIOR COLOCOU A TESTEMUNHA A FALAR COM A PSP.
COMO A ESQUADRA DA PSP QUE FICAVA PRÓXIMA A TESTEMUNHA DESLOCOU-SE LÁ E LHES CONTOU (O SUCEDIDO.
TENDO A PSP DESLOCADO Á H… QUE TOMOU CONTA DOS SERVIÇOS E ENCAMINHARAM O CORPO PARA O INSTITUTO DE MEDICINA LEGAL»;

13.Depoimento em 02.9.2011 de X…

«A depoente é irmã do falecido G….
O falecido vivia em casa da mãe de ambos, sita na Rua …, n°. …, em … — Barcelos.
O falecido não tinha problemas com drogas ou álcool, era uma pessoa saudável e inclusive praticava desporto e frequentava um ginásio.
Não obstante porque tinha alguns problemas a nível da garganta e um nódulo na tiróide, foi sujeito a cirurgia na H…, no Porto, no dia 08/10/2010.
Concluída a operação, que segundo os médicos tinha corrido bem, foi para o recobro, onde teria tido um ataque de ansiedade.
Posteriormente foi para o quarto, onde esteve acompanhado pela irmã W… até cerca das 23H00, altura até que esteve tudo bem, tendo o seu irmão ficado bem disposto.
Esclarece que nesse dia tiveram conhecimento através dos médicos que operaram o seu irmão de que o nódulo que este tinha era maligno mas que tinham conseguido retirá-lo na totalidade.
O irmão da depoente sempre escondeu à restante família de que o nódulo era maligno, possivelmente para não os preocupar, já que o pai tinha falecido três anos antes com cancro no pulmão.
Na manhã do dia seguinte a referida clínica contactou telefonicamente a W… e comunicou-lhe que o irmão tinha passado muito mal a noite e para que a família se deslocasse lá.
Quando lá chegaram foram atendidos pelos dois cirurgiões que operaram o seu irmão e pelo anestesista, tendo este último informado de que o irmã da depoente tinha sido encontrado pela Enfermeira de Serviço cerca das 05H20 em paragem cardíaca e que esta contactou o INEM, que se deslocou ao local e o tentou reanimar, sem sucesso.
Acrescentou ainda que foi ainda contactada a equipa médica que o havia operado e que o primeiro a chegar ao local foi o anestesista, que também tentou reanimar o irmão da depoente e que, inclusive, tinha aberto o orifício resultante da operação para ver se este tinha alguma obstrução na garganta, contudo, também não foi bem sucedido.
Segundo soube a clínica não tinha médico de serviço, tanto mais que, segundo informação prestada pelo referido anestesista, foi o INEM a prestar os primeiros cuidados ao ora falecido e depois o próprio anestesista, sendo que se houvesse médico de serviço seria este o primeiro a socorrer o paciente.
Depois de ter visto o cadáver do irmão, contactaram telefonicamente a Funerária AD…, em … - Barcelos, para efectuar o levantamento do corpo e procederem ao seu funeral, todavia, veio-se a constatar que não era possível proceder ao levantamento do corpo porque a Polícia não foi informada do óbito, informação esta que teve que ser efectuada pelo próprio Agente Funerário, facto que a depoente achou e ainda acha muito estranho»;

14.Depoimento em 02.9.2011 de Y…

«O depoente era amigo de longa data do falecido G….
O falecido era aparentemente uma pessoa saudável e o depoente apenas lhe conhecida um pequeno problemas nas amígdalas. o amigo do depoente foi operado no dia 08/10/2010 às amígdalas e também a um nódulo que lhe foi encontrado na tiróide, nódulo este que foi encontrado quando o agora falecido fez exames preliminares antes da operação.
Na manhã posterior à operação, ao que julga num sábado, o depoente foi contactado telefonicamente pela W…, uma das irmãs do agora falecido, que lhe pediu se a podia acompanhar à H… para visitar do irmão, que tinha telefonada para lá e tinha sido informada de que tinha havido uma pequena complicação durante noite e que o médico queria falar com a família.
O depoente acompanhou a referida W… e a irmã X… e no H… foram recebidos por três pessoas, que o depoente pensa serem médicos, sendo que um deles informou a família que a operação tinha corrido bem, que o problema do nódulo tinha sido resolvido, que o paciente tinha tido um ataque de pânico no período pós-operatório, do qual tinha recuperado, mas que durante a noite tinha sido encontrado em dificuldades pela Enfermeira de Serviço.
Disse ainda o mesmo médico, que o depoente soube mais tarde ser o médico anestesista, que foi contactado para sua casa pela referida Enfermeira a solicitar a sua presença com urgência no Hospital, onde o mesmo se deslocou, tendo demorado cerca de 30 minutos a lá chegar. Referiu ainda que quando lá chegou abriu o corte resultante da cirurgia para verificar se havia alguma obstrução ou problema interno e que como estava tudo bem voltou a fechar o corte. Foi ainda dito que foi chamado o INEM ao local, que fez todos os possíveis para salvar a vida da ora falecido, contudo, sem sucesso, altura em que o depoente se ausentou da sala»;

15.Depoimento em 12.9.2011 da então Testemunha - depois Arguida – Enfermeira O…

«Ser Enfermeira na H… no Porto e no dia em causa nos autos encontrava-se de serviço ao piso (serviço de atendimento nos quartos). Acompanhada da sua chefe, lrmã F…, foi buscar o G…, ao recobro e levou-o para o quarto. O doentes estava consciente, estável, com os sinais vitais em forma, o médico Dr. J… já tinha passado pelo piso e tinha dito que tudo estava bem com o doente, que iria ter dores normais uma vez que tinha feito duas cirurgias, já tinha tomado analgesico e prescreveu os analgésicos para o doente tomar nas horas normais. No quarto, encontrava-se a irmã do doente, que cerca de uma hora depois, se ausentou. Ele falou com a irmã e tudo estava estável. A ¡rmã dizia que ele era muito ansioso, que não lidava bem com hospitais.
Cerca da meia noite o doente queixou-se de dores e a aqui depoente depois de verificar a ficha medica administrou-lhe paracetamol de 1 grama, endovenoso. Continuou a sentir dores mas só por volta das 2 da manhã é que tomou o outro analgesico. A partir daí sossegou e conseguiu dormir um pouco embora ainda ansioso. Por volta das 5 da manhã, na mudança de soro e depois de ter estado a falar com ele, o doente simula um “engasguegamento” subito e parou de respirar embora continuasse com pulso. A aqui depoente reagiu de imediato, tentou ver se havia coagulos ou saliva na boca que pudesse obstruir a respiração, como nada encontrou e na ordem não existe serviço de urgencia, accionou o INMEM, do seu telemóvel e todas as pessoas que se encontravarn de serviço - o colega do piso, as irmãs e o médico de serviço, tendo iniciado manobras basicas de vida. O médico tentou abrir a sutura. O INEM chegou rapido e já munido de todos os aparelhos necessários constatou que se tratava de uma obstrução com edema uma vez que nem o orificio para fazer passar o tubo orotraqueal se conseguia ver, apenas sangue e edemas, razão pela qual as manobras basicas não funcionaram. O problema surgido pode ser normal num pos operatorio, quer na tiroidectomia, quer na amigdalectomia.
Em relação a este caso nada fazia prever este desfecho, estava tudo normal. Refere que ficou com um sentimento de impotência, mas consciente de que nada mais estava ao seu alcance»;

16.Depoimento em 12.9.2011 da Enfermeira F…

«Ser irmã na H… e como vivem na H…, acabam por estar sempre de serviço. No dia em causa a irmã acompanhou a Enfermeira O…, quando foram buscar o doente ao recobro. O doente estava um pouco ansioso, como já estava antes de ser operado, apenas se queixava de dificuldades em engolir, situação normal após a amigdalectomia, inclusivé quando são miudos.
A propria irmã do doente confirmou que o doente era ansioso por natureza, não gostava de hospitais. Ficou algum tempo com o irmão, falou com ele e acabou por ir embora uma vez que tudo estava dentro do normal.
Deixou o doente no quarto e como tudo estava bem, dentro do normal num pós operatório de duas cirurgias, e foi descansar. Cerca das 6 da manhã a irmã C… chamou-a para subir porque já tinham chamado o INEM e o doente não estava nada bem.
Quando chegou ao quarto do doente, já lá estava o INEM a intervir, o enfermeiro E…, o enfermeiro D…, a enfermeira O… e estava a chegar o Dr. K…. Como estava muita gente em volta do doente a aqui depoente foi tratar das medicações para os outros doentes. Ainda viu o Dr. K… tentar a intubação, mas nada mais viu, até que após ter administrado a medicação aos outros doentes, se dirigiu de novo ao quarto e lhe foi dito que já nada havia a fazer, o doente tinha falecido»;

17.Depoimento em 12.9.2011 da Testemunha C…

«É responsável pela H… no Porto, e ainda é responsável pela parte de enfermagem. Embora não esteja de serviço, acaba por estar sempre disponível. Na noite em causa, estava a dormir quando foi acordada para lhe comunicarem o que se estava a passar com o doente G…. De imediato chamou a irmã F…, que é a responsável pelo serviço em causa. Quando chegou ao quarto do G… já lá estava o INEM, o medico de permanência, a enfermeira O…, o enfermeiro E… e duas equipas do INEM. O Dr. K… estava a chegar. Como estava muita gente no quarto, para não atrapalhar, ficou de fora, a dar apoio a eventual necessidade. Tentou localizar a familia do G…, em vão, uma vez que todos os telefonemas iam cair ao telemóvel do G…. Ele deixou os dados dele como sendo responsavel por ele proprio. Lembrou-se da policia da zona para irem pedir à familia para contactarem a H…. Quando a familia contactou a aqui depoente, esta apenas disse que o doente não estava nada bem, que fizessem o favor de se dirigir à H…. Quando chegaram, foi o Dr. K… quem explicou à familia o sucedido.
Só da parte da tarde é que o corpo foi disponibilizado para o IML, após todos os formalismos legais. A aqui depoente esteve sempre a acompanhar o defunto, até sair da K….
Nada fazia prever este desfecho, é normal tudo correr bem. Não esteve presente na tentativa de reanimação, mas aquilo que lhe foi posteriormente comunicado é que o Dr. K… e o INEM tentaram intubar o doente, sem o conseguirem, devido à existência de um edema muito forte. Não sabe o motivo de tal edema, são coisas que surgem sem explicação, muitas vezes por reações alérgicas até a substâncias a que anteriormente não reagiam»;

18.Depoimento em 14.9.2011 da Testemunha D…

«É Enfermeiro na H…, exercendo funções no Bloco Operatório. No dia em causa, entrou ao serviço por volta das 19.30 horas, mas apenas teve conhecimento que o doente G… tinha sido operado nesse dia quando chegou ao piso onde o mesmo se encontrava. Refere que por volta das 5.00 horas/5.30 horas dessa noite, foi recebido no Bloco uma chamada do 5° andar a solicitar com urgência uma ampola de Bicarbonato de sódio. Como referiram que era muito urgente, o aqui depoente decidiu subir para ver se precisavam dos seus serviços, e ajudar no que fosse preciso. Quando chegou ao quarto já se encontrava o INEM a efectuar manobras de ressuscitação. Encontrava-se o enfermeiro E…, a enfermeira O…, o medico anestesista estava a chegar assim como o médico responsável pelo doente. Não consegue precisar tempos e pessoa devido à situação de urgência que se estava a viver. Apenas se limitou a chegar medicação solicitada e ainda viu o anestesista da equipa de otorrino a tentar a traqueostomia de urgência facto que não conseguiu, tendo sido declarado, pouco tempo depois, a morte do doente. Foi o aqui depoente que prestou os cuidados pós-morte ao doente, como a preparação do corpo para a entrega à família. Não sabe esclarecer quais os motivos do sucedido nem quais os riscos inerentes a uma cirurgia desta natureza»;

19.Depoimento em 14.9.2011 da Testemunha E…

«É enfermeiro na H… e exerce funções no 3 ° piso. Na noite em causa foi chamado pela Enfª O… porque havia um doente em mau estado. Quando entrou no quarto o doente já não conseguia respirar, pelo que verificaram se havia algo na boca e impedisse a respiração, tentaram as manobras de suporte básico de vida, com compressões cardiacas e utilização de Ambu com oxigenio. Entretanto já tinha chegado o Dr. B…, que é o medico residente. Como nada resultava, chamaram o INEM que tentaram as mesmas manobras, sem sucesso, pelo que foi chamada uma nova equipa do INEM que tentou intubar o doente, sem o conseguir, tentaram fazer uma cricoidostomia para ventilar, mas sem sucesso. Entretanto chegou o Dr. K… que também tentou, sem o conseguir. Como após todas as manobras e tentativas, nada se conseguia, foi decretada a morte do doente. Não sabe explicar os motivos de tal situação, aliás trabalha na H… à cerca de 12 anos e nunca tal lhe tinha acontecido. É claro que qualquer cirurgia envolve riscos, mas não consegue uma explicação para tal facto»;

20.Depoimento em 15.9.2011 da Testemunha B…
«Desempenha funções como médico de permanência H… encontrando-se na data dos factos participados - de serviço no periodo compreendido entre as 21 30 e as 07 00 horas.
Foi chamado por volta da 05.45 horas, por uma funcionária da H…, cujo nome já não recorda, no sentido de se dirigir ao quarto onde se encontrava o falecido G…. Quando chegou junto do paciente o mesmo já se encontrava em paragem respiratória com frequência cardíaca variável, conforme resulta do diário clinico de fls. 74, segunda parte.
A causa, da morte do paciente ter-se-á relacionado com obstrução da via aérea, decorrente de edema da orofaringe.
Confrontado com o relatório da autopsia, designadamente o exarado a fls. 36 e 37 e 30, considerou que a causa da morte do referido paciente, terá resultado de edema laríngeo e da epiglote, e eventualmente também do edema e infiltração sanguinea de todos os planos musculares cervicais.
Concorda com as conclusões do relatorio da autópsia do INML, exarado a fls. 44»;
21.Informação de 07.11.2011 da H… … de que «… o H… não dispõe de Unidade de Cuidados Intensivos, apenas de uma Unidade de Recobro, com 6 camas. Equipamentos de Monitorização Permanente, Ventilação Assistida e Desfibrilador»;

22.Informação de 17.11.2011 da H… … de que:

«… o falecido saiu da sala do Bloco Operatório às 21h 15m do dia 08-10-2010 e deu entrada imediata na sala de recobro aonde permaneceu até ás 22h 25m, sempre monitorizado e acompanhado por médicos e enfermagem, quando foi considerado estável, teve alta médica e seguiu para o internamento, sem necessidade de qualquer monitorização, como consta do registo do Recobro, cuja cópia juntamos novamente aos autos. Durante o período de permanência na Recobro não há registo de ocorrências»;

23.PARECER II do Professor Doutor T… (Relator) aprovado por unanimidade em reunião de 14.02.2012 do Conselho Médico-Legal do INML, IP, no Processo 73/2011 de «Consulta técnico-científica» - solicitado pelo MP na sequência do segmento «… impõe-se que os doentes permaneçam em ambientes de monitorização permanente, para que a dificuldade respiratória seja detectada muito precocemente e com possibilidades de actuação imediata…» do Parecer I e da Informação de 17.11.2011 da H… … para saber «… se pode concluir que houve negligência ou má prática médica» - com o teor:

«Pedido de Informação Complementar a propósito da situação clínica do Senhor G…, de 32 anos de idade, internado na H… do Porto, no dia 8 de Outubro de 2010, onde foi submetido a terapêutica cirúrgica de amigdalectomia e tiroidectomia total e falecido, nesta Instituiç6o de Saúde, pelas 6h 35m do dia 9 de Outubro de 2010.

No seguimento do nosso Parecer emitido em 11 de Outubro de 2011, solicita a Senhora Procuradora Adjunta que este Conselho se pronuncie pelo esclarecimento à parte em que se refere: (...) impõe-se que os doentes permaneçam em ambientes de monitorização permanente, para que a dificuldade respiratória seja detectada muito precocemente e com possibilidades de actuação imediata”(...).

Cumpre-nos esclarecer que ambiente de monitorização permanente pode corresponder a duas áreas distintas Recobro, ambiente de monitorização permanente por meios não invasivos e UCI, com possibilidade de monitorização invasiva e possibilidade de terapêutica intensiva.

Em concreto, diremos que no pós-operatório imediato de uma intervenção que não foi responsável por marcada ou importante alteração hemodinâmica e em doentes sem co-morbilidades importantes, a monitorização pós-operatória imediata é compatível com um ambiente de Recobro.

Era esta a situação do doente em causa.
O doente permaneceu no Recobro da H… entre as 21h 15m e as 22h 25m, onde esteve “…sempre monitorizado…” e, de acordo com as normas de boas práticas, foi sendo avaliado por médicos e enfermeiros. Além desta avaliação clínica, o doente deverá ter mantido em permanência das suas funções vitais controladas por equipamentos médicos, não invasivos, que fazem, em continuidade, a avaliação das frequências e dos ritmos cardíaco e respiratório, bem como intermitentemente da tensão arterial.

É-nos ainda solicitado se se “…pode concluir que houve negligência ou má prática médica, de acordo com o exarado na informação de fls 213...”.

O documento aqui referenciado é uma declaração prestada pelos Serviços Jurídicos da H…, onde se refere que “…o falecido saiu da Sala do Bloco Operatório às 21h15m do dia 08-10-2010 e deu entrada imediata na Sala de Recobro onde permaneceu até às 22h 25m, sempre monitorizado e acompanhado por médicos e enfermagem. Quando o doente foi considerado estável, teve alta médica e seguiu para o internamento, sem necessidade de qualquer monitorização …; … o período de permanência no Recobro não há registo de ocorrências...”

Registamos que o controlo e a Alta de uma Unidade de Recobro estão devidamente definidas por Normas que, em princípio, deverão ser universalmente cumpridas e devidamente registadas.
O doente permaneceu na Sala de Recobro Anestésico 1h 10m, pelo que admitindo que todos os tempos, padrões de avaliação e gestos foram correctos e adequados, isso aconteceu enquanto o doente permaneceu no Recobro, ou seja, durante a referida 1h 10m, período claramente insuficiente para Recobro - controlo pós-operatório - de uma intervenção deste tipo.

De acordo com os relatos e registos que nos foram dados apreciar no Processo que já anteriormente analisámos, constata-se que na Enfermaria o acompanhamento e monitorização não foram os adequados, de molde a permitirem a imediata assistência clínica ao doente logo que exibiu os primeiros sinais de obstrução respiratória, momento em que ainda teria sido possível repermeabilizar a via aérea superior com sucesso»;

24.Declarações em 11.4.2012 do Médico B… como Arguido então constituído

«Desempenha funções como médico de permanência na H…, encontrando-se na data dos factos participados, de serviço no período compreendido entre as 21.30 e as 07.00 horas.
Não interveio na cirurgia realizada a G… no dia 08-10-2010.
Apenas foi chamado por volta das 05.45 horas, por uma funcionária da H…, cujo nome já não se recorda, no sentido de se dirigir ao quarto onde se encontrava o falecido G… uma vez que se encontrava de serviço naquele dia. Quando chegou junto do paciente o mesmo já se encontrava em paragem respiratória com frequência cardíaca variável, que poderia ser o resultado da massagem cardíaca e não da actividade eléctrica do próprio coração.
A causa da morte do paciente ter-se-á relacionado com obstrução da via aérea decorrente de edema da orofaringe e/ ou da compressão extrínseca resultante da presença de sangue e coágulos na loca tiroideia.
Confrontado com o relatório da autópsia, designadamente o exarado a fls 36, 37 e 38, considerou que a causa da morte do referido paciente, terá resultado de edema laríngeo e da epiglote, e eventualmente também do edema e infiltração sanguínea de todos os planos musculares cervicais.
Concorda com as conclusões do relatório da autópsia do INML, exarado a fls 44.
Pensa que á data dos factos o Director Clínico da H… seria o Ex.mo Sr Prof Dr AE….-
Confrontado com os pareceres de fls 195 a 198, 233 e 234, referiu que não presta declarações relativamente ao teor dos mesmos»;

25.Constituído Arguido em 17.4.2012 o Médico J… declarou que «Nesta fase do processo não presta declarações»;

26.Constituído Arguido em 17.4.2012 o Médico K… declarou «Nesta fase do processo não presta declarações»;

27.Constituída Arguida em 24.4.2012 a Enfermeira O… prestou as seguintes declarações:

«Ser enfermeira na H… no Porto e no dia em causa nos Autos encontrava-se de serviço ao piso (serviço de atendimento nos quartos), tendo a seu cargo a vigilância de 11 doentes. Acompanhada da sua chefe, F…, foi buscar o doente G… ao recobro e levou-o para o quarto. O doente estava consciente, estável, com sinais vitais em forma, o médico Dr J… já tinha passado pelo piso e tinha dito que tudo estava bem com o doente, que iria ter dores normais uma vez que tinha feito duas cirurgias, já tinha tomado analgésico e prescreveu os analgésicos para o doente tomar nas horas normais. No quarto, encontrava-se a irmã do doente, que se ausentou cerca da meia noite. O paciente falou com a Depoente referindo que tinha dores e que tinha dificuldades em engolir a saliva (esta é a situação normal no caso de pacientes que são sujeitos a intervenções às amigdalas). O paciente falou com a sua irmã e tudo estava estável. A irmã dizia que ele era muito ansioso, que não lidava bem com hospitais.
Cerca da meia noite o doente queixou-se de dores e a aqui Depoente depois de verificar a ficha médica administrou-lhe paracetemol de 1 grama, endovenoso. Continuou a sentir dores mas só por volta das 2 horas da manhã é que tomou o outro analgésico. A partir daí sossegou e conseguiu dormir um pouco embora ainda ansioso. Por volta das 5 horas da manhã na mudança de soro e depois de ter estado a falar com o paciente, o mesmo “engasgou-se” de uma forma súbita no momento em que a Depoente se encontrava junto a ele e parou de respirar embora continuasse com pulso, ou seja sofreu uma paragem respiratória. A aqui Depoente reagiu de imediato, tentou ver se havia coágulos ou saliva na boca que pudesse obstruir a respiração, como nada encontrou e na ordem não existe serviço de urgência, accionou o INEM, do seu telemóvel e todas as pessoas que se encontravam de urgência - o médico de permanência (Dr B…) Enfermeiro E…, a enfermeira F… e a enfermeira C…. A Depoente juntamente com o Enfermeiro E… iniciaram manobras básicas de vida tendo realizado compressões toráxicas e ventilações com ambu com oxigénio. De seguida chegou o Dr B…, cuja especialidade é infecciologista, que ajudou nas referidas manobras básicas de vida. À chegada do 1°. INEM, o doente foi transferido da cama para o chão e um dos médicos do INEM fez laringoscopia para intubação orotraqueal. Neste entretanto chegou o Dr K… que tinha sido o anestesista que também tentou a intubação orotraqueal. A intubação não teve sucesso tendo o médico necessidade de abrir a sutura da tiróide para encontrar a traqueia. O INEM chegou rápido e já munido de todos os aparelhos necessários constatou que se tratava de uma obstrução com edema uma vez que nem orifício para fazer passar o tubo orotrueal se conseguia ver, apenas sangue e edemas, razão pela qual as manobras básicas não funcionaram. Regra geral não são realizadas em simultâneo as duas cirurgias tiroidectomia total e amigdalectomia.
Confrontada com o parecer de fls 233 e 234 referiu que na enfermaria foi efectuado o acompanhamento adequado e que foi feita a imediata assistência clinica ao doente logo que o mesmo exibiu os primeiros sinais de obstrução respiratória, sendo certo que a Depoente se encontrava ao lado do paciente no momento em que tais sinais de obstrução respiratória ocorreram.
Em relação a este caso nada fazia prever este desfecho, estava tudo normal, uma vez que o doente, embora queixoso falava com a Depoente, estava consciente, tocava à campainha, nada fazendo prever que o mesmo de um momento para outro tivesse uma paragem respiratória. Refere que ficou com um sentimento de impotência, mas consciente de que nada mais estava ao seu alcance»;

28.Constituída Arguida em 24.4.2012 a Enfermeira C… prestou as seguintes declarações:

«À data dos factos era Directora de Enfermagem na H… no Porto. Na noite em causa, foi chamada pelo segurança de serviço que lhe pediu para se deslocar ao 5°. andar, alertando que o INEM já tinha entrado. De ¡mediato a Depoente chamou a Enfermeira F…, que é a responsável pelo serviço do 5°. andar. Quando chegou ao quarto do paciente H… já lá estava o INEM, o médico de permanência Dr B…, a enfermeira O…, o enfermeiro E… e duas equipas do INEM. O Dr K… anestesista chegou naquele momento. Como estava muita gente no quarto para não atrapalhar, ficou de fora, a dar apoio a eventual necessidade.
Não esteve presente na tentativa de reanimação, mas aquilo que lhe foi posteriormente comunicado é que o INEM e o Dr J… tentaram intubar o doente, sem o conseguirem, devido à existência de um edema muito forte. Não sabe o motivo de tal edema»;

29.Constituído Arguido em 26.4.2012 o Enfermeiro D… prestou as seguintes declarações:

«É enfermeiro na H…, exercendo funções no Bloco Operatório.
Não esteve presente no bloco operatório, aquando das intervenções cirúrgicas realizadas ao paciente G…. Nesse dia entrou ao serviço por volta das 19,30 horas, procedendo a serviços de esterilização. Refere que por volta das 5.00 horas / 5.30 horas dessa noite foi recebido no bloco uma chamada, pela auxiliar de acção médica que ai se encontrava, que lhe disse que era necessário uma ampola de bicarbonato de sódio para uma situação de emergência que estava a ocorrer no 5°. andar. Como referiram que era muito urgente, o aqui depoente decidiu subir para ver se precisavam dos seus serviços, e ajudar no que fosse preciso. Quando chegou ao quarto já se encontrava o INEM a efectuar manobras de ressuscitação cardio pulmonar. Encontrava-se ainda o enfermeiro E…, a enfermeira O… e o Dr B… que era o médico de permanência da H… nessa noite. Apenas se limitou a fazer chegar a medicação solicitada que acabou por não ser ministrada ao paciente. No entretanto compareceu o médico anestesista Dr K… que tentou fazer a traqueostomia de urgência, facto que não conseguiu, e compareceu também o Dr J…, que é o médico cirurgião, tendo sido declarado pouco tempo depois a morte do doente. Foi o aqui depoente que prestou os cuidados “pós-mortem”ao doente, como a preparação do corpo para a entrega à família. Não sabe esclarecer quais os motivos do sucedido nem quais os riscos inerentes a uma cirurgia desta natureza»;

30.Constituído Arguido em 26.4.2012 o Enfº E… declarou:

«É enfermeiro na H…, e exerce funções no 3°. piso. Na noite em causa foi chamado pela Enfª O… porque havia um doente em mau estado. Quando entrou no quarto o doente já não conseguia respirar, pelo que verificaram se havia algo na boca que impedisse a respiração, tentaram manobras de suporte básico de vida, com compressões cardíacas e utilização de ambu com oxigénio. Entretanto já tinha chegado o Dr B…, que é o médico residente, que tentou fazer manobras de ressuscitação cardio respiratória. Entretanto chegaram duas equipas do INEM que tentaram as mesmas manobras, sem sucesso, tendo a segunda equipa do INEM tentado intubar o doente, sem o conseguir, tentaram fazer ainda uma traqueostemia para ventilar o paciente, mas sem sucesso. Entretanto chegou o Dr K… que também tentou intubar e traqueostomizar o paciente sem sucesso. Como após todas as manobras e tentativas, nada se conseguia, foi decretada a morte do paciente. Não sabe explicar os motivos de tal situação, aliás trabalha na H… há cerca de 12 anos e nunca tal tinha acontecido. É claro que qualquer cirurgia envolve riscos, mas não se consegue uma explicação para tal facto»;

31.Constituído Arguido em 11.4.2012 o Médico I… prestou em 29.5.2012 as seguintes declarações:

«O Depoente exerce funções como cirurgião Geral na H… no Porto.
Conheceu o doente através do Dr J… tendo-lhe sido solicitado apoio para o tratamento de uma doença relacionada com a área da Cirurgia Geral e não de Otorrinolaringologia (que é da especialidade do Dr J…).
Concordou com o diagnóstico efectuado previamente pelo colega, e propôs ao doente a realização de tireoidectomia total, tendo o doente aceite. Inclusivamente propôs ao paciente que os dois actos cirúrgicos fossem realizados apenas com uma única anestesia. A cirurgia correu sem qualquer intercorrência técnica e terminou com o doente perfeitamente estabilizado, tendo acordado e bem. No final da operação, tendo verificado que tudo estava normal, retirou-se do bloco. A data o paciente tinha problemas crónicos das amígdalas, assim como uma tumefacção da tireóide, tendo-se realizado os exames necessários, designadamente ecografia e punção biopsia, tendo sido diagnosticado uma lesão maligna da tireóide.
Foi apresentado ao paciente o Termo de Consentimento, tendo sido explicado pelo aqui Depoente e pelo seu colega Dr J…, os procedimentos necessários para a cirurgia e os riscos advenientes. Nada fazia prever que algo corresse mal tendo em conta a idade do paciente e os tipos de intervenção cirúrgica a efectuar. A intervenção cirúrgica foi realizada pelo aqui Depoente, pelo Dr J… (otorrinolaringologista), pelo Dr K… (anestesista) e pela enfermeira L… (instrumentista).
A intervenção correu bem, o pós operatório imediato foi normal, foi prescrita pelo médico anestesista a medicação adequada.
Esclarece que a ficha anestésica de fls 66 foi assinada pelo médico anestesista, tendo ainda referido que a sintomatologia constante da mesma, corresponde ao normal numa situação idêntica.
Acrescenta que o facto de a laringoscopia (exame de visualização da laringe) ter verificado uma boa mobilidade das cordas vocais significa não ter havido lesão, durante a cirurgia, do nervo recorrente laríngeo, conforme confirmado a fls 31 do relatório de autópsia.
Confrontado com fls 44 esclarece que a morte do referido paciente resultou de asfixia provocada por edema da laringe, não sendo tal decorrência previsível, face à informação clinica de fls 66.
A intubação do paciente foi realizada pelo médico anestesista. Está convicto que a mesma foi feita convenientemente, uma vez que no pós operatório foi verificado que a laringe não apresentava qualquer tipo de edema, (apenas a orofaringe apresentava edema) apresentando outrossim, uma boa mobilidade das cordas vocais (sinal de que a cirurgia da tireóide foi tecnicamente correcta). Esclarece que a enfermeira de serviço administrou ao paciente paracetamol petidine, conforme prescrito no pós operatório pelo médico anestesista.
Confrontado com as conclusões de fls 44, na parte concernente às consequências que determinaram a morte de G…, onde se refere que a mesma pode ter sido devida a asfixia consecutiva a edema laríngeo de origem inflamatória aguda/infecciosa, referiu não ter explicação para o referido edema, uma vez que o mesmo pode resultar em determinados casos como reacção orgânica a medicamentos ou outro tipo de situações como a própria agressão cirúrgica.
Esclarece que na tentativa de reanimação efectuada pelo INEM e posteriormente pelo anestesista, o paciente foi sujeito a tentativa de traqueostomia. Foi informado que nessa tentativa se verificou não haver qualquer hematoma cervical importante.
Confrontado com o teor do relatório de fls 195 a 198, referiu concordar com o mesmo em diversas áreas, designadamente na parte em que refere “que os procedimentos … evidenciam intervenções cirúrgicas lineares, sem complicações pré, per- e pós-operatórios, anestésicas ou cirúrgicas”, o que significa a intervenção cirúrgica decorreu da forma que se previa. Concorda com o teor de fls 197, nomeadamente onde refere “situações de edema pós operatório com inerentes situações de grave, por vezes fatal, insuficiência respiratória, apesar de raras, são bem conhecidas...as referências bibliográficas do relatório de patologia forense são disso exemplo”.
Confrontado com o parecer de fls 233 e 234, referiu discordar do mesmo na parte em que refere que o período de recobro de 1.10 horas foi claramente insuficiente para recobro neste tipo de cirurgia, isto porque como resulta de fls 64 a tabela de Aldrete / Índice de Recuperação, apresenta um indicie suficiente para o doente ter alta da unidade de recobro.
Acrescenta que quem deu indicações para o paciente sair da unidade de recobro foi o médico anestesista, Dr K…, como resulta de fls 65»;
32.Constituída Arguida em 19.6.2012, a Enfª F… declarou:

«Desempenha funções de enfermeira - Chefe de Serviço, na H…. Vive na ordem, acabando por estar sempre de serviço. No dia em causa acompanhou a enfermeira O…, quando foram buscar o doente ao recobro. O doente estava um pouco ansioso, queixando-se apenas de dificuldades em “engolir”, situação normal após a amigdalectomia.
A própria irmã do doente confirmou que o doente era ansioso por natureza, não gostava de hospitais. Ficou algum tempo com o irmão, falou com ele e acabou por ir embora uma vez que tudo estava dentro do normal.
Deixou o doente no quarto e como tudo estava bem, dentro do normal num pós operatório de duas cirurgias, foi descansar. Cerca das 6 da manhã a enfermeira C… chamou-a para subir porque já tinham chamado o INEM e o doente não estava nada bem.
Quando chegou ao quarto do doente, já iá estava o INEM a intervir, o enfermeiro E…, o enfermeiro D…, a enfermeira O… e estava a chegar o Dr K…. Como estava muita gente em volta do doente a aqui Depoente foi tratar das medicações para os outros doentes. Ainda viu o Dr K… tentar a intubação, mas nada mais viu, até que após ter administrado a medicação aos outros doentes, se dirigiu de novo ao quarto e lhe foi dito que já nada havia a fazer, o doente tinha falecido.
Confrontada com os pareceres de fls 195 a 198 e de fls 233 e 234, referiu nada poder esclarecer, uma vez que no que concerne à saída do recobro quem dá indicações para tal é o médico anestesista, e no que concerne à decisão de realização ao mesmo tempo de duas intervenções cirúrgicas - amigdalectomía e tiroidectomia total - é o cirurgião que toma tal decisão depois de informar o paciente dos riscos inerentes e com o consentimento do mesmo»;

33.Depoimento em 09.10.2012 de U…

«Na data dos factos participados foi chamado o INEM por parte da H…, dando nota que havia uma urgência decorrente de uma situação pós operatório em obstrução da via aérea. Quando chegaram ao local a vítima encontrava-se já em paragem cardio respiratória, tendo a Depoente confirmado a paragem cardio respiratória e iniciado manobras de suporte avançado de vida, sem sucesso na reversão da causa de paragem (hipóxia), tendo verificado o óbito. Confrontada com o teor do parecer de fls 195 e segs na parte em que refere “que a realização ao mesmo tempo de duas intervenções cirúrgicas - amigdalectomia e tiroidectomia total - que isoladamente, se acompanham de algum edema da orofaringe e, cuja associação, poderá traduzir-se por um potencial risco desse edema, referiu que as duas cirurgias com risco de obstrução da via aérea, se realizadas em simultâneo eventualmente o seu risco tornar-se-á aditivo. Confrontada com o teor do parecer de fls 233 e 234 na parte em que refere que “o doente permaneceu na sala de recobro anestésico 1h10m, período claramente insuficiente para recobro - controlo pós operatório - de uma intervenção deste tipo”, referiu que não há um tempo mínimo estipulado de permanência no recobro e a alta do mesmo é definida pelos critério clínicos apresentados pelo doente»;

Os meios de prova logrados no decurso da Instrução foram apenas [25] os seguintes:
34.Junção pelo Arguido I… em 25.6.2013 do «RELATÓRIO» de 21.01.2013 de S… Especialista de Cirurgia Geral e Vascular pela Ordem dos Médicos:

«A solicitação do Dr. I… e após consulta do processo nº 14427/10.6TDPRT venho emitir o seguinte Relatório, referente à situação clínica do Senhor G… de 32 anos, internado na H… do Porto a 8 de Outubro de 2010, a fim de ser submetido a amigdalectomia e tireoidectomia total e onde faleceu no dia seguinte.

Por razões de compreensão e de exposição divido o Relatório em 3 partes correspondentes à sucessão temporal de qualquer acto cirúrgico: Pré-operatório, o acto cirúrgico/anestésico e o pós-operatório, analisando e valorizando a conduta clínica do Dr. I… em cada uma das fases do processo cirúrgico.
Pré-operatório:

O pré-operatório implica o diagnóstico da natureza e extensão da doença, o planeamento terapêutico em função da doença e do grau de risco partilhado com o doente que terá de concordar com a proposta apresentada e explicada pelo cirurgião. No caso concreto o diagnóstico da patologia tireoideia foi feito de forma inequívoca pela avaliação clínica, pela ecografia e pelo exame anátomo-patológico da biópsia aspirativa, de acordo com o estado da arte. A extensão da doença foi determinada pelo exame clínico e pela ecografia cervical o que no tipo histológico do tumor em questão, carcinoma papilar, é considerado suficiente e adequado.

O planeamento terapêutico implicou, neste caso, o facto de o doente ser portador de duas patologias síncronas, uma neoplasia maligna da tireóíde, a ser orientada e tratada pelo Dr. I… e uma amigdalite crónica e recorrente a ser orientada e tratada pelo Dr. J…, especialista de Otorrinolaringologia. Esta situação clínica impunha uma análise da estratégia a seguir pelos dois cirurgiões de forma a definir previamente a melhor táctica terapêutica. Ambas as patologias necessitava de um tratamento cirúrgico autónomo sob anestesia geral o que obrigou os dois cirurgiões a analisar o grau de risco e as vantagens das duas possíveis opções: operações sequenciais no âmbito de uma única anestesia geral ou intervenções cirúrgicas programadas para tempos operatórios distintos. Não se conhecem estudos clínicos investigacionais que demonstrem a superioridade de cada uma das opções sobre a alternativa. Considero que qualquer uma das opções terapêuticas acima referidas não contraria as normas da boa prática clínica. Os dois cirurgiões envolvidos ponderaram a situação e considerando que se tratava de um doente de 32 anos com bom estado geral, logo de baixo risco cirúrgico, optaram pela anestesia única que permitia num só acto cirúrgico resolver os dois problemas clínicos do doente o que constitui por si só uma grande vantagem para o doente que aceitou a proposta.

Acto Cirúrgico/Anestésico

Importa agora analisar e avaliar a adequação e correcção do acto cirúrgico realizado pelo Dr. I…. O tratamento padrão de um carcinoma papilar limitado à tireóide consiste na realização de uma tireoidectomia total que foi a operação executada no dia 8 de Outubro de 2010 ao doente G… no H… do Porto. Para avaliarmos a adequação e qualidade da cirurgia, consultamos o relatório da operação feito pelo cirurgião no fim da cirurgia, o relatório da autópsia e o parecer do Professor T… na qualidade de perito do Departamento de Investigação e Acção Penal. O relatório escrito da operação realizada pelo Dr. I… descreve “uma intervenção cirúrglia linear sem complicações pré, per e pós operatórias, anestésica ou cirúrgica” conforme destaca o relatório da consulta técnico-científica n2 73/20U assinado pelo seu relator Prof. Doutor T….

O relatório da autópsia destaca “um sistema venoso e arterial cervical íntegro, sem qualquer solução de continuidade e nervo recorrente integro” o que evidencia que a operação da tireoidectomia total decorreu sem qualquer complicação significativa, logo dentro da normalidade conforme se previa. A observação da orofaringe e da laringe peio Anestesista Dr. K… no fim da cirurgia reforçou a normalidade do acto cirúrgico tendo verificado “uma muito boa mobilidade das cordas vocais” e a existência de edema da orofaringe compatível com intubação traqueal e as operações realizadas.

Pós-Operatório

O pós-operatório não teve a participação do Dr. I… devido à morte súbita e imprevista do doente G… pelas 5:00 horas do dia seguinte. Quando deixou o Bloco Operatório o doente estava acordado, hemodinamicamente estável, falando normalmente e foi sob a orientação do Anestesista que o recobro foi completado na sala de Recobro da H…, onde esteve mais de uma hora até ser transferido para o quarto de internamento por ordem do médico Anestesista responsável pelo recobro pós-operatório, segundo as boas práticas médicas. Não foi comunicado ao Dr. I… qualquer complicação cirúrgica que pudesse ser da sua responsabilidade como cirurgião da tireoidectomia, pelo que não se lhe pode atribuir qualquer responsabilidade na evolução pós-operatória.

A morte do doente por asfixia como sugere o Especialista da Patologia Forense Prof. Doutor AF… levanta sérias dúvidas pois a eventual obstrução da via aérea deveria ter causado dispneia (falta de ar) ou estridor respiratório que não são mencionados em nenhum momento do pós-operatório, nomeadamente pelo Anestesista, enfermeiros do Recobro e do Internamento e irmã do doente. Também a concentração de 02 de 93% verificada pela Enfermeira do Internamento pelas 5:00 horas é incompatível com a hipótese de asfixia por edema da orofaringe. Tratou-se de uma morte súbita de causa desconhecida e não se pode concluir mais com os dados clínicos e patológicos disponíveis.

Em conclusão o Dr. I… não cometeu, por acção ou omissão, qualquer erro técnico ou clínico que possa ter tido influência na evolução negativa verificada na sequência do acto cirúrgico que realizou ao doente G… no dia de Outubro de 2010 no H…»;

35.As declarações do Arguido I… em 26.6.2013 ao Mmo Juiz a quo objecto de gravação áudio das 15:33:34 às 17:00:37 condensando as respostas às perguntas nos sgs termos:

«(02:05) relativamente à acusação particular eu notei aí algumas incorrecções nomeadamente qdo dizem que foi de comum acordo entre o cirurgião que sou eu o colega de otorrinolaringologia e o anestesista portanto que teria sido de comum acordo que o doente teria tido alta da unidade de recobro para o internamento ora isso não é verdade pq quem dá alta da unidade de recobro é única e exclusivamente o médico anestesista, essa confesso que foi a primeira que me ficou da leitura do Sr Juiz qdo leu essa acusação; [o anestesista] não [tem a ver apenas com questões relacionadas com a consciência com o efeito anestésico] não não o doente acabado de operar vai hoje em dia que é a boa norma e a boa prática médica que se faz vai para uma unidade de recobro num hospital que a tenha como é evidente há hospitais que não têm unidade de recobro mas isso hoje em dia é muito pouco é responsabilidade da vigilância do doente após o operatório imediato é única e exclusivamente da parte feita pelo anestesista ele é o responsável é ele que avalia o estado hemodinâmico do doente se as suas tensões estão bem se a pulsação tá bem se o seu estado ventilatório se está a respirar bem se não precisa de nada se tá a correr tudo dentro da normalidade e verificando ao longo do tempo que ele entende razoável para aferir que ele está em condições de poder abandonar a unidade de recobro ele dá alta do recobro e ele regressa ao sítio onde estava para a enfermaria ou o quarto seja o que se aplicar e foi isso que aconteceu não foi um acordo entre mim o colega de otorrinolaringologia e o anestesista que formularam a decisão de o fazer tanto é que eu como habitualmente se faz já não estava junto ao bloco operatório qdo o doente teve alto do recobro nem eu nem o colega otorrino quem toma conta e assume em qualquer hospital onde se faz cirurgia a responsabilidade é sempre do colega de anestesia verificando, (esta questão do recobro) não (foi discutida em reunião do corpo clínico dos cirurgiões com o anestesista antes) não, ela faz parte é obrigatório o doente vai para o recobro já é implícito o doente ou vai para o recobro ou vai para uma unidade de cuidados intensivos se a situação assim o obrigar a unidade de cuidados intensivos é diferente da unidade de recobro uma unidade de cuidados intensivos implica que o doente tem que tar é uma situação mais grave por assim dizer o doente precisa de ficar ligado a um ventilador precisa de cuidados mais prementes não era o caso não era o caso, não é habitual (discutir) o tempo não até porque isso são normas são normas que estão definidas a nível internacional mas é área é área da anestesiologia por assim dizer que define que define isso não é por tempo isso não é por tempo que se define o tempo que o doente deve estar numa unidade de recobro o tempo é dado pela evolução clínica do doente isso é que é mandatório o doente pode estar numa unidade de recobro ½ hora pode estar 1 h pode estar 2 3 depende do estado clínico em que ele depois de recuperar por assim dizer da anestesia a unidade de recobro é uma unidade de recobro anestésico por assim dizer não é uma unidade de recobro cirúrgico pq se fosse uma unidade de recobro cirúrgico significava que o doente precisava de qualquer atitude cirúrgicas e então tínhamos que estar todos ali a olhar para o doente à espera que acontecesse alguma coisa que pudéssemos ter que actuar imediatamente como cirurgiões a unidade é uma unidade de recobro anestésico é mais o recuperar de todas as drogas que entraram em circulação que foram metabolizadas e que vão começando a desaparecer e o doente começa a recuperar as suas funções vitais e a estabilizar quer em termos hemodinâmicos quer em termos respiratórios, (a unidade de recobro tem um médico responsável) que é o anestesista (mesmo numa sala de operações ?) vamos ver num hospital público por assim dizer existirá uma unidade de recobro tem um corpo que tem médicos que recebe os doentes que muitas vezes não é o próprio anestesista numa casa numa ordem num hospital particular habitualmente neste caso é o médico anestesista que anestesiou o doente que toma conta do recobro acompanha o doente desde que ele sai da sala de operações acompanha-o até à unidade de recobro e vai acompanhado a sua evolução até lhe dar alta e assume a responsabilidade da alta, (mas etsa evolução esta complicação que aparentemente resultou ou não da operação não tinha a ver com a área da anestesia com o facto da anestesia teve a ver com a parte da própria intervenção cirúrgica ?) não estou a perceber a pergunta desculpa a complicação ele não tem qualquer complicação nenhuma (a complicação não foi resultado da anestesia, terá sido edema causado por) o edema que ele tem que se verifica horas depois e que lhe condiciona a morte é um edema que é inerente à cirurgia sim sim se não for operado não tem edema isso é indiscutível mas tb devo dizer uma coisa atenção que há drogas que induzem edema e a gente não as sabe há drogas uma picada de uma abelha pode induzir edema da laringe não foi o caso pronto tou aqui a dar um exemplo mas é evidente que a agressão cirúrgica como ele teve é uma agressão cirúrgica para todos os efeitos vai originar edema não há cirurgia sem edema isso aí é indiscutível, (e de facto parece que foi referido na ficha anestésica em nota foi referido que depois se verificou a existência de edema) não, há o edema o edema normal da da que ele verifica na ficha é uma coisa ligeira que é o normal que é o normal numa cirurgia deste tipo é perfeitamente normal, (parece que houve outra complicação durante a noite parece que cuspiu sangue) isso é normal isso é normal numa cirurgia é normal qualquer doente operado às amígdalas que são retiradas vai vem sempre um bocadinho de sangue mas isso não é da minha área específica é da área do colega responsável pela, (o certo é que … o relatório da consulta técnico-científico concluiu que o período de 1h e 10m era claramente insuficiente para recobro) mas com base em quê não há isso (na consulta do processo clínico) exactamente mas com base em quê mas tb não diz qual é o tempo necessário para o recobro isso é (claramente insuficiente) mas pronto mas (de acordo com as regras internacionais) mas no processo há aí uma informação (com uma informação deste tipo que eram duas numa só) isso não é isso não é assim isso nunca pode ser levantado dessa forma e eu acho que foi uma forma infeliz de ter posto aí aliás há uma informação da anestesista do INEM que compareceu no local e que qdo é questionada sobre esse assunto ela própria diz que não há tempo de recobro não há tempo definido o que há é normas de verificação do estado do doente do estado clínico da evolução clínica do doente não é para isto 1 h para aquilo 1,5 para aquilo é 1 h e 3/4 e se for esta mais esta não é 2 + 2 não são 4 não é a mesma coisa o doente é que tem mandar e o doente está bem está a respirar bem está com o estado hemodinâmico capaz não há razão nenhuma para o manter senão lá está então qto tempo eles tb não dizem dizem que não foi suficiente mas tb não dizem qto é que tinha de ser preciso e está perfeitamente descrito nos autos que há era ½ noite ele estava a conversar com a irmã a irmã teve com ele até à ½ noite e portanto se às 10:25 era insuficiente então qto é que era preciso era até às 11 e ½ até à ½ noite era o dia todo não era o caso pq ele estava bem portanto agora é como eu digo volto a falar de uma área que não me diz respeito eu estou a falar de uma área, (alergia) conhecida não, conhecida não (a irmã diz que sim que tinha alergia a penicilina) mas não foi administrada penicilina (pois não foi) não foi utilizada penicilina mas eu (está aqui mencionado Propofol e Fentanil) são drogas anestésicas (isto não tem complicações para uma pessoa que seja alérgica) a penicilina que eu tenha conhecimento não (o relaxante muscular) sim é normal (Atracurio) pode ser o Atracurio mas isso é uma área muito específica da anestesia que eu não domino não estou à vontade para me pronunciar sobre ela sei alguma coisa mas não estou à vontade (mas se tudo estava bem se não havia complicações) no pós operatório imediato qdo acaba a cirurgia o doente tava bem (e até à ½ noite tava a falar com a irmã) falou com a irmã falou com as enfermeiras (o que é que pode ter corrido mal para o que é que aconteceu ao doente durante a noite ?) isso gostava eu de lhe poder responder nem a Autópsia responde a Autópsia tb não responde tb não diz qual foi a causa da morte evidente não sabe não consegue não era suposto isso acontecer (não se enganaram não deram àquele doente o remédio do outro da penicilina que era para o doente da cama do lado) bom mas a essa pergunta eu não posso responder (não se enganaram não houve engano) eu apenas actuei como cirurgião não é actuei como cirurgião fiz aquilo (sendo um hospital privado suponho até que se ele saiu do recobro foi para um quarto individual) sim sim onde teve acompanhado pela irmã e depois teve o acompanhamento de enfermagem penso eu lá está eu não estava lá não posso falar por aquilo que não sei não posso falar de maneira nenhuma por aquilo que não sei, depois do doente ter falecido já falei com ele (anestesista) várias vezes, as hipóteses falámos com certeza e uma das hipóteses que mais se nos afigurou foi de ter havido uma reacção alérgica a alguma coisa que provocou mas sempre na dúvida isso foi uma das hipóteses que nós levantamos por que carga de água ele fica ele fica morre asfixiado sem conseguir respirar e sem se conseguir entubar tal o edema que surgiu agora se me perguntar se posso acrescentar alguma coisa se me perguntar se isso está descrito tá descrito edema pós operatório está perfeitamente descrito na literatura médica internacional cirúrgica tá descrito pode acontecer não é habitual não é não é habitual eu felizmente já operei já tenho no meu currículo já operei muita gente à tiróide felizmente até agora nunca me aconteceu uma situação destas aconteceram-me outras outras complicações esta nunca me aconteceu agora que elas estão descritas estão e sobretudo numa situação destas não digo que todas elas não levem algum edema sim agora o edema que chega ao ponto de permitir a impermeabilização por isso dizer da via aérea por forma a não conseguir ser repermeabilizado e ventilado isso nunca me aconteceu portanto para mim foi uma grande surpresa de manhã qdo recebi a notícia pelo telefone qdo me preparava para sair de casa para ir visitar o doente como faço sempre eram 9 h da manhã saia de casa e tive o telefonema do colega otorrino que já tinha sabido do assunto o primeiro a ser chamado foi o colega o anestesista depois há-de estar mais gente claro com certeza (outra coisa curiosa na consulta técnico científica tb se baseia para aferir o tempo de recobro numa informação dos serviços jurídicos coisa que não é muito normal peço desculpa, em princípio devia ser a ficha do doente o processo clínico do doente assinalando a hora de entrada e a hora de saída e não ser o advogado do hospital) a fornecer (uma declaração a propósito) a própria ficha do recobro tá presente no processo não sei pq é que não foi, (a folha de recobro) está lá tb (fls 64) nessa folha que é a ficha que é feita no recobro (mas não consta a hora de saída é curioso … fls 65) foi ele que assinou a saída do doente da unidade de recobro e fundamentalmente esta tabela não sou responsável pelo recobro não fui nem serei deixo isso ao cuidado dos anestesistas sempre foi assim tem uma tabela tabela essa que se vai verificando os parâmetros vitais do doente e se essa tabela o mínimo que neste caso presumo que vai de 7 a 10, se o somatório dos valores atingir esse mínimo o doente estará com os mínimos para poder abandonar a unidade de recobro não necessitando de cuidados mais apertados numa unidade de recobro para poder regressar ao seu quarto à sua enfermaria e passar o resto do tempo pós-operatório, isso só para contrariar um bocadinho aquilo que é dito na perícia porque ele foi manifestamente insuficiente embora não seja a área que eu domino e esteja à vontade mas tb não concordo não posso concordar com isso dizer que foi manifestamente insuficiente o tempo de 1h o que manda é a clínica ao fim de ½ h pode estar perfeitamente bem não é obrigatório ficar 1 h nem hora e ½ nem 2 nem 3 não há regras em termos de horários não há timings correctos é o doente que manda é o doente estabilizar a sua estabilidade hemodinâmica e ventilatória e isso taria bem consoante aquilo que me é dado ver na folha que é da responsabilidade do anestesista como é evidente (depois temos aqui a terapêutica aplicada, Augmentin) o antibiótico (Rosilan) isso é um corticoide é um corticosteroide é um anti-inflamatório que tenta que lhe foi dado exactamente para prevendo que possa haver algum edema tentar diminuir o edema que é dado é um corticosteroide (se o doente tinha alergia à penicilina, não devia constar essa informação aqui nos registos) mas o doente a mim não me transmitiu essa ideia eu não a tinha (normalmente essa ideia é dada ao médico) é (ele é que tem que fazer) e não só eu tb, () habitualmente é o médico anestesista que faz a consulta pré anestésica por assim dizer e que lhe faz essas perguntas exactamente exactamente mas eu como cirurgião neste caso o doente não era meu o doente era do Dr J… que foi ele que me apresentou o doente no sentido de lhe resolver um problema que ele não era capaz não era da área dele resolver ele andava a segui-lo pelo problema da doença crónica das amigdalas que ele tinha e que lhe detectou depois que ele tinha um problema de tiróide e depois veio-me pedir ajuda nesse sentido e eu tive o cuidado de lhe perguntar não me recordo de ele me ter manifestado vontade de ter manifestado qualquer tipo de alergia mas eu pergunto eu pergunto sempre aos doentes tb e tanto é que eu depois fiz atenção que este doente é alérgico a isto atenção a este antibiótico penicilina (e no caso não houve indicação de alergia) não tinha indicação nenhuma aliás essa informação agora é que julgo que é prestada pela irmã não é julgo quer é a irmã que diz isso que eu não tinha essa informação mas tb julgo que não é relevante para aqui neste caso não foi dada nenhuma droga do tipo nem similar à penicilina, (tomou alguma decisão relativamente à terapêutica pós operatória quais os medicamentos que ele tinha que tomar) sim sim como habitualmente sim sim os soros que é obrigatório dar e a analgesia fundamentalmente o corticosteroide e mais nada neste caso não é preciso mais nada (algum incompatível) não a haver alguma alergia à penicilina às vezes há reacções cruzadas há tipos de antibióticos e nenhum desses medicamentos é um antibiótico não tem nada a ver com penicilina portanto não era suposto poder provocar, é sim antibiótico mas é doutro tipo e uma amoxicilina o que diz aí é Augmentin é amoxicilina mas não faz reacção cruzada com as penicilinas não tem não tem é medicilina é o antigamente era o Britacil amoxicilina grupo de antibióticos diferentes distintos mas Sotor tb devo dizer isso foi feito no pré operatório imediatamente antes da cirurgia portanto a cirurgia começa muito mais cedo a haver alguma reacção alérgica ela tinha sido logo uma reacção alérgica à penicilina é imediata (…é dado antes…) é depois eventualmente ele ia fazer uma II toma no dia seguinte mas seria 12 h depois mas já não foi a tempo de a fazer e a haver mesmo que houvesse por hipótese uma reacção alérgica que a gente chama uma reacção anafiláctica ao antibiótico ela é imediata e não haverá melhor sítio para tratar uma reacção dessas que o bloco operatório onde o doente a reacção anafiláctica dá edema da laringe edema da orofaringe o doente asfixia e portanto nessa situação tava entubado e tudo portanto tava resolvida a situação depois era medicado e nada disso se verificou tanto é que o doente vai a falar a conversar vai para cima e fala tá dito aí fala às 5 da manhã 4 ½ fala com a enfermeira perguntou-lhe as horas se estava a chover tudo isso (se estava calor, em Outubro) os quartos são aquecidos (não é relevante) penso que não e é um pós operatório em que há alterações químicas e pode dar sensação de calor isso não é relevante (24:30 ADV da ASS) … um carcinoma papilar da tiróide (dupla cirurgia duas cirurgias num único acto anestésico implica ou não um risco acrescido para o doente ?) se me perguntar em termos simples com certeza que implica pq há mais tempo de operação portanto isso é evidente (as 3 h e decorrem desta dupla cirurgia) sim (o acto anestésico tem que ser específico para uma previsão de um tempo alargado) não é específico é mais prolongada aí o anestesista depois é que vai controlando o tempo e vai administrando as drogas consoante o doente vai precisando ou não (e isto implica ou não tb um risco acrescido no pós operatório) não necessariamente não necessariamente, ouça se for vamos pôr as coisas se me dá licença por as coisas doutra maneira se um doente é neste caso um doente sem patologia associada nenhuma um homem saudável ainda por cima novo mau era se não aguentasse uma cirurgia deste tipo então não se podiam fazer cirurgias de grandes dissecções cervicais com esvaziamentos cervicais que se fazem com quase desmontagem toda do pescoço pq os doentes iam fazer um edema de tal maneira da orofaringe que depois morriam a seguir ou seja se fosse uma pessoa debilitada com patologia cardíaca associada com patologia respiratória associada com enfisemas pulmonares doenças pulmonares crónicas obstrutivas com idade avançada eu se calhar teria ponderado como fizemos antes da operação dizer não se calhar vamos fazer a coisa mais importante que é o cancro da tiróide que ele tem e depois deixa lá as amígdalas as amígdalas faz-se depois aproveitando o facto e enfim conversando com o doente vendo que ele era saudável um homem novo pusemos no prato da balança a hipótese de operar aproveitando uma anestesia tb não é não é desprovida de riscos (claro) uma II anestesia aí sim mais riscos teria ele ser operado a I vez só para a tiróide ou amígdalas provavelmente a I seria a tiróide com doença maligna e depois uma II vez passado algum tempo ir fazer a amigdalectomia eu penso que aí íamos acrescentar tb algum risco pesamos isso e achamos que não víamos problema em ele ser operado fazendo as 2 operações num acto anestésico único (aí muito bem mas tb não foi a pergunta que eu fiz … postas essas 2 hipóteses no prato da balança ou a dupla cirurgia) muito bem (no acto anestésico único ou uma I cirurgia …) amigdalites de repetição (entre operar de uma só vez dupla cirurgia ou operar em 2 cirurgias eu vou completamente de acordo com a sua explicação mas a m/ pergunta não foi essa é saber se pesando estes 2 pratos da balança se eu não tenho eu médico cirurgião eu médico anestesista de pesar tb o pós operatório no sentido de um especial cuidado) mas isso foi o que eu disse isso foi pesado isso e não vimos que houvesse necessidade dalgum cuidado específico para esse efeito e aliás não existe documentado na literatura não existe documentado nenhum trabalho em que compare isto faz-se em muitos lados não é só aqui este tipo de cirurgia por assim dizer dupla aproveitando uma anestesia ou a mesma cirurgia em 2 vezes em períodos anestésicos distintos que as compare e diga que esta tem mais vantagem que esta não existe isso não está demonstrado aqui é um bocadinho de bom senso tb (… pq é que no pós operatório aconteceu o que aconteceu em termos de tempo de circunstâncias de monitorização do doente da decisão de alto do recobro anestésico para o quarto de internamento é o pós operatório) … não existem cuidados diferenciados mais específicos ou menos específicos perante uma situação destas ou dupla cirurgia ou não que obriguem a ter algum cuidado diferente os cuidados são exactamente os mesmos o recobro é feito da mesma maneira o doente é orientado da mesma maneira neste caso pelo anestesista verifica-se que ele estabilizou chegou a um ponto de estabilidade portanto não é pelo facto de ter havido 2 cirurgias no mesmo acto que é preciso mais uma hora mais hora e ½ pq não está definido portanto não há cuidados os cuidados é a estabilidade do doente a clínica é que manda (acabou esta a cirurgia o doente está entubado) não, o doente qdo sai do bloco qdo sai da sala já está extubado (é monitorizado) com braçal para medir tensão arterial com um aparelhinho que vê a saturação de O no sangue periférico, (a decisão de tirar o tubo) orotraqueal (é tomada) qdo termina a cirurgia e o qdo doente começa a respirar por ele pq as drogas isso agora lá está sou eu falar que não sou anestesista as drogas anestésicas que o anestesista dá algumas das drogas tá aí o Atracurio que é um curarizante vem de curare como aquela coisa aquela droga usada pelos índios da américa do sul que paralizava os doentes o curare impede a musculatura de funcionar o doente não tem músculo é a mesma coisa que não ter músculo não tendo músculo não respira pq nós respiramos pela mobilidade do diafragma e da caixa toráxica ora bem o doente está curarizado o que a gente chama os anestesistas curarizado qdo termina a cirurgia está curarizado pq tem de estar relaxado senão o doente mexe-se e vai alterar não, tem que estar perfeitamente estabilizado e por isso é que ele tem que estar liado ao ventilador pq não respira qdo acaba a cirurgia o doente é descurarizado são-lhe administradas drogas que vão lentamente fazer terminar o efeito dos curarizantes e o doente a páginas tantas começa a respirar começa pouco a pouco a respirar e os anestesistas estão habituados a isso percebem que é altura de retirar o tubo pq o doente já está a respirar por ele começa a lutar e a rejeitar o tubo ele quer por aquilo cá fora começa a ter o reflexo da tosse e quer por aquilo cá fora e portanto tira o tudo e o doente começa a respirar normalmente (a decisão de retirar o tubo é exclusiva) do anestesista sim sim, (por risco de edema) é que ele fez medicação para diminuir o edema isso sabemos mas uma coisa é o edema o edema existe sempre isso não há dúvida agora pq é que neste caso específico chegou àquele ponto isso é que eu já não lhe consigo responder, (a medicação que ele fez foi) corticosteroides está aí penso eu o Rosilan isso é dado sempre, é dado no bloco operatório o anestesista deu isso o anestesista pode ter dado de manhã tb ele não entrou ás 8 da manhã não pode ter sido ás 8 da manhã, (eu vejo aqui 8 h) 8 deve ser 20 se calhar 20 ele quer dizer 20 (é que mais acima estão 20 h) provavelmente são 20 h é no acto na parte final da cirurgia que o anestesista é que está a controlar as drogas que lhe administra, (MDT 35:10) não (tenho intervenção) nenhuma (na retirada do tubo orotraqueal) nenhuma a decisão anestésica é toda a decisão de intubar e de extubar é única e exclusivamente da responsabilidade do anestesista, (levado o doente para o recobro, com o doente) tenho o contacto de se o quiser ter tenho mas de lado já saber perguntar ao anestesista tá tudo bem tá tudo sereno o doente tá a recuperar bem foi o que eu fiz é o que eu faço sempre o anestesista tá sossegado tá tudo bem não há problema nenhum podes ir embora, não (há registo de ter ido embora) não não não isso não é habitual eu sei que sai da cirurgia fiquei ali no bloco ainda um bocadinho o doente entretanto fica na sala ao cuidado do anestesista como é evidente ele extuba o doente entretanto eu vou para o vestiário muitas vezes ainda vestido venho á porta do vestiário e pergunto se tá tudo bem se é preciso alguma coisa, perguntei ao anestesista se tava tubo bem pq é o habitual, sai da H…, desde que acabei a cirurgia até sair terá decorrido uma ½ h talvez nem mais nem menos, … o doente está bem precisas de mim para alguma coisa não tá tudo bem podes ir embora e é o habitual nessas situações não houve nada de extraordinário e de diferente aqui numa situação destas nada é o habitual, (sem contacto visual com) o doente depois ele vai para a unidade de recobro já não está (à vista, é outra sala) exactamente, eu apenas indiquei a medicação analgésica analsegia para mim no meu entender apenas ele precisava a indicação do cortocosteroide foi dada pelo anestesista e o antibiótico mas isso faz parte tb é uma coisa é um profiláctico para para prevenir infecções, (ele tomou paracetemol mas não era alérgico ao paracetemol) que se saiba não que se saiba não (e tomou petidene) petidine é um analgésico mais mais mais forte (tomou o analgésico às 2 h da manhã) isso depois é dado pela enfermeira na enfermaria (não carece de receita médica) não não vai nas indicações terapêuticas no processo existe a folha de ordens terapêuticas que nós deixamos indicação para a enfermeira ir administrando nós cirurgiões habitualmente neste caso eu e o colega otorrino (os Sotores indicaram estes 2 medicamentos) sim (para) sim (para que o paciente possa) o paracetemol e a petidina em SOS a gente habitualmente põe dá-se de 6 em 6 h mas em SOS se o doente não tiver dores não precisa de tomar o doente vai-se queixando de dores ou não e a enfermeira tá habituada a ver as situações e administra não precisamos de estar a não precisa de telefonar para perguntar se dá se dá essa medicação ou não são as ordens por isso elas são enfermeiras e estão habituadas a estas situações de pós operatório (mas é absolutamente líquido que elas não aplicaram aqui nada que não tivesse na ficha clínica que o Sotor e o Dr J… deixaram) aí eu não sei vamos lá a ver em princípio não devem o que está escrito nas ordens terapêuticas são ordens médicas é o médico que prescreve se a enfermeira á partida deve-lhe aplicar consoante está está orientado pelo cirurgião quer pelo médico otorrino a partir daí mais nada (a H… não fica nenhum médico de) fica (vigilância ?) tava tb de permanência foi chamado foi o primeiro, não (sabe a especialidade) confesso que não sei, Dr B… sei sei sei sei que é o médico que está, não sei responder (qual a especialidade) não sei responder não o conheço pessoalmente sei que ele está lá e tem, sei o nome dele mas não conheço pessoalmente mas presumo que é um médico que tem algum presumo conhecimento de de de situações de urgência para as poder actuar em conformidade com as situações que surjam, admito que tenha dores foi operado agora se, (uma enfermeira do internamento diz que qdo o doente veio da unidade de recobro às 10 e ½ da noite viu-o ansioso inquieto e sempre queixoso) mas isso não me admira (…foi operado…provoca) dores (edema e dores) claro, claro (que leu a anotação da enfermeira, só que a leitura que fazemos é substancialmente diferente …nada disto às 10 e ½ da noite o ansioso o inquieto e sempre queixoso com edema supra interno) desculpe deixe-me dizer só uma coisa desculpe interromper isso que está aí dito edema supra interno isso para mim não sei isso há aí um erro qualquer isso que está escrito assim não sei o que isso é edema supra interno não sei o que é eu presumo que isso ela querará dizer que era o edema superior e tá um português não sei o que é um edema supra interno ora bem uma cirurgia da tiróide é feita por uma incisão transversal, (edema) acima e mediano na parte média pq interno é por dentro qualquer coisa interna em termos médicos interno é por dentro e portanto ela não podia ver a não ser que metesse o laringoscópio para espreitar lá dentro isso ela não fez o edema supra interno agora dizer que tem edema tem a incisão inchaço, se ela tiver experiência de cuidados intensivos poderia mas não me parece que seja o caso, é um acto médico intensivista, uma enfermeira pode medir as tensões ver o pulso do doente pode ver se ele está a oxigenar bem há enfermeiras existe enfermeira no bloco operatório que está ligada à anestesia que sabem fazer que é uma manobra relativamente simples para quem a saber fazer tem prática é meter um laringoscópio que é meter um aparelho que tem um punho e levantar a língua e ver se ali há alguma coisa podia eventualmente ter feito mas não julgo que não fazem pq não é aliás o que ela fez qdo sentiu que o doente não estaria bem chamou o médico de permanência na H… é isso que estou a dizer presumo que ela não o fez, (se tivesse feito devia constar no diário) exactamente devia ter feito exactamente e não fez parto do princípio que não fez isto vem a propósito desta história do edema supra interno acho que o interno aí ela quereria dizer na parte mediana do pescoço que é no sítio onde foi feita a incisão que é visível que é perfeitamente visível isso aí não é nada do outro mundo, tinha que dizer superior a quê é isso que eu digo isso que está aí foi erro da forma como foi transferido para a escrita aquilo que ela quereria dizer eu notei isso desde o princípio desde que li essas declarações e confesso que isso para mim há um erro tá errado o que tá aí para mim não é nada (qdo saiu do bloco) traz um dreno de controle foi com ele para cima e foi com ele para o quarto aliás há bocadinho ouvi dizer que não havia problema nenhum foi com ele para o recobro e do recobro para o quarto, claro que foi, pois (não viu que foi com o dreno) mas eu não o mandei tirar só se alguém o tirou mas aí não está descrito que alguém o tenha tirado tanto não está descrito que a enfermeira diz que o dreno tinha uma drenagem de cerca de 100cc durante a noite portanto ele está lá e estava a funcionar, (esse dreno não devia permitir a respiração ?) não não o dreno é colocado na loca da tiróide a tiróide é uma glândula que nós temos à frente da traqueia nós temos a traqueia que é um tubo tá por aqui abaixo e à frente temos a tiróide são 2 glândulas por assim dizer do tamanho de 2 peras pequeninas invertidas e que estão imediatamente à frente da traqueia e o dreno fica nesse espaço que vai ficar vazio e nós deixamos um dreno para colecções de fluídos e nomeadamente sangue se houvesse hemorragia brutal a gente tá prevenido tar atento a uma situação dessas que é outra II grande causa de problemas da tiróide que são as hemorragias que neste caso felizmente não houve, não existem recomendações (do Colégio de Especialidade) de dupla cirurgia não existe nenhuma existe o bom sendo e mais nada não existe nenhuma recomendação específica nesta matéria para o pós operatório, não existe nenhuma norma especificamente dada para situações de dupla cirurgia de tiróide e amigdalas não existe ou de tiróide e adenoides tb seria uma coisa desse tipo não há nenhuma norma específica para esse efeito, (“menos compreensível o porquê da não realização da traqueostomia”) exactamente (depois do doente entrar) em paragem isso eu tb não compreendo (fala-se aqui que foi tentado e não foi conseguido pq o edema seria demasiado extenso ou volumoso) mas o edema é dentro não é fora o edema que, (como se faz) uma traqueostomia abre-se aborda-se a traqueia cortam-se 2 anéis da traqueia faz-se um corte e abre-se um anel para um lado e outro para outro e ele fica com ouça entre aspas ele fica com as goelas abertas com uma caneta fura-se aquilo (para que possa respirar) ouça deixe-me só terminar isto se qualquer um dos srs que tá aqui tiver aqui um ataque e disser que está apto se calhar não consegue fazer se calhar não consegue fazer pegar numa caneta e chegar ali o doente está aqui não está a respirar e fazer um furo na garganta não faz eu faço (calmamente até) está a compreender agora não me pergunte pq é que não foi feito, (mas vou perguntar doutra forma) faz favor se souber responder respondo, não estava (lá) isso passa-se às 6 da manhã (6 ou 5 enfim é indiferente o processo do edema vai ser uma coisa evolutiva) sim (em termos de andamento) sim (o doente está no seu quarto monitorizado e o edema não é uma coisa que surge neste caso de imediato ele já vinha do lado cirúrgico que é o normal e vai evoluindo evoluiu de tal forma que ele ficou asfixiado) hum hum (ora neste momento nós termos na H… uma enfermeira responsável no fundo pela monitorização não em termos mecânicos ma sem termos de vigilância) sim de vigilância do doente (exactamente e temos um médico que está de permanência) tá de permanência de prevenção lá dentro dorme lá dentro (dorme lá dentro no caso da H… isso acontece não está a chamada telefónica) não não não não (o Dr B…) exactamente (está aqui escrito nos autos qdo o Dr B… que não conhece e que não sabemos qual é a especialidade concreta qdo ele é chamado já não é possível fazer a traqueostomia ou seja o doente já está morto ?) não (não ?) não pelo que está (pq não é possível fazer a traqueostomia) não, não, isso explico, no meu entender podia ter sido feita (então) não me pergunte pq é que não foi feita (pq não vale a pena fazer a traqueostomia) não desculpe não é isso não é isso (então) não é isso vamos lá a ver qdo o Dr B… pelo que está escrito vou reportar-me única eu falo daquilo que vi pelo exame do processo eu não estava lá eu tenho conhecimento disso às 9 da manhã o Dr B… é chamado qdo a enfermeira nota que o doente tá com dificuldade respiratória deixe-me fazer um parêntesis um ede ma tem 2 formas de actuar ou de aparecer é um edema rápido em pouco tempo é a chamada anafilaxia o choque anafiláctico o doente em choque não respira aquele doente que é picado por uma abelha que é alérgico ao veneno da abelha ou duma cobra e é isso que acontece esse edema uma pessoa fica com uma cara que ficam disformes a língua fica tudo entupido a pessoa não respira e morre directo se não for metido um tubo rapidamente antes de chegar a um determinado ponto o doente morre a o outro tipo de edema é um edema deste género o edema pós uma cirurgia que não é previsível a gente sabe que ele vai acontecer mas não sabe é que vai chegar a este ponto nunca prevê a gente se fosse previsível que o edema que se desencadeou no pós operatório deste doente fosse chegar ao ponto de lhe entupir por assim dizer entre aspas a ventilação e a passagem do ar de cima da boca ou das fossas nasais para a traqueia aí ele tinha que ficar entubado se a gente previsse isso não tinha saído da sala do recobro sem ficar entubado é evidente ia para os cuidados intensivos tinha que ir para os cuidados intensivos ficava um dia 2 dias entubado acabou e depois no fim tirava-se o tubo e respirar o habitual é o edema tem alguma edema mas um edema que fez medicação que vai eventualmente contrariar a evolução do edema o edema depois chega a um ponto e estabiliza por isso é que eu digo que não sei pq é que este edema foi para a frente chegou a um ponto e continuou agora durante a noite atenção foi o edema do orofaringe não é uma coisa neste caso nunca podia ter sido uma coisa súbita a não ser que houvesse qualquer droga que foi administrada e que não devia bom isso aí eu não posso falar pq não sei caso contrário se o edema é o que me parece ser consequente da operação então o edema vai-se prolongando em termos de vai evoluindo (na zona) é gradativo e o doente vai começar a ter falta de ar (exactamente) que não está descrito em lado algum o doente a falar o doente com falta de ar não fala não conversa não pergunta como está o tempo lá fora 1 h antes de ser encontrado em paragem portanto não é uma coisa que que isto é há sempre o doente começa a ficar ansioso começa a querer respirar e começa a querer metar ar cá dentro e a ficar aflito aflito aflito isso é uma situação que o doente começa a eu tenho falta de ar eu tenho falta de ar dá tempo dá mais que tempo de se resolver a situação nada disso está descrito é só para dizer que o edema se foi súbito por algum motivo alguma coisa se terá passado se não foi então teria dado tempo eventualmente de ser verificado pelo que está escrito nunca aconteceu nunca se queixou de falta de ar queixou-se de calor queixou-se que tinha dores que é normal, a traqueostomia é depois a II parte é assim qdo a enfermeira chega ao quarto e verifica que o doente está já com dificuldade respiratória mas está com uma saturação de 93 % está descrito isso significa que o doente tá ainda tá a ventilar senão a saturação estava muito mais baixa e que tem batimentos cardíacos não tá morto chama o Dr B… chama o enfermeiro primeiro chamou (o INEM) não não não chama em simultâneo chama o médico e chama o INEM (chama o INEM pq) são as normas da casa é o protocolo que está que está que está determinado lá em termos internos da H… sim sim e o INEM apareceu em tempo útil que era uma noite de sexta para sábado portanto e de noite não havia trânsito o INEM aparece rapidamente agora o Dr B… chegou pelo que está descrito aquilo que à partida e o que é mais comum acontecer numa situação pós cirurgia da tiróide é hemorragia o doente fazer uma hemorragia brutal mesmo com o dreno mesmo com o dreno entope os coágulos entopem aquilo tudo e o doente faz hemorragia que faz asfixia que comprime por compressão, o Dr B… apesar de tudo abriu a cicatriz da pele abriu e viu alguns coágulos viu alguma quantidade de sangue pouco nada que justificasse aquilo e cai em cima da traqueia ele tem a traqueia ali pq eu tinha tirado aquilo que está à frente da traqueia que é a glândula tiroideia a tiróide portanto isso é dito na Perícia Médico legal ele próprio diz mais fácil seria nesse momento ele ou alguém a fazer um furo na traqueia não foi feito não me pergunte pq não sei não sei responder, pelo desculpa volto a dizer o edema é por dentro é na orofaringe é dentro é cá dentro é ao fundo por detrás da língua é cá atrás lá dentro aqui não há edema nenhum (não há edema) que se justifique não se tomar aquilo que devia ser feito no meu entender (o edema impede tapa-lhe) a respiração (sensivelmente por aqui) exactamente mas acima um bocadinho exactamente (e portanto se eu furar ali respira) exactamente exactamente é tão simples qto isso é tão simples exactamente (DEF 57:50 a sua intervenção terminou com a) operação à tiróide exactamente (aconteceu a operação do) dr J… exactamente às amígdalas ele primeiro fez a amigdalectomia tirou as amígdalas ao doente e depois reposicionamos o doente na marquesa tem que se reposicionar a cabeça mais um bocadinho para poder abordar o pescoço 2 dedos acima aqui do esterno para poder aceder à glândula tiroideia e tirar a tiróide, não (houve imprevisto) a operação não teve intercorrência rigorosamente nenhuma correu de uma forma perfeitamente linear sem hemorragias sem sem acontecimento estranho que tivesse necessitado de alguma actuação diferente daquilo que é o habitual, alguma hemorragia que obrigasse imagine nós estamos perto das carótidas muito perto das veias jugulares que podem sangrar e sangram que não é brincadeira uma carótida a gente nunca chega lá mas uma carótida aberta vai sangue daqui até ao tecto portanto tinha que ser imediatamente camplada tratada chamar a cirurgia vascular eventualmente até ser preciso dar sangue ao doente situações desse tipo nada disto não houve intercorrência nenhuma inclusivamente a lesão quem opera a tiróides procura evitar sempre é a lesão dos nervos recorrentes da laringe os nervos recorrentes laríngeos são 2 nervinhos que estão por detrás da tiróide são os nervos que vão enervar as cordas vocais e que nos dão a disfonia que nos poem roucos ou não daí por ex os cantores qdo são operados à tiróide a única coisa que querem atenção ás minhas cordas vocais portanto nós não vamos as cordas vocais são por dentro são enervadas por 2 nervos recorrentes laríngeos que nós temos que os ver temos que os identificar é obrigatório e temos que os preservar pq senão o doente fica rouco mais pior que isso se eles forem lesados de uma forma as cordas vocais podem ficar fechadas e ao ficarem fechadas podemos … pq tira-se e não respira ele tá tapado é como uma cortina que fica fechada e as cordas vocais os nervos recorrentes estavam íntegros tanto é que está na Autópsia isso está (fotos 8 a 10 a fls 31 «Sistema venoso e arterial cervical íntegros, não se observando após abertura dos mesmos qualquer solução de continuidade ou alteração macroscópica. Nervo recorrente íntegro») exactamente identificado e preservado (anotação a fls 66) pelo Dr K… em que ele verifica que eu peço sempre aos anestesistas no fim é mais uma no fundo como a gente costuma dizer segurar as calças com cintos suspensórios pq enquanto o doente está ainda meio por assim dizer ainda está meio anestesiado se for preciso alguma coisa a gente ainda lá ia fazer a gente pede para ele verificar com o laringoscópio … para verificar a mobilidade das cordas vocais … tavam perfeitamente móveis tavam a funcionar bem portanto e ele confirmou isso, significa indirectamente que os nervos recorrentes laríngeos estão foram preservados e a sua integridade não foi magoada por assim dizer (a letra é) do Dr K… exactamente é ele que assina a ficha anestésica é assinada por ele («Apenas de referir acordar agitado mas sem qualquer intercorrência Fez laringoscopia após tendo-se verificado a existência de edema da orofaringe e muito boa mobilidade das cordas vocais») tem algum edema pois então ele tirou as amígdalas tem que estar um bocadinho inchado é natural não há volta a dar-lhe, no meio entender não houve complicação nenhuma nada disto e não há no registo nem a Autópsia demonstra que tenha havido qualquer erro da da em termos da operação à tiróide (a fls 67 «sumário pré-operatório», «complicações operatórias», «complicações pós-operatórias») imediatas exactamente e que não se verificaram nenhumas sem complicações (depois a Perícia e a Acusação refere-se ao período de recobro claramente insuficiente) para que fique bem claro, é o anestesista (quem define o período de recobro) o anestesista é o responsável pelo recobro tanto é que se assim não fosse eu não podia sair do recobro não podia sair da H… com o doente no recobro que seria da minha responsabilidade verificar se ele estava bem se podia ter alta do recobro essa é uma competência específica da área da Anestesia isso está escrito isso é dos livros (responsabilidade) exclusiva (do Anestesista) a não ser que surjam caramba que o anestesista tenha um enfarte ali e os doentes estão ali alguém tem que ficamos nós ali a tomar conta dos doentes (felizmente isso não aconteceu) exactamente (se tivesse havido alguma intercorrência o Sotor teria dado alguma indicação) claro que sim claro que sim se calhar até não seria preciso pq ele aperceber-se-ia ele tá presente à saída do doente ele tá ali vai controlando …, claro que sim daria conselho ao anestesista teria chamado alertado para alguma situação enfim não houve nada que justificasse fazer qualquer chamada de atenção, achou que o doente estaria em condições de sair da sala de recobro por estar perfeitamente estabilizado foi isso que me, (a tabela de aldrete) sim sim a tabela da unidade de, ele tem que se basear em dados os mais objectivos possíveis não só exame do doente o exame clínico a parte respiratória deve ter auscultado o doente, (fls 64 … «Nota: ALTA se total = ou > a 7») exactamente … foi criada julgo que é canadiana essa tabela pronto depois de muitos estudos criaram essa tabela que facilita por assim dizer um bocadinho a vida ao anestesista no sentido de tomar decisões de uma forma mais objectiva do que ser só a sensibilidade dele para poder dar alta neste tipo de situações alta da unidade com certeza, («crise de pânico») aí confesso que não assisti mas admito que possa ter acontecido pq um doente que foi operado não sei se alguém daqui foi operado às amígdalas ou não eu tb não fui mas sei que os doentes ficam com alguma dificuldade em deglutir pq incomoda a cirurgia das amígdalas incomoda é lá atrás e portanto tem alguma dificuldade em deglutir no recobro ele ainda está sob efeito de drogas anestésicas que lhe alteram um bocadinho portanto é possível que ele tenha querido engolir um bocadinho de saliva que se forma permanentemente na boca e tenha tido alguma dificuldade e ficou um bocado atrapalhado chamar a isso pânico pronto tudo bem admito, não assisti (pq o doente) na sala de recobro e não estava lá («fls 44» não há uma conclusão taxativa sobre a causa da morte) claro (na CCS 3ª «pode ter sido devida a asfixia consecutiva a edema laríngeo de origem inflamatória aguda / infecciosa») exactamente (mas depois na CCS 4 diz que «este quadro de edema laríngeo de origem inflamatória aguda / infeciosa surgiu após cirurgia (amigdalectomia e tiroidectomia) a que a vítima foi submetida no dia 08/10/2010, e pode estar relacionada com o traumatismo local inerente à cirurgia e/ou às manobras de intubação oro-traqueal») sim sim sim sim essas manobras eu não tenho a menor dúvida que na Autópsia que é feita posteriormente as manobras de tentativa de intubação vão magoar a orofaringe ora se a orofaringe cá atrás já está com edema já está com inflamação por assim dizer a introdução do laringoscópio que vai ali e pegar no tubo e tentar tentar uma vez tentar 2 tentar 3 entra um bocadinho as pessoas querem é rapidamente tentar intubar o doente essas manobras de intubação da via aérea ai isso de certeza foram causar ainda mais mais mais edema ai isso não tenho dúvida nenhuma, tá documentado que houve manobras, o INEM tentou fazê-las o próprio anestesista o Dr K… qdo chegou lá tentou e depois essas sim essas não foram conseguidas essas não foram conseguidas as manobras para entubar a via aérea através da orofaringe pq o edema era marcado e portanto não permitiu mas agora aquela tentativa é meter fundo de qualquer maneira a gente quer que o tubo lá dentro que ultrapasse franqueie aquele obstáculo e passe para dentro nem que seja um bocadinho á força lá dentro acabou está resolvido o problema mas não conseguiram e isso foi vai magoar ainda mais com certeza (é isso que justifica…pode estar relacionado…com intubação) pode isso pode, só com isso não acredito não eu acho que ele tinha algum edema senão, é impossível saber em que estado em que estava o edema pq eu volto a referi aquilo que há bocadinho disse está descrito pela enfermeira que o doente tinha uma saturação de 93 % ora 93 % é um valor relativamente já baixo é evidente que é baixo devia ser 98 99 100 % mas caramba isso é o que se ele fosse intubado se tivesse se a via aérea fosse conseguido meter um tubo que reapermeabilizasse e ele respirasse por ele aquilo subia logo imediatamente portanto não estava morto, com 93 % não tava morto, os 93 % vamos lá a ver eu não sou anestesista eles é que têm esses valores muito mais aferidos mas há valores que se a saturação de estamos a falar de saturação de O no sangue que é medido por um oxímetro um medidor que é proporcionado por uma célula que mede e é verificado e ele tava com para ser medido para a enfermeira registar isso ele tinha que estar com o oxímetro ligado num dos dedos 93 significa que ele tá com dificuldade a respirar que não está a oxigenar conveniente mas está a respirar, se estivesse sem respirar nada aqui aquilo descia abruptamente vinha por ali abaixo num instantinho, rapidamente aquilo é muito rápido muito rápido vem por aí abaixo muito rápido, (só uma enfermeira de cuidados intensivos é que poderia utilizar o laringoscópio para tentar reanimar) de cuidados intensivos ou de cuidados de ressuscitação por assim dizer, (o laringoscópio) não (poderia provocar o edema) não o uso indevido não o uso indevido (poderia experimentar e provocar o edema) não isso não eu não acredito nisso não isso não podia pq o laringoscópio no fundo é um abaixador de língua mas que é utilizado com o doente ou anestesiado ou num estado de alguma confusão já se eu quiser fazer uma laringoscopia a qualquer um de nós mas uma colher vomita tem que estar anestesiado que é para não provocar o vómito (portanto essa hipótese dela ter causado o edema mediante o uso indevido) não, qdo ela detectou está descrito e acho que a lógica que ela fez qdo detectou que o doente tava com dificuldade respiratória chamou quem de direito e chamou imediatamente o médico de urgência e acionou o INEM, (qualquer técnico do INEM teria condições para abrir a traqueia teria experiência e conhecimentos para abrir a traqueia e saberia que teria que fazer isso) Sotor Juiz eu vou-lhe dar a minha opinião pessoal eu acho que por definição o INEM tem que saber fazer isso para isso é que é INEM por definição o INEM é o Instituto Nacional de Emergência Médica os Médicos que estão no INEM têm obrigação de ter cursos de suporte avançado de vida e suporte avançado de vida uma das coisas é saber fazer traqueostomia, (agora a questão que se coloca é saber se no momento em que chega o doente) exactamente se já estaria ultrapassado o timing não sei não me parece (não é o timing, estou a perguntar se há ali alguma espécie de hierarquia entre médicos entre colegas) não não não (pq o médico do INEM chegar lá tb se já está aqui o colega) ai não não não (eu não vou mexer-me) antes pelo contrário segundo me apercebi o Dr B… retira-se e deixa a situação ao controlo dos Médicos do INEM pronto terão mais capacidade para para resolver a situação (e qualquer um deles deveria saber que a solução podia passar por essa intervenção) claro no meu entender tinham obrigação de saber fazer e resolver a situação se fosse em tempo útil ainda falta-me agora saber se o doente já tinha passado o timing de este tipo de actuação ainda ser capaz de salvar a vida ou não pq como sabe isto (salvar a vida mas podia ficar com danos) exactamente lesões cerebrais permanentes se ele estivesse em hipoxia grave mais de 10 15 minutos se não conseguisse ventilar eu estou a falar atenção que eu continuo a dizer que ele não estava em paragem cardíaca o coração batia portanto o cérebro ia sendo oxigenado pouco mais ia sendo oxigenado portanto o que faltava ali era oxigenação do sangue, (paragem cardíaca) não só paragem respiratória qdo ele foi detectado o problema ele estava com dificuldade respiratória com saturação de 93 % de O2 mas com uma frequência cardíaca variável o coração tava ainda a bater tinha o pulso portanto o coração tava a bater é o que está descrito (o edema nunca devia impossibilitar a traqueostomia) em meu entender não e no entender do Perito Médico-Legal que faz o Parecer do IML tb não tb não levanta essa questão como é evidente pq é uma questão logo é a I vez pq não foi feita a traqueostomia não sei não posso falar pq não sei não sei não estava lá se eu estivesse lá era o que eu tinha feito mas eu não estava não tinha que estar, nenhuma (consequência resultaria para o doente de uma traqueostomia) nenhuma depois o edema desaparecia ia diminuindo aquilo mete-se aqui uma cânula tira a cânula e aquilo fecha espontaneamente não tinha consequência ficava com uma cicatriz aliás ele já tinha a cicatriz da incisão da operação à tiróide era a mesma nem mais do que isso era em termos de consequência nenhuma e em termos de vantagem toda (ADV fls 69-70 está o «Diário de Enfermagem» concretamente à 5 e 40 da manhã aparece a refª à pré paragem respiratória) exactamente (a concentração) pré paragem significa que não está parado tá com dificuldade tá a querer parar de respirar e é aí que a enfermeira imediatamente acciona tudo o que tinha que fazer o que lhe competia fazer e muito bem chamou o INEM o Dr o médico de permanência chama colegas e tentou logo manobras claro que tentou fazer ventilar o doente com ambu ora o ambu é uma máscara não sei se já viram às vezes nos filmes é uma máscara que está que tem um balão e está a máscara é acoplada à boca ora bem se ele tem dificuldade em passar não é com o ambu que ele vai resolver o problema pq aquilo força força mas não a não ser que tivesse uma pequenina passagem que aquilo com força com pressão ainda passasse alguma coisa (tinha que ser mais abaixo) a traqueostomia tinha que ser feita isso aí não tenho dúvida nenhuma a única coisa que tinha que ser feita (a fls 64 refere-se 95 96 97 98 99 98 99) é o normal os 93 significa que ele ainda está a ventilar tá com dificuldade mas está a ventilar portanto ela detectou-lhe até provavelmente dificuldade em respirar o doente devia estar a respirar e a ter dificuldade devia ser isso que ela detectou mas ainda não estava em paragem respiratória sequer (o relatório do Dr K… ele diz que fez tentativa de traqueostomia utilizando o kit de quichtrack) sim isso não é traqueostomia ou melhor vamos ver se a gente se entende a gente utiliza traqueostomia para querer dizer uma coisa um bocadinho diferente daquilo a traquetomia é que é abrir o tomia é de abrir a laringotomia é abrir a tiroidectomia é cortar e tirar qualquer coisa portanto a traqueostomia é o abrir e introduzir uma agulha é um kit de emergência é a tal caneta que existe uns kitezinhos que se abrem que habitualmente estão nos carrinhos de emergência e que eles habitualmente eu não sei se ele disse traqueotomia se disse julgo que é cricotomia pq é aqui na membrana cricóide aqui mais acima logo acima e que eles metem lá à pressão metem uma agulha grossa que ventila permite a passagem do ar a traqueostomia é feita um corte mesmo é feita mais abaixo é feita aqui ele tentou mais acima com esse kit é um kit rápido de emergência por assim dizer mas ele não adiantou só ele é que poderá explicar pq é que não conseguiu eventualmente ele aqui qual foi a dificuldade que ele encontrou para não conseguir introduzir dentro da via aérea o esse kit não entendo mas confesso que aquilo que menos entendo é pq é que não foi feita a traqueostomia pois se ele tinha a traqueia ali a traqueia estava ali à mostra a primeira coisa que eles fizeram foi abrir muito bem óptimo abriram não tinha sangue depois tinha a traqueia à mostra era ali era um corte agora alguma coisa se passou pq não foi feito não sei, eu acho que ele tentou mas isso só pode ser ele a explicar pq ele é que esteve lá presente, aqui ainda faz sentido mais para cima a gente já não tem acesso aqui é a zona mais superficial da via aérea que tem a pele e pouco mais tem tem aqui uma membrana muito fininha a gente fura e ela entra lá dentro é fácil foi estudado, se tivesse conseguido entrar e se o doente ainda estivesse a ventilar e com as suas capacidades perfeitamente capazes começava a respirar normalmente e acabou o ar entrava por ali e depois ia-se fazer uma traqueostomia mais à frente com mais calma e tudo pq a traqueostomia (o doente estaria com consciência para afastar as pessoas ou alguma coisa do género ?) não lhe posso poderia estar poderia estar ou poderia estar já num estado meio confuso meio confuso mas podia estar a debater-se a querer respirar uma pessoa está agitada aí assim tá agitado (mas tantos enfermeiros controlariam) sim controlavam o doente isso não tenho nenhuma dúvida isso não era por aí o doente não é por aí o problema não é por aí, não (quer dizer mais nada em defesa além do que já foi dito) penso que está tudo dito não tenho mais nada a dizer tou com a consciência perfeitamente tranquila relativamente àquilo que fiz não posso de maneira nenhuma afirmar foi uma surpresa o doente ter falecido eu já disse isso várias vezes eu fui soube-o qdo me preparava para sair de casa ás 9 da manhã para ir visitar o doente no dia seguinte de manhã era sábado levantei-me vou lá baixo H… ver o doente e qdo tenho o telefonema do Dr J… a dizer que o doente tinha falecido a I ideia que me veio á cabeça foi uma hemorragia que nunca me passou pela cabeça a ideia do edema pq nunca me aconteceu sinceramente e acontece com alguma não é raro desculpe não é frequente ele acontecer o edema que leve a este ponto acontece tá descrito mas não é caramba já operei muita tiróide felizmente até hoje nunca me aconteceu uma situação já as hemorragias me aconteceram e tive que reoperar doentes para controlar a hemorragia vasos que não estavam correctamente laqueados que se soltou a laqueação e começaram a sangrar e teve que se levar o doente ao bloco mas nada de grave se passou essa situação fiquei perfeitamente incomodado de maneira que qdo me disseram que foi pelo edema ele não tinha hemorragia nenhuma então do que é que ele morreu, de edema de edema pq nada disto era passível de ser pensado que pudesse acontecer uma situação destas num doente como este novo saudável sem passado nenhum por isso das primeiras coisas que nós pensámos foi provavelmente alguma droga ele fez uma alergia agora que droga das que estão descritas aí o que terá sido não me parece tb do resultado da Autópsia tb não me parece tb não me parece que foram feitos testes toxicológicos testes de imunoglobulinas que pudessem levar a pensar que houvesse uma situação de choque anafiláctico portanto de choque inflamatório e alérgico e tb não faz menção disso portanto é uma situação fica sempre aquela situação do que é ele faleceu não sei agora que tenho a consciência tranquila de que foi feito tudo o que relativamente à minha actuação não vejo não vejo onde ela possa estar errada e que possa ter levado a este desfecho isso não (01:26:55)»;

36.Ao pedido de esclarecimento de 10.7.2013 do Mmo Juiz a quo «… sobre o período de tempo considerado necessário para o controlo pós operatório de uma intervenção do tipo daquela que é objecto nos autos, bem como informação sobre a quem compete, numa determinada equipa anestésico - cirúrgica, a decisão sobre esse tempo de recobro. Se deve ser uma decisão colectiva ou exclusivamente uma decisão do médico anestesista» e «… sobre a decisão de extubar o doente devia ter sido tomada ou não pelo corpo clínico interveniente na operação ou tão somente pelo médico anestesista, e ainda se numa intervenção daquela natureza a boa prática médica recomendaria que o doente só fosse extubado no dia seguinte à operação», o Conselho Médico-legal respondeu em 04.10.2013 « Em complementariedade de pareceres anteriores, …que não dispõe de registos clínicos bastantes que nos permitam responder objectivamente às questões concretas que agora nos são formuladas».

APRECIANDO

1.Preliminar de Direito Substantivo

«O conteúdo material da culpa jurídico-penal e, portanto, do que se censura ao agente do facto típico ilícito é a sua atitude ético-pessoal de oposição, indiferença ou de descuido perante o bem jurídico penal lesado ou posto em perigo pela sua conduta» [26] que pode ser a acção proibida ou a omissão da acção adequada a impedir o resultado proibido ou a omissão da conduta imposta pela existência de uma norma incriminadora de tais acções ou omissões.

«Consoante a atitude pessoal do agente perante o tipo de ilícito cometido: são duas as espécies ou tipos de culpa: a culpa dolosa e a culpa negligente. A culpa dolosa é constituída pela atitude ético-pessoal de oposição ou indiferença perante o bem jurídico-penal lesado ou posto em perigo pela conduta … A culpa negligente consiste na atitude ético-pessoal de descuido na prática de factos que contêm o risco de lesarem ou porem em perigo bens jurídico-penais» [27].

Ao que importa in casu, «A culpa negligente pode definir-se como a atitude ético-pessoal de descuido ou leviandade do agente face ao bem jurídico lesado ou posto em perigo pela acção praticada sem o cuidado exigível» [28] pois correlativamente:

«O tipo de ilícito negligente é formado pela acção violadora do dever objectivo de cuidado (“desvalor da acção”) e pela ocorrência do resultado típico (“desvalor de resultado”), i.é, do resultado cuja evitação constitui a ratio do dever objectivo de cuidado ou, por outras palavras, a ratio da norma do cuidado que o agente deve ter, quando pratica uma acção que pode conter perigos para os bens jurídico-penais. Daqui resulta que, para a afirmação do tipo de ilícito negligente, tem de existir entre a acção e o resultado uma relação de adequação, ou seja, é necessário que o resultado possa ser objectivamente imputado à acção descuidadamente praticada» [29].

Assim, a responsabilidade penal por negligência - in casu a Pronúncia querida pelo MP recorrente do Arg. I… pela autoria material de um crime de «homicídio por negligência grosseira» p.p. pelos arts 41-1, 15-a-b e 137-1-2 com 1 mês a 5 anos de prisão «Quem matar outra pessoa … por negligência [30] grosseira [31] …» - pressupõe o julgamento «indiciado» de factos susceptíveis de integrarem todos os elementos dos tipos objectivo e subjectivo que são os seguintes:

1.Do ponto de vista do ilícito negligente:

1.1.A violação do dever objectivo de cuidado que perpassa por:

1.1.1.Previsibilidade objectiva do perigo para determinado bem jurídico que só é possível afirmar quando a acção praticada aparecer a pessoa consciente e cuidadosa como susceptível de provocar um resultado desvalioso, para assim se precludir a hipótese de imputação - a uma acção à partida não considerada perigosa - de um eventual resultado desvalioso que então se dirá aleatório; e,

1.1.2.Não observância do cuidado objectivamente adequado a impedir a ocorrência do resultado típico que é a lesão ou o perigo de lesão de determinado bem jurídico que a experiência indica que está conexionado com a espécie de acção praticada, para assim se precludir a hipótese de imputação – a uma acção perigosa mas não proibida – do resultado desvalioso proibido afinal verificado apesar do agente até ter procedido com o cuidado exigível que é aferido segundo um critério que é objectivo e concreto ex vi o dizer «…o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz…» o agente que deve actuar segundo o «critério-padrão» do «homem consciente e cuidadoso» do sector de actividade a que ele pertence e onde ocorreu o facto lesivo e que tem de ser um «critério normativo» e não um «critério sociológico» para precludir a hipótese de não responsabilização de agente por resultado em sector de actividade em que a maioria dos agentes sejam descuidados ou imprudentes;
1.2.A imputação objectiva do resultado típico (“desvalor de resultado”) à acção violadora do dever objectivo de cuidado (“desvalor de acção”) – para não se responsabilizar agente nas hipóteses de «risco permitido» ou «acções diminuidores do risco» ou «risco normal da vida» ou «acções de auxílio arriscadas e falhadas» quando último recurso para impedir ou minimizar os danos, em que não há «desvalor de acção»- que perpassa por:

1.2.1.O «nexo causal efectivo» consistente na afirmação com razoável probabilidade que o resultado ocorrido ter-se-ia evitado – não se teria produzido - se o agente tivesse procedido com o cuidado objectivamente exigível - para não se responsabilizar agente de «comportamento alternativo lícito» em que o resultado se produziria ainda que tivesse actuado licitamente - sem prejuízo do desvalor da conduta poder fundamentar responsabilidade diversa da penal como a responsabilidade contra-ordenacional; e,

1.2.2.A «conexão típica» consistente o «resultado típico» verificado incluir-se no âmbito da norma do cuidado objectivamente exigível que não foi respeitada visasse impedir ou prevenir a ocorrência de resultados da espécie do efectivamente verificado, para não se responsabilizar o agente na hipótese de inexistência de «conexão típica» entre a «conduta típica» e o «resultado típico» como no caso do fim da norma violada não ser evitar resultados do tipo daquele que se produziu;

1.3.O objecto do elemento subjectivo “representação” da possibilidade de resultado:

1.3.1.Havendo-o, a negligência consciente – quando o agente, embora representando os perigos da sua conduta, actua porque está convencido que tais riscos não se concretizarão em resultados de lesão ou de perigo de lesão de determinado bem jurídico;

1.3.2.Caso contrário, a negligência inconsciente – quando o agente nem sequer representa (pensa) que a sua conduta (que contém riscos para determinado bem jurídico) pode produzir um resultado de lesão ou perigo de lesão de determinado bem jurídico;

2.Do ponto de vista da culpa negligente:

2.1.Além da imputabilidade penal, especificamente:

2.2.A previsibilidade subjectiva do perigo – a possibilidade do agente, segundo as suas capacidades individuais e as circunstâncias em que a acção é praticada, ter previsto os perigos ou riscos da sua conduta;

2.3.A possibilidade de o agente ter cumprido o dever objectivo de cuidado por ter representado ou pelo menos tido a possibilidade - no caso de uma «culpa por assunção» - de representar os riscos da conduta que pratica, para não se incorrer numa inadmissível responsabilização meramente objectiva do agente que não tinha conhecimento/s e ou que não dominava técnica/s e ou que não tinha destreza/s para evitar a concretização em resultado/s danoso/s do/s risco/s da sua conduta [32]
A uma estrita delimitação do complexo fáctico - objectivo e subjectivo - jurígena de responsabilidade criminal / penal por uma «negligência na actividade médica» ressuma que:

«Assistimos hoje a uma complexificação da actividade médica de que emerge um novo tipo de médico. Faz parte das memórias do passado a figura do “médico de cabeceira” que “detinha todo o conhecimento da arte de curar na sua cabeça e na sua maleta” [33]. Já não podemos contar com o médico generalista para cuidar de todos os problemas de saúde. A tendência é no sentido de uma divisão de competências. Os médicos reduzem cada vez mais o seu campo de actuação, aprofundando os seus conhecimentos num âmbito científico específico. Verifica-se, por um lado, uma especialização directa (ou horizontal), em que os médicos procuram dominar certas áreas específicas do conhecimento científico e, por outro lado, uma especialização indirecta (ou vertical), que decorre da crescente delegação de tarefas de “rotina” com pessoal não médico [35]. E, seguindo a lógica da especialização médica, também a própria enfermagem se fragmentou e passou a ter áreas de cuidados especializados.

O médico deixou de realizar uma tarefa singular — ele interage em cada momento com os demais elementos no âmbito de uma estrutura sanitária, maxime, a estrutura hospitalar. O hospital tende a tornar-se uma empresa de prestação de serviços onde colaboram cada vez mais equipas pluridisciplinares e pluriprofissionais, constituídas por médicos de diferentes especialidades, enfermeiros, técnicos de saúde, farmacêuticos hospitalares, etc. [36]

Nas palavras de Luís Graça, nesta “industrialização” da produção hospitalar “o acto médico (ou seja, o conjunto até então indivisível do diagnóstico, da decisão terapêutica e do tratamento) passa a ser decomposto numa série de intervenções complementares efectuadas por pessoal médico e paramédico no seio de unidades, também elas, tecnicamente diferenciadas” [37]. A actividade médica é desenvolvida predominantemente no âmbito de uma equipa — a equipa de saúde. A relação hipocrática pessoal, baseada na relação dual médico-paciente, foi substituída por um trabalho colectivo de prestação de cuidados de saúde, que opera em estruturas hospitalares cada vez mais complexas, tanto na tecnologia como na organização.

A actuação interdependente de técnicos de diferentes especialidades sobre o mesmo doente, a agressividade terapêutica e a invasibilidade dos procedimentos, a entrada súbita de aparelhos técnicos complexos no ambiente hospitalar e a actual prevalência de doenças crónicas são algumas das transformações que contribuíram (e contribuem) para a complexificação da prática clínica [38]. Estas transformações, exigindo “capacidades de coordenação, de comunicação e de resposta perante o inesperado, que excedem a preparação das organizações”, significam “naturalmente (...) maiores oportunidades de erro” [39]. Deste modo, no decurso e uma intervenção em que a intenção é a de melhorar o estado de saúde do paciente (ou até alcançar a sua cura), podem ocorrer erros de que derivem danos para o paciente ou mesmo a sua morte [40]» [41].

E assim «Na perspectiva contemporânea de avaliação dos erros médicos há uma preocupação em saber não só (ou não tanto) quem errou, mas também o que errou. Esta forma de avaliar os erros, que é recente em medicina, é usada há muito tempo na aviação e em certas organizações tidas como altamente seguras e fiáveis, como porta-aviões nucleares, centrais nucleares e centros de controlo de tráfego aéreo [42]. E a medicina (nomeadamente o serviço de urgências, o bloco operatório e a unidade de cuidados intensivos) apresenta características muito semelhantes às destas organizações complexas [43].

Também em medicina não fará sentido preocuparmo-nos apenas em punir “o homem da pistola fumegante” [44]. Na avaliação do erro em medicina não pode atender-se apenas à decisão final, deve ter-se em atenção todo o conjunto de acontecimentos (a trajectória). Só desta forma se poderá ter a pretensão de evitar que sujeitos, em situações futuras semelhantes, cometam erros semelhantes.

No entanto, mesmo no que concerne à análise do erro na perspectiva do indivíduo, o direito não pode hoje ignorar os ensinamentos das modernas teorias da psicologia do comportamento humano. Estas teorias partem da distinção entre erro humano e violação [45].

Os erros não são cometidos de forma deliberada; eles caracterizam, na sua essência mais pura, a actuação humana e são verdadeiramente inevitáveis, qualquer que seja a actividade exercida pelo homem. Estes são os designados erros honestos [46]. Os erros podem assumir a forma de faltas ou lapsos (slips or lapses) e enganos (mistakes) [47]» [48].

Ora a esclarecimento da distinção «erro» (error) versus «violação» (violation) há que complementar SÓNIA FIDALGO com MARIA DO CÉU RUEFF:
«Ao abordar o erro e os seus principais tipos, J. Reason (2009: 9) define-o assim: | ... a generic term to encompass all those occasions in which a planned sequence of mental or physical activities fails to achieve its intended outcome, and when these failures cannot be attributed to the intervention of some agency.

Referindo-se a esta definição Merry & MacCall Smith (2004: 73) afirmam que ela nada tem a ver com culpa e sugerem outra definição acerca do mesmo tópico: | An error is an unintentional failure in the formulation of a plan by which it is intended to achieve a goal, or an unintentional departure of a sequence of mental or physical activities from the sequence planned, except when such departure is due to a chance intervention.

Os mesmos autores distinguem ainda este conceito do de violation, que dizem ser particularmente importante no Direito, assim: | To qualify as an error, this failure in planning or acting must be unintentional. lf the act or decision knowingly falls short of a reasonably expected standard, we would classify the act in question as a violation, even though there may be no intent to caus harm or to jeopardise a particular goal. (Merry & MacCall Smith, 2004: 73)

Tal como J. Reason cedo esclarece, não existe um consenso universal sobre a classificação dos erros [49]. A taxonomia do erro é feita normalmente em direção a propósitos particulares, pelo que nenhum esquema específico poderia vir a satisfazer todos os objetivos.
Do meu ponto de vista [de MARIA DO CÉU RUEFF], a taxonomia do erro de Vaz Carneiro (2010: 5) é particularmente acertada, porquanto se encontra diretamente relacionada com a segurança do doente e fornece exemplos da prática médica:

- Um erro define-se como um falhanço de execução de uma acção previamente intencionada e planeada (erro de execução), assim como a utilização de um plano errado para o atingimento de um determinado fim (erro de planeamento);

Um evento adverso (EA) define-se como uma lesão provocada num doente devido à intervenção médica em si (e não à condição clínica subjacente). Ex.: rotura esofágica durante uma endoscopia;

Um evento adverso não-prevenível define-se como um EA inesperado, na ausência de qualquer erro (complicação cirúrgica, alergia medicamentosa, etc.);

Um evento adverso prevenível define-se como sendo um EA devido a um erro (por ex. punção arterial em doente anticoagulado);

Um evento adverso negligente define-se como um subgrupo de EA preveníveis devido a cuidados que não seguiram os padrões de cuidados médicos que se esperam de um clínico médio habilitado a tratar o doente em específico (por exemplo, hipóxia perinatal fetal por trabalho de parto desnecessariamente longo);

“near misses” são os erros que não induzem qualquer efeito adverso no doente.

Resumindo a sua posição, este autor diz que afirmar a abordagem do erro através da identificação e culpabilização de algumas “maçãs podres” agindo dentro do sistema — e não menosprezando a cultura de infalibilidade em que os médicos são treinados — não é a forma mais correta: embora exista negligência em todos os sistemas, o problema da segurança tem muito mais a ver com profissionais dedicados e competentes a trabalhar em sistemas absolutamente caóticos e desorganizados, sem qualquer sensibilização para a questão da segurança dos doentes, do que com falhas individuais daqueles (Vaz Carneiro, 2010: 4)» [50].

Como a prestação de cuidados de saúde é um out put de um processo complexo mercê da «organização horizontal» e da «organização vertical» do «munus médico», SÓNIA FIDALGO cuidou de concretização de plúrimas questões atinentes à «determinação da responsabilidade no exercício da medicina em equipa» que não têm uma única resposta apriorística por terem de se distinguir hipóteses como fez as seguintes:

1.As relações não hierárquicas;
1.1.Relações entre médicos com a mesma especialidade;
1.1.1.Relações entre médicos do mesmo serviço hospitalar;
1.1.2.A cooperação por pedido de auxílio ou consulta;
1.2.Relações entre médicos especialistas em áreas diferentes;
1.2.1.Intervenção sucessiva;
1.2.1.1.As transferências entre serviços hospitalares;
1.2.1.2.A cooperação por pedido de auxílio ou consulta;
1.2.1.3.Relações entre o especialista em medicina geral e familiar e um médico de outra especialidade terapêutica;
1.2.1.4.Relações entre um médico de especialidade terapêutica e um médico de especialidade instrumental;
1.2.2.Intervenção simultânea – as relações entre cirurgião e anestesiologista;
2.As relações hierárquicas;
2.1.A relação de supra/infra ordenação;
2.2.A responsabilidade do superior;
2.2.1.O dever de coordenação;
2.2.2.O dever de controlo;
2.3.A responsabilidade do subordinado;
2.4.Excurso: o abandono de objectos no campo operatório;
3.A relação entre o médico em formação e o médico orientador.

Ora das 18 pgs dedicadas por SÓNIA FIDALGO à «relação não hierárquica» entre «cirurgião - anestesista» - que são «dois especialistas» em áreas «complementares posto que funcionalmente interdependentes» mas com «saberes autónomos posto que distintos» - ressuma com interesse à compreensão do caso sub judice que:

«2.1. Há décadas atrás o cirurgião era visto como o dominus da sala de operações. Não era reconhecida qualquer autonomia aos seus colaboradores independentemente da qualificação e especialização de cada um deles, e o cirurgião era responsável por tudo o que acontecia no decurso e como consequência da intervenção. A anestesia era dada pelos enfermeiros ou pelo próprio cirurgião, pelo que este seria responsável quer pelo risco cirúrgico propriamente dito, quer pelo designado risco anestésico.
No entanto, sobretudo a partir dos anos sessenta, a anestesiologia foi adquirindo progressiva importância, tendo o seu desenvolvimento permitido o alargamento do campo de actuação da própria cirurgia. O anestesiologista deixou de estar numa situação de dependência em relação ao cirurgião e a anestesiologia afirmou-se como uma especialidade, ao lado da cirurgia [51].

Cirurgião e anestesiologista representam especialidades complementares no âmbito da intervenção médico-cirúrgica, mas actuam com total autonomia: o cirurgião decidirá se, quando e como se realiza a intervenção [52]; o anestesiologista, por seu lado, encarregar-se-á de examinar o paciente para que possa administrar-lhe a anestesia e procederá à vigilância e controlo das funções vitais do paciente durante e depois da intervenção cirúrgica [53]. O anestesiologista tem uma função diferente da do cirurgião, não estando dependente deste (nem técnica nem cientificamente) nem sujeito a qualquer grau de hierarquia [54]. A relação que se estabelece entre cirurgião e anestesiologista é uma relação horizontal em que, por via do princípio da divisão do trabalho, tendo em conta a especialidade de cada um dos intervenientes, se delimitam os seus âmbitos de competência ficando, consequentemente, delimitados os deveres de cada um. Cada especialista, por regra, pode confiar na correcta realização de ‘funções por parte do outro — nenhum deles controla a actividade do outro — não sendo qualquer dos especialistas responsável pelos actos realizados pelo colega [55].

2.2. Para melhor percebermos as funções de cada um dos intervenientes façamos uma breve distinção entre as diferentes fases da intervenção médico-cirúrgica: antes, durante e após a cirurgia [56].
Na fase pré-operatória o paciente é submetido a uma consulta de anestesiologia em que o anestesiologista procede a uma observação cuidadosa do paciente, analisando o seu processo clínico e fazendo os exames necessários para a selecção adequada dos meios anestésicos a utilizar [57]. Esta consulta servirá também para preparar o paciente para a anestesia [58]. A administração da anestesia será desenvolvida no âmbito do plano de cirurgia traçado pelo cirurgião, mas será o anestesiologista a decidir a oportunidade e a indicação dos meios anestésicos a usar. O anestesiologista tem o dever de advertir o cirurgião acerca dos problemas e eventuais riscos da anestesia.

Ainda nesta fase pré-operatória assume grande importância o problema da utilização e supervisão dos aparelhos técnicos. O êxito da anestesia depende em grande parte do bom funcionamento de certos aparelhos utilizados para manter as funções vitais do paciente. O anestesiologista tem o dever de supervisionar o correcto funcionamento de todos os aparelhos antes de os utilizar [59].

Uma outra função específica do anestesiologista traduz-se no controlo do sangue para uma eventual transfusão durante a intervenção. Antes de proceder à transfusão o anestesiologista tem o dever de verificar se a identificação do doente corresponde à identificação que acompanha o sangue armazenado para a transfusão [60].

Durante a intervenção cirúrgica, as actuações do cirurgião e do anestesiologista são interdependentes. O anestesiologista tem o dever de vigiar tudo o que estiver relacionado com o estado fisiológico do paciente: o controlo do pulso, a função circulatória e o controlo dos aparelhos técnicos que suportam as funções vitais do paciente. O anestesiologista deve controlar continuamente o estado do paciente e estar preparado para intervir em caso de eventuais complicações que ponham em causa o equilíbrio das funções vitais deste (estados críticos cardiorrespiratórios, situações de hemorragia ou de intoxicação, etc.) [61].

Na sequência deste seu dever de controlo, o anestesiologista tem de alertar o cirurgião para a eventual necessidade de interromper a cirurgia quando a prossecução desta se manifestar anormalmente perigosa. Pode suceder que no decurso da cirurgia, por algum motivo (v. g. inesperada diminuição da pressão sanguínea), se desenvolva uma situação clínica insustentável pela anestesia. Nesta situação é preciso decidir se se interrompe a intervenção, com todas as implicações que tal decisão possa vir a ter, ou se se continua a intervenção, arriscando a vida do paciente. Sempre que possível, a decisão dever ser tomada em conjunto, pelos dois especialistas. No entanto, em caso de desacordo, parece dever prevalecer a opinião do médico cirurgião — este encontrar-se-á numa melhor posição para avaliar os riscos da interrupção da intervenção [62].

Na fase pós-operatória, o anestesiologista tem o dever de vigiar o restabelecimento da capacidade geral de funcionamento do organismo do paciente. A saída do doente da Unidade de Cuidados Pós-Anestésicos tem de ser sempre controlada pelo anestesiologista [63]. É da responsabilidade de ambos os especialistas a decisão sobre o local onde decorrerá o pós-operatório: enfermaria, Unidade de Cuidados Intermédios ou Unidade de Cuidados Intensivos [64]. Também os deveres do cirurgião não se circunscreverão ao puro acto cirúrgico. Após a intervenção, o cirurgião tem o dever de prevenir e controlar os perigos e os danos que possam advir como consequência da intervenção [65]» [66].

«2.4. Quanto à actuação do cirurgião, a doutrina, partindo dos casos mais frequentes, tem referido vários tipos de erros cirúrgicos que podem indiciar uma actuação negligente por parte deste especialista [67].

O erro cirúrgico pode revelar-se, desde logo, como erro de diagnóstico. Tal acontecerá nas situações em que se realiza uma intervenção que não era necessária ou que não era a intervenção indicada (casos designados de excesso de acção cirúrgica) ou ainda nas situações em que não se realiza uma intervenção que se pensou ser desnecessária mas que vem a revelar-se necessária (casos designados de defeito de acção cirúrgica).

(…) Pode verificar-se também um erro material. Nesta categoria ampla costumam abranger-se as várias hipóteses de erro derivado de falhas de atenção (lapsos) do médico [68].

(…) Pode ainda verificar-se um erro na fase pós-operatória nas situações em que, não cumprindo o seu dever de continuar a controlar o estado do paciente após a intervenção cirúrgica, o cirurgião abandona o paciente nas mãos de profissionais sem competência para fazer face a qualquer complicação que possa eventualmente surgir.

Em todas estas situações de erros cirúrgicos é necessário que se averigúem as circunstâncias do caso concreto e que se avalie se houve ou não violação do dever objectivo de cuidado por parte do cirurgião. Só neste caso poderá ser-lhe imputado o resultado danoso eventualmente verificado» [69].

«2.6. Sendo a relação entre o cirurgião e o anestesiologista uma relação não hierárquica, o princípio da confiança actuará na sua plenitude – cada um dos especialistas será apenas responsável por controlar os perigos que, no seu específico âmbito de competência, ameacem concretizar-se num resultado danoso para o paciente» [70] mesmo no caso dir-se-á específico do conhecimento há anos dos dois especialistas porque um tal «… conhecimento não poderá fundamentar um dever para qualquer dos especialistas de controlar a actuação do outro. Desde logo, porque, tratando-se de especialistas em áreas distintas, a cada um deles faltariam os conhecimentos necessários para um correcto juízo acerca da adequação da conduta do outro. Por outro lado, porque, tratando-se de uma relação não hierárquica, nenhum deles tem o dever de se certificar acerca da qualificação ou das capacidades do outro [71]» [72].

Mas na consideração de uma «delimitação material de competências» pode haver «alargamento do âmbito de competência de um especialista» quando:

«… um dos colaboradores avoque uma competência alheia, assumindo fáctica e voluntariamente, para além das suas próprias funções, funções que são próprias de um colega. Neste caso, aquele que assumiu funções que não eram originariamente suas não poderá invocar os princípios da divisão de trabalho e da confiança para afastar a sua responsabilidade. Se no caso concreto o cirurgião assumir funções que eram originariamente do anestesiologista, pode vir a ser responsabilizado se não controlar um perigo surgido numa área de competência que não era formalmente sua, mas que ele assumiu de facto. Tal pode acontecer quando o anestesiologista abandona a sala de operações com a concordância do cirurgião sem que qualquer outro colaborador, para além do próprio cirurgião, assuma o controlo das funções vitais do paciente. Neste caso o cirurgião poderá vir a ser responsabilizado (conjuntamente com o anestesiologista) se o paciente sofrer um dano decorrente de um desequilíbrio das suas funções vitais. Poderá eventualmente ver-se nestes casos uma “criação (ou potenciação) conjunta de um risco não permitido que se exprime na realização típica”, afirmando-se uma situação de comportamento negligente conjunto [73]» [74] e assim « Se o anestesiologista abandonar a sala sem obter a concordância do cirurgião, mantendo-se este apenas no exercício das funções que lhe competem enquanto cirurgião, não poderá responsabilizar-se este especialista pelo dano resultante de um acidente anestésico que, em rigor, extravasa do seu âmbito de competência, integrando o âmbito de competência do anestesiologista » [75];

Um especialista «… se apercebe de que o outro não se encontra em condições de cumprir adequadamente as suas funções (por exemplo, por se encontrar sob o efeito do álcool, ou por ter as suas faculdades físicas ou mentais circunstancialmente afectadas devido a cansaço ou a qualquer outro motivo) e ainda assim aceita actuar juntamente com ele. Se o cirurgião aceitar realizar uma intervenção com a colaboração de um anestesiologista que se encontra nas condições referidos ou, inversamente, se o anestesiologista aceitar colaborar com um cirurgião que não se encontra em condições de realizar a cirurgia, em ambos os casos os dois especialistas podem ser responsabilizados se o paciente sofrer um dano em virtude de um erro anestésico ou de um erro cirúrgico, respectivamente [76]» [77].

Assim se esquematizando a responsabilidade criminal / penal por uma «negligência na actividade médica», cumpre prosseguir com:

2.Preliminar de Direito Processual

A conclusão «indiciados» de factos susceptíveis de consubstanciarem os elencados elementos objectivos e subjectivos tidos como constitutivos da autoria material de homicídio por negligência, perpassa pela realização de juízo de indiciação ou não, nos seguintes termos:

Apesar do CPP de 01.01.1988 ter sofrido no ínterim 21 alterações - a última pela Lei Orgânica 2/2014 de 6/8 -, o art 283-2 quanto a «Acusação pelo Ministério Público» continua a estatuir apenas que «Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança» - aplicável a «Despacho de pronúncia ou de não pronúncia» ex vi art 308-2-I do CPP.

Porém, a citada concretização legal de «indícios suficientes» para pronunciar tal como para acusar redunda numa cláusula geral e abstracta com conceitos indeterminados que tem reclamado atenção da Doutrina e preocupação da Jurisprudência porque a dedução duma Acusação ou Pronúncia infundada probatoriamente redunda em absolvição de um Arguido submetido a final sem propriedade a Julgamento sujeito a escrutínio público pela prática de crime que não se demonstrou e pelo qual até pode ter estado preso preventivamente durante meses até tal Decisão Final.

Donde a persistência dos esforços doutrinal e jurisprudencial de compreensão de tal cláusula geral e abstracta com conceitos indeterminados, sendo possível condensar, pelo critério dos diferentes graus em que assentam quanto a «possibilidade» versus «certeza», três compreensões distintas sobre sentido / objecto / alcance de «indícios suficientes»:

I - quando existe uma simples possibilidade, ainda que mínima, de condenação do agente, após produção da prova em Audiência, assim bastando que a submissão do Arguido a Julgamento não constitua “um acto manifestamente inútil e clamorosamente injusto” mas tão só uma mera possibilidade, ainda que reduzida, de condenação;

II – quando deles resulte uma maior probabilidade de condenação do Arguido após produção da prova em Audiência, do que a sua absolvição, assim, recorrendo ao conceito matemático de probabilidade associado a um juízo de prognose, vg GERMANO MARQUES DA SILVA e JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, sendo possível afirmar que o juízo indiciário a formular no final de Inquérito ou Instrução será menos exigente que o formulado na Decisão Final;

III – quando existe uma possibilidade particularmente forte de uma futura condenação, quando dos elementos probatórios recolhidos em Inquérito e Instrução resultar a convicção de que foi cometido um crime, o Arguido foi o seu agente e por ele será condenado em Julgamento.

A I compreensão não se adequa ao texto legal porque «possibilidade razoável» é mais do que uma «possibilidade mínima» por aquela exigir uma «possibilidade mínima» dir-se-á «agravada» com um grau de verosimilhança qualificável não de «possível» mas de «verificável».

Ao texto da lei, como fundamento e limite do resultado de uma possibilidade de interpretação, parece adequar-se melhor a II compreensão como uma «posição razoável» que sugere a realização de uma ponderação entre as perspectivas de condenação versus absolvição futuras, mostrando-se apenas «razoável» quando a balança pender para a condenação.

Porém, hodiernamente já não se subscreve uma tal perspectiva dir-se-á perfunctória e redutora da compreensão da citada cláusula geral e abstracta com conceitos indeterminados, por haver que buscar sua compreensão na consideração doutras cláusulas gerais e abstractas com conceitos indeterminados quanto a «indícios» que por demais pululam no CPP para definir os níveis de convicção da decisão judiciária de acusar / pronunciar / condenar verbi gratie:

«4. A CRP e a lei distinguem vários graus de convicção no processo penal:

a. Prova além da presunção da inocência (artigo 32.°, n.º 2, da CRP tal como o artigo 6.°, § 2.°, da CEDH)
b. Indícios fortes (artigo 27.°, n.° 3, al.ª b), da CRP, artigos 200.°, n.° 1, 201.°, n.° 1, e 202.°, n.° 1, al.ª a), do CPP)
c. Sinais claros (artigo 256.°, n.°s 2 e 3, do CPP)
d. Indícios fundados (artigo 174.°, n.° 5, al.ª a), do CPP)
e. Indícios suficientes (artigos 277.°, n.° 2, 283.°, n.° 1, 285, n.° 2, 298.°, 302, n.° 4, 308.°, n.° 1, 391.°-A, n.° 1, do CPP)
f. Prova bastante (artigo 277.°, n.° 1, do CPP)
g. Indícios (artigos 171.°, n.° 1, 174.°, n.ºs 1 e 2, 246, n.° 5, al.ª a), do CPP)
h. Imputação (artigos 1.º, al.ª f, 197.°, n.° 1, 198.°, n.° 1, e 199.°, n.° 1, do CPP)
i. Suposição (artigo 210.° do CPP)
j. Fundado receio (artigos 142.°, n.° 1, 227.°, n.° 1, 228.°, n.° 2, 257.°, n.° 2, al.ª b), do CPP), fundado motivo para recear (artigo 272.°, n.º 3 alª b), do CPP)
k. Suspeitas fundadas (artigos 58.°, n.° 1, a), 250.°, 272.°, n.° 1, do CPP)
l. Suspeito (artigo 27.°, n.° 1, al.ª g), da CRP, e artigo 1.º, al.ª e), do CPP)

5. A multiplicidade de expressões não corresponde a igual número de graus de convicção relevantes no processo penal. Efectivamente, distinguem-se quatro níveis de convicção no direito Português:
a. Indícios para além da presunção da inocência, correspondente ao crivo do direito internacional criminal de guilt beyond reasonable doubt
b. Indícios fortes ou sinais “claros”, correspondente ao crivo da clear evidence ou dringende Tatver dacht
c. Indícios suficientes ou prova bastante, correspondente ao crivo da reasonable suspicion ou proba ble cause ou hinreichende Tatverdacht
d. Indícios, indícios fundados, suspeitas, suspeitas fundadas, fundado receio, imputação do crime, correspondente ao crivo da bona fide suspicion ou Anfangsvefrdacht

7. Indícios para além da presunção de inocência são as “razões” que sustentam e revelam uma convicção indubitável de que, de acordo com os elementos conhecidos no momento de prolação da sentença, um facto se verifica.

8. “Indícios fortes” são as “razões” que sustentam e revelam uma convicção indubitável de que, de acordo com os elementos conhecidos no momento de prolação de uma decisão interlocutória, um facto se verifica. Este grau de convicção é o mesmo que levaria à condenação se os elementos conhecidos no final do processo fossem os mesmos do momento da decisão interlocutória. A diferença entre um e outro reside apenas na variação da base dos elementos conhecidos no momento da decisão interlocutória e no momento da sentença. Por esta razão, o legislador só consagra o crivo dos indícios fortes para a aplicação das medi das cautelares mais graves, que implicam uma limitação de tal maneira intensa da liberdade que constituem, no plano fáctico, uma antecipação dos efeitos negativos da condenação pelos factos (artigo 193.°, n.° 1)

10. “Indícios suficientes” são as “razões” que sustentam e revelam uma convicção sobre a maior probabilidade de verificação de um facto do que a sua não verificação. Indícios suficientes dos factos da acusação são as “razões” que sustentam e revelam que é mais provável que os ditos factos se tenham verificado do que não se tenham verificado (assim também, FIGUEIREDO DIAS, 1974: 133, GERMANO MARQUES DA SILVA, 1990: 348, e 2000 b: 179, e, na jurisprudência, o caso paradigmático do acórdão do TRC, de 9.3.2005, in CJ, XXX, 2, 36, mas diferentemente NORONHA E SILVEIRA, 2004: 171, ADÉRITO TEIXEIRA, 2004: 160, e FERNANDA PALMA, 2005: 122, que se referem a uma probabilidade “forte”, “alta” ou “particularmente qualificada”).

12. “Indício”, “suspeita”, “receio” são “razões” que sustentam e revelam uma convicção sobre a probabilidade, mesmo mínima, de verificação de um facto. Esta “razão” liga a circunstância indiciadora e o facto a provar e é constituída por uma inferência lógica baseada numa máxima de experiência ou numa lei científica (PAOLO TONINI, 2007: 176)» [78].

Assim se apreende, por compreensão e não por uma impressão aritmética / matemática, um critério operativo de Acusação ou Pronúncia que se funda no juízo positivo de verificação de :

I - Indícios suficientes…os elementos que, relacionados e conjugados, persuadem da culpabilidade do agente, fazendo nascer a convicção de que virá a ser condenado; são vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações, suficientes e bastantes para convencer de que há crime e de que alguém determinado é o responsável, de forma que, logicamente relacionados e conjugados formem um todo persuasivo da culpabilidade; enfim, os indícios suficientes consistem nos elementos de facto reunidos no inquérito (e na instrução), os quais, livremente analisados e apreciados, criam a convicção de que, mantendo-se em julgamento, terão sérias probabilidades de conduzir a uma condenação do arguido pelo crime que lhe é imputado.

II - A suficiência dos indícios está contida a mesma exigência de verdade requerida para o julgamento final, mas apreciada em face dos elementos probatórios e de convicção constantes do inquérito (e da instrução) que, pela sua natureza, poderão eventualmente permitir um juízo de convicção que não venha a ser confirmado em julgamento; mas se logo a este nível do juízo no plano dos factos se não puder antever a probabilidade de futura condenação, os indícios não são suficientes, não havendo prova bastante para a acusação (ou para a pronúncia).

III - O juízo sobre a suficiência dos indícios, feito com base na avaliação dos factos, na interpre
tação das suas intrínsecas correlações e na ponderação sobre a consistência das provas, contém sempre, contudo, necessariamente, uma margem (inescapável) de discricionariedade.

IV - Não se exigindo o juízo de certeza que a condenação impõe - a certeza processual para além de toda a dúvida razoável -, é mister, no entanto, que os factos revelados no inquérito ou na instrução apontem, se mantidos e contraditoriamente comprovados em audiência, para uma probabilidade sustentada de condenação»[79].
3. O caso concreto

Pelo supra exposto em 1. e 2. há que ponderar os meios de prova suportados documentalmente – factos objectivos in registos clínicos e conclusões dos factos in relatórios médicos legais e da consulta técnico-científica - e os meios de prova pessoal – proposições declaradas e proposições depostas – que foram logrados quase todos ao longo do Inquérito pois que só alguns ao longo da Instrução, para se decidir se se indiciam ou não os «… factos, repete-se, os factos, e não conclusões jurídicas, dos quais ressalte, com clareza:

1. A conduta humana objectivamente considerada, isto é, o referido “pedaço de vida” subsumível ao tipo legal, seja a acção típica;
2. O dever objectivo de cuidado que, na realidade, foi violado com a conduta;
3. O resultado típico verificado;
4. O nexo de causalidade entre a violação do dever objectivo de cuidado e o concreto resultado típico verificado, seja o dano ou o perigo de dano, nos crimes de perigo, porque o agente criou ou incrementou um risco não permitido, com o qual causou tal resultado;
5. Que a conduta do agente lhe possa ser censurada por, podendo fazê-lo, não ter afastado o perigo ou evitado o resultado apesar de aquele se apresentar como pessoalmente cognoscível e este como pessoalmente evitável;
6. Que o agente agiu com consciência da ilicitude do facto típico ou, tendo agido com falta de consciência da ilicitude, a mesma lhe é censurável» [80].

Além das «dificuldades de prova» que se dirão «comuns» aos crimes dolosos, não se podem olvidar « As específicas dificuldades de prova nos crimes negligentes, [que] prendem-se, em nossa opinião, com a dificuldade de prova da violação do dever objectivo de cuidado.

Como refere Figueiredo Dias [81], “do que se trata é de normas de cuidado que servem concreta e especificamente o tipo de ¡lícito respectivo, não da observância geral do cuidado com que toda a pessoa deve comportar-se no seu relacionamento interpessoal e comunitário”. | Essas normas podem ser, segundo o mesmo Autor:

— Normas jurídicas de comportamento, “sejam elas gerais e abstractas, contidas em leis ou regulamentos, sejam individuais, contidas em ordens ou prescrições da autoridade competente, digam respeito a matéria jurídica de carácter penal ou de qualquer outro carácter”;

— Normas corporativas e de tráfego. “Trata-se aqui de normas escritas de comportamento (não jurídicas), fixadas ou aceites por certos círculos profissionais e análogos e destinadas a conformar as actividades respectivas dentro de padrões de qualidade e, nomeadamente, a evitar a concretização de perigos para bens jurídicos que de tais actividades pode resultar. O que se passa com as normas profissionais ou análogas (nomeadamente as de carácter técnico, as chamadas leges artis, quando «escritas», constantes de um estatuto profissional)”;

— Normas não escritas, não jurídicas e não reguladoras da actividade respectiva (a figura-padrão). “Aqui torna-se indispensável o apelo aos costumes profissionais comuns ao profissional prudente, ao profissional-padrão, e, ainda na sua falta (...) impõe-se o recurso directo ao cuidado objectivamente imposto pelo concreto comportamento social adequado”;

— Normas que regulam domínios altamente especializados, “que importam especiais riscos para bens jurídicos significativos das outras pessoas ou da colectividade”;

— Normas que consubstanciam a chamada negligência na assunção ou aceitação. “O substracto que aqui se tem em consideração reside essencialmente na assumpção de tarefas ou na aceitação de responsabilidades para as quais o agente não está preparado, porque lhe faltam as condições pessoais objectivadas, os conhecimentos ou mesmo o treino necessário ao correcto desempenho de actividades perigosas”.

Porque, salvos os factos notórios, todos os factos integradores do tipo têm de ser alegados e provados, também tem de ser alegado e provado que o agente violou uma concreta norma jurídica de comportamento, ou uma concreta norma escrita de comportamento (corporativa e do tráfego), ou um determinado costume profissional, ou uma norma que regula domínios altamente especializados, ou ainda uma obrigação que voluntariamente assumiu o agente, para a qual não estava preparado.

E tem ainda de se alegar e provar que com a conduta o agente criou ou incrementou um risco não permitido causador do resultado típico.

Árdua tarefa tanto no campo da alegação factual como da prova» [82].

Como o MP pretende a Pronúncia do Arguido I… pelos factos objecto da Acusação que definiu o objecto do processo, à apreciação para decisão deste Recurso atentar-se-á ao seu teor, em vez de singela discussão recursória de argumentos - do MP Recorrente - contra argumentos – apenas do Arguido I… que respondeu pois a Assistente Q… não o fez – por se afigurar que aquela dialéctica recursória mais obnubila do que permite esclarecer o caso sub judice.

Sublinha-se que o objecto do Recurso mostra-se limitado à apreciação da bondade ou correcção do juízo a quo de não indiciação da responsabilidade criminal do Arguido I… - não pronunciado - e já não dos Otorrino J… e Anestesista K… e Enfermeira O… que se conformaram – por causa / circunstância / facto / razão / motivo aqui não sindicáveis – com os termos de facto e de Direito da Acusação por «…cada um…» de «…autoria material…» de «homicídio por negligência grosseira» cada actuação que é própria de cada um deles.

Assim a apreciação que infra se efectuará quanto a Arguido I… não é aqui de extrapolar ut art 403-3 do CPP quanto a Otorrino J… e Anestesista K… e Enfermeira O…, por não se verificar entre os 4 Arguidos a hipótese «comparticipação» do art 403-2-e do CPP, por inexistir a categoria lógica «co-autoria material de negligência» [83] por aí não ser concebível uma consciência pelo menos bilateral de cooperação mútua e recíproca no iter criminis do resultado típico que então é objecto de «condomínio do facto» querido por todos os seus agentes.

Ora tendo em mente o conteúdo dos meios de prova logrados quase todos na fase de Inquérito porque só alguns na fase de Instrução como se cuidou de recensear nas pgs 34 a 73 em sede de Relatório deste Acórdão, dir-se-á a propósito dos §§ infra ids da Acusação – por serem aqueles pelos quais o MP recorrente quer que o Arguido I… seja pronunciado in concretu- que:

Os §§ 1 a 5 não merecem censura, muito menos um reparo, sequer um comentário, face aos meios de prova suportados documentalmente e pessoal carreados em Inquérito e Instrução;

O §6 - com o teor «Nessa altura, porque o seu estado de saúde foi considerado estável foi-lhe dada alta médica, tendo G… seguido para o internamento sem monitorização» - também não merece reparo, nem censura, porque o doente seguiu para quarto individual na unidade de internamento uma vez que a H… … não dispunha de uma unidade de cuidados intensivos, nem de uma unidade de cuidados intermédios, nem de uma unidade de recobro cirúrgico – res diversas de unidade de recobro meramente anestésico – como o Arguido I… – competente e dinâmico Cirurgião Geral como se apreende da audição da gravação áudio do Interrogatório Judicial de Arguido não detido com os conteúdos supra condensados - não ignorava por operar – ao final de sexta feira - na H…;

O § 7 não merece censura, muito menos um reparo, sequer um comentário, face aos meios de prova suportados documentalmente e pessoal carreados em Inquérito e Instrução, mormente por consistir na expressão a se de «ponto de facto» objectivo do Parecer I de 11.10.2011 da Consulta técnico-científica do Conselho Médico-Legal a pgs 39-41 do Relatório deste Acórdão;

O § 8 – com o teor «Impondo-se que o doente permanecesse em ambiente de monitorização permanente muito para além daquele período de 1h 10m, para que qualquer dificuldade, nomeadamente a dificuldade respiratória fosse detectada muito precocemente e com possibilidades de actuação imediata» - também não merece reparo, nem censura, face aos meios de prova suportados documentalmente e pessoal carreados em Inquérito e Instrução, mormente por consistir na expressão a se de «ponto de facto» objectivo do Parecer II de 14.02.2012 da «Consulta Técnico-Científica» do Conselho Médico-Legal a pgs 48-49 em sede de Relatório deste Acórdão, sem prejuízo do mesmo poder-dever ser concretizado porque – apesar da «Consulta Técnico-Científica» notar no citado Parecer I de 11.10.2011 que «A solução [para «Situações de edema pós-operatório com inerentes situações de grave, por vezes fatal, insuficiência respiratória»] passa por uma muito precoce intervenção de re-permeabilização das vias aérea seja por intubação oro-traqueal seja, quando esta se revela impossível, pela realização de uma traqueostomia, efectuada de imediato» e de expressar no seguinte Parecer II de 14.02.2012 a final que «… na Enfermaria o acompanhamento e monitorização não foram os adequados, de molde a permitirem a imediata assistência clínica ao doente logo que exibiu os primeiros sinais de obstrução respiratória, momento em que ainda teria sido possível repermeabilizar a via aérea superior com sucesso» - não se pode ignorar que tal «Consulta Técnico-Científica» terminou por reconhecer ao Mmo JIC a quo no na Resposta de 04.10.2013 - a pgs 73 em sede de Relatório deste Acordão – decisivamente que «… não dispõe de registos clínicos bastantes que nos permitam responder objectivamente…» às questões judiciosamente colocadas pelo Mmo JIC a quo no seu pedido de esclarecimento de 10.7.2013 «…sobre o período de tempo considerado necessário para o controlo pós operatório de uma intervenção do tipo daquela que é objecto nos autos, … e ainda se numa intervenção daquela natureza a boa prática médica recomendaria que o doente só fosse extubado no dia seguinte à operação» por que da articulação do Pareceres I e II com a limitação da sobredita Resposta é possível apreender – numa perspectiva processual penal de «exame crítico da prova» com interesse para uma Decisão Final que a possibilidade de ocorrência no pós-operatório de um grave edema da orofaringe e ou laringe totalmente obstrutivo da ventilação do doente intervencionado impõe uma vigilância específica por acompanhamento clínicos que permitam uma detecção muito precoce de dificuldade respiratória por assim concederem possibilidades efectivas de actuação imediata por meio de uma intubação oro-traqueal e, quando impossível, a realização de uma traqueostomia de emergência;

Os §§ 9 a 17 não merecem censura, muito menos um reparo, sequer um comentário, face aos meios de prova suportados documentalmente e pessoal carreados em Inquérito e Instrução;

Os §§ 18, 21 e 25 não merecem atenção em sede de sindicância do juízo de indiciação de «matéria de facto» por não serem «factos objectivos», nem «juízos de valor» de facto, mas apenas «conclusões jurídicas» que se têm como «não escritas» em sede de «matéria de facto»;

O § 20 com o teor «Ora, o doente apenas permaneceu na sala de recobro anestésico 1h10m, período claramente insuficiente para recobro - controlo pós operatório de uma intervenção daquele tipo» também não merece reparo, nem censura, na sequência do supra expendido, por quedar-se pela expressão de uma exigência temporal maior de recobro cirúrgico, claro está que na unidade de internamento – seja quarto individual ou enfermaria – pelo facto da consabida inexistência na H… … de unidade de cuidados intensivos, nem de cuidados intermédios, nem recobro cirúrgico que é a secção de actividade médica que está em causa no teor do § 20 por se mencionar «controlo pós operatório» após «período claramente insuficiente para recobro» cirúrgico de bi intervencionado que tivera 1h 10m de recobro anestésico que parece ter bastado nessa área de intervenção médica uma vez que, objectivamente só decorridas 7 horas 15 m após a alta da unidade de recobro anestésico para a unidade de internamento é que houve exteriorização de indícios ou sinais clínicos de PRÉ paragem respiratória detectada pelo nível de saturação 93% de O2 que não significa paragem respiratória, muito menos acompanhada de paragem cardíaca, por que se impunha adopção imediata de procedimentos de urgência, as sobreditas intubação oro-traqueal – não lograda - e, quando impossível, a realização de uma traqueostomia de emergência – não efectuada apesar da traqueia se encontrar exposta;

O § 19 com o teor «Os arguidos tinham conhecimentos técnicos que lhes permitiam saber que tendo submetido ao mesmo tempo anestésico, de duas intervenções cirúrgicas justificava-se prolongar o período de observação do doente e que se impunha uma estreita vigilância e um controle constante e permanente do doente que só seria possível se o doente permanecesse em ambiente de monitorização permanente, sendo sempre avaliado por médicos e por enfermeiras, fazendo a avaliação das frequências e dos ritmos cardíacos e respiratório, bem como intermitentemente da tensão arterial, o que não foi feito pelos arguidos» tem-se como indiciado contra o Arguido I… - por meio daquela redacção que foi acusada por uma opção técnica claramente abrangente dos 4 Arguidos acusados - o dever de cuidado objectivo que estritamente lhe era exigível e do qual ele era capaz no caso concreto, consistente no seguinte: como competente e dinâmico Cirurgião Geral – como se apreende da audição da gravação áudio das declarações ao Mmo Juiz a quo - não ignorando - por um lado e desde logo - que a concessão pelo Anestesista de alta do recobro apenas anestésico importava uma imediata colocação do bi intervencionado cirurgicamente num quarto individual de uma unidade de internamento com uma ocasional vigilância geral e que - por outro e ademais - existia o «risco acrescido» do pouco provável mas ainda assim sempre possível posto que real eventualidade do surgimento de uma grave complicação pós-operatória – que pode ser fatal caso não seja debelada imediatamente por intubação oro-traqueal e, caso seja impossível, por traqueostomia de emergência de reposição da ventilação - como é o edema da laringe – além do normal edema imediato da orofaringe como vulgaris complicação operatória – por realização no mesmo tempo anestésico de amigdalectomia total e, seguidamente, de invasiva tiroidectomia total, o Arguido I… não efectuou à «enfermagem de serviço» na «unidade de internamento» a prescrição como que profiláctica – tal como o analgésico mais fraco e o analgésico mais forte e o antibiótico prescritos - de uma singela mas eficaz «estreita vigilância» por meio de «um controle constante e permanente» - nos dizeres que se mostram expressos no relevante § 22 de síntese que se referirá seguidamente - do surgimento dalgum índicio ou sinal clínicos de «mínima exteriorização» de evolutiva lesão interna como é o «edema da laringe» obstrativo da ventilação como o que vitimou G…, o que o Arguido I… – que nunca teve um caso próximo ou similar ao sub judice – não previu mas devia e podia ter previsto uma vez que o edema da laringe era consequência previsível posto que possível da intervenção cirúrgica como se apreende do citado item «Discussão» do «Relatório de Patologia Forense» que contém 9 referências bibliográficas internacionais vulgo text books;

Tal sendo a «concreta consubstanciação» de uma negligência dir-se-á inconsciente do Arguido I… no caso sub judice, a tal luz claro está que o § 22 com o teor «Com efeito, não podiam os médicos e a enfermeira que acompanhou o doente no pós-operatório deixar de representar como possível que o doente viesse a precisar de auxílio no pós-operatório, impondo-se uma estreita vigilância e um controle constante e permanente», seguidamente, o § 23 com o teor «Ao omitirem a referida vigilância permanente, os arguidos criaram grave perigo para a vida, corpo ou saúde do doente, que veio a morrer em virtude das referidas omissões, demitindo-se assim dos mais elementares deveres de cuidado» e, seguidamente, o § 24 com o teor «Os arguidos, agindo da forma descrita, exerceram a sua profissão preterindo a atenção e o cuidado que o exercício de medicina e as técnicas de enfermagem requerem, cuidado e atenção que lhes eram exigíveis e de que eram capazes», não merecem reparo nem censura quanto ao Arguido I… por que – em remate posto que congruentemente com o supra expendido – se tem como indiciado contra aquele Recorrido em 26 que «O Arguido I… devia e podia ter previsto como possível que, em resultado daquela sua forma de actuação poderia vir a colocar em causa a vida de G… mas conformou-se levianamente com a não verificação desse facto».

Em suma: genericamente, o «erro médico» pode ter como objecto um «erro de diagnóstico», um «erro de terapêutica» ou um «erro de execução», que são as três grandes áreas de actuação médica; especificamente na «área cirúrgica», o «erro médico» pode ter por objecto um «erro pré-operatório», um «erro operatório» ou um «erro pós-operatório», que são as três grandes áreas de actuação médico-cirúrgica; disse-se «erro» hoc sensu e não um outro quid como verbi gratiae um «azar» ou um «caso de força maior» ou um «caso fortuito» ou um «efeito adverso»; disse-se «erro» por «violação» de artis legis específicas ou de deveres de cuidado mais ou menos específicos ou incisivos; in casu não se detecta «erro»-«violação» do Arguido I… nas fases pré-operatória nem operatória mas apenas na fase pós-operatória - apesar de não ter estado presente de madrugada de sábado na H… … - porque «a arte de curar supõe um conjunto de cuidados e cautelas que é adequado a evitar a produção da morte, o uso de certos processos cirúrgicos impõe certos cuidados que variam conforme a natureza deste» [84] mas que o Arguido I… não teve no caso sub judice em que violou o dever de cuidado específico por omissão de prescrição profiláctica de vigilância específica pelo pessoal de enfermagem do surgimento de uma lesão potencialmente fatal como é a provável posto que possível «complicação pós-operatória» como é um edema grave da faringe obstrativo de ventilação causa de anoxia cerebral cujo risco de sua ocorrência o Arguido I… aumentou ao realizar cirurgia tão invasiva como uma tiroidectomia total após a realização pelo Otorrino de uma amigdalectomia total.

«Infine, sempre per quanto riguarda il medico primário, questi una volta concluso l’atto operatório, há lóbbligo di non allontanarsi dal luogo di cura, o, comunque, di controllare e di seguire diretamente, anche se per interposta persona, la fase post-operatoria e di vigilare sull’operatto dei collaboratori: la sua prestazione, pertanto, non si esaurice nel solo compimento dell’atto chirurgico, ma si estende anche al decorso post-operatorio e all necessária assistenza sucessiva» [85].

É que «… il contenuto della posizione di garanzia dell’operatore sanitário è un contenuto terapêutico, orientatto alla tutela della vita e della salute del paziente: finalizzato, in breve, alla difesa della dignità umana e della persona dell’assistito» [86].
DECIDINDO

1.No provimento do Recurso do MINISTÉRIO PÚBLICO revoga-se o Despacho de Não pronúncia recorrido que deve ser substituído por Decisão Instrutória ut art 307 do CPP que pronuncie o Arguido I… pelos factos hoc sensu indiciados conforme supra expendido e pelo Direito aplicável que – mercê da Não Pronúncia - não foi objecto de apreciação a quo – o tipo – inconsciente ou não - e o grau – grosseiro ou não de negligência.

2.Como o Arguido I… decaiu in totum na oposição que deduziu ao Recurso do MP, condenam o Recorrido em 5 UC de taxa de justiça ex vi arts 513-1 do CPP e 8-9 e tabela III do RCP.

3.Envie-se certidão deste Acórdão, com a menção não transitado:

3.1.Ao PCS 14427/10.6TDPRT do Juiz 6 da Secção Criminal da Instância Local da Comarca do Porto;

3.2.Ao Processo Disciplinar 241/2012 do Conselho Disciplinar Regional do Norte da Ordem dos Médicos, em resposta ao Ofício doc a fls 477 da Instrução / 353 deste Recurso;

3.3.Ao PD/2012-SRN-07-AR do Conselho Jurisdicional Regional da Secção Regional do Norte da Ordem dos Enfermeiros, em resposta ao Ofício doc a fls 401 da Instrução / 273 deste Recurso;

4.Notifiquem-se os Sujeitos Processuais conforme art 425-6 do CPP.

5.Transitado, remeta-se à unidade processual sucessora do 3JZ do TIC do PRT para execução do decidido.

Porto, 04 de Março de 2015
Castela Rio
Lígia Figueiredo
___________
[1] Por isso, nº de fls infra indicado respeita à numeração de origem e à numeração do processo separado.
[2] De 05.11.2012 a fls. 339-352 do Inquérito certificadas a fls. 339-353 / 258-271.
[3] Conforme scanerização pelo Relator do Despacho a fls 339-352 / 258-271.
[4] Nascido a 25.11.1962 em … – V N Gaia, casado e residente em … – Matosinhos,
Infra id por FREITAS unicamente para simplificação de exposição.
[5] Nascido a 11.12.1954 em … - Amarante, casado e residente em Matosinhos,
Infra id por I… unicamente para simplificação de exposição.
[6] Nascido a 21.3.1958 em … – Porto, casado e residente no Porto,
Infra id por J… unicamente para simplificação de exposição.
[7] Nascida a 20.01\.1970 em … – Marco de Canaveses, divorciada e residente no Porto,
Infra id por O… unicamente para simplificação de exposição.
[8] Ao qual respeitam os artigos – números – alíneas infra referidos sem menção do diploma legal.
[9] Nota do Relator - «Pequena massa cónica, pendente do véu do paladar, por cima da raiz da língua. É constituída por músculo e tecido conjuntivo revestidos por mucosa. Sin. Campaínha» - segundo MANUEL FREITAS E COSTA, Dicionário de Termos Médicos, Porto Editora, Outubro de 2005, pág 1236.
[10] Nota do Relator - «Formação cartilagínea elástica situada por cima do orifício superior da laringe e que, como válvula, encerra esse orifício durante a deglutição» - segundo MANUEL FREITAS E COSTA, Dicionário de Termos Médicos, Porto Editora, Outubro de 2005, pág 400.
[11] Conforme scanerização pelo Relator.
[12] A tanto alegaram especificamente que:
64. … os arguidos/demandados exerciam todos as suas profissões de médicos e enfermeira, nos dias 08 e 09 de Outubro de 2010, por ordem e sob encargo da H…, fraternidade proprietária das instalações hospitalares onde os arguidos sujeitaram o G… à terapêutica cirúrgica e ao internamento descritos na acusação pública e supra.
65.Todos os arguidos agiram, pois, por si e em representação daquela ordem também demandada.
66. Os arguidos/demandados usaram, pois, naquelas suas condutas, as instalações e meios técnicos de que a H… demandada é proprietária e que, por força dos contratos celebrados entre todos os demandados, pôs à disposição os arguidos e lhes confiou para que realizassem as funções de médicos e enfermeira, funções para as quais os contratou e que lhes atribuiu.
67. Por isso aquela H… cobrou e recebeu da então entidade patronal ao G… o preço que lhe era devido, quer pela referida terapêutica cirúrgica a que este foi sujeito, quer pelo seu referido internamento.
68. É, assim, evidente a responsabilidade solidária de todos os cinco demandados no pagamento à assistente/demandante dos danos e prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, que sofreu, sofre e sofrerá em consequência directa e necessária das condutas dos arguidos».
[13] A fls. 404-420 = 426-442 / 275-291 = 293-309.
[14] A fls. 444-451VS = 457-472 / 311-326 = 333-348.
[15] Conforme scanerização pelo Relator.
[16] De 25.02.2014 a fls 666-669 / 467-470.
[17] Conforme scanerização pelo Relator por ter sido enviado com o processo um cd a final inútil pelo facto de nunca se ter conseguido em 3 computadores diferentes aceder ao que se diz ser o seu conteúdo útil.
[18] A fls. 689-702 / 480-493.
[19] Delimitadoras de objecto de Recurso e poderes de cognição deste TRP ex vi consabidas Jurisprudência reiterada dos Tribunais Superiores e Doutrina processual penal sem prejuízo do conhecimento de questão oficiosa vg JOSÉ ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, V, pgs 362-363, ASTJ de 17.9.1997 in CJS 3/97, ASTJ de 13.5.1998 in BMJ 477 pág 263, ASTJ de 25.6.1998 in BMJ 478 pág 242, ASTJ de 03.2.1999 in BMJ 484 pág 271, ASTJ de 28.4.1999 in CJS 2/99 pág 196, GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, III, 3ª edição, Verbo, 2000, pág 347, ASTJ de 01.11.2001 no processo 3408/00-5, SIMAS SANTOS, LEAL HENRIQUES, Recursos em Processo Penal, 7ª edição, Rei dos Livros, Maio de 2008, pág 107.
[20] Conforme scanerização pelo Relator.
[21] Conforme scanerização pelo Relator.
[22] Por paridade de tratamento com a Motivação do MP, seguidamente reproduzem-se as 59 conclusões do Arguido Recorrido intersectadas com o corpo da Motivação que nelas não foi reflectido.
[23] Conforme copy paste pelo Relator do suporte digital graciosa e oportunamente disponibilizado.
[24] «Igualmente acusado, como não requereu a instrução, não foi despronunciado, apesar de, em termos de intervenção nos factos, poder considerar-se em situação idêntica à do arguido I…».
[25] Conforme scanerização pelo Relator.
[26] Porque:
● O Mmo Juiz a quo indeferiu em 12.6.2013 a parte do RAI em que o Arguido I… requereu a inquirição das Testemunhas 1. Dr S…, 2. Professor Dr AG…, 3. Dr AH…, 4. Dr AI… e 5. Dr AJ… «… por a mesma não se afigurar necessária para a realização das finalidades da instrução»;
● Em 10.07.2013 a Il Defensora da Arguida O… informou o Mmo Juiz a quo de que ela não desejava prestar declarações;
● Em 07.10.2013 a Arguida O… declarou ao Mmo Juiz a quo que não desejava prestar declarações;
● Em 07.10.2013 o Arguido J… declarou ao Mmo Juiz a quo que não desejava prestar declarações;
● O Requerimento de 07.2.2014 da Assistente de «… consulta aos a) Colégio da Especialidade de Cirurgia Geral; b) Colégio da Especialidade de Otorrinolaringologia e, ainda, c) ao Colégio da especialidade de Anestesiologia, todos da ordem dos Médicos, Secção Regional Norte …, e atendendo às “legis artis” e regras de conduta normais, recorrentes e impostas pelos “guide lines” comummente seguidos na prática médica e hospitalar, as seguintes informações:
1. Se é considerada de risco acrescido ao normal a realização de terapêutica cirúrgica de amigdalectomia total e de tiroidectomia total com um único acto anestésico, e se sim, quais os especiais cuidados pós-operatórios que a equipa médico-cirúrgica constituída para tal intervenção deve ter, deve salvaguardar e assegurar ao doente, seja no sistema de saúde público (Hospitais Públicos) seja no privado (Hospitais Privados)?
2. Qual o período de tempo considerado necessário e/ou recomendável para o controlo pós-operatório (recobro) eficaz e seguro para uma intervenção do género daquela que é objecto nestes autos (amigdalectomia e tiroidectomia total)?
3. O que é recomendado quanto aos termos desse controlo e, bem assim, da concreta vigilância a prestar durante o mesmo?
4. A que especialidade médica, numa determinada equipa médica anestésico- cirúrgica constituída para praticar uma cirurgia como aquela que é objecto destes autos, cabe a decisão sobre o tempo de recobro, ou se deve haver uma decisão colectiva ou se essa decisão cabe ou pode caber exclusivamente ao médico-anestesista?
5. Esse recobro pode ser não monitorizado?
6. Se a resposta anterior for negativa, ou tendo sido o recobro monitorizado, durante quanto tempo deve ser efectuado recobro monitorizado de um doente, após uma intervenção cirúrgica como aquela objecto nestes autos?
7. A que especialidade médica da equipa médico-cirúrgica constituída para uma operação como a do género da que é objecto destes autos, cabe a decisão de o recobro ser ou não ser monitorizado e essa decisão pode/deve ser tomada por uma das especialidades intervenientes no acto cirúrgico sem a concordância das demais participantes?
8. A ser ou dever ser monitorizado, que tipo de monitorização deve ser aplicada e garantida a um doente sujeito a uma intervenção cirúrgica como aquela objecto nestes autos?
9. Essa monitorização deve ser efectuada, assistida ou acompanhada por alguma especialidade médica e, em caso de resposta positiva, por qual(is) e durante quanto tempo?
10. Que regras são recomendadas e preconizadas para que sejam cumpridas, para essa vigilância pós-operatória (recobro) no internamento de doente, que tenha sido sujeito a uma intervenção como a que é objecto destes autos, seja em Hospitais Públicos, seja em privados?
11. Que concretos sinais visíveis ou detectáveis em doente sujeito a uma operação como a que é objecto destes autos, permitem concluir pela decisão do fim do recobro monitorizado do mesmo?
12. Havendo cirurgia com internamento, como sucedeu “in casu”, é ou não obrigatório ou, pelo menos, fortemente aconselhada, de acordo com essas “legis artis” e regras de conduta normais, recorrentes e impostas pelos “guide lines” comummente seguidos na prática médica e hospitalar, a vigilância cirúrgica (por médico especialista e, se sim, de que especialidade(s)) n recobro e, em caso de resposta positiva, durante quanto tempo?
13. O internamento pós-operatório, seja em Hospitais Públicos seja em Privados é, segundo as regras em causa, obrigatório ou fortemente aconselhado após uma cirurgia do tipo daquela objecto nestes autos, e sim, porquê?
14. O que recomendam as regras da “legis artis” também durante o internamento de doente após uma cirurgia do tipo daquela objecto nestes autos, relativamente à sua vigilância pós-operatória durante o internamento?
15. Havendo cirurgia com internamento, como sucedeu “in casu”, é ou não obrigatório ou, pelo menos, fortemente aconselhada, de acordo com essas “legis artis” e regras de conduta normais, recorrentes e impostas pelos “guide lines” comummente seguidos na prática médica e hospitalar, a vigilância cirúrgica (por médico especialista e, se sim, de que especialidade(s)) também no internamento pós-operatório e. em caso de resposta positiva, durante quanto tempo, em que adequadas circunstâncias de monitorização, vigilância ou qualquer outro tipo de controlo e por quem?
16. O que é que, em concreto e para cada uma das especialidades em causa, cirurgia-geral, otorrinolaringologia e anestesiologia, está e é preconizado pelos respectivos Colégios de Especialidades ora solicitados e, bem assim, pelas regras supra referidas, para o pós-operatório e para o internamento, perante uma intervenção cirúrgica da que é objecto dos autos, para e relativamente à concreta (se devida, necessária e imposta) vigilância, controlo e monitorização do doente, um homem de 32 anos de idade, por forma a evitar que este tenha morrido pelos motivos indicados no relatório de autópsia de fls. 43/44?
17. De acordo com tais regras, a quem, quando e em que concretas circunstâncias de facto, cabe a decisão de extubar o doente submetido a uma intervenção como aquela em apreço nestes autos e, bem assim, atenta a sua natureza, é ou não boa e regular prática médica que o mesmo fosse extubado apenas no dia seguinte?
● … atenta a sua essencialidade para a descoberta da verdade material como alegado supra e, bem assim, a prossecução dos fins previstos no artº 286º, nº 1, do CPP, e à realização dos actos de instrução requeridos supra, porque legais, porque essenciais para a boa decisão da presente instrução»,
Foi indeferido por Despacho de 14.02.2014 porque:
«Apreciando, parece-nos que a pretendida consulta corresponde efectivamente a uma perícia, a qual deve ser realizada em estabelecimento oficial apropriado, artigos 151.º e 152.º do Código de Processo Penal.
● Ora, relativamente às perícias médico-legais e forenses que se insiram nas atribuições do Instituto Nacional de Medicina Legal são realizadas pelas delegações deste e pelos gabinetes médico-legais ou, como foi o caso, pelo Conselho Médico-Legal.
● Se aquele Conselho Médico-Legal entendeu informar que não dispõe de registos clínicos bastantes que lhe permitam responder objectivamente às questões concretas que agora nos são formuladas, não existe qualquer garantia que os conselhos de especialidades possam dar uma resposta diferente com base nos documentos informações actualmente disponíveis nos autos.
● Entendemos assim que a pretendida consulta ultrapassa a natureza indiciária exigida para a prova nesta fase da instrução, pelo que se indefere a mesma nos termos dos artigos 291.º, n.º 1, e 301.º, n.º 3, do Código de Processo Penal».
[27] AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, Direito Penal. Parte geral, 2ª edição, Coimbra Editora, SET 2008, pág 260.
[28] AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, Direito Penal. Parte geral, 2ª edição, Coimbra Editora, SET 2008, pág 260.
[29] AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, Direito Penal. Parte geral, 2ª edição, Coimbra Editora, SET 2008, pág 525.
[30] AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, Direito Penal. Parte Geral, 2ª edição, Coimbra Editora, SET 2008, pág 525.
[31] «…por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz… » e assim «Representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas actuar sem se conformar com a sua realização» ou «Não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto».
[32] Por «um grau superior de violação de dever … uma especial intensificação da negligência não só ao nível de culpa, mas também ao nível do tipo de ilícito, ROXIN, 1994, p. 917; FIGUEIREDO DIAS/NUNO BRANDÃO, CCCP I, 2012, p. 184. A jurisprudência coincide, normalmente, com este critério» - M.MIGUEZ GARCIA, J.M.CASTELA RIO, Código Penal, Parte Geral e Parte Especial. Almedina, Coimbra, Março de 2014, pág 547.
[33] Em síntese dos ensinamentos magistrais de AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, Direito Penal. Parte Geral, 2ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2008, quanto à «estrutura do ilícito negligente e quanto à «estrutura da culpa negligente», pgs 523-537 e 309-318, para as quais se remete para simplificação de exposição.
[34] «GRAÇA, Luís, «Profissões de saúde...», ob. cit., 2.».
[35] «Por exemplo, até meados do século XIX, só o médico usava o termómetro clínico – a utilização do termómetro era um acto médico. Depois, à medida que se desenvolveram outros meios auxiliares de diagnóstico, a utilização do termómetro foi delegada nos enfermeiros (cf. GRAÇA, Luís, ibidem».
[36] «Quando, em 3 de Dezembro de 1 967, Christian Bernard realizou o primeiro transplante de coração humano contou com 56 colaboradores, tendo intervindo médicos de 12 especialidades diferentes. Cf. CARSTFNSEN, G., «Arbeitsteilung und Verantwortung aus der Sicht der Chirurgie», Langenbecks Arch. Chir., 335 (1981), p. 571».
[37] «GRAÇA, Luís, «Evolução do Sistema Hospitalar…», ob. cit., I, 4. Na expressiva formulação de Schünemann “a medicina, com a sua componente técnica, transformou a saúde de uma pessoa num produto industrial” (SCHÜNEMANN, Bernd, «Shortcomings of the classic concept of criminal liability for negligence in the contemporary society: new tendencies and prospects», in: Responsabilidad penal y responsabilidad civil de los profesionales. Presente y futuro de los conceptos de negligencia y riesgo. XXII Coloquio de Derecho Europeo, La Laguna, 17-19 noviembre de 1992, Tenerife: Graficas La Serna, 1 993, p. 56). Segundo Martins Nunes, os hospitais incluem-se “entre as mais complexas organizações, caracterizadas fundamentalmente por uma divisão do trabalho extremamente aturada e uma gama muito diversificada de aptidões técnicas” (NUNES, J. Martins, «A Ética e a Humanização em Anestesiologia», in: Fundamentos da Anestesia em Ortopedia, Coimbra: Minerva, 2006, p. 360)».
[38] «FRAGATA, José / MARTINS, Luís, O erro em medicina. Perspectivas do indivíduo, da organização e da sociedade, Coimbra: Almedina, 2005, pp. 162 e ss.».
[39] «OLIVEIRA, Guilherme Falcão de, «Recensão de: José Fragata e Luís Martins — O erro em Medicina. Perspectivas do indivíduo, da organização e da sociedade. Coimbra, Almedina, 2004», Lex Medicinae - RPDS, 3 (2005), pp. 157 e ss.
Faria Costa chama a atenção para o facto de que “o aumento dos instrumentos ou produtos tecnológicos potencialmente danosos leva a um crescimento mais do que proporcional das regras de cuidado” exigíveis para que “a aplicação prático-social dessa mesma tecnologia possa expandir-se sem grandes e desadequados riscos” (COSTA, José de Faria, O perigo em direito penal (contributo para a sua fundamentação e compreensão dogmáticas), reimp., Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 481). No entanto, a interiorização dessas regras de cuidado, mesmo num grupo restrito de especialistas, não acompanha o crescimento de instrumentos potencialmente danosos. Nas palavras do autor, “a ordem jurídica admite a produção em massa de instrumentos perigosos, cria uma rede hipercomplexa de regas de cuidado (...) mas esquece-se de que os homens, mesmo neste tempo histórico de aceleração, precisam de tempo, isto é, precisam do bem jurídico tempo, para interiorizarem as mais anódinas regras objectivas de cuidado” (idem, p. 482)».
[40] «Apesar de, em texto, nos referirmos apenas à medicina curativa, não queremos deixar de salientar que no âmbito da medicina preventiva também se verificam erros e com consequências igualmente graves para o paciente. Veja-se, a título de exemplo, o caso relatado por José Fragata: “Uma doente visita o ginecologista queixando-se de dores pélvicas e de perdas irregulares de sangue. O médico, ao rever a ficha clínica da doente apercebe-se que num exame de rotina, realizado há três anos, uma citologia do colo uterino fora positiva para ‘adenocarcinoma in situ’ (tumor maligno muito localizado) e que, por erro, a doente não fora informada e, em consequência, nada fora feito. Agora, a doente sofre, muito provavelmente, de um tumor maligno uterino, invasivo, que poderia ter sido evitado e provavelmente curado se o resultado da citologia tivesse sido considerado e a doente tivesse sido atempadamente operada” (FRAGATA / José, MARTINS, Luís, O erro em medicina…, ob. cit., p. 273)».
[41] SÓNIA FIDALGO, Responsabilidade Penal Por Negligência no Exercício da Medicina em Equipa, Coimbra Editora, OUT 2008, pgs 15-17.
[42] «Idem, p. 42.».
[43] «Dadas as especificidades da actividade médica, a transposição dos métodos de segurança usados na aviação para o âmbito da medicina não poderá ser feita, obviamente, de modo automático. Neste sentido, THOMAS, Eric J. / HELMREICH, Robert L., «WiIl Airline Safety Models Work in Medicine?», in: Medical Error: What Do We Know? What Do We Do?, San Francisco: Jossey-Bass, 2002, p. 219.».
[44] « MERRY, Alan / SMITH, Alexander McCall, Errors…, ob. cit., pp. 2, 14 e ss. e 31 e ss.».
[45] «Idem, p. 32 e ss.».
[46] «FRAGATA, José / MARTINS, Luís, O erro em medicina…, ob. cit., p. 43.».
[47] «(52) As várias classificações pensadas para avaliação e compreensão do erro variam segundo o ponto de vista dos seus autores, embora muitas vezes acabem por não divergir substancialmente umas das outras. Cf. FARIA, Maria da Graça Lobato, O erro humano, Colecção: Segurança e Saúde no Trabalho, Estudos, I, Lisboa: Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho, 1995, pp. 13 e ss. Seguimos, em texto, a classificação proposta por José Fragata e Luís Martins (que se baseiam nas obras de Reason e Rasmussen), bem como os exemplos dados por estes autores, quer para as situações de erro, quer para as situações de violação (FRAGATA, José / MARTINS, Luís, O erro em medicina..., ob. cit., pp. 41 e ss.).».
[48] SÓNIA FIDALGO, Responsabilidade Penal Por Negligência no Exercício da Medicina em Equipa, Coimbra Editora, OUT 2008, pgs 27-28.
[49] «FRAGATA/MARTINS (2004: 3 l 1 -324) distinguem de entre as seguintes categorias:
Incidente: evento não esperado que pode ou não determinar danos e caso cause estes não afectam o todo;
Acidente: evento não esperado nem desejado que determina danos gerais alterando o resultado final da ação e comprometendo o todo;
Erro: falha, não intencional, na realização de ação planeada e sempre que tal falha se não deva ao acaso.
Para que se esteja perante erro é preciso reunir o seguinte:
(1) plano;
(2) não intencionalidade no cumprimento do plano;
(3) desvio da sequência de ações previstas;
(4) incapacidade de atingir o objetivo proposto e
(5) causalidade identificada, ou seja, que a causa não se deva ao acaso.
O erro é inerente à natureza humana, não poderá ser abolido (completamente), sendo inevitável.
Há erros resultando de ações não intencionais em que, por distração, por má aplicação de regras ou por má deliberação, se falhou o plano (fala-se assim de erros honestos: fruto da natureza humana e da nossa caraterística de cometermos erros: errare humanum est).
Mas há erros que resultam de transgressão de regras tidas como recomendáveis ou seguras e estes últimos não são desculpáveis, poderiam ter sido evitados se as regras definidas como Leges Artis tivessem sido seguidas, constituindo pois violações (erros desonestos ou violações que se cometem por imprudência, comportamentos de risco ou desobediências aos preceitos estabelecidos ou às boas regras).
Near Miss: qualquer situação ou evento que poderia ter terminado em acidente mas que só não terminou porque foram aplicadas atempadamente as medidas de correção que permitiram evitar o acidente, ficando-se assim o evento por “quase perda”. O conceito de near miss é dos mais importantes na taxinomia dos erros. É que em geral só os erros que determinam perda — os causadores de acidentes — são conhecidos, pelo estrago que causam e pelo impacto pessoal e social que determinam. Não podemos contudo ignorar que o acidente só é o dano visível de uma trajetória de erros e que muitos erros não chegam mesmo a provocar acidentes, por não lograrem obter o suficiente alinhamento de falhas, ou porque o sistema ou as suas defesas os evitaram.
Eventos Adversos: qualquer evento negativo (indesejável) que ocorra em consequência do tratamento, mas não da doença ou estados associadas. Podem ser: Incidentes, acidentes ou Near miss.
Resumindo: Erros constituem desvio em relação um plano pré-concebido, desvio que é involuntário e não resulta do acaso. FRAGATA (2006: 194-197) diz que podem ser erros humanos, os chamados erros honestos (cometidos por humanos, atuando no final ou sharp end do sistema e determinam as variações nos resultados e podem ser imputáveis à ação individual de humanos, ex. erros de cirurgião ou de pilotagem) e erros de sistema: que ocorrem no âmbito da variação de causa comum, sem que possam ser atribuídos necessariamente à ação de um operador humano final; são resultado do mau desenho organizacional do sistema (poderá existir ação humana mas as causas reais residem no sistema, a montante) ».
[50] MARIA DO CÉU RUEFF, Do erro (em medicina) ao Acidente (em saúde), Anatomia do Crime, Revista de Ciências Jurídicas-criminais, semestral, nº 0, JUL DEZ 2014, Almedina, Coimbra, pgs 130-132.
[51] «Entre nós, a especialidade de anestesiologia foi reconhecida pela Ordem dos Médicos em 1950 (SOCIEDADE PORTUGUESA DE ANESTESIOLOGIA, «História da Anestesiologia em Portugal. Apontamentos», Boletim Informativo da SPA, I (2004), p. 5). Na mesmna década, também na Alemanha c em Itália se reconheceu a anestesiologia como especialidade autónoma; em Espanha, a anestesiologia foi afirmada como uma especialidade médica num diploma da década de oitenta (cf. JORGE BARREIRO, Agustín, La imprudencia punible..., ob. cit., p. 137, nota 142. Sobre a evolução das relações entre cirurgião e anestesiologista, na doutrina alemã, KAMPS, Hans, Arziliche Arbeitsteilung ob. cit., pp. 218 e ss.; na doutrina italiana, MARINUCCI, Giorgio / MARRUBINI, Gilberto, «Profili penalistici...», ob. cit., pp. 230 e ss.; na doutrina espanhola, JORGE BARREIRO, Agustin, La imprudencia punible..., ob. cit., pp. 136 e ss.».
[52] «ULSENHEIMER, Klaus, Arztstrafrecht..., ob. cit., I, § 149. Ressalve-se, no entanto, o que se dirá infra (§ 12, II, 2.5.) relativamente às situações de risco anestésico ».
[53] «JORGE BARREIRO, Agustín, La imprudencia punible..., ob. cit., p. 138.».
[54] «Neste sentido, NUNES, J. Martins, «Da responsabilidade dos médicos...», ob. cit., p. 30, e CASEIRO, José Manuel, «A equipa médico-cirúrgica», Rev.SPA, 15 (2006), p. l l. Há quem entenda que no âmbito de uma intervenção médico-cirúrgica devem distinguir-se duas equipas: a equipa cirúrgica (constituída pelos cirurgiões) e a equipa anestésica (constituída pelos médicos anestesiologistas). Assim, CASEIRO, José Manuel, ibidem».
[55] «Assim, também, DIAS. João Álvaro, Procriação assistida…, ob. cit., pp. 243-4.».
[56] «Para uma descrição desenvolvida de cada uma destas fases, vide IADECOLA, Gianfranco, Il medico..., ob. cit., pp. 89 e ss., e também JORGE BARREIRO, Agustín, La imprudencia punible…, ob. cit., pp. 140 e ss.. cuja exposição seguimos de perto.
Na Alemanha existem protocolos de actuação adoptados por acordo entre associações das duas especialidades (cirurgia e anestesiologia) que delimitam as competências de cada uma (cf. ULSENI-IEIMER, Klaus, Arztstrafrecht..., ob. cit., I, § 1, n.º 153, nota 770).
Em França, o Conselho Nacional da Ordem dos Médicos elaborou, em Dezembro de 2001, um documento em que se estabelecem os princípios deontológicos e de coordenação a que devem obedecer as relações entre cirurgiões, anestesiologistas e outros especialistas (ORDRE NATIONAL DES MÉDECINS, «Recommandations concernant Ies relations entre anesthésistes-réanimateurs et chirurgiens, autres spécialistes ou professionnel, de santé», in: www.bdsp.tmfr, em 21.08.2006).
Em Espanha não existe verdadeiramente um acordo entre a Asociación Española de Cirurgia e a Sociedad Española de Anestesiología y Reanimación, mas esta última tem emitido critérios de standardização para prevenir acidentes durante o acto anestésico, recomendando aos seus membros a observação de uma série de protocolos (cf. VIL- LACAMPA ESTIARTE, Carolina, Responsabilidad penal..., ob. cit., p. 153, nota 281).
Entre nós não existe um protocolo de actuação escrito em que se determine, de modo claro, as tarefas que competem a cada especialista no âmbito de uma intervenção médico-cirúrgica. Este é, no entanto, um problema que tem preocupado a Sociedade Portuguesa de Anestesiologia (cf. CASEIRO, Josá Manuel, «A equipa médico-cirúrgica»..., ob. cit., pp. 10 e ss.)».
[57] «Com a implementação das consultas de anestesiologia passou a ser frequente que o anestesiologista que procede à consulta não seja o mesmo que, posteriormente, administra a anestesia ao paciente (NUNES, J. Martins, «Da responsabilidade dos médicos...», ob. cit., p. 33)».
[58] «Por exemplo, no caso de o paciente sofrer de uma qualquer doença respiratória, explicar-lhe como fazer certos exercícios respiratórios para que a anestesia seja administrada com êxito e com os menores riscos (cf. JORGE BARREIRO, Agustín, La imprudencia punible..., ob. cit., p. 141). O grau de exigência quanto à actuação do anestesiologista nesta fase variará, obviamente, conforme o carácter urgente (ou não) da intervenção em causa (ibidem)».
[59] «Esta tarefa de controlo prévio do adequado funcionamento dos aparelhos técnicos é frequentemente delegada em pessoal auxiliar para tal competente».
[60] «Assim, ULSENFIEIMER, Klaus, Arztstrafrecht..., ob. cit., I, § 1, n.o 171, e JORGE BARREIRO, Agustín, La imprudencia punible..., ob. cit., p. 143. Sobre esta concreta função do anestesiologista, cf. ORDRE NATIONAL DES MÉDECINS, Recommandations...», ob. cit., p. 16.».
[61] «Na Alemanha admitem-se as anestesias paralelas (Parallelnarkose) permitindo-se que um especialista em anestesiologia actue simultaneamente em duas salas de operação desde que se assegure a vigilância do paciente ou por um médico anestesiologista que ainda não tenha terminado a sua especialização (ärztliche Parallelnarkose) ou por pessoal não médico especializado em anestesiologia (nichtärztliche Parallelnarkose) e que o especialista esteja em permanente contacto (visual ou auditivo) com o paciente que deixou a cargo do outro profissional (cf MAJUNKE, Anästhesie und Strafrecht. Ðie sirafrechtliche Vera,it,vortlichtkeit des Anästhesisten, l 988, p. 79, apud VILLACAMPA ESTIARTE, Carolina, Responsabilidad penal..., ob. cit., p. 153, nota 28 1).
A Sociedad Española de Anestesiología y Reanimacion considera necessária a presença do anestesiologista durante a realização de qualquer anestesia geral ou local (não podendo ser substituída por qualquer sistema de monitorização) exigindo tam- bém o controlo continuado do paciente no que concerne à oxigenação, ventilação e circulação (cf VILLACAMPA ESTARTE, Carolina, Responsabilidad penal..., ob. cit., p. 1 53, nota 281).
Entre nós exige-se que o anestesiologista proceda a uma vigilância rigorosa do paciente desde o momento em que a anestesia é administrada até ao momento em que o paciente retoma a consciência (assim, NUNES, J. Martins, «Da responsabilidade dos médicos...», ob. cit., p. 25). Deste modo, a realização de anestesias paralelas será uma conduta em clara violação das leges artis».
[62] «Assim, também. JORGE BARREIRO, Agustín, La imprudencia punible..., ob. cit., p. 145».
[63] «Assim, CASEIRO, José Manuel, «A equipa médico-cirúrgica» ob. cit., p. 13.».
[64] «Ibidem».
[65] «No Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17.11.1998 (in: www.dgsi.pt, em 31.01.2005), afirmou-se que “há indícios suficientes de negligência médica quando os arguidos médicos que tendo submetido a doente (que veio a falecer) a uma intervenção cirúrgica arriscada e não aconselhável (por não urgente), lhe dão alta, abandonando-a à sua sorte, após o surgimento de uma infecção, consequência daquela intervenção e que exigia estreita vigilância e um controle constante e permanente”».
[66] SÓNIA FIDALGO, Responsabilidade Penal Por Negligência no Exercício da Medicina em Equipa, Coimbra Editora, OUT 2008, pgs 196-201.
[67] «Cf., com referência a jurisprudência italiana, IADECOLA, Gianfranco, Il medico…, ob. cit., pp. 84 e SS., cuja exposição seguimos de perto.».
[68] «É de salientar, no entanto, que algumas das situações que se referem como erros materiais podem, em rigor, não derivar (apenas) de uma distracção do cirurgião, derivando (também) de lapsos por parte dos profissionais não médicos».
[69] SÓNIA FIDALGO, Responsabilidade Penal Por Negligência no Exercício da Medicina em Equipa, Coimbra Editora, OUT 2008, pgs 204-206.
[70] SÓNIA FIDALGO, Responsabilidade Penal Por Negligência no Exercício da Medicina em Equipa, Coimbra Editora, OUT 2008, pág 209.
[71] «Gómez Rivero afirma também claramente que o anestesiologista não terá qualquer dever de controlar a actuação do cirurgião. No entanto, a autora considera que o cirurgião assume o compromisso mais amplo de tratamento do paciente, pelo que, em relação aos seus colaboradores (inclusivamente em relação ao anestesiologista), manterá sempre “um dever de controlo negativo de aparência de normalidade” (GÓMEZ RIVERO, M. Cármen, La responsabilidad..., ob. cit., pp. 415 e 422 - itálicos da autora)».
[72] SÓNIA FIDALGO, Responsabilidade Penal Por Negligência no Exercício da Medicina em Equipa, Coimbra Editora, OUT 2008, pág 209.
[73] «Cf. DIAS, Jorge de Figueiredo, Direito Penal I, 35.° Cap., § 49. Afirmando claramente que em casos como o descrito se configura uma situação de co-autoria negligente, QUINTANO RIPOLLÉS, António, Derecho penal de la culpa..., ob. cit., p. 513, e JORGE BARREIRO, Agustín, La imprudencia punible..., ob. cit., p. 126 — estes autores partem, no entanto, de um conceito restritivo de autoria também nos crimes negligentes».
[74] SÓNIA FIDALGO, Responsabilidade Penal Por Negligência no Exercício da Medicina em Equipa, Coimbra Editora, OUT 2008, pág 209.
[75] SÓNIA FIDALGO, Responsabilidade Penal Por Negligência no Exercício da Medicina em Equipa, Coimbra Editora, OUT 2008, pág 211.
[76] «Levantar-se-iam, neste caso, claramente, problemas relacionados com o tipo de culpa negligente, Repare-se ainda que, faltando contributo executivo de um dos especialistas para a lesão verificada, a sua responsabilidade poderá ser construída com base na comissão por omissão.».
[77] SÓNIA FIDALGO, Responsabilidade Penal Por Negligência no Exercício da Medicina em Equipa, Coimbra Editora, OUT 2008, pág 211-212.
[78] PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2ª edição, Lisboa, Maio de 2008, pgs 330-331 [negritos do Relator].
[79] Expressivas formulações do ARC de 10.9.2008 de ALBERTO MIRA no processo 195/07.2GBCNT. C1 in www.dgsi.pt/jtrc, Acórdão que relevou JORGE NORONHA E SILVEIRA, O Conceito de Indícios Suficientes no Processo Penal Português, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Coordenação Científica de Maria Fernanda Palma, Almedina, pág 171., que se relevou verbi gratiae no ARP de 12.02.2014 de Castela Rio com Lígia Figueiredo no processo 253/12.1GAVLC.P1.
[80] «… em termos telegráficos…» nos dizeres de FRANCISCO MARCOLINO DE JESUS, As dificuldades de prova nos crimes negligentes, Revista Julgar, Número especial, Prova Difícil, Coimbra Editora, 2014, pág 97.
[81] «Ob. cit., p. 641 e segs ».
[82] FRANCISCO MARCOLINO DE JESUS, As dificuldades de prova nos crimes negligentes, Revista Julgar, Número especial, Prova Difícil, Coimbra Editora, 2014, pgs 101-102.
[83] Quanto a «autorias paralelas» e casos de «comportamento negligente conjunto», quando diversas pessoas, agindo negligentemente, concorrem para a formação de um mesmo crime de resultado, remete-se:
Numa perspectiva geral, para M.MIGUEZ GARCIA, J.M.CASTELA RIO, Código Penal. Parte geral e parte especial, Almedina, Coimbra, Março de 2014, pgs 184-185;
Numa perspectiva especial, para SÓNIA FIDALGO, Responsabilidade Penal por Negligência no Exercício da Medicina em Equipa, Coimbra Editora, Outubro de 2008, pgs 158-179.
[84] EDUARDO CORREIA, Direito Criminal, I Almedina, Coimbra, reimpressão em 1971 do original de 1968, pfs 424-425.
[85] STEFANO ANZILOTTI, La Posizione di Garanzia del Medico. Uno studio giuridico, boietico e deontológico, Giuffrè Editore, Milão, 2013, pgs 162-163 – sublinhado do Relator.
[86] STEFANO ANZILOTTI, La Posizione di Garanzia del Medico. Uno studio giuridico, boietico e deontológico, Giuffrè Editore, Milão, 2013, pág 157.