Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JORGE MARTINS RIBEIRO | ||
Descritores: | EXECUÇÃO TÍTULO DE CRÉDITO MERO QUIRÓGRAFO PERÍCIA À ESCRITA | ||
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Nº do Documento: | RP202503109825/23.8T8PRT-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 03/10/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – As nulidades previstas no art.º 615.º, n.º 1, do C.P.C. são vícios formais e intrínsecos da sentença, procedimentais, distintos do erro de julgamento, seja de facto ou de Direito. II – Só se verifica a nulidade da sentença, prevista no art.º 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil, C.P.C., em caso de falta absoluta de fundamentação ou motivação, não bastando que esta seja deficiente, incompleta ou não convincente. III – Para que se verifique a nulidade prevista no art.º 615.º, n.º 1, al. c), do C.P.C., no atinente à oposição entre os fundamentos e a decisão, é necessário que, perante os fundamentos invocados pelo tribunal a quo, a decisão tivesse de ser outra: se não a oposta, pelo menos diferente. IV – O mandato conferido constitucionalmente aos Juízes para que administrem a Justiça em nome do Povo, o soberano constituinte, não se cinge à indagação, interpretação e aplicação da Lei; começa pelo julgamento da matéria de facto em nome Daquele, feito à luz dos juízos de experiência, lógica e verosimilhança vigentes na sociedade em concreto. V – Quando uma parte que tem a seu favor o ónus da prova sobre a parte contrária decide fazer prova complementar que àquela competia fazer, só de si se pode queixar, pois que o tribunal deve atentar no princípio da aquisição processual, em conformidade ao disposto no art.º 413.º do C.P.C. VI – Assim é também no caso da execução de um título de crédito como mero quirógrafo, nos termos do art.º 703.º, n.º 1, al. c), do C.P.C., em que por força do disposto no art.º 458.º, n.º 1, do Código Civil, se prevê a presunção de existência da alegada relação causal invocada pelo credor, cabendo ao devedor provar a sua inexistência. VII – Uma perícia de veracidade de escrita pode ser feita, ainda que com menos rigor do que nos casos em que o imputado autor da escrita pode preencher o auto de recolha de autógrafos, por comparação, mesmo no caso de o imputado autor já ter falecido. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | APELAÇÃO N.º 9825/23.8T8PRT-A.P1
SUMÁRIO (art.º 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, C.P.C.): ……………………………… ……………………………… ……………………………… - Acordam os Juízes na 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, sendo
Relator: Jorge Martins Ribeiro; 1.º Adjunto: Miguel Baldaia de Morais e 2.º Adjunto: António Mendes Coelho.
ACÓRDÃO I – RELATÓRIO
Nos presentes autos de embargos de executado, por apenso a execução em que são apresentados como título executivo cheques cuja obrigação cambiária se encontra prescrita, é embargante AA, titular do N.I.F. ......, residente na Av. ..., n.º ..., 2.º esq., ..., Maia, e é embargado BB, titular do N.I.F. ......, residente na Rua ..., n.º ..., ..., Barcelos. - Procedemos agora a uma síntese do processado destinada a facilitar a compreensão do objeto do presente recurso. A) A presente ação deu entrada em juízo aos 10/10/2023. - B) Após o despacho liminar de admissão e de cumprimento do disposto no artigo 732.º do C.P.C., a contestação foi apresentada no dia 07/12/2023. - C) Aos 21/02/2024 foi realizada a tentativa de conciliação; tendo sido infrutífera, no dia 06/03/2024 foi proferido o despacho saneador, fixado o objeto do litígio e foram enunciados os temas da prova. - D) A audiência de discussão e de julgamento realizou-se no dia 15/05/2024. - E) Aos 23/05/2024 foi proferida a sentença. E.1) O teor dos autos foi sintetizado assim: “Veio a executada AA deduzir embargos à execução instaurada pelo exequente BB alegando, em síntese, que: - estão prescritos os juros de mora, sendo apenas devidos os juros vencidos nos últimos 5 anos; - não existe título executivo que suporte o pedido relativo ao pagamento das quantias de € 25,50 a título de taxa de justiça e de € 700,00 a título de procuradoria; - os cheques dados à execução apenas podem ser considerados como meros quirógrafos; - é falso que o falecido CC tenha preenchido e assinado os cheques e que tenha negociado com o exequente qualquer transação comercial a que se reportem os mesmos. Concluiu requerendo que os presentes embargos de executado sejam aceites e sejam os mesmos considerados integralmente procedentes e, em conformidade, ordenada a extinção da instância executiva. [Regularmente] notificad[o] veio o embargado BB contestar, alegando que deverá improceder a excepção de prescrição porquanto se aplica o prazo de 20 anos, além de que o falecido reconheceu a dívida e comprometeu-se a efectuar o seu pagamento. Impugnou ainda o alegado pela embargante referindo ser falso o pela mesmo exposto e que o falecido CC exerceu a actividade comercial têxtil e lhe adquiriu inúmeros bens, sendo que a própria embargante chegou a deslocar-se inúmeras vezes com os pais às instalações fabris do embargado para fazer encomendas e levantar os bens encomendados. Alegou ainda que os cheques dados à execução foram preenchidos, assinados e entregues pelo falecido ao embargado. Concluiu requerendo a improcedência dos embargos”([1]). E.2) Do dispositivo da mesma consta o seguinte: “Nos termos e pelos fundamentos expostos decide-se julgar os presentes embargos procedentes por provados e, em conformidade, determinar a extinção da execução. Custas pelo embargado. Registe e notifique”. - F) No dia 28/06/2024 foi interposto este recurso, do qual constam as seguintes conclusões([2]): I. Decidindo como decidiu, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo não fez uma correta apreciação e julgamento da matéria de facto. II. Decidindo como decidiu, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo também não fez uma correta interpretação e aplicação da lei, designadamente, dos artigos 342º, n.º 1, 374º, n.º 2, 458º, do Código Civil e 54º, 195º, 607º, n.º 4, 615º, n.º 1, al. b) e c), 703º, n.º 1, al c), do Código do Processo Civil. III. Se a matéria de facto e de direito for devidamente apreciada e julgada, os Embargos de Executado serão julgados totalmente improcedentes. IV. A decisão recorrida ao julgar os Embargos procedentes e ao condenar o Recorrente no pagamento das custas do processo, enferma de erro na apreciação e julgamento da matéria de facto e de erro na aplicação e na interpretação do direito, pelo que terá inevitavelmente de ser revogada, e consequentemente, ser substituída por outra decisão que julgue os Embargos de Executado improcedentes com todas as legais consequências e ordene o prosseguimento dos Autos Executivos. V. O Tribunal a quo deu como provado que: “5 - O falecido CC nunca comprou ao exequente o que quer que fosse.”, e como Facto Não Provado que, “- O de cujus, CC, se dedicou com escopo lucrativo à atividade têxtil; - No exercício da sua atividade comercial, o Exequente forneceu inúmeros bens e prestou inúmeros serviços a CC, designadamente camisolas.”. VI. Todavia, e atendendo à prova produzida o Tribunal tem de dar como Facto Provado que 5 – O falecido CC comprou ao exequente peças de vestuário, e que O de cujus, CC, dedicou-se com escopo lucrativo à atividade têxtil, que no exercício da sua atividade comercial, o Exequente forneceu inúmeros bens e prestou inúmeros serviços a CC, designadamente camisolas. VII. O Tribunal Recorrido deu como Facto Não Provado que: “- Para pagamento dos bens fornecidos, CC, endossou ao Embargado diversos cheques, designadamente os oferecidos à execução. Designadamente, Cheques do Banco 1... com os números: - n.º ..., no valor de €2.585,00 (dois mil quinhentos e oitenta e cinco euros), datado de 20/04/2006; n.º..., no valor de €2.215,56 (dois mil duzentos e quinze euros e cinquenta e seis cêntimos), datado de 30/04/2006; n.º ..., no valor de €2.215,56 (dois mil duzentos e quinze euros e cinquenta e seis cêntimos), datado de 03/05/2006; e, n.º ..., no valor de €2.215,56 (dois mil duzentos e quinze euros e cinquenta e seis cêntimos), datado de 31/05/2006, perfazendo o montante de €9.231,68 (nove mil duzentos e trinta e um euros e sessenta e oito cêntimos).”. VIII. Da prova produzida em Audiência de Julgamento resulta provado que “- Para pagamento dos bens fornecidos, CC, endossou ao Embargado diversos cheques, designadamente os oferecidos à execução. Designadamente, Cheques do Banco 1... com os números: - n.º ..., no valor de €2.585,00 (dois mil quinhentos e oitenta e cinco euros), datado de 20/04/2006; n.º..., no valor de €2.215,56 (dois mil duzentos e quinze euros e cinquenta e seis cêntimos), datado de 30/04/2006; n.º ..., no valor de €2.215,56 (dois mil duzentos e quinze euros e cinquenta e seis cêntimos), datado de 03/05/2006; e, n.º ..., no valor de €2.215,56 (dois mil duzentos e quinze euros e cinquenta e seis cêntimos), datado de 31/05/2006, perfazendo o montante de €9.231,68 (nove mil duzentos e trinta e um euros e sessenta e oito cêntimos).”. IX. Pelo que, deve ser dado como Facto Provado que: “- Para pagamento dos bens fornecidos, CC, endossou ao Embargado diversos cheques, designadamente os oferecidos à execução. Designadamente, Cheques do Banco 1... com os números: - n.º ..., no valor de €2.585,00 (dois mil quinhentos e oitenta e cinco euros), datado de 20/04/2006; n.º..., no valor de €2.215,56 (dois mil duzentos e quinze euros e cinquenta e seis cêntimos), datado de 30/04/2006; n.º ..., no valor de €2.215,56 (dois mil duzentos e quinze euros e cinquenta e seis cêntimos), datado de 03/05/2006; e, n.º ..., no valor de €2.215,56 (dois mil duzentos e quinze euros e cinquenta e seis cêntimos), datado de 31/05/2006, perfazendo o montante de €9.231,68 (nove mil duzentos e trinta e um euros e sessenta e oito cêntimos).”. X. No entanto, e face à prova produzida tem de ser dado como Facto Provado que: “- o Embargado interpelou CC para proceder ao pagamento da quantia em débito. - CC reconheceu o montante em débito e comprometeu-se a fazer o pagamento do mesmo, nomeadamente em prestações de € 1.000,00 (mil euros) por mês. - CC não cumpriu com o acordo de pagamento firmado com o Embargado. - O Embargado interpelou inúmeras vezes CC para proceder ao pagamento dos montantes em débito. - Todas as interpelações malograram. - CC reconhecia e confessava-se devedor dos montantes constantes dos cheques dados à execução e comprometia-se sempre ao seu pagamento.”. XI. O Tribunal Recorrido deu também como Facto Não Provado que: “- A assinatura constante dos cheques dados à execução é de CC. - Foi CC quem assinou e preencheu os cheques oferecidos à execução.”. XII. Todavia, e face à prova produzida, deve ser dado com Facto Provado que: - A assinatura constante dos cheques dados à execução é de CC. - Foi CC quem assinou e preencheu os cheques oferecidos à execução. XIII. Do exposto resulta que a matéria de facto não foi devidamente apreciada, julgada e decidida. XIV. Por isso, deve a matéria de facto ser devidamente apreciada, julgada e decidida pelo Tribunal a quo. XV. E, consequentemente ser revogada a decisão que julgou procedente a Oposição deduzida pela Recorrida, e condenou o Recorrente no pagamento das custas do processo. XVI. E, ser substituída por outra que julgue os Embargos de Executado deduzidos pela Recorrida totalmente improcedentes e consequentemente a ação executiva prossiga os seus ulteriores termos até final. XVII. A decisão recorrida enferma de nulidade. XVIII. Preceitua o art. 615º, n.º 1, alínea b), do CPC, que “É nula a sentença quando: b) Não especifique os fundamentos de facto e de direitos que justifiquem a decisão”. XIX. Assim como, que “É nula a sentença quando: c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;”. XX. O n.º 4, do art. 607º, do Código de Processo Civil, impõe ao julgador que na fundamentação da sentença declare: “Quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.”. XXI. O dever de fundamentação das decisões, na sua vertente endoprocessual e extra-processual, decorre do art. 208º, n.º 1, da Constituição da República, sendo da maior relevância não só, para que possa ser exercido controlo no julgamento da matéria de facto, como também na decisão de direito. XXII. A exigência de fundamentação da matéria de facto provada e não provada com a indicação dos meios de prova que levaram à decisão, assim como a fundamentação da convicção do julgador, devem ser feitas com clareza, objetividade e discriminadamente, de modo que as partes, destinatárias imediatas, saibam o que o Tribunal considerou provado e não provado e a fundamentação dessa decisão reportada à prova fornecida pelas partes e adquirida pelo Tribunal. XXIII. A exigência de fundamentação das respostas negativas aos quesitos constituiu inovação na revisão do Código de Processo Civil de 1995/96: não era requisito no Código de Processo Civil de 1939 e só passou a sê-lo, quanto aos factos provados no Código de Processo Civil de 1961, mantendo-se até ao DL. 329-A/95, de 12.12, o dever, quanto aos factos julgados provados, de ”especificar os fundamentos decisivos para a formação da sua convicção.”. XXIV. Uma deficiente ou obscura alusão aos factos provados ou não provados pode comprometer o direito ao recurso da matéria de facto e nessa perspetiva contender com o acesso à Justiça e à tutela efetiva, consagrada como direito fundamental no art. 20º, da Constituição da República Portuguesa. XXV. Crucial é a indicação e especificação dos factos provados e não provados e a indicação dos fundamentos por que o Tribunal formou a sua convicção acerca de cada facto que estava em apreciação e julgamento. XXVI. Sucede, porém, que o Tribunal a quo não indicou os fundamentos em que formou a sua convicção acerca de cada facto que estava em apreciação e julgamento. XXVII. O Tribunal a quo não apreciou a prova separadamente por cada facto. XXVIII. Para além do mais, o Tribunal a quo dá simultaneamente por provados e não provados os mesmos factos. XXIX. O Tribunal Recorrido fundamenta factos provados e não provados em depoimentos que julga não credíveis, não isentos, não verídicos e parciais. XXX. Com o devido respeito pela mui douta Sentença, que é muito, o certo é que, entende o Recorrente, que pese embora o Meritíssimo Juiz a quo tenha discriminados os factos que considerou provados e não provados, não fundamentou de modo claro e indubitável a sua decisão quanto à matéria de facto. XXXI. Aliás, e conforme referido retro, o Tribunal Recorrido dá simultaneamente os mesmos factos como Provados e Não Provados. XXXII. Ademais, o Tribunal Recorrido fundamenta a sua decisão com fundamento num testemunho que julga não credível, não isento, não verídico e parcial, como acontece com a Testemunha DD. XXXIII. O Tribunal Recorrido fundamenta a sua decisão com fundamento num depoimento de parte que não tem conhecimento direto de nenhum facto constante dos Autos. XXXIV. O Tribunal a quo tão pouco expôs o itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido na apreciação da realidade ou irrealidade dos factos submetidos à sua apreciação e julgamento. XXXV. O Tribunal a quo não especificou os fundamentos decisivos para a formação da sua convicção. XXXVI. O Tribunal a quo não procedeu à análise crítica das provas e à especificação das razões e dos concretos meios de prova que o levaram à decisão tomada sobre a verificação de cada facto. XXXVII. O Tribunal Recorrido na fundamentação da decisão da matéria de facto não especificou os meios de prova que foram decisivos para a formação da sua convicção, não satisfazendo, igualmente, a exigência legal estabelecida no art. 607.°, n.°4, do Código de Processo Civil. XXXVIII. Tal forma genérica de fundamentação não corresponde à especificação dos meios de prova decisivos para a formação da convicção do Juiz, tornando incompreensível a própria fundamentação e prejudicando a impugnação da decisão e o cumprimento do ónus de alegação, bem como a reponderação eficaz da decisão. XXXIX. Deste modo, com a omissão das formalidades referidas, previstas no art.° 607.°, n.º4,do Código de Processo Civil, o Tribunal a quo cometeu uma nulidade processual prevista no art.° 195.°, n.°1, do Código de Processo Civil. XL. Assim, por efeito da nulidade processual, justifica-se a anulação da sentença e de todos os atos subsequentes, nos termos do art. 195.°, n.°2, do Código de Processo Civil. XLI. A sentença proferida pelo Tribunal Recorrido é nula, em virtude dos fundamentos estarem em oposição com a decisão nos termos do art. 615º, n.º1, al. c), do CPC. XLII. A sentença proferida pelo Tribunal Recorrido é nula, em virtude dos fundamentos estarem em oposição com a decisão nos termos do art. 615º, n.º1, al. c), do CPC. XLIII. Os fundamentos alegados pelo Tribunal a quo estão em oposição com a decisão proferida. XLIV. O Tribunal Recorrido fundamentou a sua decisão na falta de causa da obrigação subjacente aos cheques enquanto meros quirógrafos. XLV. Sucede, porém, que o Tribunal Recorrido não alegou em que consiste a falta de causa da obrigação no caso sub judice. Idem, XLVI. O Tribunal a quo dá como Provados Factos que impõe inevitavelmente uma decisão oposta à proferida, designadamente a improcedência dos Embargos e consequentemente a prossecução da ação executiva. XLVII. Concluindo, o titular do cheque, desprovido dos requisitos da Lei Uniforme, beneficiará da presunção contida no art. 458º, do CCivil, pois além da ordem de pagamento dirigida a um banqueiro para pagar a quantia inserta no mesmo, o titular da conta também está a reconhecer uma obrigação pecuniária em relação ao portador das quantias nele inscritas. XLVIII. O artigo 458º, n.º 1, do Código Civil estabelece uma presunção a favor do credor, que vê invertido o “onus probandi” da relação subjacente ao cheque emitido pelo devedor – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2007-02-06, Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS, http:// www.dgsi.pt/jstj, Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2004-12-16, Relator: NEVES RIBEIRO, http://www.dgsi.pt/jstj, Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-11-15, Relator: SOUSA LAMEIRA, http://www.dgsi.pt/jstj, Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2002-07-04, Relator: DIONÍSIO CORREIA, http://www.dgsi.pt/jstj, e Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2011-05-24, Relator: SILVA GONÇALVES, http://www.dgsi.pt/jstj. XLIX. Retomando o caso dos Autos, verificamos que o cheque se situa no domínio das relações imediatas, contém a identificação do exequente e do executado e o valor que o exequente reclama no requerimento executivo. L. No requerimento executivo mostram-se alegados os factos que configuram a relação causal, que no caso consiste no fornecimento de artigos/peças de vestuário, designadamente camisolas. LI. Resultou provado que o Pai da Embargante contratou serviços ao Recorrente, designadamente camisolas. LII. Nos termos da alínea c), do n.º1, do artigo 703º, do Código de Processo Civil, basta ao exequente alegar no requerimento executivo os factos constitutivos da relação subjacente. LIII. Alegada essa relação causal, fica o executado com o ónus da prova da inveracidade desses factos, ou seja, de que a obrigação não existe ou se extinguiu (cfr. artigo 350º, nº2, do Código Civil. LIV. A Embargante não logrou provar a inveracidade desses factos. LV. De acordo com o princípio da aquisição processual resulta provada a relação subjacente ao título, isto é, a aquisição de peças de vestuário. LVI. Competia à Embargante ilidir a causa da obrigação subjacente aos cheques oferecidos à execução. LVII. No entanto, a Embargante não conseguiu ilidir a causa da obrigação subjacente aos cheques oferecidos à execução. LVIII. Ademais, o Tribunal a quo fundamentou a sua decisão numa prova fraca, não credível, não segura e não suficiente. LIX. Desde logo, pelo facto de ter fundamentado a sua decisão no depoimento de parte da Embargante que não teve qualquer conhecimento direto dos factos. LX. Pelo facto de ter o depoimento da Testemunha DD tanto como um depoimento isento, credível, e verídico e simultaneamente como um depoimento não isento, não credível, inverídico e parcial. LXI. A Testemunha DD tem interesse no processo e no seu desfecho, atendendo à demonstrada necessidade de proteger a Embargante, sua filha. LXII. Para decidir como decidiu o Tribunal Recorrido tinha de ter prova segura e credível e tal não se veio a verificar-se, conforme, aliás, bem reconhece. LXIII. Na verdade, como pode o Tribunal a quo dar como provado que as assinaturas constantes dos cheques oferecidos à execução foram falsificadas se o testemunho de DD é tido como como um depoimento não isento, não credível, inverídico e parcial e se faz a comparação com a assinatura dum Contrato de Arrendamento que tão pouco se sabe se foi assinado pelo Falecido. LXIV. Assim, o Tribunal Recorrido não podia ter decidido como decidiu. LXV. Na verdade, atendendo à prova produzida em julgamento o Tribunal Recorrido teria inevitavelmente de ter decidido pela improcedência dos Embargos. LXVI. A Embargante impugnou as assinaturas por desconhecimento. LXVII. Logo, a interpretação que o Tribunal Recorrido fez no caso sub judice do artigo 374º, do Código Civil viola o princípio da igualdade das partes, princípio constitucionalmente consagrado que invalida a decisão proferida. LXVIII. As características do caso em apreço impõem necessariamente uma interpretação diversa do art. 374º, do Código Civil. LXIX. Pois, é impossível ao Recorrente satisfazer o ónus probatório imposto pelo art. 374º, do Código Civil. LXX. Não só, porque CC já faleceu. LXXI. Mas também, porque se desconhece se o Falecido assinou o único documento junto pela Embargante para efeitos de comparação da assinatura. LXXII. Outrossim, assiste à contraparte a faculdade de impugnar a assinatura por desconhecimento. LXXIII. No entanto, no caso em apreço o ónus probatório do Recorrente é impossível. LXXIV. Logo, a prova será sempre parcial. LXXV. Para além do mais, no caso só é admissível a impugnação por desconhecimento. E, LXXVI. A única prova valorada pelo Tribunal Recorrido decorreu daquelas que têm mais do que interesse no processo. LXXVII. Portanto, o Tribunal a quo tinha inevitavelmente de distinguir se a parte que oferece o documento imputa a sua autoria à própria parte contrária ou apenas a um antecessor dela. LXXVIII. Além disso, dispõe o n.º 1, do art. 393º, do Código Civil que “1. Se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunhal.”. LXXIX. Pelo que, a Embargante não logrou fazer prova dos factos alegados na Oposição à Execução. LXXX. Se a matéria de facto e de direito for devidamente apreciada e julgada, os Embargos de Executado serão julgados totalmente improcedentes. LXXXI. A decisão recorrida ao julgar os Embargos procedentes e ao condenar o Recorrente no pagamento das custas do processo, enferma de erro na apreciação e julgamento da matéria de facto e de erro na aplicação e na interpretação do direito, pelo que terá inevitavelmente de ser revogada. E, LXXXII. Consequentemente, ser substituída por outra decisão que julgue os Embargos de Executado improcedentes com todas as legais consequências e ordene o prosseguimento dos Autos Executivos. NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, que não deixarão de ser supridos por Vossas Excelências, revogando a Decisão recorrida quanto ao Recorrente e substituindo por outra que julgue os Embargos Executados improcedentes com todas as legais consequências e ordene o prosseguimento dos Autos Executivos, farão Vossas Excelências a habitual e costumada JUSTIÇA! - G) Não foram apresentadas contra-alegações. - H) Aos 03/10/2024 foi proferido despacho a admitir, corretamente, o requerimento de interposição de recurso, como sendo de apelação, a subir nos autos e com efeito devolutivo, nos termos, entre outros, do disposto nos artigos 644.º, n.º 1, al. a), 645.º, n.º 1, al. a), e 647.º, n.º 1, todos do C.P.C. - O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 e n.º 2, do C.P.C., não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (como expresso nos artigos 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663, n.º 2, in fine, do C.P.C.). Também está vedado a este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de questões prévias judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente confirmação, revogação ou anulação. - Não há uma única sequência possível na enunciação das questões (e não razões ou argumentos) a decidir. Assim, a sequência que nos parece mais apropriada é a seguinte: 1) Se a sentença padece das alegadas nulidades previstas no art.º 615.º, n.º 1, alíneas b) e c), do C.P.C. 2) Sobre a decisão da matéria de facto: se foram considerados provados factos que não o deveriam ter sido, se houve factos considerados não provados que deveriam ter sido considerados provados e se há contradição entre o facto provado n.º 1 e os não provados que o recorrente refere. 3) Se o Direito se mostra corretamente aplicado aos factos.
II – FUNDAMENTAÇÃO
Os factos provados e não provados relevantes para a decisão tal como decidido na sentença sob recurso (cujo teor integral damos por reproduzido):
1 – O exequente BB intentou execução ordinária contra a Herança Aberta por óbito de CC e AA, alegando o seguinte([3]): “O Exequente dedicava-se com escopo lucrativo à atividade de confeção de artigos de vestuário, como fatos de treino, t-shirts, camisolas de meia gola, camisolas de gola alta, entre outros. O Exequente no exercício da sua atividade comercial forneceu inúmeros bens e prestou inúmeros serviços a CC. Em consequência dessas transações comerciais, foram emitidas diversas faturas. Para pagamento das referidas faturas, CC, nascido a ../../1964, Contribuinte Fiscal n.º ..., com última residência habitual em Rua ..., ..., freguesia ... e ..., concelho de Matosinhos, endossou ao Exequente diversos cheques, designadamente os que agora se oferecem à execução, cheques do Banco 1... com os números: - n.º ..., no valor de €2.585,00 (dois mil quinhentos e oitenta e cinco euros), datado de 20/04/2006, n.º..., no valor de €2.215,56 (dois mil duzentos e quinze euros e cinquenta e seis cêntimos), datado de 30/04/2006, - n.º ..., no valor de €2.215,56 (dois mil duzentos e quinze euros e cinquenta e seis cêntimos), datado de 03/05/2006, e, - n.º ..., no valor de €2.215,56 (dois mil duzentos e quinze euros e cinquenta e seis cêntimos), datado de 31/05/2006, perfazendo o montante de €9.231,68 (nove mil duzentos e trinta e um euros e sessenta e oito cêntimos). O Exequente descontou os cheques. Todavia, os cheques endossados pelo CC não foram sacados e foram devolvidos pela Instituição Bancária. O Exequente é legítimo titular e portador dos cheques dados à execução. CC sempre reconheceu a dívida, e sempre se comprometeu a pagá-la, mas até à presente data ainda não o fez. Ora, tendo em conta que CC sempre demonstrou intenção de pagar, e por solicitação deste, os mesmos não mais foram apresentados a desconto. Acontece que até à presente data, apesar de o Exequente ter feito várias tentativas para obter o seu pagamento junto de CC, não obteve qualquer resultado. Pelo que, se oferecem os referidos cheques à execução. CC faleceu no dia 22 de Outubro de 2021, no estado de divorciado, na freguesia ... e ..., concelho de Matosinhos. CC não deixou testamento ou qualquer outra disposição de última vontade. CC deixou como única herdeira a filha AA, Contribuinte Fiscal n.º ..., residente na Rua ..., freguesia ... e ..., concelho de Matosinhos. O Exequente interpelou extrajudicialmente a aqui Executada, AA, para pagamento da quantia em dívida, no entanto nenhuma quantia foi paga ao aqui Exequente até à presente data. “ 2 - CC iniciou-se no consumo de drogas duras, sobretudo heroína e cocaína, com cerca de 25 anos de idade, tornando-se um toxicodependente incorrigível, apesar dos sucessivos tratamentos de desintoxicação que fez ao longo da vida. 3 - Desde que se divorciou da Mãe da executada, viveu sempre com os pais e após a morte do Pai passou a viver apenas com a Mãe. 4 - Viveu sempre na dependência deles, que o assistiam em necessidades básicas de alojamento, alimentação e, há que dizê-lo, lhe custeavam o vício. 5 - O falecido CC nunca comprou ao exequente o que quer que fosse. 6 - Quem em tempos exerceu a atividade de compra, para revenda, de vestuário, fiscalmente declarada ou não, foi a Mãe da executada, ex-mulher do falecido, DD. Não se provou que([4]): a) - O de cujus, CC, se dedicou com escopo lucrativo à atividade têxtil; b) - No exercício da sua atividade comercial, o Exequente forneceu inúmeros bens e prestou inúmeros serviços a CC, designadamente camisolas. c) - Em consequência dessas transações comerciais, foram emitidas diversas faturas, guias de transporte e outros. d) - Para pagamento dos bens fornecidos, CC, endossou ao Embargado diversos cheques, designadamente os oferecidos à execução. Designadamente, Cheques do Banco 1... com os números: - n.º ..., no valor de €2.585,00 (dois mil quinhentos e oitenta e cinco euros), datado de 20/04/2006; n.º..., no valor de €2.215,56 (dois mil duzentos e quinze euros e cinquenta e seis cêntimos), datado de 30/04/2006; n.º ..., no valor de €2.215,56 (dois mil duzentos e quinze euros e cinquenta e seis cêntimos), datado de 03/05/2006; e, n.º ..., no valor de €2.215,56 (dois mil duzentos e quinze euros e cinquenta e seis cêntimos), datado de 31/05/2006, perfazendo o montante de €9.231,68 (nove mil duzentos e trinta e um euros e sessenta e oito cêntimos). e) - o Embargado interpelou CC para proceder ao pagamento da quantia em débito. f) - CC reconheceu o montante em débito e comprometeu-se a fazer o pagamento do mesmo, nomeadamente em prestações de € 1.000,00 (mil euros) por mês. g) - CC não cumpriu com o acordo de pagamento firmado com o Embargado. h) - O Embargado interpelou inúmeras vezes CC para proceder ao pagamento dos montantes em débito. i) - Todas as interpelações malograram. j) - CC reconhecia e confessava-se devedor dos montantes constantes dos cheques dados à execução e comprometia-se sempre ao seu pagamento. k) - A assinatura constante dos cheques dados à execução é de CC. l) - Foi CC quem assinou e preencheu os cheques oferecidos à execução. m) - A Embargante chegou a deslocar-se inúmeras vezes com os seus Pais às instalações fabris do Embargado quer, para fazerem encomendas, quer para ir levantar os bens encomendados. - Passemos agora a responder às questões. 1) Se a sentença padece das alegadas nulidades previstas no art.º 615.º, n.º 1, alíneas b) e c), do C.P.C. Considera o recorrente que a sentença recorrida padece das nulidades enunciadas no art.º 615.º, n.º 1, al. b), e al. c), do C.P.C., ou seja, respetivamente, “[n]ão especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão” e “[o]s fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”. As nulidades da sentença são vícios formais e intrínsecos da mesma, designados como error in procedendo, respeitando apenas à estrutura ou aos limites da sentença, estando taxativamente previstos no art.º 615º, n.º 1, alíneas a) a e), do C.P.C. Como resulta (também) da Doutrina e da Jurisprudência (pacífica), trata-se de vícios a apreciar em função do texto da mesma, do discurso lógico nele desenvolvido, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando – que são erros quanto à decisão de mérito constante da sentença), decorrentes de errada consideração da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do Direito (error juris) à matéria de facto, levando a que o decidido não corresponda à realidade ôntica ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos. A apreciação de erros de julgamento é distinta da verificação de uma nulidade da sentença. Quanto à nulidade prevista na al. b): fazemos nossa a síntese doutrinal e jurisprudencial efetuada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1, datado de 03/03/2021, sendo relatora Leonor Cruz Rodrigues: “[a] nulidade contemplada nesse preceito ocorre quando não se especifiquem os fundamentos de facto e de direito em que se funda da decisão, impondo-se por razões de ordem substancial, cumprindo ao juiz demonstrar que da norma geral e abstracta soube extrair a disciplina ajustada ao caso concreto, e de ordem prática, posto que as partes precisão de conhecer os motivos da decisão, em particular a parte vencida, a fim de, sendo admissível o recurso, poder impugnar o respectivo fundamento. Esse dever de fundamentação, causa de nulidade da sentença, respeita à falta absoluta de fundamentação, como dão nota A. Varela, M. Bezerra e [S. Nora], ao escreverem «Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente e incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito». Como já afirmava o Prof. Alberto dos [Reis] «Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade». No mesmo sentido constitui jurisprudência pacifica e reiterada deste Supremo Tribunal de Justiça, sufragada, entre outros, nos acórdãos de 9.10.2019, Procº nº 2123/17.8LRA.C1.S1, 15.5.2019, Procº nº 835/15.0T8LRA.C3.S1 e 2.6.2016, Procº nº 781/11.6TBMTJ.L1.S1, que só se verifica a nulidade da sentença em caso de falta absoluta de fundamentação ou motivação não bastando que esta seja deficiente, incompleta ou não convincente”([5]). Posto isto, e como é patente, os fundamentos de facto e os de Direito foram enunciados, pelo que não se verifica tal nulidade. Quanto à nulidade prevista na al.c): não há fundamento(s) em contradição com a decisão – mais uma vez o que se verifica é uma discordância do recorrente com os fundamentos. Lançando mão, novamente, da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, desta feita do acórdão proferido no processo n.º 3167/17.5T8LSB.L1.S1, aos 14/04/2021, relatado igualmente por Leonor Cruz Rodrigues, “[é] pacífico na doutrina e jurisprudência o entendimento segundo o qual a nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão aí contemplada pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la: a contradição geradora de nulidade ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto ou, pelo menos, de sentido [diferente], e na jurisprudência, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Secção Social, de 28.10.2010, Procº nº 2375/18.6T8VFX.L1.S3, 21.3.2018, Procº nº 471/10.7TTCSC.L1.S2, e 9.2.2017, Procº nº 2913/14.3TTLSB.L1-S1)”([6]). Também não é controvertido que a divergência entre os factos provados e a decisão reconduz-se a um erro de julgamento, não à verificação de tal nulidade. Não ocorre, igualmente, alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a sentença ininteligível. Assim, e pelo exposto, não se verifica nenhuma das nulidades apontadas. 2) Sobre a decisão da matéria de facto: se foram considerados provados factos que não o deveriam ter sido, se houve factos considerados não provados que deveriam ter sido considerados provados e se há contradição entre o facto provado n.º 1 e os não provados que o recorrente refere. O recorrente cumpriu os ónus de impugnação da decisão da matéria de facto previstos no art.º 640.º do C.P.C. Nos termos do disposto no art.º 662.º, n.º 1, do C.P.C., cuja epígrafe é “[m]odificabilidade da decisão de facto”, “[a] Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. O Tribunal da Relação para reapreciar a decisão de facto impugnada tem de, por um lado, analisar os fundamentos da motivação que conduziu a primeira instância a julgar um facto como provado ou como não provado e, por outro, averiguar, em função da sua própria e autónoma convicção, formada através da análise crítica dos meios de prova disponíveis e à luz das mesmas regras de direito probatório, se na elaboração dessa decisão e na sua motivação ocorre, por exemplo, alguma contradição, uma desconsideração de qualquer um dos meios de prova ou uma violação das regras da experiência comum, da lógica ou da ciência – elaboração, diga-se, que deve ser feita à luz de um cidadão de normal formação e capacidade intelectual, de um cidadão comum na sociedade em questão – sem prejuízo de, independentemente do antes dito, poder chegar a uma decisão de facto diferente em função da valoração concretamente efetuada em sede de recurso. Posto isto, vejamos então se: a) Existe contradição entre o facto provado n.º 1 e os não provados. b) Deve o facto provado n.º 5([7]) ser considerado não provado e as alíneas a) e b)([8]) dos não provados serem agora conjuntamente considerados como estando provado o seguinte: o falecido CC dedicou-se com escopo lucrativo à atividade têxtil e no exercício da sua atividade comercial o exequente forneceu inúmeros bens e prestou inúmeros serviços a CC, designadamente camisolas. c) Deve a al. d)([9]) dos factos não provados passar a ser considerada provada. d) Devem as alíneas e), f), g), h) i) e j)([10]) dos factos não provados serem consideradas provadas. e) Devem as alíneas k) e l)([11]) dos factos não provados serem consideradas provadas. Ainda que a prova (exceto a sujeita às regras do direito probatório material ou substantivo) seja livremente valorada pelo tribunal, nos termos do art.º 607, n.º 5, do C.P.C., há que atentar também no disposto no art.º 5.º, n.º 2, do C.P.C., bem como nos artigos 412.º (atinente aos factos notórios e àqueles de que o tribunal tem conhecimento em virtude do exercício de funções) e 413.º (respeitante ao princípio da aquisição processual, no sentido de o tribunal dever tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham, ou não, emanado da parte que devia produzi-las), ambos do C.P.C. Antes de prosseguirmos, importa termos presentes alguns factos alegados pelo próprio recorrente no seu requerimento executivo, de 25/05/2023, tendo invocado a relação causal – isto por referência ao disposto no art.º 703.º, n.º 1, al. c), “[o]s títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo”([12]). Assim: - “Em consequência dessas transações comerciais, foram emitidas diversas faturas”. - “Para pagamento das referidas faturas, CC endossou ao Exequente diversos cheques, designadamente os que agora se oferecem à execução”([13]) ([14]). - “Acontece que até à presente data, apesar de o Exequente ter feito várias tentativas para obter o seu pagamento junto de CC, não obteve qualquer resultado”. - “CC sempre reconheceu a dívida, e sempre se comprometeu a pagá-la, mas até à presente data ainda não o fez”. - “CC faleceu no dia 22 de Outubro de 2021, no estado de divorciado”([15]). Como a reapreciação da prova é teleologicamente orientada, a fim de não se tornar num ato inútil, proibido por lei (no art.º 130.º do C.P.C.), importa que não nos esqueçamos dos seguintes factos, provados documentalmente: - Os quatro cheques, como já dissemos, foram emitidos em abril e em maio de 2006, tendo os quatro sido devolvidos por falta de provisão – conforme escrito aposto nos verso dos quatro (juntos com o requerimento executivo), pela Compensação no Banco de Portugal, aos 24/04/2006, 08/05/2006 (dois) e aos 20/06/2006 – sendo que este voltou a ser apresentado a pagamento dez anos depois, tendo sido recusado na Compensação no dia 06/09/2016 com a menção “conta encerrada”; - O sacador faleceu aos 22/10/2021 (volvidos 15 anos desde o não pagamento dos cheques) e - O requerimento executivo é de 25/05/2023. Os dois grupos de considerandos antecedentes justificam-se por, como dissemos, a prova ter de ser apreciada à luz de juízos de lógica, de verosimilhança e de experiência comum, aferidos pelo padrão de uma pessoa (também) comum. Respondemos desde já à questão enunciada em a), se existe contradição entre o facto provado n.º 1 e os não provados. Como observámos antes, em nota, é patente que não há qualquer contradição entre dar-se como provado o que o exequente alegou no requerimento executivo e o que é a realidade (no caso) não provada. Restam as questões de facto antes referidas como b), c), d) e e). Começamos por duas notas relativamente à chamada prova documental, a acrescerem ao que antes dissemos quanto a tal. A primeira, dado que o recorrente muito insiste nesse ponto, reporta-se à evidente inidoneidade de um escrito aposto por uma médica num documento de internamento (do sacador), para desintoxicação de opiáceos, de que “tem uma empresa têxtil onde trabalha com a esposa”, documento de 11/12/1991, isto para prova de exercício da alegada atividade têxtil desenvolvida por aquele consigo em 2006 – ou seja, 15 anos depois. A segunda, que não deixa de estar interligada, é que o recorrente exequente alegou no requerimento executivo “Em consequência dessas transações comerciais, foram emitidas diversas faturas”. Sucede que, não obstante a pendência dos embargos, não juntou (tal como referido pela M.ma Juíza do tribunal a quo na sua fundamentação da decisão da matéria de facto) um único documento comprovativo, nenhuma fatura, nenhum outro elemento contabilístico, nenhuma guia de transporte, nada. Dada a reiteração (exemplificativamente nos artigos 116.º e 295.º das alegações) que seria impossível ter sido feita, ou vir a ser feita, uma perícia de veracidade de escrita por o pai da embargante já ter falecido, importa dizer que tal não corresponde à verdade. Realmente, o procedimento habitual passa pela recolha de autógrafos mas pode implicar, também, a comparação com documentos que, sem dúvida alguma, tenham sido escritos pela pessoa em causa – daí que, e a título de exemplo, é prática nessas situações, serem requisitados aos serviços de identificação civil os originais dos pedidos de emissão de bilhete de identidade e, atualmente, de cartão de cidadão, entre outros que as partes facultem. Mas, e já agora, notamos uma outra realidade: se não foi feita perícia à dita assinatura do sacador, também é verdade que desconhecemos quem terá aposto o nome do exequente “BB” no verso dos cheques (endosso); aliás, por não ser redundante, cumpre fazer um pequeno apontamento: é muito incomum que numa relação comercial (causal) o cheque surja ao portador (tanto mais que não era de garantia mas sim de pagamento), por não estar preenchida a indicação à ordem de quem deve ser pago, e depois surja um “endosso” a favor de quem, então e por isso, deveria constar como tal – o que, entre o mais, nos leva a questionarmo-nos quem, afinal, terá aposto o próprio endosso ou, dito de outra forma, o cheque foi detido por uma só pessoa ou por mais? De todo o modo, e tal como a questão do preenchimento dos cheques e das assinaturas nelas apostas, para a economia deste processo, ficou não provada a autoria pelo falecido sacador. Posto isto, cumpre-nos, verificar se a prova produzida oralmente justifica eventual alteração da factualidade impugnada, nos termos invocados pelo recorrente (ou que este Tribunal decida) sendo que o agora relevante é, em síntese, saber se a decisão da matéria de facto pelo tribunal a quo se mostra correta em função de toda a prova produzida. A embargante AA, filha do falecido sacador, em depoimento de parte, e de relevante, referiu([16]): - Ficou a saber da existência do exequente pelo processo. - Nunca teve relacionamento com o pai e nada sabia da vida dele, apenas o que lhe foi contado pela mãe e pela avó (paterna); apenas nas últimas semanas de vida teve contacto com ele, quando soube da gravidade da situação e ele já estava internado. - A mãe disse-lhe que o único emprego do pai tinha sido de estafeta na “A....” e teria sido toxicodependente desde antes de a declarante nascer; quanto à menção constante do relatório médico (datado de 1991, de ele ter uma têxtil) nada sabe dizer. - Os pais divorciaram-se quando tinha cerca de três anos (agora tem 34, pelo que o divórcio terá sido em 1994) e nunca foi às instalações do exequente, sendo mentira tal afirmação. - É filha única, tendo uma irmã uterina mais velha cerca de 9 anos (EE) com a qual não tem relacionamento. - Que saiba, a mãe nunca mais teve relacionamento ou qualquer contacto com o pai após o divórcio. - A mãe dedicou-se sempre à atividade têxtil e ultimamente à restauração. - A mãe disse-lhe, depois de este processo ter sido instaurado, que tinha tido relações comerciais com o exequente e que ela teria assinado os cheques em questão. A testemunha comum, DD (mãe da embargante) disse: - Casou-se em 1990 e divorciou-se em 1994; na altura a filha tinha três anos. - Começou a trabalhar por conta própria na área têxtil quando a embargante nasceu; na altura o marido trabalhou dois anos na “A....” e depois teve problemas por causa da heroína e de cocaína, tendo feito vários tratamentos. - O ex-marido vivia com os pais e estes sustentavam-no. - A filha de vez em quando ia aos avós e via o pai. Foi mantendo algum contacto com ele e chegou a dar-lhe dinheiro para o vício. -O falecido era entroncado. - O falecido nunca esteve envolvido nos negócios da declarante nem ia com ela às instalações do exequente; quem ia com ela era o seu irmão e uma FF, que andava sempre consigo. - O início dos negócios da declarante com o exequente foi por volta de 2003/2004, antes de ter posto a sua empresa (os seus negócios) no nome do ex-marido (a declarante estava na iminência de fechar o negócio e propôs ao ex-marido pôr o seu negócio em nome dele e ele aceitou porque precisava de comprar um carro e queria contrair um empréstimo). - Deixava uns cheques de caução e depois quando entregava a mercadoria recebia em dinheiro; eram cheques que não eram para ir ao banco. Não havia faturação. - Tinha cheques do ex-marido na sua posse e servia-se desses cheques para os seus negócios, tendo chegado a fazer as assinaturas (no lugar do sacador, é o que se depreende), como no caso do exequente, mas o ex-marido não sabia. A declarante fazia-o porque tratava-se de cheques que eram para serem devolvidos. - Os cheques dos autos foram preenchidos e assinados por si. - Voluntariou-se para exibir o cartão de cidadão à M.ma Juíza para que comparasse a caligrafia. - Depois do processo, quando confrontada, admitiu à filha embargante tais factos. - O exequente nunca chegou a conhecer o ex-marido da declarante, pois quem lá ia com a declarante era o irmão (CC) e a FF. - Estes cheques serão os únicos respeitantes a quantias que não chegou a pagar, pois fizeram muito mais negócios do que estas. - É mentira que o falecido tenha feito os negócios, preenchido ou assinado os cheques, sendo que também nunca lhe chegou a dizer que tinha falsificado as assinaturas. - Quando confrontada pela M.ma Juíza por estar a admitir a prática de um crime (entre o mais, dizemos, de falsificação) disse que estava a responder a verdade como lhe tinha sido dito para fazer pela M.ma Juíza, acrescentando que o erro está feito e que se tiver de responder por ele, responde... - Chegou, entretanto, a propor ao exequente um acordo para pagar e ele recusou. Instada pela M.ma Juíza quanto ao que pagaria ao certo, reiterou que teria de ver ao certo, pagaria os cheques, mas tem de ver o quanto a pagar e como… Quanto às testemunhas arroladas pelo embargado, do depoimento de GG destacamos o seguinte([17]): - Conheceu há muitos anos o exequente e a mãe da embargante, por volta de 2006, tendo ido ao Porto (não sabe onde) com o exequente por causa de uns cheques mas não falou com ninguém. - Via lá um “casal” (nas instalações do exequente) mas nunca falou com eles, era um homem e uma mulher. - O homem que via era de estatura normal de quarenta ou cinquenta anos e não viu nada que o levasse a pensar que seria um toxicodependente. - Os negócios do embargante eram sempre com fatura e o casal deixava sempre dinheiro e cheque para pagar. Do depoimento de HH (esposa do executado, atualmente empregada de limpeza em França): - O falecido fazia encomendas à fábrica do marido, ia lá com a esposa na maior parte das vezes e, quando aquela ia, ia também a filha EE (que já negociava com a mãe, isto entre 2002 e 2008), ia buscar a encomenda e passava os cheques e nunca houve problemas até estes cheques - Tens as guias passadas em nome do falecido porque ele fazia as encomendas e ele e a esposa iam buscar; tanto tem cheques dele, como cheques dela e não eram cheques caução, eram para pagamento. - Chegou a falar com o falecido porque lhe entregava as guias. - Falaram com o agora falecido ao longo de anos e ele sempre dizia ao telefone que ia pagar. - Os cheques eram preenchidos na hora pelo falecido CC, em frente a si, e nunca viu a mãe da embargante preencher algum cheque dele. - Confrontada com as assinaturas nos cheques, sobre se eram idênticas entre si, achou que eram semelhantes entre si… - Ao descrever o falecido disse que era uma pessoa normal, bem apresentada, nunca lhe tendo passado pela cabeça que era toxicodependente; não o soube descrever porque lidou com muita gente, não sabe se era magro ou gordo, teria cinquenta e tal sessenta anos (à data de 2006) e da altura teria cerca de 1.70 metros e tinha um aspeto normal, cuidado. Viu-o uma meia dúzia de vezes, pode ter sido mais… (isto quando confrontada pela M.ma Juíza sobre a dificuldade em descrevê-lo e de ser fácil imputar o que quer que seja a uma pessoa que já não está cá para se defender e que faleceu em 2021, então com 57 anos, mas ter sido descrito que em 2006 aparentava cinquenta e tal ou sessenta). - Além das guias eram passadas faturas, afirmando que as tem. - Só ela e o marido, exequente tratavam dos recebimentos. II (ex-funcionária do exequente entre 2002 e 2009, como engomadeira; não conhece a embargante, mas conhece a mãe dela, de quando esta ia à fábrica): - O falecido ia à empresa, sozinho ou acompanhado pela D. DD (achando que é a pessoa sentada na sala de audiências). - De pagamentos não sabe nada. - Viu lá o falecido, na fábrica, costumava ir lá duas vezes por mês. - Do aspeto dele, como ele era, já não se lembra de nada; quanto à idade que teria “não estava a apreciar”, uns quarenta ou cinquenta anos. - Não sabe como é que ele era fisicamente, se alto, baixo, gordo, magro, nunca esteve a apreciar bem, mas sabe que chamava “CC” das conversas que ouviu. JJ (ex-funcionária do exequente entre 2002 e 2009 ou 2010): - O falecido, esposa, outra senhora e filhas iam à fábrica, fazer encomendas. - O falecido ia lá fazer encomendas; às vezes ia sozinho. - Não sabe nada de pagamentos, mas os patrões, que são também amigos, disseram que haviam uns cheques deste cliente por pagar. - O falecido (que ia lá mais ou menos duas vezes por mês) era um cliente que parecia normal, ainda que quanto à estatura “sei lá”, se gordo ou forte ou magro, com ou sem óculos, “sei lá”; quanto a outros pormenores “também não ia estar a reparar nisso”, sendo que quanto à idade teria “na casa dos cinquenta”. Por fim, BB (embargado, atualmente a viver em França) do seu depoimento de parte: - O falecido CC era seu cliente a partir de 2002/2003 e a D. DD também era cliente, mas cada um fazia as suas encomendas e pagava em cheque ou em dinheiro e ia à sua vida. - Reconheceu os cheques, que não eram caução, eram para pagamento. -Depois de os cheques serem devolvidos por falta de provisão falou com ele (pessoalmente e por telefone) e ele disse que ia resolver mas nunca resolveu nada. Reconheceu sempre a dívida e que pagaria a prestações mas não chegou a pagar nada. - Falou deste assunto com o agora falecido e com a D. DD. - Só agora meteu este processo porque não teve dinheiro antes, porque o levaram à falência. - Era tudo faturado. - Nunca trabalhou, com ninguém, com cheques caução. - Os cheques foram preenchidos (e assinados) em frente a si pelo falecido CC, achando que “para ele as assinaturas nos cheques são iguais”, “se foram preenchidos em frente a mim que quer que lhe diga?” – isto em resposta ao ilustre mandatário da embargante. - O CC era um “com dois braços e duas pernas”; instando pela M.ma Juiz a responder a sério, disse que era uma “pessoa normal, nem muito alto nem muito baixo”; terá estado com ele cinco ou seis vezes, não sabendo qualquer característica física dele (estatura, aspeto, cabelo, bigode, óculos, etc.) – isto apesar de também ter dito que tinha ido ao Porto, posteriormente, para se tentar cobrar, dizendo também depois que o falecido teria ido à fábrica umas vinte ou trinta vezes. - Viu várias vezes a embargante a acompanhar os pais à fábrica. Aqui chegados, cumpre desde já atentar no seguinte: A resposta às questões de facto b), c), d) e e) é negativa. Na parte não contrariada por nós, acolhemos plenamente a fundamentação da primeira instância, cabal e lógica, bem como detalhada, apenas nos permitindo discordar quanto à valoração híbrida feita no atinente ao testemunho da mãe da embargante. Além do que dissemos, e independentemente do teor do art.º 458.º, n.º 1, do C.C. (cheque como título executivo apresentado como mero quirógrafo – isto por referência ao já citado art.º 703.º, n.º 1, al. c), do C.P.C.), que estatui uma inversão do ónus da prova no sentido de ao pretenso credor bastar invocar a relação causal, cabendo ao devedor provar a inexistência da relação causal – cumpre dizer, sucintamente, o seguinte: Não só a prova como um todo produzida pela embargante permite concluir pela inexistência da relação causal (que terá sido entre o embargado e a mãe da embargante, que confessou a emissão dos cheques e a falsificação da assinatura – reiterando-o após o aviso da M.ma Juíza e de que por isso lhe tinha sido explicado o direito de, enquanto mãe da embargante, recusar depor, não só o repetiu mas também se voluntariou para exibir o cartão de cidadão e se comparasse, a olho nu, a caligrafia) como, ainda por cima, a “prova” produzida pelo embargado equivale a uma “contraprova” dos factos alegados por si mesmo, abstendo-nos de a comentar, ou adjetivar, por o seu teor ser autoexplicativo e mais do que suficiente à luz de um comum cidadão para se responder negativamente às questões – sendo que o mandato conferido constitucionalmente aos Juízes para que administrem a Justiça em nome do Povo, o soberano constituinte, não se cinge à indagação, interpretação e aplicação da Lei; começa pelo julgamento da matéria de facto em nome Daquele, feito à luz dos juízos de experiência, lógica e verosimilhança vigentes na sociedade em concreto. Aliás, tendo em conta os reiterados avisos feitos às partes e a testemunhas pela M.ma Juíza, quanto às consequências criminais (e extração de certidão para procedimento criminal, quer quanto aos ilícitos criminais de falsificação de documento e de falso testemunho) do que estava a ser dito, deverá o tribunal a quo agir em conformidade([18]). Pelo exposto, mantém-se a decisão da matéria de facto.
O Direito aplicável aos factos:
Como resulta das alegações, eventual alteração da decisão de Direito, que acaba por não ser posta em crise, dependeria de uma eventual alteração da matéria de facto, o que não sucedeu. Os considerandos jurídicos tecidos na sentença quanto à parte objeto deste recurso não merecem reparo, pelo que mostra-se também descabida de fundamento legal a pretensão de no caso, por o sacador ter falecido, não se aplicar a inversão do ónus da prova constante do art.º 374.º, n.º 2, do C.C., de caber ao apresentante a prova da veracidade daquela – como claro no artigo em questão, para o efeito, não é necessário deduzir o incidente de falsidade da assinatura, como o recorrente pretende fazer crer ao alegar que a embargante não o fez, que apenas impugnou as assinaturas... De todo o modo, e sobre eventual perícia de veracidade de escrita, dissemos já o que se impunha dizer. Não se justifica, no caso, tecer considerandos doutrinais e jurisprudenciais sobre o instituto do cheque, incluindo os tipos, elementos e endosso. Apenas mais uma nota final: in casu, nada parece fazer sentido, pois que intercorreram 19 anos entre a data da devolução dos cheques pela Compensação do Banco de Portugal e a instauração da ação executiva, tanto mais que, devolvidos em 2006, o portador refere que por várias vezes tentou junto do alegado sacador a sua cobrança, que incumpria sempre as suas promessas de pagar… tendo tido assim tido 15 anos para agir até ao falecimento daquele, em 2021 – e não se diga, como o embargado disse em julgamento, que assim foi por falta de dinheiro, pois então poderia ter recorrido ao instituto do apoio judiciário, previsto pela Lei n.º 34/2004, de 27/09. Assim, e por tudo quanto ficou exposto, improcedem as conclusões, não tendo o tribunal a quo violado qualquer norma.
III – DECISÃO
Pelos motivos expostos, e nos termos das normas invocadas, acordam os juízes destes autos no Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo embargado. Custas na primeira instância e da apelação pelo embargado, por ter decaído, nos termos do art.º 527.º, n.º 1 e n.º 2, do C.P.C.
Porto, 10/03/2025. - Este acórdão é assinado eletronicamente pelos respetivos: Miguel Baldaia de Morais Mendes Coelho ______________ [1] Interpolação nossa. [2] Do original constam aspas, itálico e negrito. [3] Negrito nosso – apusemo-lo desde já para facilitar a compreensão do que à frente diremos, isto porque o recorrente insiste, reiteradamente, ao longo das suas longas (e, perdõe-se-nos a franqueza, algo repetitivas…) alegações (de 85 páginas) em, entre o mais, invocar uma contradição entre este facto provado e outros não provados, quando dele claramente resulta que o que está provado é o que o recorrente alegou no requerimento executivo… [4] Como o tribunal a quo não discriminou por número ou letra os factos não provados, fazemo-lo nós, a fim de facilitar a decisão da matéria de facto controvertida. [5] Interpolação e itálico nosso; aspas e citação de bibliografia no original. O acórdão está acessível em: http://www.gde.mj.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/73fe72e4c98e28908025868d003f205b?OpenDocument [28/02/2025]. [6] Interpolação e itálico nosso; citação de doutrina no original. O acórdão está acessível em: https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f78a35774ba29550802586b7003a68e2?OpenDocument [28/02/2025]. [7] “5 - O falecido CC nunca comprou ao exequente o que quer que fosse”. [8] “a) - O de cujus, CC, se dedicou com escopo lucrativo à atividade têxtil; b) - No exercício da sua atividade comercial, o Exequente forneceu inúmeros bens e prestou inúmeros serviços a CC, designadamente camisolas”. [9] “d)- Para pagamento dos bens fornecidos, CC, endossou ao Embargado diversos cheques, designadamente os oferecidos à execução. Designadamente, Cheques do Banco 1... com os números: - n.º ..., no valor de €2.585,00 (dois mil quinhentos e oitenta e cinco euros), datado de 20/04/2006; n.º..., no valor de €2.215,56 (dois mil duzentos e quinze euros e cinquenta e seis cêntimos), datado de 30/04/2006; n.º ..., no valor de €2.215,56 (dois mil duzentos e quinze euros e cinquenta e seis cêntimos), datado de 03/05/2006; e, n.º ..., no valor de €2.215,56 (dois mil duzentos e quinze euros e cinquenta e seis cêntimos), datado de 31/05/2006, perfazendo o montante de €9.231,68 (nove mil duzentos e trinta e um euros e sessenta e oito cêntimos)”. [10] “e) - o Embargado interpelou CC para proceder ao pagamento da quantia em débito. f) - CC reconheceu o montante em débito e comprometeu-se a fazer o pagamento do mesmo, nomeadamente em prestações de € 1.000,00 (mil euros) por mês. g) - CC não cumpriu com o acordo de pagamento firmado com o Embargado. h) - O Embargado interpelou inúmeras vezes CC para proceder ao pagamento dos montantes em débito. i) - Todas as interpelações malograram. j) - CC reconhecia e confessava-se devedor dos montantes constantes dos cheques dados à execução e comprometia-se sempre ao seu pagamento”. [11] “k) - A assinatura constante dos cheques dados à execução é de CC. l) - Foi CC quem assinou e preencheu os cheques oferecidos à execução”. [12] Itálico nosso. [13] Interpolação nossa. [14] Mantenha-se presente as datas dos cheques, em suma e para este efeito, dois são de abril de 2006 e dois são de maio de 2006. [15] Facto comprovado documentalmente pelo documento junto com o requerimento executivo integrante do procedimento simplificado de habilitação de herdeiros datado de 28/10/2021, resultado que o sacador dos cheques faleceu, no estado de divorciado, no dia22/10/2021. [16] Usaremos frases e não texto corrido. [17] A gravação da videoconferência é de muito difícil perceção. [18] Como é evidente, será em fase de inquérito que se apurará se há indícios da prática de um crime que justifiquem a dedução de acusação (o que implica, também, a aferição de todas as condições objetivas de procedibilidade), não cabendo lugar para tal neste aresto. |