Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
748/15.5PAESP.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LUÍS COIMBRA
Descritores: CRIME DE ROUBO
AMEAÇA
Nº do Documento: RP20170621748/15.5PAESP.P
Data do Acordão: 06/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS, N.º35/2017, FLS.199-207)
Área Temática: .
Sumário: I - Integra o conceito de ameaça previsto no artº 210º 1 CP o dizer ao ofendido “sou toxicodependente, preciso de 10 euros para comprar uma dose, estou armado e não fujas que eu corro muito e apanho-te se tentas fugir”, levando a vítima a entregar-lhe os bens.
II - A ameaça para aquele fim pode ter lugar por palavras, gestos, actos concludentes ou por qualquer outra forma de procedimento que manifeste à vítima a intenção de ameaçar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 748/15.5PAESP.P1

Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
I – RELATÓRIO
1. No Processo Comum (Singular) nº 748/15.5PAESP (da Secção Criminal (J7), da Instância Local do Porto, Comarca do Porto), após realização da audiência de julgamento, no dia 06.12.2016 foi proferida sentença (constante de fls. 155 a 159), na qual se decidiu condenar o arguido B… (devidamente identificado nos autos) pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210° nº 1 do Código Penal, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de 18 (dezoito) meses.

2. Inconformado, o arguido interpôs recurso (constante de fls. 168 a 177), finalizando a respectiva motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
“1° Entende o recorrente que dos factos dados como provados a fundamentação jurídica aduzida pela Mm Juiz a quo, as conclusões que extraiu dos factos e as normas em que se fundou, não se mostram correctas, e outrossim que o desfecho da causa deveria ser distinto.
2° O Tribunal " a quo" condenou o arguido em autoria material e na forma consumada do crime de roubo simples, p. e p. pelo artigo 210° n.º 1 do Código penal, na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, nos termos do disposto no artigo 50° do Código Penal.
3° Estabelece o referido art. 210°, n.° 1 do C.Penal que «Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos».
4º O objecto do crime de roubo é a "coisa móvel alheia ". A conduta típica consiste no "subtrair " ou no "constranger " o proprietário ou o detentor a que entregue a coisa.
5° No presente caso, o Tribunal " a quo" deu como provado que o arguido abeirou-se do ofendido e disse-lhe "sou toxicodependente, preciso de 10 euros, para comprar uma dose, estou armado e não fujas pois eu corro muito e apanho te se tentas fugir” o ofendido não tinha essa quantia e o arguido solicitou que aquele fizesse um levantamento de 20.00 euros e de seguida exigiu que lhe entregasse o computador que possuía.
6° Ora, será que o facto do arguido ter dito que era toxicodependente e estava armado, para o ofendido não correr que o apanhava porque corria muito, é suficiente para provocar medo, inquietação, temer pela sua integridade física?
7° Somos da opinião que não, pois, quer o arguido e ofendido são dois jovens, a estatura física de um e de outro é idêntica. O arguido falou que estava armado, mas não tinha qualquer arma, nem consta nos factos provados que possuía arma. O arguido não empregou qualquer violência para que o ofendido procedesse ao levantamento dos 20.00 euros e lhos entregasse, bem como, o computador.
8° Como também o facto de ter dito que não adiantava fugir que o apanhava, pois corria muito, é do sendo comum que isto não corresponde à verdade, um individuo que é toxicodependente o seu rendimento na corrida é inferior a um individuo que não consuma produtos estupefacientes.
9° Pelo que, o arguido cometeu um crime de furto e não de roubo assim como se tem de convolar a acusação do crime roubo - arts. 210° n.° 1 do Código Penal - para o de furto - art. 203°, n.° 1, do mesmo Código - tal convolação implica, necessariamente, a alteração, de alguns factos acusados, já que, tratando-se, embora, de dois crimes contra o património, são bastante diferentes na respectiva configuração típica, objectiva e subjectiva, deste modo deverá ser dado cumprimento do estatuído no artigo 359° do Código de Processo Penal.
Nestes termos, e nos melhores de Direito, com o douto suprimento que sempre se espera de Vossas Excelências, deve ser reapreciada a matéria de facto e de direito nos termos alegados e, na procedência das conclusões do presente recurso, deverá ser revogada a sentença proferida, substituindo-se por Acórdão desta Relação que ordene a convolação da acusação do crime roubo - arts. 210° n.° 1 do Código Penal - para o de furto - art. 203°, n.° 1, do mesmo Código - tal convolação implica, necessariamente, a alteração, de alguns factos acusados, já que, tratando-se, embora, de dois crimes contra o património, são bastante diferentes na respectiva configuração típica, objectiva e subjectiva, deste modo deverá ser dado cumprimento do estatuído no artigo 359° do Código de Processo Penal.
Assim sendo
Farão V. Exas.
A costumada e sã Justiça”

3. O recurso foi admitido por despacho de fls. 178.
4. A magistrada do Ministério Público, junto da primeira instância (a fls. 186 a 189), respondeu ao recurso, concluindo no sentido de que ao mesmo deve ser julgado improcedente, embora sem apresentar conclusões.
5. Nesta Relação, o Exmo Procurador-Geral Adjunto (a fls. 197 e 198), emitiu parecer também no sentido da improcedência do recurso.
6. No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal, não foi apresentada resposta.
7. Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Poderes cognitivos do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso
Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (artigo 412º nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).
No caso vertente, vistas as conclusões do recurso, seguindo uma ordem de precedência lógica, as questões a conhecer são as seguintes:
- Impugnação da matéria de facto
- Qualificação jurídica dos factos (defendendo o recorrente que não se mostra preenchido o crime de roubo por que foi condenado, mas apenas o crime de furto).
2. Decisão recorrida:
Definidas as questões a tratar, vejamos, desde já, o que na sentença recorrida consta quanto aos factos provados e não provados, bem como quanto à motivação da matéria de facto (transcrição):
“FACTOS PROVADOS
1.- No dia 28 de Setembro de 2015, cerca das 21h40m, na Rua …, …, no Porto, o arguido B… decidiu abordar o ofendido C…, com o fim de lhe subtrair o dinheiro e bens que este transportasse consigo, ainda que para concretizar os seus intentos tivesse que usar de violência.
2.- De seguida, o arguido dirigiu-se ao ofendido C… e disse-lhe “sou toxicodependente, preciso de 10 euros para comprar uma dose, estou armado e não fugas pois eu corro muito e apanho-te se tentas fugir”.
3.- O citado ofendido referiu que não possuía tal quantia, altura em que o arguido lhe exigiu que fizesse um levantamento bancário de €20,00 (vinte euros), o que aquele, temendo pela sua integridade física e vida, de imediato fez, procedendo ao levantamento de tal quantia na Agência do Banco D…, sita no …, …, no Porto, e entregando-a ao arguido, bem como a quantia que tinha na sua posse de €5,00 (cinco euros).
4.- De seguida, o arguido exigiu ao ofendido que lhe entregasse o computador que possuía, o que aquele, temendo pela sua integridade física e vida, de imediato fez, entregando- lhe um computador portátil, de marca “Packard Bell …, de cor branca, no valor na altura de cerca de €300,00 (trezentos euros), mas que anteriormente lhe tinha custado cerca de €800,00 (oitocentos euros).
5.- O arguido B… agiu livre, voluntária e conscientemente, com o propósito, concretizado, de integrar no seu património dinheiro e bens de valor pertencentes ao ofendido C…, bem sabendo que não lhe pertenciam e que atuava contra a vontade daquele.
6.- O arguido atuou sempre com a intenção, concretizada, de criar no espírito do ofendido medo ou receio iminente quanto à sua integridade física e vida, colocando-o na impossibilidade de resistir.
7.- Mais sabia o arguido que a sua descrita conduta era proibida e punida por lei e o fazia incorrer em responsabilidade criminal.
8.- O arguido é solteiro, antes de preso estava desempregado, mas já tinha trabalhado como pescador e empregado de mesa; tem o 5.º ano como habilitações literárias, tem o apoio da mãe e dos irmãos; na altura dos factos consumia haxixe, heroína e cocaína, faz tratamento no estabelecimento prisional e deixou de consumir tais produtos; quando sair da prisão tem onde trabalhar.
9.- O arguido tem antecedentes criminais como consta do seu certificado junto a fls. 137-138, cujo teor aqui se dá por reproduzido, e já foi condenado pelos crimes de furto qualificado e de roubo, por decisões de 19/09/2014, de 27/11/2014 e de 26/03/2015, com aplicação de duas penas de prisão suspensa e uma pena de 14 meses de prisão efetiva.
10.- No decurso da audiência de julgamento, o arguido admitiu os factos, declarou-se arrependido e pediu desculpa ao ofendido.
FACTOS NÃO PROVADOS
Não resultaram ‘não provados’ quaisquer factos com relevância para a causa, sem prejuízo do que provado ficou.
MOTIVAÇÃO DE FACTO
Como se sabe, vigora entre nós o princípio da livre apreciação da prova, incluindo da prova testemunhal cfr. o art. 127.º do CPP.
Este princípio significa que o tribunal deve julgar segundo a sua consciência e segundo a convicção que formou, face às provas produzidas e tendo em conta a perceção direta que a imediação, o contraditório e a oralidade conferem.
Todos estes elementos constituem um acervo de informação verbal e não verbal rica, imprescindível e incindível para a apreciação e valoração (racional e crítica) da prova produzida, de forma a permitir a sua motivação e controlo.
Tendo em atenção tudo o que ficou dito, no seu critério de livre apreciação o tribunal pode mesmo considerar provado um facto afirmado no depoimento de uma única testemunha, embora perante ele tenham deposto, em sentido contrário, várias testemunhas.
Por outro lado, um depoimento prestado, sujeito à crítica do juiz, pode ser considerado todo verdadeiro ou todo falso, mas podem, também, ser aceites como verdadeiras certas partes, negando-se crédito a outras cfr. ENRICO ALTAVILLA, Psicologia Judiciária, vol. II, Coimbra, 3.ª ed., p. 12; bem como sobre esta temática, entre muitos outros, Hermenegildo Borges, in Vida, Razão e Justiça, Minerva-Coimbra, 2005; Fernando Pereira Rodrigues, in A Prova Em Direito Civil, Coimbra Editora, 2011; Rosa Vieira Neves, in A Livre Apreciação da Prova e a Obrigação de Fundamentação da Convicção, Coimbra Editora, 2011; Luís Filipe Pires de Sousa, in Prova Testemunhal, Almedina, 2013; Luís Filipe Pires de Sousa, in Prova Por Presunção no Direito Civil, Almedina, 2013; os estudos de Luís Filipe Pires de Sousa e Alberto Augusto Vicente Ruço, in Julgar, Número Especial, Coimbra Editora, 2014; Patrícia Silva Pereira, in Prova Indiciária no âmbito do Processo Penal, Almedina, 2016; Alberto Augusto Vicente Ruço, in Prova e Formação da Convicção do Juiz, Almedina-CJ, 2016; e Cláudia Sofia Alves Trindade, in A Prova de Estados Subjetivos no Processo Civil, Almedina, 2016.
Como também vem sendo entendido, na busca pela verdade material, mais do que a verdade ontológica ou absoluta, procura-se antes obter a verdade possível dos factos passados, a verdade judicial, prática e processualmente válida, baseada na avaliação e no julgamento sobre factos, de acordo com os procedimentos, os princípios e as regras estabelecidos.
Para a prova dos factos submetidos a julgamento pode recorrer-se à prova direta, quer à prova indireta/indiciária, sendo ambas perfeitamente válidas e legítimas para a aquisição de factos no processo (cfr., entre outros, o art.º 125.º do CPP, bem como o art.º 349.º do Cód. Civil).
Como também se sabe, a existência em todos os processos de uma prova linear e sem contradições é uma utopia, mas, apesar de tal situação, o julgador não fica impedido de formar a sua convicção, mesmo quando possam existir eventuais contradições de prova, desde que tal convicção seja motivada e objetivada.
A convicção do tribunal fundou-se na apreciação conjunta e combinada da prova produzida em audiência de julgamento e constante dos autos.
Na decisão relativamente aos fundamentos de facto foram relevantes as declarações do ofendido, o qual descreveu o modo de atuação do arguido, esclarecendo sobre o medo que teve e o valor dos bens roubados pelo arguido, o reconhecimento do arguido nas fotos juntas e na audiência de julgamento e o prejuízo que teve, confirmando os factos constantes da acusação e que foram dados por provados, com conhecimento direto e intervenção direta nos mesmos.
Depôs de forma clara, objetiva, credível e convincente.
O Arguido compareceu à audiência, prestando declarações, mas só posteriormente ao depoimento da testemunha/ofendido.
Em tais declarações, o arguido confirmou os factos imputados, alegando que era na altura toxicodependente, declarando-se arrependido.
Pediu desculpa ao ofendido.
Relatou sobre as suas condições de vida.
As duas testemunhas de defesa, a mãe e a irmã do arguido, relataram sobre as condições de vida do arguido e o apoio dado ao mesmo, depondo do modo coerente.
A prova do elemento subjetivo do tipo resultou dos factos objetivos provados, do contexto de toda a atuação do arguido, em conjugação com o depoimento do ofendido, as citadas declarações do arguido, bem como as regras da experiência comum, da normalidade e da lógica.
Foram tomados ainda em consideração os documentos juntos aos autos, designadamente o auto de notícia/denúncia, os fotogramas, os autos de reconhecimento, bem como o CRC.
Perante toda a prova produzida e o acima exposto, extrai-se que o arguido praticou os factos aqui imputados nos termos em que foram dados por provados, inexistindo qualquer dúvida relevante a tal respeito, ficando afastado o princípio da presunção de inocência e o in dubio pro reo.
Em suma, face ao objeto do processo e à prova produzida, devidamente analisada e conjugada, e considerando as circunstâncias concretas deste caso, bem como as regras da lógica, da normalidade, da ciência e da experiência comum, cremos que outra não pode ser a decisão sobre a matéria de facto.”
3. Apreciando
1ª Questão: Passemos a apreciar a primeira questão relacionada com a impugnação da matéria de facto, desde já se chamando a atenção que pela forma como o recorrente engendrou/apresentou o recurso nesta parte (manifestando tão singelamente o entendimento de que “deve ser reapreciada a matéria de facto” e que tal “implica, necessáriamente, a alteração de alguns factos acusados”) não se tornará possível proceder a qualquer alteração da matéria que foi dada como provada e como não provada.
É certo que o artigo 428º do Código de Processo Penal[1] estabelece que as relações conhecem de facto e de direito.
E segundo decorre do artigo 431º podem modificar a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pela via da “revista alargada” quando se verifiquem os vícios a que aludem as alíneas o nº 2 do artigo 410º e/ou através da impugnação ampla da matéria de facto de acordo com o disposto no artigo 412º nº 3.
Na primeira situação (ou seja âmbito da “revista alargada”) decorre do artigo 410.º n.º 2 do CPP que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal à matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova. Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.
A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito.
A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Tal ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.
Finalmente, o “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do nº 2 artigo 410º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis. Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341). Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cf. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., pag. 74). Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao ora analisado vício.
Ora, lendo e relendo a sentença recorrida, em lado algum da mesma se descortina a existência de um qualquer dos atrás enunciados vícios, sendo ainda certo que também nenhum deles tinha sido, sequer, invocado pelo recorrente.

Na segunda situação (ou seja no âmbito da impugnação ampla) a apreciação da matéria de facto alarga-se à prova produzia em audiência (se documentada), mas com os limites assinalados pelo recorrente em face do ónus de especificação que lhe é imposto pelos nºs 3 e 4 do artigo 412º, nos quais é expressamente estabelecido:
3 – Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
4 – Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
São estes os passos a cumprir em caso de impugnação da decisão sobre matéria de facto quando esteja em causa um insinuado erro de julgamento. Na especificação dos factos o recorrente deverá indicar o concreto facto (ou factos ou segmentos dos factos) que consta(m) da sentença recorrida e que considere incorrectamente julgado(s). Quanto às provas, terá que especificar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (ex: quando o recorrente se socorra da prova documental tem que concretizar qual o concreto documento que demonstra o erro da decisão; quando se socorra de prova gravada tem que indicar o depoimento (ou depoimentos) em questão (por identificação da pessoa ou pessoas em causa), tem de mencionar a passagem ou passagens desse depoimento que demonstra erro em que incorreu a decisão e tem, conforme decorre no nº 4 atrás transcrito, que localizar esse excerto de depoimento no suporte que contém a gravação da prova, por referência ao tempo da gravação.
A exigência da lei ao estabelecer os requisitos da impugnação da matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido deve-se à circunstância de o recurso sobre matéria de facto, apesar de incidir sobre a prova produzida e o seu reflexo na matéria assente, não configurar um novo julgamento. Se estivéssemos perante um novo julgamento as especificações/requisitos seriam, obviamente, destituídos de fundamento. Mas, sendo o recurso um remédio, então o que se pretende é corrigir concretos erros de julgamento respeitantes à matéria de facto. Por isso a lei impõe que os erros que o recorrente entende existirem estejam especificados e que as provas que demonstrem tais erros estejam também elas concretizadas e localizadas, tanto mais que segundo estabelece ainda o nº 6 de tal artigo 412º que “No caso previsto no nº 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.
Ora, apesar de, a dado passo das conclusões de recurso, o recorrente concluir que:
“1° Entende o recorrente que dos factos dados como provados a fundamentação jurídica aduzida pela Mm Juiz a quo, as conclusões que extraiu dos factos e as normas em que se fundou, não se mostram correctas, e outrossim que o desfecho da causa deveria ser distinto.
(…)
5° No presente caso, o Tribunal " a quo" deu como provado que o arguido abeirou-se do ofendido e disse-lhe "sou toxicodependente, preciso de 10 euros, para comprar uma dose, estou armado e não fujas pois eu corro muito e apanho te se tentas fugir” o ofendido não tinha essa quantia e o arguido solicitou que aquele fizesse um levantamento de 20.00 euros e de seguida exigiu que lhe entregasse o computador que possuía.
6° Ora, será que o facto do arguido ter dito que era toxicodependente e estava armado, para o ofendido não correr que o apanhava porque corria muito, é suficiente para provocar medo, inquietação, temer pela sua integridade física?
7° Somos da opinião que não, pois, quer o arguido e ofendido são dois jovens, a estatura física de um e de outro é idêntica. O arguido falou que estava armado, mas não tinha qualquer arma, nem consta nos factos provados que possuía arma. O arguido não empregou qualquer violência para que o ofendido procedesse ao levantamento dos 20.00 euros e lhos entregasse, bem como, o computador.
8° Como também o facto de ter dito que não adiantava fugir que o apanhava, pois corria muito, é do sendo comum que isto não corresponde à verdade, um individuo que é toxicodependente o seu rendimento na corrida é inferior a um individuo que não consuma produtos estupefacientes.
9° Pelo que, o arguido cometeu um crime de furto e não de roubo assim como se tem de convolar a acusação do crime roubo - arts. 210° n.° 1 do Código Penal - para o de furto - art. 203°, n.° 1, do mesmo Código - tal convolação implica, necessariamente, a alteração, de alguns factos acusados, (…)
Nestes termos, e nos melhores de Direito, com o douto suprimento que sempre se espera de Vossas Excelências, deve ser reapreciada a matéria de facto e de direito nos termos alegados e, na procedência das conclusões do presente recurso, deverá ser revogada a sentença proferida, substituindo-se por Acórdão desta Relação que ordene a convolação da acusação do crime roubo - arts. 210° n.° 1 do Código Penal - para o de furto - art. 203°, n.° 1, do mesmo Código - tal convolação implica, necessariamente, a alteração, de alguns factos acusados, (…)” o certo é que, com vista à pretendida alteração da matéria de facto, o recorrente deveria ter dado cumprimento ao ónus de especificação a que alude o nº 3 do artigo 412º do Código de Processo Penal. E não o fez.
Com efeito, não especificou que concretos pontos de facto foram incorrectamente julgados (como provados e/ou não provados); não especificou nem indicou que concretas provas imporiam decisão diversa (em termos de concretos factos provados e/ou não provados) da recorrida; e não especificou/concretizou quais as provas que deviam ser renovadas.
Não deu, pois, o recorrente cumprimento às exigências assinaladas no já mencionado artigo 412º nºs 3 e 4 para que este tribunal ad quem pudesse sindicar a matéria de facto fixada na primeira instância. O ónus de especificação a que alude o mencionado artigo 412º nº 3 – desde logo quanto aos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, conforme exige a alínea a) de tal nº 3 – tal como se pode ver das conclusões do recurso supra transcritas, não foi observado/acatado/cumprido pelo recorrente.
Do que se constata do seu recurso é que o recorrente, manifesta uma posição diversa daquela a que chegou o tribunal a quo, chamando a atenção de que o tribunal não deveria considerado que a actuação do arguido tivesse causado ou tivesse sido adequada a causar medo, inquietação ou temor pela sua integridade física.
Por outras palavras, considera que o tribunal recorrido deveria ter chegado a uma conclusão diversa daquela a que chegou; ou ainda por outras palavras, que o tribunal recorrido deveria ter formulado a mesma convicção ou partido do mesmo entendimento do recorrente.
Ora, salvo o muito devido respeito por opinião contrária, uma mera discordância de factos ou dos meios de prova que o tribunal teve em consideração para dar como provados os factos é totalmente o inverso da legalmente exigida concretização dos factos e/ou da concreta indicação dos meios de prova que imponham decisão diversa. E o ónus de impugnação especificada sobre os concretos factos a sindicar e das concretas provas que imporiam decisão diversa relativamente aos factos a sindicar impendia sobre o recorrente, não cabendo ao tribunal nem a faculdade/direito nem o ónus/dever/obrigação de se substituir ao recorrente.
Se ao menos na motivação os tivesse concretizado poder-se-ia fazer operar o convite ao aperfeiçoamento a que alude o nº 3 do artigo 417º. Todavia, sendo inalterável a motivação e não podendo as conclusões exceder os limites definidos pela motivação (cfr. nº 4 do artigo 417º), o convite para a correcção traduzir-se-ia num acto inútil, o que a lei proíbe.
O recorrente (apesar de discordar da valoração que o tribunal fez da prova) não cumpriu, como lhe competia, o ónus de impugnação especificada.
A situação em presença é inteiramente similar àquela que levou o Supremo Tribunal de Justiça a referir que o «convite ao aperfeiçoamento conhece limites, pois que se o recorrente no corpo da motivação do recurso se absteve do cumprimento daquele ónus, que não é meramente formal, antes com implicações gravosas ao nível substantivo, não enunciou as especificações, então o convite à correcção não comporta sentido porque a harmonização das conclusões ao corpo da motivação demandaria a sua reformulação, ao fim e ao cabo, contas direitas, inscreveria um novo recurso, com novas conclusões e inovação da motivação, precludindo a peremptoriedade do prazo de apresentação do direito ao recurso» (- Acórdão do STJ de 31/10/2007, disponível em www.dgsi.pt/jstj.).
Neste sentido se pronunciou também o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 259/2002, ao referir “quando a deficiência de não se ter concretizado as especificações previstas nas alíneas a), b) e c), do n.º 3 do art. 412º, do CPP, reside tanto na motivação como nas conclusões, não assiste ao recorrente o direito de apresentar uma segunda motivação, quando na primeira não indicou os fundamentos do recurso ou a completar a primeira, caso nesta não tivesse indicado todos os seus possíveis fundamentos.”(Acórdão de 18/6/2002, publicado no D.R., II Série, de 13/12/2002.).
A haver despacho de aperfeiçoamento, quando o vício seja da própria motivação equivaleria, no fundo, à concessão de novo prazo para recorrer, o que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso.
E seguindo as orientações do atrás mencionado Acórdão do TC nº 259/2002 (acórdão esse em que recorrente era um assistente), já perante uma situação em que o recorrente é o arguido, o mesmo Tribunal Constitucional (apesar de se reportar à aliena b) do nº 3 do artigo 412º, mas cujo raciocínio se pode seguir quanto também à alínea a) do mesmo nº 3), no seu Acórdão nº 140/2004, de 10 de Março (publicado no Diário da República II Série, de 17 de Abril de 2004, o mesmo TC foi bem claro ao decidir “Não julgar inconstitucional a norma do artigo 412º, n.ºs 3, alínea b), e 4, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que a falta, na motivação e nas conclusões de recurso em que se impugne matéria de facto, da especificação nele exigida tem como efeito o não conhecimento desta matéria e a improcedência do recurso, sem que ao recorrente tenha sido dada oportunidade de suprir tais deficiências
E a jurisprudência deste acórdão veio a ser perfilhada nos acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 488/2004 e 342/2006 e nas decisões sumárias nºs 58/2005, 274/2006 e 88/2008 (disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Saliente-se que de acordo com o disposto no artigo 431.º, b), havendo documentação da prova, a decisão do Tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto só pode ser modificada se esta tiver sido impugnada nos termos do art. 412.º, n.º 3, o que, como vimos, não ocorre no caso em apreço.
Na circunstância do não acatamento do ónus de impugnação especificada, tem-se entendido, como decorrência da sua própria noção (um ónus consiste na necessidade de observância de determinado comportamento como pressuposto de obtenção de determinada vantagem, que até pode cifrar-se em evitar a perda de um benefício ou faculdade, no caso, a de viabilizar o recurso sobre a matéria de facto), não ocorrer o condicionalismo referido na alínea b) do artigo 431.º, tornando-se inviável a modificabilidade da decisão em relação à matéria de facto.
Em suma, por tudo o que acaba de ser dito, perante a falta de concretização dos factos fixados pelo tribunal a quo e que o recorrente, em termos genéricos e conclusivos considera que não deveriam ser dados como provados, quer também pela falta de especifica indicação das provas que (obviamente em relação a esses factos que não concretizou minimamente) imporiam decisão diversa, coarctada ficou a possibilidade deste tribunal ad quem sindicar a matéria de facto que havia sido fixada pelo tribunal a quo, matéria essa que, assim, se tem por assente e inalterável.
Improcede, pois, o recurso, quanto a este aspecto.

2ª Questão: - Qualificação jurídica dos factos (defendendo o recorrente que não se mostra preenchido o crime de roubo por que foi condenado, mas apenas o crime de furto).
Quanto a esta questão, desde já avançamos, a mesma terá que improceder, por duas ordens de razões:
a) por um lado, verificamos que a suscitação desta questão tinha por base o êxito da pretendida alteração da matéria de facto, alteração essa que, como supra exposto, não veio a ter acolhimento por este tribunal ad quem.
b) Por outro lado, adianta-se ainda que, face à inalterabilidade da matéria de facto e perante os factos provados, a qualificação jurídica dos factos provados encontra-se correcta e detalhadamente fundamentada na sentença recorrida, da qual decorre que a apurada conduta do arguido/recorrente preenche os elementos constitutivos (a nível objectivo e subjectivo) do crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º nº 1 do Código Penal (e não o crime de furto como pretendido pelo recorrente).
A este respeito, passemos a transcrever o que foi dito na sentença recorrida na parte respeitante ao enquadramento jurídico dos factos:
“ANÁLISE DOS FACTOS E APLICAÇÃO DA LEI.
A conduta do Arguido – a comissão de um crime de roubo art. 210.º, n.º 1, do Cód. Penal.
Emerge dos factos descritos sob os n.os 1. a 7. da fundamentação de facto que o Arguido cometeu um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 1, do Cód. Penal.
Com efeito, a factualidade dada como provada preenche os elementos típicos do crime de roubo vertidos no art. 210.º, n.º 1, do Cód. Penal.
O arguido, com ilegítima intenção de apropriação, pretendia subtrair e subtraiu apoderou-se e levou consigo os referidos bens coisa móvel alheia os bens em causa era de propriedade de terceiro, por meio de violência contra uma pessoa o arguido dirigiu palavras e gestos ameaçadores e teve atitudes de intimidação para assim obter a entrega do bem, tendo ainda a coisa subtraída um efetivo valor patrimonial (o chamado elemento implícito do tipo).
O primeiro elemento típico referido – o dolo específico exigido pelo tipo – consubstanciou-se, no caso concreto, na circunstância do arguido ter querido integrar o(s) objeto(s) roubado(s) na sua esfera patrimonial, contra a intenção do proprietário e sem ter qualquer título que lhe permitisse essa apropriação.
Quanto à consumação deste crime, afigura-se-nos que a mesma ocorre logo que a coisa alheia entra na esfera patrimonial do arguido, ficando à sua disposição – consumação instantânea –, isto é, o crime consuma-se logo que a coisa saia da esfera jurídica do ofendido e entre no património de outrem – cfr. sobre esta temática, entre outros, o Ac. do STJ de 25/10/2000, in RLJ, Ano 134, p. 250-256, com anotação do Sr. Prof. Faria Costa.
A este respeito, e como se refere no douto Ac. do TRP de 11/03/2009, no proc. n.º 691/06.9GAVNG, relatado pela Sr.ª Des. Dr.ª Maria do Carmo Silva Dias, in www.dgsi.pt/jtrp, para a consumação do crime de furto não é necessário que o respectivo agente detenha a coisa de forma pacífica ou em plena tranquilidade ou sossego – neste sentido, também a posição do Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, UCE, Dezembro de 2008, p. 555.
Por sua vez, ensinam os Drs. Victor de Sá Pereira/Alexandre Lafayette, in Código Penal, notado e Comentado, 2008, Quid Juris-Sociedade Editora, p. 536-538, referindo o entendimento do Dr. Paulo Saragoça da Matta, que à consumação do crime de furto é imprescindível que o agente da infração adquira um pleno e autónomo domínio sobre a coisa, com tendencial estabilidade.
O Sr. Prof. Faria Costa, embora não aderindo à referida tese que defende a necessidade do pleno sossego ou tranquilidade, refere também que tem de haver um mínimo de tempo que permita dizer que um efetivo domínio de facto sobre a coisa é levado a cabo pelo agente.
Como também se sabe, o roubo é um crime complexo, no qual são ofendidos bens jurídicos patrimoniais (o direito de propriedade e de detenção de coisas móveis), mas também bens jurídicos eminentemente pessoais (a liberdade individual, a integridade física, a vida).
Por violência deve entender-se o emprego de força física sobre o corpo da vítima em regra ou de qualquer outro meio destinado a coagir fisicamente o visado. Não exige o tipo que a força física seja irresistível; basta que tenha potencialidade causal para compelir a pessoa contra quem se emprega à pretendida omissão ou prática de ato entendendo que a violência, no crime de roubo, pode ser física ou moral, cfr. o Dr. MAIA GONÇALVES, Código Penal Português, Almedina, 18.ª edição, 2007, p. 763.
Ainda, no que respeita à noção de violência, deve entender-se que as agressões irrelevantes à integridade física ainda devem ser abrangidas por este conceito neste sentido, cfr. a Prof. CONCEIÇÃO CUNHA, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Coimbra 1999, p. 167.
Atenta a natureza do crime de roubo, que é complexo e pluriofensivo, como acima já indicado, haverá tantos crimes de roubo quantas as pessoas ofendidas (cfr., entre muitos outros, a doutrina acima citada, bem como o Ac. do TRP de 24/10/2012, no processo n.º 872/09.3JAPRT.P1, relatado pela Sr.ª Des. Dr.ª Eduarda Lobo, in www.dgsi.pt/jtrp.; o Ac. do TRL de 23/03/2010, no processo n.º 1197/06.1PCCSC.L1-5, relatado pela Sr.ª Des. Dr.ª Filomena Lima, in www.dgsi.pt/jtrl.; e o Ac. do TRE de 11/11/2014, no processo n.º 442/12.9PAENT.E1, relatado pela Sr.ª Des. Dr.ª Maria Filomena Soares, in www.dgsi.pt/jtre.).
Em suma, neste caso concreto, o arguido cometeu, em autoria material, um crime de roubo simples consumado.
Como se acaba de ler, ao contrário do sustentado pelo recorrente, o tratamento conceptual do ilícito em jogo mostra-se aprofundado e correctamente relacionado com a factualidade apurada, da qual resulta, inequivocamente, a prática pelo arguido do crime de roubo que lhe era imputado, sendo certo que a negação desse enquadramento pelo recorrente se baseia, no essencial, em continuar a fundar tal conclusão na circunstância de não ter existido violência sobre o ofendido nem de este ter sido colocado na impossibilidade de resistir por forma a que este lhe entregasse, como acabou por entregar contra a sua vontade, quer quantia monetária (no total de €25,00) quer aquele computador.
Pela forma minuciosa e fundamentada como o tribunal a quo analisou o tipo legal de crime e procedeu ao respectivo enquadramento jurídico dos factos (com apoio na pertinente jurisprudência que foi citada e se encontra disponível em www.dgsi.pt.dgsi.pt), pouco mais haverá a acrescentar, sob pena de redundância, mas, sempre se deixará ainda consignado o seguinte:
Dispõe o artigo 210º nº 1 do Código Penal que "Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de um a oito anos".
Ora, se bem analisarmos o tipo objectivo desta incriminação verificamos que a acção típica, que pode consistir numa subtracção ou no constrangimento à entrega, tem de revestir uma de três características:
– Consubstanciar a utilização de violência contra uma pessoa;
– Consistir na utilização de ameaça com perigo eminente para a vida ou para a integridade física; ou
– Implicar a colocação da vítima na impossibilidade de resistir.
Embora no caso não tenha existido violência física contra a vítima, nem a sua colocação na impossibilidade de resistir, a subtracção ou apossamento daquela quantia monetária e do computador contra a vontade do ofendido, foi conseguida através da utilização de uma implícita ameaça contra a integridade física ou mesmo a vida do ofendido. Ao dizer ao ofendido, naquele concreto contexto espácio-temporal em que o aborda “sou toxicodependente, preciso de 10 euros para comprar uma dose, estou armado e não fujas que eu corro muito e apanho-te se tentas fugir” e ao exigir-lhe, seguidamente, que fizesse um levantamento bancário de €20,00, o que este, de imediato fez, temendo pela sua integridade física ou vida, é obvio que o arguido usou de ameaça que teve por efeito intimidar a vítima de forma a conseguir, como conseguiu, viciar a sua liberdade de determinação. A intimidação é o efeito psicológico causado pela utilização da ameaça.
É por demais consabido que a ameaça pode ter lugar por palavras, por gestos, por actos concludentes ou por qualquer outra forma de procedimento que manifeste à vítima a intenção de ameaçar. E da materialidade apurada, decorre sem dúvidas que a involuntária entrega que o ofendido acabou por fazer daquele dinheiro e do computador ao arguido foi resultante da intimidação de que se o não fizesse tal entrega poderia ser lesado na sua integridade física ou mesmo vida.
E como bem refere a magistrada do Ministério Público a dado passo da resposta ao recurso: “Ora, as circunstâncias do caso concreto apontam decisivamente para a adequação da ameaça perpetrada pelo arguido a constranger o ofendido à entrega de dinheiro e um computador. A actuação do arguido ocorreu às 21h40, ou seja, de noite, momento em que existe menos movimento de pessoas na rua e em que o espírito humano se sente naturalmente menos seguro em face da escuridão; a abordagem do arguido agressiva e de discurso agressivo, anunciando a intenção de obter dinheiro, referindo estar armado e disposto a perseguir o ofendido caso este tentasse fugir, tudo a contribuir para que, efectivamente, este se sentisse constrangido a entregar o dinheiro e o computador, por recear um mal futuro para a sua integridade física ou para a própria vida.”
Por outras palavras, apreciando os factos dados como provados, deles flui com clareza que o arguido, com o propósito, conseguido, se apropriou da quantia monetária descrita e do computador, bem sabendo que não lhe pertenciam e que agia contra a vontade do respectivo dono, tendo usado de meios de intimidação e ameaça sobre o ofendido (anúncio de que era toxicodependente e de que precisava de dinheiro para comprar uma dose, que estava armado e que ao ofendido não adiantava fugir porque o apanhava) o qual que acabou, assim, por se ter visto forçado a, contra a sua vontade, entregar aquela exigida quantia monetária e aquele computador.
Por tudo isto que apenas pode ser visto como um complemento ao que tinha sido mencionado pelo tribunal a quo, podemos perfeitamente concluir que bem andou aquele tribunal ao considerar que o arguido cometeu o crime de roubo pelo qual vinha acusado (e jamais apenas um crime de furto conforme pretendia o recorrente).
Improcede, assim, também esta pretensão do recorrente.

Assim, e em síntese conclusiva, naufragando qualquer uma das pretensões do recorrente - e não se mostrando violados quaisquer princípios ou quaisquer preceitos legais ordinários, designadamente os invocados no recurso - terá o recurso que improceder, sendo de confirmar a decisão recorrida.
III. DISPOSITIVO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC’s (arts. 513º nº 1 do Código de Processo Penal e 8º nº 9 do Regulamento das Custas Processuais, conjugado este com a Tabela III anexa a tal Regulamento).
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(Consigna-se, nos termos e para os efeitos do disposto no Artº 94 nº2 do CPP, que o presente acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos signatários)
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Porto, 21 de Junho de 2017
Luis Coimbra
Maria Ermelinda Carneiro
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[1] Diploma a que se reportarão as demais disposições citadas sem menção de origem ou somente através da sigla CPP.