Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1628/12.1TMPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA LUCINDA CABRAL
Descritores: REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
Nº do Documento: RP201411111628/12.1TMPRT-A.P1
Data do Acordão: 11/11/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Para que a jurisdição nacional seja competente para apreciar uma questão plurilocalizada é necessário, além do mais, que o direito invocado apenas se possa efectivar por meio de acção proposta em Portugal ou que constitua para o autor dificuldade apreciável a sua propositura no estrangeiro.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 1628/12.1 TMPRT.P1
TRIBUNAL DE FAMÍLIA E DE MENORES DO PORTO
1.º Juízo - 3.a Secção

Acordam no tribunal da Relação do Porto

No processo supra identificado foi proferido o seguinte despacho:
Nestes autos de Regulação das Responsabilidades Parentais referentes ao menor B… que C… move contra D… veio a progenitora a fls. 127 e seguintes suscitar a questão da incompetência internacional deste Tribunal para dirimir o conflito com os fundamentos ali constantes.
Notificado o requerido pronunciou-se nos termos de fls. 149 e seguintes pugnando, em suma, pela improcedência da alegada exceção.
Apreciando
Como é sabido, os fatores de atribuição da competência internacional mostram-se previstos no art. 62º do Código de Processo Civil onde se estabelece que os Tribunais portugueses são internacionalmente competentes, entre outros “Quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real”, cfr. al. c) do referido normativo legal.
Resulta dos autos que o menor nasceu em Angola, em 9.3.2010, sendo os seus pais cidadãos de nacionalidade portuguesa pelo que este é também um cidadão português.
Assim sendo, mostrando-se preenchida a previsão do supra referido normativo legal, já que o menor goza de nacionalidade portuguesa, verifica-se um elemento ponderoso de conexão pessoal, improcede, por isso, a alegada incompetência internacional invocada.
Cumpre, porém, apreciar se este tribunal é também competente em razão do território para tramitar e julgar a presente ação, dado que atento o que resulta do processo mostra-se controvertida essa questão, sendo certo que a mesma é de conhecimento oficioso nos termos disposto no art. 156º da L.T.M. - D.L. n.º 314/78 de 27.Outubro.
Estabelece o nº 5 do art. 155º da OTM que “Se, no momento da instauração do processo, o menor não residir no país, é competente o tribunal da residência do requerente, ou do requerido; quando também estes residirem no estrangeiro e o tribunal português for internacionalmente competente, pertence ao Tribunal de Lisboa para conhecer da causa.”
Refere o progenitor que o menor ficou a residir com a mãe após a separação de ambos e que tem residência habitual nesta comarca do Porto (pese embora posteriormente venha a declarar nos autos que “ … não sabe, como nunca soube, qual o domicílio efetivo do seu filho menor B… uma vez que, após a sua separação da requerida, foi completamente arredado da vida do filho…”- cfr. fls. 149).
Por sua vez, a progenitora confirma que efetivamente o menor ficou a seu cargo, informando que residem em Angola, mais precisamente em Luanda, cidade onde ambos têm e sempre tiveram a sua vida organizada, juntando para o efeito documentação que atesta tal realidade fáctica.
Assim, por se mostrar controvertido qual o lugar onde ao menor tem a sua residência habitual, sendo esse um elemento fático essencial para a decisão da exceção de incompetência territorial, e inexistindo nos autos elementos bastantes para a sua apreciação, foram encetadas diligências nos termos do disposto no nº 2 do art. 156º da OTM com vista a ser apurado qual a sua residência habitual, elemento essencial para se determinar qual o tribunal competente para tramitar a presente ação.
Dos elementos documentais juntos aos autos, designadamente a fls. 257 e 280 extrai-se que a última apresentação das declarações Modelo 3, em sede de IRS, por parte da progenitora ocorreu em 2007 e por parte do progenitor aconteceu no ano de 2008, sendo legítimo inferir-se a partir desse facto que os progenitores desde então deixaram ambos de ter a sua residência habitual em Portugal.
Ora, nos termos do nº 5 do art. 155º da OTM “ Se, no momento da instauração do processo, o menor não residir no país, é competente o tribunal da residência do requerente, ou do requerido; quando também estes residirem no estrangeiro e o tribunal português for internacionalmente competente, pertence ao Tribunal de Lisboa para conhecer da causa.”
Deste modo, tendo em conta os elementos documentais carreados para os autos deles emerge que o menor e também ambos os seus progenitores quer à data da propositura desta ação (20.7.2012), quer presentemente, têm a sua residência habitual em território estrangeiro, mais concretamente em Angola, o que ocorre, aliás, desde o ano de 2007 quanto à progenitora e desde 2008 quanto ao progenitor (cfr. fls. 257 e 280, respetivamente) portanto em período temporal ainda anterior à data do nascimento do menor.
Porque assim, em consonância com o que se dispõe no nº 5 do art. 155º da OTM carece este Tribunal de competência em razão do território para conhecer dos presentes autos, o que desde já se declara, sendo competente o tribunal de Família e Menores de Lisboa.
Nestes termos, e em conformidade com o disposto nos arts. 155º, nº1, 156º, nº1 da OTM e arts.105.º, 576º, 577º, al. a) e 578º do C.P.C., aplicáveis por força do art. 161.° da O.T.M., remetam-se os presentes autos, após trânsito, para o Tribunal de Família e Menores de Lisboa.”

A requerida, D…, interpôs recurso, concluindo:
1.ª) Vem o presente recurso interposto da aliás douta decisão de fls. ... que, com fundamento na al. c) do art. 62° do Código de Processo Civil, julga improcedente a excepção suscitada pela recorrente, considerando os tribunais portugueses internacionalmente competentes para dirimir o presente litígio.
2.ª) Ao decidir que se encontra preenchida a previsão da alínea c) do n.º 1 do art. 62° do Código de Processo Civil porque o menor e seus pais são cidadãos portugueses, considerando suficiente a existência de "um elemento ponderoso de conexão pessoal" entre o objecto do litígio e a ordem jurídica portuguesa e excluindo a apreciação do critério da necessidade, fez o Tribunal a quo errada interpretação da indicada norma, afastando-se da mais avisada Doutrina e Jurisprudência.
3.ª) O art. 62° do Código de Processo Civil enuncia os critérios de atribuição da competência internacional aos tribunais portugueses, estabelecendo três factores atributivos de competência aos tribunais portugueses, cada qual com valor autónomo, que são comummente designados como "critério da coincidência" (al. a)), "critério da causalidade" (al. b)) e "critério da necessidade" (al. c)).
4ª) Nos termos da alínea c) do art. 62° CPC, os tribunais portugueses serão internacionalmente competentes para dirimir determinado litígio se para o Autor for manifestamente difícil intentar acção em território estrangeiro ou se o direito que pretende fazer valer só puder tomar-se efectivo se a acção for proposta em Portugal, mas só desde que haja um elemento ponderoso de conexão entre o litígio e a nossa ordem jurídica, não se afigurando bastante a existência de um elemento de conexão entre o litígio e a ordem jurídica nacional para que esta se arrogue competente para julgar a questão.
5ª) Como bem ensina o Prof. Doutor José Lebre de Freitas, "A alínea d) consagra o critério da necessidade, "caso excepcional e subsidiário" de competência (…), que alarga a competência internacional dos tribunais portugueses às situações em que o direito invocado apenas se possa efectivar por meio de acção proposta em território português (como já anteriormente dispunha) ou em que não seja exigível ao autor a sua propositura no estrangeiro. Referenciam-se, assim, com o fito de prevenir conflitos negativos de jurisdição e evitar situações com claro recorte subjectivo de denegação de justiça, que os casos de impossibilidade absoluta quer os de impossibilidade relativa, ou dificuldade, em tornar efectivo o direito por meio de acção instaurada em tribunal estrangeiro. (...) Tal dificuldade tem que ser manifesta: a oneração do autor com a propositura da acção no estrangeiro tem como limite a razoabilidade do sacrifício que lhe é exigido, à luz do princípio da boa-fé.".
6.ª) Ao escusar-se a apreciar o critério da necessidade, ajuizando se o recorrido se mostrava perante uma impossibilidade patente de tomar a sua pretensão efectiva senão recorrendo aos tribunais portugueses ou se, por outro lado, se deparava com uma dificuldade considerável em propor a regulação das responsabilidades parentais em Angola, falece a fundamentação exposta na decisão de que se recorre, não podendo esta manter-se.
7.ª) Sem prejuízo, sempre será de concluir que o objecto do litígio não integra a invocada norma prevista pela alínea c) do n.° 1 do art. 62° do Código de Processo Civil, por não se encontrar preenchido o critério da necessidade, que determina o alargamento da competência internacional dos tribunais portugueses.
8ª) Na verdade, como bem aponta a decisão sub judice, recorrido, recorrente e menor vivem em Angola, todos na cidade de Luanda, aonde têm a sua vida estabelecida há vários anos, pelo que aquele está em perfeitas condições, do ponto de vista subjectivo, para intentar acção de igual natureza nesse país, afigurando-se evidente que não se lhe suscita qualquer dificuldade em litigar naquele país.
9.ª) No mesmo registo, não existe impossibilidade absoluta na tramitação do litígio em Angola, porquanto a ordem jurídica angolana reconhece o direito do requerente, aqui recorrido, a regular o poder paternal, nada obstando a que o mérito da questão, nos termos e com os fundamentos invocados pelo requerente, seja aí discutido e decidido, sendo certo que entre Portugal e Angola existe um Acordo de Cooperação Jurídica e Judiciária que, no n.? 1 do art. 12° prevê que "As decisões proferidas pelos tribunais de cada um dos Estados Contratantes sobre direitos privados têm eficácia no território do outro desde que revistas e confirmadas.", pelo que a decisão a proferir sempre será exequível em território nacional.
10.ª) Em favor desta tese, decide o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 5/12/2013, in www.dgsi.pt, que "A alínea d) consagra o princípio da necessidade, segundo o qual a acção pode ser instaurada nos tribunais portugueses quando uma situação jurídica, que apresenta uma ponderosa conexão, pessoal ou real, com o território português, só possa ser reconhecida em acção proposta nos tribunais nacionais, ou constituir para o autor dificuldade apreciável a sua propositura no estrangeiro. (…) Na verdade, não só não foram alegados factos donde decorra uma impossibilidade jurídica, como não se vislumbra qualquer dificuldade apreciável na propositura da acção no tribunal francês, tanto mais que vivendo todos os interessados (réu, menor e a mãe) bem como as demais testemunhas, em França, é de supor estarem os tribunais franceses melhor posicionados para conhecer do mérito da acção."
11.ª) Atento o exposto, os tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para conhecer de acção de regulação das responsabilidades parentais em que todos os intervenientes processuais residem em Angola, por não se verificar que a pretensão invocada só se pode tomar efectiva por recurso a acção proposta em território nacional, nem que para o requerente exista qualquer dificuldade ponderosa na propositura da acção no estrangeiro.
12.ª) Nestes termos, ao julgar incompetente a excepção de incompetência internacional aduzida pela recorrente, mal andou o Tribunal a quo, fazendo errada interpretação da norma constante da alínea c) d n.º 1 do art. 62° do Código de Processo Civil, não podendo manter-se.
Termos em que na procedência do recurso, deverá a decisão recorrida ser revogada, julgando-se procedente a excepção de incompetência internacional invocada e, em consequência, os tribunais portugueses incompetentes para julgar o mérito da acção, por só assim se fazer JUSTIÇA!

O Ministério Público apresentou resposta, referindo em sumula o seguinte:
Ambos os progenitores do menor e este residem em Angola e inexiste dificuldade apreciável - jurídica ou material - em intentar a acção em Angola, pelo que não são os Tribunais Portugueses competentes para conhecer da regulação das responsabilidades parentais relativas ao menor B….
Por sua vez, na decisão sob recurso concluiu-se que em face dos termos do art. 62º al. c) CPC. e sendo quer os progenitores quer o menor cidadãos portugueses ocorre um elemento ponderoso de conexão que fundamenta a atribuição da competência internacional à ordem jurídica nacional.
Ainda na mesma peça processual mas, a propósito da determinação da competência territorial, assinala-se que o progenitor alegou a fls. 149 não conhecer o domicílio efectivo do menor, que a progenitora alega residir com o mesmo em Luanda.
Concluiu-se assim a fls. 373 dos autos:
"Deste modo, tendo em conta os elementos documentais carreados para os autos deles emerge que o menor e também ambos os seus progenitores quer à data da propositura desta ação (20.7.2012), quer presentemente, têm a sua residência habitual em território estrangeiro, mais concretamente em Angola, o que ocorre, aliás, desde o ano de 2007 quanto à progenitora e desde 2008 quanto ao progenitor (cfr. fls. 257 e 280, respetivamente) portanto em período temporal ainda anterior à data do nascimento do menor."
A decisão em recurso sustenta-se juridicamente no art. 62º al. c) o qual dispõe que os tribunais portugueses são territorialmente competentes "Quando o direito invocado não possa tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da acção no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento poderoso de conexão pessoal ou real".
Como se alega no recurso a norma em causa consagra o princípio da necessidade (forum necessitatis), pelo qual se alarga a competência internacional dos tribunais portugueses às situações em que se imponha evitar a denegação da justiça, obstando a que um direito subjectivo fique desprovido de tutela judiciária.
Mas, da fundamentação do despacho recorrido, nada resulta no sentido de que seja muito oneroso ou mesmo impossível conseguir a resolução do conflito por recurso aos Tribunais do Estado onde o menor e os progenitores residem.
Pelo contrário, tudo sugere que os Tribunais Angolanos estão disponíveis e aptos a decidir a questão dos autos, não se alegando sequer, nomeadamente que se tenham declarado incompetentes para o efeito, embora se mostre alegado que já aí foi intentada acção idêntica a esta.
Não há por isso fundamento para atribuir aos Tribunais Portugueses a competência para decidir o conflito dos autos.
Assim sendo, afigura-se-nos que deferindo ao recurso interposto e declarando a incompetência dos Tribunais Portugueses para conhecer da pretendida regulação das responsabilidades parentais será feita a habitual JUSTIÇA

Nos termos da lei processual civil são as conclusões do recurso que delimitam o objecto do mesmo e, consequentemente, os poderes de cognição deste tribunal.
Assim, a questão a resolver consiste em saber se os tribunais portugueses tem competência internacional para julgar o caso apresentado.

II – Fundamentação de facto.
Para a decisão do recurso releva a factualidade que se extrai do relatório supra.

III – Fundamentação de direito.
As normas de competência internacional servem-se de alguns elementos de conexão com a ordem jurídica nacional para atribuir competência aos tribunais do foro para o conhecimento de uma certa questão. As normas de conflitos que definem as condições em que os tribunais do foro são competentes para a apreciação de um objecto que apresenta uma conexão com várias ordens jurídicas podem designar-se por normas de recepção. É essa a função dos vários critérios enunciados no artigo. 62º do actual CPC (artigo 65º do CPC de 1961).
Estas normas de recepção definem a competência internacional dos Tribunais de uma certa ordem jurídica. Derivam tanto da regra segundo a qual, quando, o caso em apreciação apresenta uma conexão relevante com uma ordem jurídica, os seus tribunais devem ser competentes para a acção, como do princípio de que, perante a existência de uma tal conexão, os tribunais daquela ordem devem recusar a competência internacional, pois que isso pode equivaler a uma denegação de justiça.
A diferença entre a competência interna e a internacional consiste no seguinte: a competência interna respeita às situações que, na perspectiva da ordem jurídica portuguesa, não possuem qualquer conexão relevante com outras ordens jurídicas; a competência internacional refere-se aos casos que apresentam uma conexão com outras ordens jurídicas.
As normas de recepção só determinam, através da referida conexão, que os tribunais de uma jurisdição nacional são competentes para apreciar uma relação plurilocalizada. Essas normas não são normas de competência, porque não a atribuem a um tribunal, antes se limitam a determinar as condições em que uma jurisdição nacional faculta os seus Tribunais para a resolução de um certo litígio com elementos internacionais. As normas de recepção preenchem, no âmbito processual, uma função idêntica àquela que as normas de conflitos desempenham no âmbito substantivo: estas determinam qual a lei aplicável a uma relação jurídica plurilocalizada (se a lei do foro ou uma lei estrangeira); aquelas aferem se essa mesma relação pode ser apreciada pelos Tribunais de uma certa ordem jurídica.
Dispõe o artigo 62º al. c) que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.
Elege-se aqui o denominado critério da necessidade segundo o qual a acção pode ser instaurada nos tribunais portugueses quando uma situação jurídica, que apresenta uma ponderosa conexão, pessoal ou real, com o território português, só possa ser reconhecida em acção proposta nos tribunais nacionais).
Este critério depende da verificação simultânea de dois denominadores:
- a existência entre a ordem jurídica nacional e o objecto do litígio de algum elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real e
- e que o direito invocado apenas se possa efectivar por meio de acção proposta em Portugal ou que constitua para o autor dificuldade apreciável a sua propositura no estrangeiro
Abarca-se não só a impossibilidade jurídica, por inexistência de tribunal competente para dirimir o litígio em face das regras de competência internacional das diversas ordens jurídicas com as quais ele apresenta uma conexão relevante, mas também a impossibilidade prática, derivada de factos anómalos impeditivos do funcionamento da jurisdição competente: v.g. conflitos negativos; não reconhecimento, em abstracto, do direito pelo tribunal competente; Impossibilidade de facto: guerra; ausência de relações diplomáticas.
No despacho recorrido considerou-se que, tendo o menor nascido em Angola, em 9.3.2010 e sendo os seus pais cidadãos de nacionalidade portuguesa, ele é também um cidadão português, mostrando-se preenchida a previsão do artigo 62º al. c) do CPC pois verifica-se um elemento ponderoso de conexão pessoal.
Ora, como ressalta do que se explanou não se fez um correcto enquadramento do caso na fattispécie da norma em causa pois falta a verificação do outro denominador referido, ou seja, que o direito invocado apenas se possa efectivar por meio de acção proposta em Portugal ou que constitua para o autor dificuldade apreciável a sua propositura no estrangeiro.
Não foi invocada nenhuma factualidade integradora deste requisito, nem o mesmo foi ponderado na decisão.
Assim, são de acolher as razões do recurso.
Conclusões:
I - As normas de recepção só determinam, através da referida conexão, que os tribunais de uma jurisdição nacional são competentes para apreciar uma relação plurilocalizada. Essas normas não são normas de competência, porque não a atribuem a um tribunal, antes se limitam a determinar as condições em que uma jurisdição nacional faculta os seus tribunais para a resolução de um certo litígio com elementos internacionais. As normas de recepção preenchem, no âmbito processual, uma função idêntica àquela que as normas de conflitos desempenham no âmbito substantivo: estas determinam qual a lei aplicável a uma relação jurídica plurilocalizada (se a lei do foro ou uma lei estrangeira); aquelas aferem se essa mesma relação pode ser apreciada pelos Tribunais de uma certa ordem jurídica.
II - No artigo 62º al. c) do CPC elege-se aqui o denominado critério da necessidade
Este critério depende da verificação simultânea de dois denominadores:
- a existência entre a ordem jurídica nacional e o objecto do litígio de algum elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real e
- e que o direito invocado apenas se possa efectivar por meio de acção proposta em Portugal ou que constitua para o autor dificuldade apreciável a sua propositura no estrangeiro.
III - No caso, não se fez um correcto enquadramento do caso na fattispécie da norma em causa pois falta a verificação do denominador referido: que o direito invocado apenas se possa efectivar por meio de acção proposta em Portugal ou que constitua para o autor dificuldade apreciável a sua propositura no estrangeiro.
Pelo exposto, delibera-se julgar procedente a Apelação e, revogando-se a decisão recorrida, declara-se que os tribunais portugueses não têm competência internacional para a presente acção de Regulação das Responsabilidades Parentais.
Custas pelo Requerente.

Porto, 11 de Novembro de 2014
Ana Lucinda Cabral
Maria do Carmo Domingues
José Carvalho