Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0536821
Nº Convencional: JTRP00038742
Relator: DEOLINDA VARÃO
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
CONDOMÍNIO
ADMINISTRADOR
REPRESENTAÇÃO
LEGITIMIDADE
Nº do Documento: RP200601260536821
Data do Acordão: 01/26/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: .
Sumário: I - Administrador apenas tem legitimidade para intentar acção em que estejam em causa as partes comuns do edifício e que a assembleia de condóminos também só o pode autorizar a intentar acções em que estejam em causa aquelas partes comuns.
II - A reparação das partes comuns do prédio constitui um acto de administração, que compete à assembleia e ao administrador nos termos do artº 1430º.
III - Sendo no entanto a assembleia o órgão deliberativo e o administrador o órgão executivo, é aquela que compete deliberar sobre tal matéria, limitando-se o administrador a executar a deliberação nos termos da al. h) do artº 1436º.
IV - Por outro lado, a reparação de partes comuns do prédio, sendo embora um acto de administração, exorbita das competências do administrador enumeradas no artº 1436º e noutra legislação avulsa.
V - Nos limites das suas atribuições, o administrador não tem necessidade de justificar os seus poderes porque decorrem da própria lei, mas quando age fora desses limites tem de exibir o regulamento ou a acta da assembleia.
VI - Neste segundo caso, se o condomínio estiver representado pelo administrador, mas faltar a autorização da assembleia, tal não acarreta a ilegitimidade processual do condomínio, mas apenas a simples irregularidade de falta de deliberação a que se refere o artº 25º do CPC.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.
B.........., na qualidade de Administrador do Condomínio C.........., instaurou a presente acção com forma de processo sumário contra D.........., LDª.

Formulou os seguintes pedidos:
A) Ser a ré condenada a ressarcir o autor pela quantia já despendida na reparação do muro de suporte das terras do logradouro traseiro do prédio e na limpeza do terreno rústico confinante, no valor de € 1.546,29;
B) Ser a ré condenada a realizar as obras necessárias a suprir os defeitos de construção do prédio constantes dos docs. 22 e 23 anexos, designadamente, as destinadas a lavar previamente as paredes de todo o prédio com máquina de pressão, para o que é necessário a colocação de andaimes; tapar todas as fissuras com cola-veda e pintar exteriormente todo o prédio com tinta de borracha à cor; verificar as vedações do telhado; eliminar fendas e pintar no interior do edifício na escadaria que dá acesso às garagens como à própria garagem; reparar e pintar as divisões dos apartamentos que apresentam fendas e infiltrações de humidades; decapar as portas da casa do gás, aplicar anti-ferrugem, finalizando com tinta de esmalte branca; mudar a pedra da entrada e aplicar marmorite; tapar todas as fissuras aí existentes e finalizar com o envernizamento da marmorite;
C) Se a ré não efectuar as obras à sua custa, e entende-se que não as efectua se em contestação não aceitar fazê-las, deverá ser condenada a pagar ao autor o custo delas, orçamentadas no montante total de € 8.760,00, sem IVA, conforme orçamentos concedidos e constantes dos docs. 22 e 23 anexos, ou no valor cujo custo o autor vier a provar ter suportado em execução de sentença com as obras referidas;
D) Ser a ré condenada como responsável pelos prejuízos já sofridos pelo autor e nos que este vier a sofrer ocorridos por culpa exclusiva da ré em consequência de ter construído e vendido o prédio e convencido o autor de que o muro era resistente e não ruiria, que o logradouro se manteria como estava e que o prédio apresentaria de uma forma geral e legalmente exigível qualidade de construção, condição sem a qual os proprietários das fracções não teriam feito as compras das suas fracções autónomas;
E) Ser a ré condenada a indemnizar o autor pelas despesas já suportadas de compra e substituição de equipamento de fraca qualidade, como seja o automatismo novo colocado na porta exterior de entrada para as garagens, no valor de € 552,78, com IVA incluído;
F) Ser a ré condenada a indemnizar o A. pela quantia despendida na compra de areia fina que colocou no jardim infantil, em virtude de a existente ter vazado por entre o muro de suporte, antes da sua derrocada.
G) Ser a ré condenada em indemnização como litigante de má-fé, se não aceitar a culpa ou tentar eximir-se ao pagamento do que é devido ao autor.

Como fundamento, alegou, em síntese, que a ré construiu e constituiu em propriedade horizontal o prédio urbano identificado no artº 3º da petição inicial e posteriormente vendeu as respectivas fracções autónomas; a ré construiu um muro de vedação do logradouro traseiro do prédio por cima de um muro já existente de suporte de terras sem efectuar qualquer obra que prevenisse eventuais desmoronamentos; em consequência desse facto, o muro ruiu, pondo em causa a segurança dos utentes do parque infantil existente no logradouro; a ré não se prontificou a reparar o muro, pelo que os condóminos deliberaram, em assembleia, reconstruir o muro a expensas suas, no que despenderam a quantia de € 1.546,29; o prédio apresenta ainda os defeitos de construção enumerados nos artºs 37º a 45º, tendo o autor já reparado alguns e sendo necessário reparar os restantes.
A ré contestou, invocando as excepções da ilegitimidade do autor por não lhe terem sido concedidos poderes pela assembleia de condóminos para instaurar a presente acção, da caducidade e da ausência de denúncia dos defeitos e impugnando ainda os factos alegados pelo autor.
Na resposta, o autor defendeu a sua ilegitimidade por estar devidamente mandatado pela assembleia de condóminos e alegou ainda que, caso assim não se entenda, se propõe sanar a ilegitimidade, ratificando o por si processado nos autos.
Percorrida a tramitação normal, foi proferido despacho saneador que julgou procedente a excepção de ilegitimidade do autor e absolveu a ré da instância.
Inconformado, o autor interpôs recurso de agravo, formulando as seguintes

Conclusões:
1ª – A douta sentença de que ora se recorre concluiu que o autor não se encontrava munido de poderes especiais necessários para propor a presente acção, pelo facto de a Acta nº seis da Assembleia-Geral de Condóminos C.........., não conter o rigor terminolóico mínimo, para desta se poder concluir sem margem para dúvidas qual a vontade da Assembleia.
2ª – Na resposta à contestação apresentada pelo réu (artº 6º), o autor propôs-se suprir a sua ilegitimidade, caso algumas dúvidas subsistissem quanto à vontade que a Assembleia pretendeu expressar na referida acta.
3ª – A manifestação do propósito do autor foi ignorada e este apenas foi notificado para apresentar cópia certificada da acta que já havia junto.
4ª – Incumbe ao Juiz do processo realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos que lhe for lícito conhecer – artº 288º, nº 3 do CPC.
5ª – As excepções dilatórias (de que faz parte a ilegitimidade), apenas subsistem enquanto a respectiva falta ou irregularidade não for sanada nos termos do preceito legal atrás referido – artº 265º, nº 3 do CPC.
6ª – A procedência de uma excepção dilatória só terá lugar quando a falta de pressuposto processual não for susceptível de suprimento ou quando dependendo este por via do dispositivo da vontade das partes, esta se mantiver inactiva.
7ª – Houve omissão do poder dever de notificação do autor nos termos e para os efeitos do artº 265º, nº 2 e nº 3 e 508º, nº 1 do CPC.
8ª – Nos termos e ao abrigo do artº 743º, nº 3 do CPC, o autor junta uma cópia certificada da reunião da Assembleia Geral de Condóminos C.......... (acta nº 8 lavrada no dia 30.06.05), nos termos da qual aquela Assembleia delibera ratificar todo o processado nos presentes autos desde 10.01.05 pelo autor, na qualidade de Administrador aquela data do Condomínio C.......... e esclarece sem margem para qualquer dúvida qual foi a sua vontade expressa na acta nº seis de 10.01.05.
9ª – Por via deste instrumento, encontra-se suprida a ilegitimidade do autor para os presentes autos e que, não fosse a omissão do douto despacho nesse sentido, esta já se poderia encontrar sanada.
10ª – Ao decidir nos termos da douta sentença em recurso, o tribunal “a quo” violou o disposto nos artºs 265º, nº 2 e nº 3 e 508º, nº 1, todos do CPC.

A ré contra-alegou, pugnando pela manutenção de decisão recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II.
Antes de mais, importa elencar a matéria de facto provada com interesse para a decisão da causa, que é a seguinte:

O autor foi eleito administrador C.......... em assembleia-geral de condóminos realizada a 23.01.04.
Na acta da referida assembleia, consta o seguinte:
“Passando ao terceiro ponto, a situação do muro que foi construído a conselho da advogada Drª E.......... ficando por nossa conta o pagamento e seguir as respectivas vias judiciais, já que se demonstraram infrutíferas as conversas com o construtor D........., Ldª (...).
Interveio o Sr. B.......... dizendo que ia tentar mais uma vez o diálogo com o construtor na presença de todos os interessados e seus advogados. Se não houver qualquer tipo de entendimento por parte dos construtores seguiremos as vias judiciais”.

Os factos provados assentam no teor da acta da assembleia-geral de 23.01.04, cuja cópia autenticada está junta a fls. 178 e seguintes.
*
III.
O recurso é balizado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que naquelas não se encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso (artºs 684º, nº 3 e 690º, nºs 1 e 3 do CPC), acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.

A questão a decidir no presente recurso é a seguinte:
- Se o autor devia ter sido convidado a suprir a falta de autorização da assembleia de condóminos para instaurar a presente acção.

Dispõe o artº 1430º, nº 1 do CC – Diploma a que pertencem todas as normas adiante citadas sem menção de origem – que a administração das partes comuns do edifício compete à assembleia de condóminos e a um administrador.
A propriedade horizontal tem como órgãos administrativos a assembleia de condóminos (órgão deliberativo) e o administrador (órgão executivo).
Embora competindo aqueles dois órgãos, a administração das coisas comuns na propriedade horizontal é preponderantemente exercida por esta última.
O administrador é fundamentalmente um executor das deliberações da assembleia, não lhe assistindo qualquer poder decisório. Mesmo quando actua no desempenho de uma função que resulta directamente da lei, deve entender-se que o faz por delegação da assembleia, na medida em que foi esta que o escolheu para o desempenho de tal função, da qual a todo o tempo o pode exonerar. [Rui Vieira Miller, “A Propriedade Horizontal no Código Civil”, 1998, pág. 249]
É à assembleia, órgão colegial composto por todos os condóminos, que compete decidir sobre os problemas do condomínio que se refiram às partes comuns, encontrando soluções para os resolver, delegando no administrador a sua execução e controlando o modo como este dela se desempenha. [Aragão Seia, “Propriedade Horizontal”, pág. 153]
Conforme resulta claramente do preceituado no normativo citado, a assembleia de condóminos e o administrador só têm poderes relativamente às partes comuns do edifício. Uma competência mais ampla apenas existirá nos casos em que a lei expressamente o estabeleça (cfr. quanto à assembleia o artº 1482º, nºs 1 e 2 e quanto ao administrador o artº 1426º, al. c). [Pires de Lima/Antunes Varela, CC Anotado, Vol. III, 2ª ed., pág. 442]
A assembleia de condóminos só pode pronunciar-se sobre matérias que respeitem às partes comuns do edifício, não podendo interferir com a administração que cada condómino faça da sua fracção, sendo ineficazes as deliberações que tomar e que não se prendam com a administração das partes e serviços comuns.
E os seus poderes são exclusivamente de administração, não lhe sendo lícito praticar actos de disposição, os quais dependem (quando possam ter lugar) do acordo de todos os condóminos.
No exercício da sua actividade de gestão, a assembleia deve ainda obediência às normas legais imperativas e às supletivas que não tenham sido derrogadas pelo título constitutivo ou pelo acordo unânime dos condóminos. E deve também obediência ao que no título do condomínio se disponha sobre as partes comuns do prédio. [Aragão Seia, obra e local citados]

Por seu turno, o artº 1436º enumera, nas suas diversas alíneas, as funções do administrador. O que faz a título meramente exemplificativo, como se deduz não só da sua letra (que se refere a outras emanadas da assembleia), como do seu espírito.
O administrador, como órgão executivo do grupo de condóminos constituído em torno da propriedade horizontal tem assim como incumbência não só desempenhar as funções que lhe atribui o citado artº 1436º, específicas do seu cargo, como as que lhe forem delegadas pela assembleia e ainda as que lhe forem cometidas por outros preceitos legais. Não devendo nunca perder-se de vista que, em princípio, as suas atribuições se reportam apenas às coisas comuns e aos serviços de interesse comum. [Aragão Seia, obra citada, pág. 154 e Pires de Lima/Antunes Varela, obra citada, pág. 453]

Não se pode dizer que o condomínio seja uma pessoa colectiva, pelo que, em princípio, não disporia de personalidade judiciária.
No entanto, a al. e) do artº 6º do CPC assim o ficcionou, ao conceder-lhe personalidade judiciária, relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador, isto é, em que ele pode intervir, nos termos dos artºs 1433º, nº 6 (como réu) e 1437º (como autor e réu).
Nos termos do artº 1437º, nº 1, “O administrador tem legitimidade para agir em juízo, quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiro, na execução das funções que lhe pertençam ou quando autorizado pela assembleia”.
E nos termos do nº 2, pode também ser demandado nas acções respeitantes às partes comuns do edifício.
Já para as acções respeitantes à propriedade e à posse dos bens comuns, é necessário que a assembleia lhe atribua para o efeito poderes especiais (nº 3).
De harmonia com o disposto naquele normativo, o administrador tem legitimidade para agir em juízo relativamente às acções que se inserem no seu âmbito funcional e àquelas para que foi autorizado pela assembleia; também pode ser demandado nas acções respeitantes às partes comuns do edifício, exceptuando-se as acções referidas no seu nº 3, salvo se a assembleia lhe conceder poderes especiais.
O artº 1437º consagra assim a legitimidade do administrador para estar em juízo, quer como autor, em execução de alguns dos actos previstos no artº 1436º, quer como réu, nas acções respeitantes às partes comuns do edifício ou relativas à prestação de serviços de interesse comum, além de poder ainda agir em juízo, em representação do grupo de condóminos, quando a assembleia lhe confira autorização para tal.
No que respeita à legitimidade activa, e como se lê no Ac. desta Relação de 08.03.05, [Disponível em www.dgsi.pt, nº conv. 37807] tratando-se de acções obrigacionais, ou a acção é instaurada por todos os condóminos, seguindo o regime aplicável da compropriedade (artº 1405º, nº 1) ou é proposta pelo administrador na execução de funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela assembleia (artº 1437º, nº 1).
A mencionada autorização da assembleia só pode ser concedida no âmbito da competência desta. Há muitos assuntos respeitantes à gestão dos bens comuns que exorbitam da competência do administrador, nas que cabem na da assembleia. [Pires de Lima/Antunes Varela, obra citada, pág. 455]
Resulta do acima exposto que o administrador apenas tem legitimidade para intentar acção em que estejam em causa as partes comuns do edifício e que a assembleia de condóminos também só o pode autorizar a intentar acções em que estejam em causa aquelas partes comuns. [Neste sentido, ver, entre outros, os Acs. do STJ de 17.02.98, CJ/STJ-I-87; da RC de 20.10.87, CJ-IV-85; da RL de 10.05.90, CJ-III-116; da RL de 27.04.95, base citada, nº conv. 21633; da RL de 03.07.97, CJ-IV-77; e da RL de 13.03.01, base citada, nº conv. 31817]

A presente acção destina-se a efectivar a responsabilidade da construtora e vendedora do prédio por defeitos de construção nas partes comuns do mesmo.
Estamos claramente perante uma acção obrigacional, pelo que teria de ser instaurada ou por todos os condóminos ou pelo administrador, restando saber se este o pode fazer na execução de funções que lhe pertencem, para o que não carece da autorização da assembleia ou se esta autorização é necessária.
A reparação das partes comuns do prédio constitui um acto de administração, que compete à assembleia e ao administrador nos termos do artº 1430º.
Sendo no entanto a assembleia o órgão deliberativo e o administrador o órgão executivo, é aquela que compete deliberar sobre tal matéria, limitando-se o administrador a executar a deliberação nos termos da al. h) do artº 1436º.
Por outro lado, a reparação de partes comuns do prédio, sendo embora um acto de administração, exorbita das competências do administrador enumeradas no artº 1436º e noutra legislação avulsa.
Designadamente, não se enquadra na al. f) – realização dos actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns – porque estes actos são apenas aqueles que nada resolvem em definitivo, que não comprometem o futuro e que apenas visam manter uma coisa ou um direito numa determinada situação. Incluem-se aqui as acções possessórias, a interrupção dos prazos de prescrição ou de usucapião, [Aragão Seia, obra citada, pág. 199] e os procedimentos cautelares [Ana Sardinha e Francisco Cabral Metelo, “Manual do Condomínio”, pág. 122. Ver ainda os Acs. da RL de 25.10.94 e 16.12.03, base citada, nº conv. 18651 e processo 8050/2003-7, respectivamente].
E também não se enquadra na al. g) que apenas se refere ao uso das coisas, não se tratando também de prestação de serviços de interesse comum.
A presente acção teria assim de ser instaurada por todos os condóminos ou pelo administrador com autorização da assembleia de condóminos. [Neste sentido se pronunciaram os Acs. desta Relação citado na nota 7, da RL de 03.07.97, citado na nota 9 e ainda os Acs. desta Relação de 10.05.05 e da RL de 27.03.84, base citada, nºs conv. 38040 e 29225, respectivamente]

O administrador do condomínio nunca pôs em causa a necessidade de autorização da assembleia. Apenas afirmou que tal autorização lhe foi concedida na assembleia-geral de 23.01.04.
Na sentença recorrida decidiu-se que não resultava da acta da assembleia-geral que aquela autorização tivesse sido concedida.
Conforme ali se escreveu, citando o Ac. da RL de 03.07.97 supra referido na nota 9, as actas das assembleias de condóminos têm de conter o rigor terminológico mínimo para delas se poder concluir sem margem para dúvidas, qual a vontade da assembleia para intervir em pleitos judiciais.
Ora, na acta da assembleia-geral de 23.01.04 ficou consignada apenas a declaração do administrador de que “…ia tentar mais uma vez o diálogo com o construtor na presença de todos os interessados e seus advogados. Se não houver qualquer tipo de entendimento por parte dos construtores seguiremos as vias judiciais”.
Tal declaração nem sequer é uma proposta; constitui apenas uma manifestação de intenções. E ainda que se entendesse como uma proposta não foi submetida à aprovação dos condóminos presentes que sobre ela não se pronunciaram.
A situação dos presentes autos é ainda mais equívoca do que a debatida no Ac. da RL de 03.07.97, já que nesta chegou a ser aprovada uma proposta embora em termos pouco precisos.
Conclui-se assim, como na decisão recorrida, que o administrador do condomínio, quando foi instaurada a presente acção, não estava munido dos poderes necessários para o efeito.

Resta saber se deveria ter sido dada oportunidade ao administrador do condomínio de suprir aquela falta de poderes.

Temos vindo a falar em legitimidade do administrador do condomínio para estar em juízo, usando a terminologia do artº 1437º.
Resulta, no entanto, do acima exposto, que a legitimidade do administrador de que fala aquele normativo não é a legitimidade processual no sentido da legitimidade ad causam. A legitimidade que consiste no interesse directo em demandar – artº 26º do CPC – é um pressuposto processual que só em concreto pode ser determinado.
Nas acções como a presente quem é parte é o condomínio, que surge como suporte dos direitos e obrigações dos titulares das fracções, relativamente às partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal. [Ver o Ac. da RC de 19.04.05, base citada, processo nº 381/05]
É, pois, em relação ao condomínio que tem de se aferir a legitimidade processual, determinando-se se é ele o titular da relação material controvertida nos autos.
E, no caso em apreço, o condomínio é inquestionavelmente o sujeito da relação material controvertida nos autos, já que está em causa a administração das partes comuns do edifício, e, portanto, é parte legítima, nos termos do artº 26º do CPC.

Como se disse, o condomínio não tem personalidade jurídica, mas tem personalidade judiciária que lhe foi concedida pela al. e) do artº 6º do CPC relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador, isto é, em que ele pode intervir, nos termos dos artºs 1433º, nº 6 (como réu) e 1437º (como autor e réu).
Não tendo o condomínio personalidade jurídica, mas apenas judiciária, falta-lhe capacidade judiciária, a qual é suprida através da representação judiciária do administrador nos termos dos normativos acima citados – artº 22º do CPC.
A norma do artº 1437º respeita assim à legitimatio ad processum, ou seja, à capacidade processual do condomínio, ali se tratando do suprimento dessa incapacidade através da representação judiciária pelo administrador. [Sobre esta matéria, ver Sandra Passinhas, “A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, pág. 329]
Nos limites das suas atribuições, o administrador não tem necessidade de justificar os seus poderes porque decorrem da própria lei, mas quando age fora desses limites tem de exibir o regulamento ou a acta da assembleia.
Neste segundo caso, se o condomínio estiver representado pelo administrador, mas faltar a autorização da assembleia, tal não acarreta a ilegitimidade processual do condomínio, mas apenas a simples irregularidade de falta de deliberação a que se refere o artº 25º do CPC.
Deve assim, o juiz designar o prazo dentro do qual o administrador deve obter a respectiva autorização, suspendendo-se entretanto os termos da causa. Não sendo a falta sanada dentro do prazo, o réu é absolvido da instância (cfr. o citado artº 25º, nºs 1 e 2). [Neste sentido, Sandra Passinhas, obra citada, pág. 333 e os Acs. da RC de 24.03.81, CJ-II-27 e desta Relação de 10.05.05, base citada, nº conv. 380409
No caso em apreço, deveria pois o Sr. Juiz a quo ter fixado prazo para o administrador do condomínio suprir a irregularidade de representação, juntando aos autos acta de assembleia que contivesse a deliberação a autorizá-lo a propor a acção, suspendendo-se ao termos desta.
Decorrido o prazo ficado sem que a acta tivesse sido junta aos autos, seria então proferido despacho a considerar verificada a excepção dilatória de falta de deliberação e a absolver a ré da instância (artºs 25º, nº 2, 493º, nºs 1 e 2 e 494º, al. d), todos do CPC).

Com as alegações de recurso, o agravante foi juntou aos autos cópia certificada da acta da assembleia-geral de 30.06.05, que deliberou conceder ao administrador poderes para representar os condóminos na presente acção e ratificar os actos já praticados (cfr. fls. 200 a 202).
A junção de tal documento com as alegações de recurso é admissível, face ao disposto no artº 706º, nº 1, 2ª parte (ex vi artº 743º, nº 3 do CPC).
Não é pois necessário proferir despacho a convidar o administrador a suprir a falta de deliberação, já que este se antecipou, juntando aos autos a referida acta.
Porém, este tribunal não pode apreciar a validade da deliberação da assembleia de 30.06.05 porque esta constitui matéria nova, excedendo, portanto, o âmbito do recurso.
A validade daquela deliberação (da qual depende a regularidade da representação do condomínio) tem de ser apreciada e decidida pelo tribunal a quo através da análise da respectiva acta junta a fls. 200 a 202.

Procedem, pois, as conclusões da agravante, embora por fundamentação diversa, pelo que terá de ser dado provimento ao agravo, revogando-se a decisão recorrida que deve ser substituída por outra que se pronuncie sobre a regularidade da representação do condomínio nos termos acima expostos.
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IV.
Pelo exposto, acorda-se em conceder provimento ao agravo e, em consequência:

- Revoga-se a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que, julgando o condomínio parte legítima, se pronuncie sobre a regularidade da sua representação pelo administrador como dependência da validade da deliberação da assembleia-geral de 30.06.05.

Custas pela agravada.
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PORTO, 26 de Janeiro de 2006
Deolinda Maria Fazendas Borges Varão
Ana Paula Fonseca Lobo
António Domingos Ribeiro Coelho da Rocha