Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
571/14.4T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO NUNES
Descritores: LICENÇA EM SITUAÇÃO DE RISCO CLÍNICO DURANTE A GRAVIDEZ
DIREITO A FÉRIAS
Nº do Documento: RP20150511571/14.4T8MTS.P1
Data do Acordão: 05/11/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Por força do disposto no artigo 65.º, n.º 1, do Código do Trabalho, o regime de licença em situação de risco clínico durante a gravidez e de licença parental, em qualquer das modalidades, não determina a perda de quaisquer direitos para a trabalhadora, salvo quanto à retribuição que se prende com a efectiva prestação do trabalho, ficcionando a lei tal período como sendo de prestação de trabalho.
II - Em relação ao gozo das férias, o mesmo encontra-se à margem do regime previsto na referida norma legal.
III - Por isso, terminado o gozo da licença referida em i), a trabalhadora podia gozar de imediato as férias e, inscrevendo-se esse gozo já no período após a licença e, considerando ainda, que com o gozo das férias a trabalhadora tem direito a receber o correspondente subsídio de férias, que se encontra intrinsecamente associado ao gozo das mesmas, o seu pagamento é da responsabilidade da entidade empregadora.
IV - Em conformidade com as proposições anteriores, tendo a trabalhadora estado de licença em situação de risco clínico durante a gravidez entre 10 de Outubro de 2012 e 29 de Maio de 2013 e de licença parental entre 30 de Maio de 2013 e 20 de Janeiro de 2014, competia à entidade empregadora proceder ao pagamento do correspondente subsídio de férias em relação às férias que a trabalhadora gozou, de 21 de Janeiro de 2014 a 19 de Fevereiro de 2014, imediatamente após o período de licença.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 571/14.4T8MTS.P1
Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
Relator: João Nunes; Adjunto: Des. António José Ramos.

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório
B… – Cabeça de Casal da Herança (NIF ………, com sede e estabelecimento na Rua …, n.º …, ….-… Matosinhos) impugnou judicialmente a decisão da Autoridade para as Condições do Trabalho (Centro Local do Grande Porto) que lhe aplicou a coima de 32 UC, correspondente a € 3.264,00, a que acresce o pagamento à trabalhadora C… da importância líquida de € 1.504,36 e à segurança social da importância de € 587,38, e ainda a sanção acessória de publicidade.
A condenação teve como fundamento a violação por parte da arguida do disposto no artigo 264.º, n.º 3, do Código do Trabalho, ou seja, por não ter pago à referida trabalhadora o subsídio de férias correspondente ao período de 22 dias úteis de férias, gozado de 21 de Janeiro a 19 de Fevereiro de 2014.

Por sentença de 27 de Janeiro de 2015, da Comarca do Porto – Matosinhos – Instância Central – 3.ª Secção do Trabalho – Juiz 3 – foi negado provimento à impugnação, sendo a parte decisória do seguinte teor:
«- Perante o exposto, julgo improcedente, por não provada, a presente impugnação judicial, e, em consequência, mantenho a condenação da arguida “B… – Cabeça de casal da Herança”, pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelas disposições conjugadas dos nos termos do artigo 264.º, n.º 4, do Código do Trabalho, facto punível, dado o volume de negócios da arguida em 2011 (1.440.994,00€), nos termos do artigo 554.º, n.º 4, alínea b), e art.º 561.º do mesmo diploma legal, com uma coima de 32 UC (€ 3.264,00).
A Arguida deve ainda, proceder ao pagamento à trabalhadora C… da importância líquida total de €1.504,36 e à segurança social da importância total de €587,38».
De novo inconformada, a recorrente interpôs recurso para este Tribunal da Relação, tendo na respectiva motivação formulado as seguintes conclusões:
«I A douta sentença aqui posta em crise julgou improcedente a impugnação judicial apresentada pela Recorrente e manteve a condenação pela prática, a título de negligência, de contra-ordenação muito grave, pela falta de pagamento à trabalhadora do subsídio de férias.
II A decisão recorrida condenou a Recorrente no pagamento de uma coima no valor de € 3.264,00, no pagamento à trabalhadora da importância líquida de € 1.504,36 e à Segurança Social da Importância de € 587,38.
III A Recorrente não se conforma com tal decisão.
IV A Recorrente não discorda dos factos julgados como provados na douta sentença, mas discorda da interpretação que o Tribunal a quo fez das normas jurídicas que aplicou.
V A Recorrente arguiu em sede de impugnação judicial, os argumentos já expostos sob o artigo quinto das motivações.
VI O Tribunal a quo entendeu que a trabalhadora C… tem direito às férias e ao pagamento do respectivo subsídio, a ser efectuado pela Recorrente.
VII A sentença recorrida considerou provado que “Esta trabalhadora gozou um período de férias de vinte e dois dias úteis (de 21/01 a 19/2 de 2014), após um período de ausência ao trabalho resultante de licença em situação de risco clínico durante a gravidez e de licença parental (de 10/2012 a 20/01/2014);
VIII Na fundamentação de direito da sentença recorrida lê-se: “Estabelece o artigo 65º nº 1 do Código do Trabalho, que (...)” não determinam perda de quaisquer direitos, salvo quanto à retribuição, e são consideradas, como prestação efectiva de trabalho as ausências ao trabalho resultantes de licença em situação de risco clínico durante a gravidez, licença por interrupção de gravidez; licença parental, em qualquer das modalidades; licença por adopção; licença complementar em qualquer das modalidades.”
IX Lê-se igualmente na fundamentação de direito da sentença recorrida que “A ressalva da retribuição decorre da circunstância de se prever que, durante as licenças, faltas e dispensas referidas naquele artigo, o trabalhador tem direito a, quando abrangido pelo regime geral de segurança social, a um subsídio, nos termos definidos em diploma próprio”.
X Porque de regalias sociais se tratam, o pagamento das retribuições relacionadas com as várias licenças elencadas no artigo 65º do Código do Trabalho compete ao Instituto da Segurança Social.
XI Durante os períodos da licença em situação de risco clínico durante a gravidez e da licença parental a trabalhadora fica desobrigada de prestar trabalho e a empregadora isenta de proceder ao pagamento da respectiva retribuição.
XII Nos termos do número 1, do artigo 258º do Código do Trabalho “considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho”.
XIII Acrescenta o número 2 do mesmo normativo legal que “a retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou espécie”.
XIV Sendo o subsídio de férias é uma prestação regular e periódica, não pode deixar de ser considerado como retribuição.
XV Se o legislador tivesse querido retirar ao subsídio de férias o carácter retributivo, teria incluído este subsídio no elenco taxativo do artigo 260º do Código do Trabalho.
XVI Resulta da conjugação dos artigos 65º, 258º e 260º do Código do Trabalho que a Recorrente não tinha de pagar à trabalhadora o subsídio de férias.
XVII Cumpre recordar Flávio Serrano Roques (in “A Licença de Maternidade e a Obrigação Retributiva”, Verbo Jurídico, Abril de 2009, p.13) que “(...) seria um ónus normativamente inadequado o de exigir ao empregador o pagamento dos proporcionais do subsídio de férias e de Natal referentes ao período de licença de maternidade, quando tal licença lhe é imposta, ainda que assente em razões de natureza social. É um direito social da trabalhadora-mãe, decorrente do Estado de Direito Social, pelo que tal obrigação deve caber ao próprio Estado, através da Segurança Social”.
XVIII Da sentença recorrida resulta que “Através da conjugação dos preceitos supra mencionados, conclui-se, que o subsídio de Natal faz parte da retribuição e como tal pode ser objecto de redução proporcional ao período de gozo da licença por maternidade, uma vez que aquele subsídio é anual.”
XIX A sentença recorrida não chega a pronunciar-se sobre se a considera que o Subsídio de Férias integra o conceito de retribuição pelo que enforma de nulidade, nos termos da alínea d), do n.º 1, do artigo 615º do C.P.C.
XX Resulta do n.º 2, do artigo 237º do Código do Trabalho que “O direito a férias, em regra, reporta-se ao trabalho prestado no ano civil anterior, mas não está condicionado à assiduidade ou efectividade de serviço”.
XXI Não se compreende que a sentença recorrida condene a Recorrente no pagamento à trabalhadora de um subsídio de férias relativo a um direito a férias que se reporta ao trabalho prestado em ano civil anterior, período em que a trabalhadora se encontrava de licença.
XXII As férias que a trabalhadora gozou reportam-se a um período em que esteve de licença, durante o qual a retribuição foi paga pela Segurança Social, pelo que o pagamento do respectivo subsídio de Férias compete à Segurança Social.
XXIII Não se compreende a distinção que o Tribunal a quo faz entre o subsídio de Natal e o subsídio de férias, ao considerar que o primeiro “faz parte da retribuição e como tal pode ser objecto de redução proporcional ao período de gozo da licença por maternidade”, nada dizendo relativamente ao carácter retributivo do subsídio de férias.
XXXIV A sentença recorrida limita-se a concluir “Quanto ao subsídio de férias, porém, tendo em conta o já referido preceito contido no artigo 65.º do CT, segundo o qual as ausências nele referidas são consideradas como prestação efectiva de trabalho, o contrato de trabalho não se suspende, pelo que o direito a férias vence-se normalmente a 01 de Janeiro de cada ano, tal como para os demais trabalhadores não ausentes pelos mesmos motivos.”
XXXV A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 65º, n.º 1, 258º, 260º, 264º, n.º 4 e 554º, nº 4, todos do Código do Trabalho.
XXXVI Lê-se na alínea a), do n.º 2, do artigo 394º do Código do Trabalho que “Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador: a) falta culposa de pagamento pontual da retribuição”.
XXXVII Suponhamos que um trabalhador pretendia fazer cessar o seu contrato de trabalho com justa causa por falta de pagamento de subsídio de férias.
XXXVIII Na eventualidade de não se considerar o subsídio de férias como integrante do conceito de retribuição, cair-se-ia no inimaginável cenário em que o trabalhador não poderia resolver o contrato com justa causa porque o subsídio de férias não integraria o conceito de retribuição.
XXXIX Deve, como tal, a douta sentença ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente dos pedidos destes autos.
Termos em que, nos melhores de Direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exªas, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, devendo a douta sentença ora posta em crise ser revogada e substituída por outra que, nos termos supra expostos, absolva a Recorrente, assim se fazendo, Venerandos Senhores Juízes Desembargadores, Inteira Justiça».

O Ministério Público na 1.ª instância respondeu ao recurso, a concluir pela sua improcedência.

Por despacho de 24-02-2015, o recurso foi admitido na 1.ª instância, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, atenta a caução prestada.

Neste tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto apôs o “visto”.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Objecto do recurso
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões que os recorrentes extraem da respectiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso – artigos 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, ex vi do artigo 41.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas) e do artigo 50.º, n.º 4, da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, sendo que este último diploma estabelece o regime jurídico processual aplicável às contra-ordenações laborais e da segurança social.
Assim, tendo em conta as conclusões de recurso, são duas as questões essenciais a decidir:
i) saber se a sentença é nula, por, alegadamente, não se ter pronunciado se considera que o subsídio de férias integra o conceito de retribuição;
ii) saber se competia à arguida/aqui recorrente o pagamento do subsídio de férias em relação às férias que a sua trabalhadora gozou no período de 21 de Janeiro de 2014 a 19 de Fevereiro de 2014: em caso afirmativo, não restam dúvidas de que a mesma cometeu a contra-ordenação por que foi condenada, pelo que deverá confirmar-se a sentença recorrida; já em caso negativo, terá a mesma, naturalmente, que ser absolvida por não ter praticado a contra-ordenação em causa.

III. Factos
Na 1.ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade:
1. A arguida, com o NIF ………, tem sede e estabelecimento na Rua …, n.º …, ….-… Matosinhos;
2. Do seu quadro de pessoal faz parte a trabalhadora C…;
3. Esta trabalhadora gozou um período de férias de vinte e dois dias úteis (de 21/01 a 19/2 de 2014), após um período de ausência ao trabalho resultante de licença em situação de risco clínico durante a gravidez e de licença parental (de 10/2012 a 20/01/2014);
4. A entidade patronal não efectuou o pagamento do subsídio de férias relativo ao período de vinte e dois dias de férias gozado pela trabalhadora C…;
5. Entende a entidade patronal que não tem que o fazer;
8. Verifica-se que a arguida não cumpriu com a obrigação legal de pagar o subsídio de férias antes do início do período de férias, nem regularizou esta situação no decurso da intervenção inspectiva desenvolvida;
9. Está em dívida à trabalhadora a importância líquida total de 1.504,36 euros e à segurança social a importância total de 587,38 euros;
10. A arguida obteve um volume de negócios no ano de 2011 de € 1.440.994,00.

Da referida matéria de facto verifica-se que os n.ºs 8 e 9, numa interpretação meramente literal, assumem natureza claramente conclusiva.
Na verdade, o afirmar-se que a arguida não cumpriu com a obrigação legal de pagar o subsídio de férias (n.º 8) e que está em dívida à trabalhadora e à segurança social uma determinada quantia constitui o thema decidendum do recurso, pelo que a interpretarem-se os factos nesses precisos termos estava-se, através deles, a resolver directamente a questão essencial.
Por isso, não obstante este tribunal apenas conhecer da matéria de direito (cfr. artigo 51.º, n.º 1, da Lei n.º 107/2009), considerando que uma das questões essenciais a decidir se centra em saber se era devido o pagamento do subsídio de férias por parte da recorrente, irá interpretar-se o facto n.º 8 tão só no sentido de que a arguida não pagou o subsídio de férias antes do início das férias, nem no decurso da intervenção inspectiva desenvolvida, e que caso seja devido o pagamento do subsídio por parte da arguida o valor líquido de subsídio de férias devido à trabalhadora é de € 1.504,36 e à segurança social de € 587,38.

IV. Fundamentação
1. Da arguida nulidade da sentença
Sustenta a recorrente que a sentença recorrida não se pronunciou sobre se considera que o subsídio de férias integra o conceito de retribuição, pelo que enferma de nulidade nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil (cfr. conclusão XIX).
De acordo com o disposto no artigo 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09, nos casos omissos são aplicáveis, com as devidas adaptações, os preceitos reguladores do processos de contra-ordenação previsto no regime geral das contra-ordenações, ou seja, o Decreto-Lei n.º 433/82, de 27-10.
De acordo com o artigo 41.º deste compêndio legal constitui direito subsidiário do mesmo os preceitos reguladores do processo criminal.
Assim, não se encontrando previsto naqueles diplomas as normas referentes à nulidade da sentença, haverá que convocar o que, a tal propósito, dispõe o Código de Processo Penal.
Ora, estabelece o artigo 379.º, n.º 1, alínea c), deste compêndio legal, que é nula a sentença quando, entre o mais, o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
Daqui decorre, pois, que o juiz tem que pronunciar-se sobre as “questões” que lhe são colocadas.
Como escreve Antunes Varela (et alii, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 688), «[p]or um lado o julgador não tem que analisar todas as razões jurídicas que cada uma das partes invoque em abono das suas posições, embora lhe incumba resolver todas as questões suscitadas pelas partes; a fundamentação da sentença contenta-se com a indicação das razões jurídicas que servem de apoio à solução adoptada pelo julgador.
Por outro lado, não é indispensável, conquanto seja de toda a conveniência, que na sentença se especifiquem as disposições legais que fundamentam a decisão: essencial é que se mencionem os princípios, as regras, as normas em que a sentença se apoia».
Assim, o tribunal não tem que analisar e apreciar todos os argumentos, todas as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa da sua posição: tem é que resolver todas as questões que lhe foram colocadas pelas partes (excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras) no sentido da procedência ou improcedência da acção.
A dificuldade centra-se, então, em determinar o que deve entender-se por «questões»: ora, estas deverão ser encontradas perante a configuração que as partes deram ao litígio, tendo em conta o pedido, a causa de pedir e, eventualmente, as excepções invocadas.
Daí que, como se afirmou no acórdão do Supremo tribunal de Justiça de 21-09-2005 (Recurso n.º 2843/04 – 4.ª Secção, sumariado em www.stj.pt, Jurisprudência/Sumários de acórdãos), as «questões» «Não serão os argumentos, as motivações produzidas pelas partes, mas sim os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litigio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções».
Ou ainda, no dizer do acórdão do mesmo tribunal de 10-05-2006 (Recurso n.º 481/05 – 4.ª Secção, também sumariado no sítio do STJ, referido anteriormente), «as questões a que se reportam os art.ºs 660, n.º 1, 1.ª parte, e 668, n.º 1, alínea d), do CPC são as que se centram nos pontos fáctico-jurídicos estruturantes das posições das partes na causa, ou seja, as que se prendem com a causa de pedir, o pedido e as excepções».

Pois bem: no caso que nos ocupa, o tribunal a quo decidiu a questão que lhe foi colocada, de saber se o subsídio de férias em causa devia ou não ser pago pela empregadora; e para a decisão de tal questão vários argumentos foram aduzidos pela empregadora, designadamente o da natureza retributiva do subsídio em causa.
No entanto, como se disse, o que interessa é que o tribunal tenha decidido a questão, independentemente de analisar ou não todos os argumentos invocados.
Daí que não possa assacar-se à sentença o vício de nulidade, por omissão de pronúncia.
De todo o modo, e numa perspectiva não já meramente formal mas de análise material da questão suscitada, sempre se acrescenta que o tribunal a quo apreciou o argumento em causa para concluir (embora sem o afirmar expressamente) que o subsídio de férias em litígio não integra a retribuição referida no artigo 65.º do Código do Trabalho.
Atente-se, para tanto, no que se escreveu na sentença recorrida:
«Quanto ao subsídio de férias, porém, tendo em conta o já referido preceito contido no artigo 65.º do CT, segundo o qual as ausências nele referidas são consideradas como prestação efectiva de trabalho, o contrato de trabalho não se suspende, pelo que o direito a férias vence-se normalmente a 01 de Janeiro de cada ano, tal como para os demais trabalhadores não ausentes pelos mesmos motivos.
Por outro lado, o gozo destas férias só vai ocorrer quando o trabalhador regressar ao serviço, bem como o respectivo pagamento, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 264.º do CT, pagamento que, neste caso, cabe ao empregador.
Face ao exposto, entende-se que a trabalhadora, C…, têm o direito às férias, que se vence nos termos do disposto nos n.º 1 e 2 do artigo 237.º do CT e o pagamento do respectivo subsídio, por que deve ser pago no início do período de férias, pelo empregador.».
Assim, não só porque o saber se o subsídio de férias em litígio integra a retribuição a que se refere o artigo 65.º do Código do Trabalho mais não é do que um argumento da recorrente – não se tratando de uma questão essencial que o tribunal tenha que apreciar –, como também porque o tribunal, embora sem o afirmar expressamente, apreciou e decidiu tal matéria, não se verifica o arguido fundamento de nulidade da sentença recorrida.
Nesta sequência, impõe-se concluir, nesta parte, pela improcedência das conclusões da motivação de recurso.

2. Do subsídio de férias
Como resulta do relato supra, quer a ACT quer o tribunal a quo, considerando, muito em resumo, o disposto no artigo 264.º do Código do Trabalho – ou seja, que o subsídio de férias deve ser pago antes do início do período de férias – concluíram que à recorrente competia o pagamento do subsídio de férias em relação às férias gozadas pela trabalhadora, no período de 21 de Janeiro de 2014 a 19 de Fevereiro de 2014.
Outro é o entendimento da recorrente/empregadora, que sustenta, em síntese, que o subsídio de férias integra a retribuição e que reportando-se o mesmo ao gozo de férias vencidas no período de licença em situação de risco clínico durante a gravidez e de licença parental, o pagamento de tal subsídio compete à segurança social.
Vejamos.

A Constituição da República Portuguesa consagra no seu artigo 68.º o direito dos pais e mães à «protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos».
Dando execução a tal direito fundamental, os artigos 35.º a 65.º do Código do Trabalho estabelecem regras que visam, ao fim e ao resto, conciliar a vida profissional e as situações de maternidade e paternidade.
Assim, e concretamente, no artigo 65.º, n.º 1, alíneas a) e c), do referido compêndio legal, estabelece-se o regime de licença em situação de risco clínico durante a gravidez e de licença parental, em qualquer das modalidades.
De acordo com o corpo do referido número 1, as ausências ao trabalho resultantes de tais licenças «[n]ão determinam perda de quaisquer direitos, salvo quanto à retribuição, e são consideradas como prestação efetiva de trabalho (…)».
Daqui decorre que através da referida norma evita-se que o trabalhador seja penalizado pelo facto de não prestar trabalho em razão das ausências motivadas por aquelas licenças, tudo se passando como se o trabalhador estivesse em prestação efectiva de trabalho (v.g. para efeitos de antiguidade, promoção, etc.).
Isto com uma única excepção: quanto ao respeitante à retribuição, que é compensada pela atribuição de um subsídio específico pela segurança social, previsto no Decreto-Lei n.º 91/2009, de 09 de Abril, maxime nos seus artigos 7.º, 9.º, 10.º e 18.º.
Tendo em vista o cálculo do referido subsídio, prescreve o n.º 3 do artigo 28.º do referido Decreto-Lei, na redacção introduzida pelo artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 133/2012, de 27 de Junho, que «[n]a determinação do total de remunerações registadas não são consideradas as importâncias relativas aos subsídio de férias, de Natal ou outros de natureza análoga.».
E de acordo com o artigo 21.º-A, do Decreto-Lei n.º 91/2009, aditado pelo artigo 12.º do já aludido Decreto-Lei n.º 133/2012, «[a] atribuição da prestação compensatória dos subsídios de férias, de Natal ou outros de natureza análoga depende de os beneficiários não terem direito ao pagamento daqueles subsídios, no todo ou em parte, pelo respectivo empregadora, desde que o impedimento para o trabalho tenha duração igual ou superior a 30 dias consecutivos.»
Significativo de que as ausências motivadas por aquelas licenças não determinam a perda de quaisquer direitos, excepto quanto à retribuição que se prende com a efectiva prestação do trabalho, é a circunstância de que tais licenças suspendem o gozo de férias, devendo os dias remanescentes ser gozados após o seu termo [alínea a), do n.º 3 do artigo 65.º do CT], de não prejudicarem o tempo já decorrido de estágio ou acção ou curso de formação, devendo o trabalhador cumprir apenas o período em falta para o completar [alínea b) do mesmo número e artigo] e determinarem o adiamento da prestação de prova para progressão na carreira profissional, prova essa que deve ter lugar após o termo da licença [alínea c) do mesmo número e artigo].
Assim, e concretamente em relação ao gozo das férias importa deixar realçado que o mesmo se encontra à margem do regime previsto no artigo 65.º do Código do Trabalho, ou, noutra perspectiva, a intervenção da segurança social em termos de assegurar os subsídios ao trabalhador decorrente das licenças em análise nada tem a ver com o gozo de férias por parte do trabalhador: como se disse, e se reafirma, o que a lei procura é evitar é que o trabalhador seja penalizado pelo facto de não prestar trabalho, sendo pela segurança social assegurado a retribuição como se existisse a prestação efectiva de trabalho, e quanto a outros direitos tudo se passa como se o trabalhador estivesse nessa prestação efectiva de trabalho.

É o momento de regressarmos ao caso em apreço.
A trabalhadora esteve em licença em situação de risco clínico durante a gravidez entre 10 de Outubro de 2012 e 29 de Maio de 2013 e em situação de licença parental entre 30 de Maio de 2013 e 20 de Janeiro de 2014: isto é, a trabalhadora esteve nas situações previstas nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 65.º do Código do Trabalho – que não determinam a perda de quaisquer direitos, salvo quanto à retribuição –, no período, ininterrupto, de 10 de Outubro de 2012 a 20 de Janeiro de 2014.
E logo que se apresentou ao serviço, em 21 de Janeiro de 2014, entrou em gozo de 22 dias úteis de férias.
Como já se deixou afirmado, o regime de licenças em causa não interfere com as férias da trabalhadora, sendo considerado (ficcionado) como de prestação efectiva de trabalho.
Daí que não lhe seja aplicável o regime, excepcional, quanto a férias previsto no artigo 239.º, n.ºs 1, 2 e 6, do Código do Trabalho, que determina que em caso de impedimento iniciado no ano anterior a trabalhadora apenas tem direito ao gozo de férias decorridos seis meses completos de execução do contrato, ou se o ano terminar antes de decorrido esse prazo, as férias serão gozadas até 30 de Junho do ano subsequente: diversamente, determinando a lei que a situação de licença é ficcionada como de prestação efectiva de trabalho, extrai-se que findo o período de licença podia a trabalhadora gozar – como efectivamente gozou – as férias, o que, de resto, não vem questionado.
Ora, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 264.º do Código do Trabalho, a retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo; e nos termos dos n.º 2 e 3 do mesmo artigo, além da retribuição o trabalhador tem direito a um subsídio de férias que, salvo acordo em contrário, deve ser pago antes do início do período de férias e proporcionalmente em caso de gozo interpolado de férias.
Tendo em conta, como se analisou, por um lado, que o gozo das férias se encontra à margem da disciplina prevista no artigo 65.º, n.º 1, do Código do Trabalho, por outro, terminada a licença a trabalhadora podia gozar de imediato as férias e, portanto, que esse gozo se inscreve já no período após a licença, e, por outro ainda, que com o gozo das férias a trabalhadora tem direito a receber o correspondente subsídio de férias, a conclusão que se impõe é que a responsabilidade pelo pagamento desse subsídio, que se encontra intrinsecamente associado ao gozo das férias, é da entidade empregadora.
Note-se que para tal conclusão se entende ser irrelevante a consideração, em sede teórica e conceptual, de que o subsídio de férias integra a retribuição: o que importa é apreciar o concreto circunstancialismo em que o subsídio de férias é devido, quando a trabalhadora se encontra na disponibilidade da empregadora e inicia o gozo das férias.
Dito de outra forma: o regime do gozo das férias encontra-se à margem da disciplina prevista no artigo 65.º, do Código do Trabalho, a trabalhadora goza as férias quando está na disponibilidade da empregadora, e intrinsecamente associado ao gozo das férias está o pagamento do correspondente subsídio.
Refira-se que a circunstância de a trabalhadora ter, de imediato, após o termo da licença parental, entrado em gozo de férias não releva na resolução da questão: se, porventura, após o termo dessa licença a trabalhadora prestasse actividade à recorrente e só decorrido algum tempo (por exemplo 4 ou 5 meses) entrasse em gozo de férias, a solução seria a mesma; por isso, o facto de a trabalhador ter entrado em gozo de férias logo após a cessação da licença parental em nada altera a questão (jurídica) do pagamento do subsídio de férias.
Também a circunstância de as férias se terem vencido quando a trabalhadora ainda se encontrava em gozo de licença parental não altera a solução do caso: é certo que nos termos dos n.ºs 1 e 2 do Artigo 237.º do Código do Trabalho, as férias se vencem em 1 de Janeiro de cada ano e que o direito a férias, em regra se reporta ao trabalho prestado no ano anterior; porém, como acrescenta o n.º 2 do mesmo artigo, esse direito a férias não está condicionado à assiduidade ou efectividade de serviço.
Isto é, a lei mantém autonomia entre o direito a férias e a assiduidade do trabalhador; aliás, como se viu, no caso a lei até ficciona o período de licença como de prestação efectiva de trabalho.
E embora, o Código do Trabalho actual não conexione expressamente a aquisição do direito a férias com a qualidade de trabalhador subordinado – ao contrário do que se encontrava expressamente previsto na lei anterior (artigo 212.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27-08), que conexionava tal aquisição com a celebração do contrato de trabalho ou, se se quiser, com a assunção da qualidade de trabalhador subordinado –, o certo é que, como assinala Luís Miguel Monteiro (in Código do Trabalho Anotado, de Pedro Romano Martinez e Outros, 2013, 9.ª Edição, Almedina, pág. 558), tal conexão «pode considerar-se implícita na natureza laboral do direito».
Ou, como escreve Maria do Rosário Palma Ramalho (Direito do Trabalho, Parte II, 3.ª Edição, pág. 565, nota 578) no regime anterior «(…) a lei distinguia mais claramente entre a aquisição e vencimento do direito a férias, referindo expressamente que o direito a férias se adquiria com a celebração do contrato de trabalho, embora fosse apenas exigível apenas a 1 de Janeiro do ano seguinte. O actual Código do Trabalho apenas se refere ao vencimento deste direito, mas naturalmente, cabe ainda situar a aquisição do mesmo no início do contrato, designadamente para poder compreender o regime das férias nos anos de admissão do trabalhador e por ocasião da cessação do contrato de trabalho.».
Como se afirma no Parecer da Procuradoria-Geral da República n.º 9/2015 (Diário da República n.º 80/2015, Série II, de 24 de Abril de 2015), citando Cláudia Sofia Henriques Nunes, o direito a férias dos trabalhadores em geral consubstancia-se em «quatro momentos/processos fundamentais: o momento da sua aquisição que corresponderá ao momento da constituição do vínculo; o processo de formação do direito a férias, que se desenrola gradualmente com a execução da prestação laboral; o momento do vencimento do direito a férias, momento em que se completa o processo de formação; e o período do gozo das férias já vencidas».
E como se conclui no mesmo Parecer (conclusão 1.ª) «[o] direito a férias é um direito de formação sucessiva que somente se torna perfeito no termo do decurso do seu período de formação, consubstanciando o vencimento do direito a férias o fim do respetivo período de formação.»
Deste modo, adquirindo a trabalhadora o direito a férias por força da celebração do contrato, formando-se esse direito ao longo da execução do contrato, encontrando-se o regime do gozo de férias à margem da disciplina prevista no artigo 65.º do Código do Trabalho, mas ficcionando a lei o tempo de licença em causa como de prestação efectiva de trabalho, só quando a trabalhadora regressa ao trabalho pode gozar as férias, e nessa altura tem direito ao corresponde subsídio de férias, que se encontra conexionado com o gozo destas.
Isto é, e dito de forma expressa: o subsídio de férias em causa, devida à trabalhadora quando inicia o gozo destas, não integra a retribuição a que se refere o artigo 65.º do Código do Trabalho, não sendo, por isso, da incumbência da segurança social proceder ao pagamento da «prestação compensatória» correspondente.
Nesta sequência, impõe-se concluir, mais uma vez, que competia à empregadora/recorrente o pagamento do subsídio de férias em relação às férias gozadas pela trabalhadora no período de 21 de Janeiro de 2014 a 19 de Fevereiro de 2014: não tendo procedido a tal pagamento cometeu a infracção por que foi sancionada.
Uma última nota apenas para deixar assinalado que, ao contrário do que parece resultar das conclusões da motivação de recurso, designadamente dos n.ºs XXVI a XXVIII, não se vislumbra que a conclusão alcançada – de que compete à entidade empregadora pagar à trabalhadora o subsídio de férias quando esta inicia o gozo das mesmas – não permita que a eventual falta de pagamento desse subsídio possa enquadrar-se no fundamento de resolução do contrato de trabalho a que alude o artigo 394.º do Código do Trabalho.
Aqui chegados, só nos resta concluir, também nesta parte, pela improcedência das conclusões da motivação de recurso.

Vencida no recurso, a recorrente deverá suportar o pagamento das custas respectivas, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC (artigo 59.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, e artigo 8.º, n.ºs 7 e 9, do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, e respectiva tabela III anexa).

Em jeito de síntese:
i) por força do disposto no artigo 65.º, n.º 1, do Código do Trabalho, o regime de licença em situação de risco clínico durante a gravidez e de licença parental, em qualquer das modalidades, não determina a perda de quaisquer direitos para a trabalhadora, salvo quanto à retribuição que se prende com a efectiva prestação do trabalho, ficcionando a lei tal período como sendo de prestação de trabalho;
ii) em relação ao gozo das férias, o mesmo encontra-se à margem do regime previsto na referida norma legal;
iii) por isso, terminado o gozo da licença referida em i), a trabalhadora podia gozar de imediato as férias e, inscrevendo-se esse gozo já no período após a licença e, considerando ainda, que com o gozo das férias a trabalhadora tem direito a receber o correspondente subsídio de férias, que se encontra intrinsecamente associado ao gozo das mesmas, o seu pagamento é da responsabilidade da entidade empregadora;
iv) em conformidade com as proposições anteriores, tendo a trabalhadora estado de licença em situação de risco clínico durante a gravidez entre 10 de Outubro de 2012 e 29 de Maio de 2013 e de licença parental entre 30 de Maio de 2013 e 20 de Janeiro de 2014, competia à entidade empregadora proceder ao pagamento do correspondente subsídio de férias em relação às férias que a trabalhadora gozou, de 21 de Janeiro de 2014 a 19 de Fevereiro de 2014, imediatamente após o período de licença.

V. Decisão
Face ao exposto, os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto acordam em negar provimento ao recurso interposto por F… – Cabeça de Casal da Herança e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

(Documento elaborado pelo relator e integralmente revisto por quem o subscreve).
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Porto, 11 de Maio de 2015
João Nunes
António José Ramos