Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
490/17.2TELSB-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NUNO PIRES SALPICO
Descritores: ARRESTO PREVENTIVO
REGIME PROCESSUAL APLICÁVEL
Nº do Documento: RP20240306490/17.2TELSB-B.P1
Data do Acordão: 03/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL / CONFERÊNCIA
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - No arresto preventivo o disposto no art.228º nº1 do CPP apenas manda aplicar o processo civil nos respetivos pressupostos e tramitação do incidente de arresto na economia do regime previsto nos arts.391º a 392º do CPC, mas essa remissão não abdica da discussão no ambiente do processo penal,
II - Desse modo, na tramitação do arresto preventivo aplica-se a temporalidade das notificações e comunicações dos atos, cfr.art.113º nº2 do CPP; o disposto no art.107º-A do CPP na prática dos atos fora de prazo; na economia do regime decisório, onde, sendo o arresto preventivo uma medida de garantia patrimonial prevista no Processo Penal, rege o disposto no artº 194º nº1 do CPP, a qual é aplicada por despacho; assim como o regime de nulidades e irregularidades que será o do processo penal.

(Sumário da responsabilidade do Relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 490/17.2TELSB-B.P1
X X X
Acordam em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

Nos autos de processo de inquérito, tendo sido decretado o arresto preventivo do saldo das contas bancárias tituladas por AA até ao valor de 3.359.000€, subsequentemente o arguido ali requerido veio a deduzir oposição ao arresto, que o Tribunal com a datada de 23/11/2023 veio a não admitir, por a considerar extemporânea.
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Não se conformando com esta decisão o arguido veio interpor recurso, com os fundamentos constantes da motivação, concluindo em síntese que:
- Consta de fls.1295 um e-mail que, nos termos da portaria nº114/2008 de 6/02 o recorrente enviou para o endereço eletrónico do Tribunal Criminal do Porto, respeitante ao requerimento de oposição acompanhado do DUC e comprovativo do pagamento da multa por entrega no 2º dia após o prazo (cfr.art.107º-A do CPP e 139º nº5 a 7 do CC) no dia 10 de Julho de 2023, e não no dia 11 como erradamente se refere no douto despacho.
- Considera-se que o terceiro dia após a notificação expedida a 21 de Junho de 2023 tendo calhado a um sábado (dia 24), temos de considerar que o primeiro dia útil seguinte, ou seja o dia 26 de junho de 2023, logo os 10 dias do prazo para apresentação da oposição terminariam a 6 de Julho de 2023, com aliás é referida na decisão impugnada.
- Contudo a decisão em crise conclui erradamente que a peça processual só deu entrada no dia 11 de Julho de 2023, invocando o incumprimento do disposto no art.254º nº6 do CPC, que obrigaria o recorrente a justificar que recebeu a notificação que lhe enviou o Tribunal após o referido dia 26 de Junho de 2023.
- O disposto no art.107º-A do CPP e o art.139º nº5 e 6 permitem, sem necessidade de invocar o justo impedimento, a prática do ato nos 3 dias seguintes ao termo do prazo.
- O recorrente pagou uma multa com a apresentação da oposição em juízo de 102€, cumprindo o estipulado na alínea b) do art.107-A do CPP, uma vez que o requerimento deu entrada no tribunal no 2º dia depois do prazo.
- O recorrente apercebeu-se que a secretaria registou o DUC pago, não como multa (fls.1295), como nele é refrido, mas como se fosse uma taxa de justiça (fls.1301), o que não está correto e como tal deveria ser corrigido.
- Por cautela, mesmo que o requerimento tivesse dado entrada no dia 11 de Julho (o que não aconteceu), deveria a secretaria dar cumprimento a estatuído no nº6 do art.139º do CPC.
Deve o recurso ser provido.
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O Digno Procurador Adjunto apresentou contra-motivação, concluindo da seguinte forma:
- Reiterou que a oposição ao arresto não deu entrada no dia 10/07/2023, mas a 11/07/2023.
- Contrariamente às alegações de direito do recorrente não se aplicam as regras do código de processo penal, mas as regras do processo civil
- Sustenta que a notificação da decisão de arresto foi enviada ao recorrente a 21/06/2023, e a sua notificação ocorre a 26/06/2023, tendo 10 dias para deduzir oposição, o respetivo prazo terminaria a 6/07/2023, podendo praticar o ato nos dias úteis subsequentes, podendo praticar até 11/07/2023 (3º dia, terça feira).
Consta de fls.664 que a oposição foi enviada no dia 10/07/2023 pelas 23h49m, e a mesma só deu entrada no tribunal eletronicamente a 11/07/2023.
A oposição ao arresto está sujeita ao pagamento de taxa de justiça cfr.art.7º nº4 do RCP.
A multa para a pratica de ato fora de prazo não se encontra prevista no art.107º-A do CPP mas no art.139º nº5 do CPC. Assim, para se considerar o ato como validamente praticado deveria o recorrente ao praticar o ato no 3º dia, pagar a taxa de justiça no valor de 8UC e multa no valor de 224€. Não o tendo feito, não poderia a oposição ter sido recebida, por omissão do requisito formal – o pagamento dos respetivos custos cfr.art.1º, 7º nº4 e tabela 2ª do RCP, assim se negando provimento ao recurso.
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Neste tribunal de recurso o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pugnando pela procedência do recurso,

Tendo sido decretado o arresto preventivo do saldo das contas bancárias tituladas por AA até ao valor de € 3.359.000,00 este veio deduzir oposição.
Tendo o mesmo sido admitido tacitamente, e depois de já se achar iniciada a produção de prova indicada na oposição, a magistrada do MP presente na diligência realizada no passado dia 11 de Outubro, suscitou a intempestividade do requerimento, a falta de pagamento da taxa de justiça, bem como o disposto nos artigos 293.º, n.º 2 C.P.P. e artigo 7.º, n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais, para concluir que a oposição deveria ter sido alvo de indeferimento liminar.
Tendo sido dado cumprimento ao contraditório, a Mma. JIC proferiu despacho, no qual decidiu que “(…) por extemporânea, não admito a oposição deduzida pelo Requerente.
Inconformado, o requerente recorreu, respondendo-lhe a Magistrada do MP junto da 1.ª instância, pugnando pela manutenção do despacho recorrido, tudo nos termos das respectivas peças processuais.
Do nosso entendimento
1. Começaremos por dar nota de tudo quanto, de relevo, resulta da mera análise dos autos.

Da leitura do arresto decretado nestes autos verificamos tratar-se de arresto preventivo, previsto no artigo 228.º do CPPenal, cujo valor foi fixado em €3.359.000,00, sendo que o ora recorrente é arguido no processo principal.
Resulta, também, que atenta a data de expedição da notificação relativa ao decretamento do arresto e as normas legalmente aplicáveis, tal notificação deve reputar-se como efectuada no dia 26 de Junho de 2023, o que de resto não é posto em crise no presente recurso.
Ainda da mera análise dos autos, mais resulta que o requerimento de oposição foi enviado pela mandatária do recorrente, por correio electrónico, às 23h49minutos do dia 10 de Julho, mas que aquele apenas acabou de ser “carregado” na caixa de correio do tribunal, às 0 horas 0m do dia seguinte: 11 de julho.
Mais se constata que, findo o articulado da oposição, é feita menção à junção de: “(…) 1 documento, DUC e comprovativo do pagamento de multa por entrega no 2.º dia do prazo” e que, efectivamente se mostra junto DUC referente a autoliquidações referente a “multas” pela quantia de €102,00 e do comprovativo do pagamento dessa quantia.
Não obstante, resulta igualmente dos autos que o montante de €102,00 que o requerente havia pago como sendo referente a multa por entrega após o prazo normal, acabou por ser alvo do registo 702580087287870, acabando descrito como “Taxa de Justiça Penal”, figurando no CITIUS como pagamento inicial.
Certo é que nenhuma taxa de justiça foi paga.
2. Passemos, agora, a analisar os preceitos legais aplicáveis e a deles retirar as devidas conclusões

O n.º 1 do art.º 228.º do CPP determina que: “1 - Para garantia das quantias referidas no artigo anterior, a requerimento do Ministério Público ou do lesado, pode o juiz decretar o arresto, nos termos da lei do processo civil; se tiver sido previamente fixada e não prestada caução económica, fica o requerente dispensado da prova do fundado receio de perda da garantia patrimonial.” (sublinhado nosso)
Assim, ao arresto destes autos, são aplicáveis as disposições do Código de Processo Civil. Contudo, e à semelhança do que foi entendido no acórdão desta Relação de 17.09.2014, proferido no âmbito do processo n.º 539/11.2PBMTS-ZY.P1, mencionado pelo recorrente, também nós entendemos que serão de aplicar apenas as normas do CPP que especificamente se referem ao arresto, no mais devendo ser seguida a disciplina prevista no âmbito do processo penal.
Para melhor compreensão, passamos a transcrever trecho do acórdão em causa:
No caso de arresto preventivo em processo penal, já vimos que o artigo 228.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal manda aplicar as normas do processo civil, mas não é demais repetir e frisar que tal remissão é, apenas, para as normas (processuais e substantivas) sobre o arresto, não sendo legítimo estender a remissão às normas sobre o pagamento de taxa de justiça.
Como bem faz notar o Ministério Público na sua resposta, há que ter bem presente que o requerido/arrestado é, também, arguido, a quem é constitucionalmente garantido o direito a ser presumido inocente e o direito ao contraditório e é à luz desse estatuto e dessas garantias que têm de ser interpretadas as normas sobre o pagamento da taxa de justiça.
O RCP contém um preceito legal (o artigo 8.º) que regula o pagamento da taxa de justiça em processo penal, prevendo duas situações (constituição como assistente e requerimento de abertura de instrução pelo assistente) em que há lugar a autoliquidação e pagamento prévio de taxa de justiça e uma norma (n.º 9), de cariz residual, que nos diz que, em todos os outros casos, a taxa de justiça é paga a final. a aplicação do CPC diz unicamente respeito às normas substantivas e processuais que directamente respeitem ao arresto, mas não já as restantes.
Também nesta mesma esteira, ainda que tendo por objecto questão algo diversa, vai a decisão deste Tribunal da Relação de 30 de junho de 2022, proferida no âmbito do processo n.º 3681/15.7JAPRT-Y.P1, na qual foi decidido que:
As regras aplicáveis ao recurso interposto da decisão de arresto ou de oposição ao arresto são as consagradas no processo penal, pois em questões de recurso o processo penal tem um regime completo e sem lacunas.” Assim, entendemos que, nos presentes autos de arresto em processo penal, são as normas processuais penais que deverão reger em tudo o que não diga directamente respeito ao arresto.
Dum tal entendimento decorre que não é devido pagamento de taxa de justiça inicial, e que a disciplina a aplicar à prática do acto fora do prazo, será a resultante da conjugação dos n.ºs 5 e 6 do art.º 139.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 107.º, n.º 5, e também do que se dispõe no artigo 107.º A do CPP.
Aqui chegados, vejamos agora se a multa autoliquidada e paga pelo recorrente, foi a legalmente imposta.
Determina o art.º 107.º A do CPP que:
Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, à prática extemporânea de actos processuais penais aplica-se o disposto nos n.os 5 a 7 do artigo 145.º (o actual art. 139.º) do Código de Processo Civil, com as seguintes alterações:
a) Se o acto for praticado no 1.º dia, a multa é equivalente a 0,5 UC;
b) Se o acto for praticado no 2.º dia, a multa é equivalente a 1 UC;
c) Se o acto for praticado no 3.º dia, a multa é equivalente a 2 UC.”
Temos, assim, que verificar em qual dos três dias úteis subsequentes ao fim do prazo foi apresentada a oposição.
Ora o n.º 1 do artigo 144.º do CPC, sob a epígrafe de “Apresentação a juízo dos atos processuais”, determina que: “Os atos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo por via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, valendo como data da prática do ato processual a da respetiva expedição”. (sublinhado nosso)
Deste modo, tendo a peça processual aqui em causa sido enviada por correio electrónico, relevante para fixar qual haja sido a data da sua apresentação em juízo é, não o apuramento de quando se verificou a sua recepção na caixa de correio do tribunal, mas sim quando se verificou a sua expedição pelo requerente.
De resto, a opção legislativa resulta compreensível, pois doutro modo as partes ficariam à mercê do bom funcionamento do sistema informático dos tribunais, acrescendo que a solução em causa é em tudo semelhante ao que sucede nos casos de peças enviadas em suporte físico, através de correio registado.
Com efeito, também nesses casos a data da apresentação é, de igual modo, aquela que consta do registo de expedição via CTT, e não a da recepção do correio em tribunal.
Assim, parece-nos inegável que, tendo a oposição do recorrente sido enviada por correio electrónico, no dia 10 de julho, a oposição tem-se como entregue no 2.º no dia útil após o termo do prazo, o que determina o pagamento de multa equivalente a 1UC, ou seja os €102,00 efectivamente pagos.
Termos em que, por tudo quanto ficou exposto, ENTENDEMOS assistir razão ao recorrente, devendo o seu recurso ser provido, com a revogação da decisão que, já no decurso do andamento da oposição, veio a declará-la extemporânea e a rejeitá-la, determinando-se a sua substituição por outra que ordene o prosseguimento da oposição.
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Cumprido o preceituado no artigo 417º número 2 do Código Processo Penal, nada foi acrescentado de relevante.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.
Nada obsta ao conhecimento do mérito.
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II. Objeto do recurso e sua apreciação.

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pela recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar (Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, nomeadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do CPP.

É assim composto pela apreciação da tempestividade da apresentação em juízo da oposição ao arresto.
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Do enquadramento dos factos.

Por decisão datada de 23 de Novembro de 2023, não foi admitida a oposição por extemporaneidade, nos seguintes termos:
“QUESTÃO PRÉVIA:
Da extemporaneidade do requerimento de oposição ao arresto.
Na sequência da decisão que decretou o arresto preventivo do saldo das contas bancárias tituladas por AA até ao valor de € 3.359.000,00 este deduziu oposição, por requerimento que deu entrada no passado dia 11 de Julho de 2023.
O Ministério Público, considera tal requerimento extemporâneo por considerar que o mesmo entrou fora do prazo legal.
Chamado a pronunciar-se, o requerente veio pugnar pela tempestividade conforme requerimento junto a fls.1402 e s.s. que aqui se dá por integralmente reproduzido.
Cumpre apreciar:
Relativamente às notificações da secretaria, prevê a lei processual civil, nomeadamente:
- As notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais (art.º 247º, n.º 1, do CPC). Quando a notificação se destine a chamar a parte para a prática de acto pessoal, além de ser notificado o mandatário, é também expedido pelo correio um aviso registado à própria parte, indicando a data, o local e o fim da comparência (n.º 2).
- Os mandatários são notificados nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 132º, devendo o sistema informático certificar a data da elaboração da notificação, presumindo-se esta feita no 3º dia posterior ao da elaboração ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando o não seja (art.º 248º do CPC).
- Se a parte não tiver constituído mandatário, as notificações são feitas por carta registada, dirigida para a sua residência ou sede ou para o domicílio escolhido para o efeito de as receber, presumindo-se feita no 3º dia posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando o não seja (art.º 249º, n.º 1 do CPC). A notificação não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para a residência ou a sede da parte ou para o domicílio escolhido para o efeito de a receber; nesse caso, ou no de a carta não ter sido entregue por ausência do destinatário, juntar-se-á ao processo o sobrescrito, presumindo-se a notificação feita no dia a que se refere a parte final do número anterior (n.º 2). As decisões finais são sempre notificadas desde que a residência ou sede da parte seja conhecida no processo (n.º 5).
Decorre dos mencionados normativos, que a lei considerou normal, por isso presumiu, até prova em contrário, que a notificação se efetua no terceiro dia posterior ao do registo no correio, ou seja, provado o facto base da presunção, a expedição da carta sob registo no correio dirigida a determinada pessoa, fica assente o facto desconhecido de a carta lhe ter sido entregue no terceiro dia útil posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte (artsº 349º e 350º do Código Civil).
A prova em contrário visa demonstrar que a carta de notificação não foi entregue ao notificando ou o foi em dia posterior à presumida por razões que lhe não sejam imputáveis e é ao notificando que incumbe demonstrar em juízo, com vista à determinação do início do prazo para a prática do ato processual por ele pretendido, que a notificação ocorreu em data posterior à presumida por razões que lhe não sejam imputáveis.
E em relação ao momento em que deve ser feita a prova em contrário, tem-se entendido, pacificamente, que o onerado com essa presunção para que possa tentar ilidi-la, necessita de fazê-lo no momento em que pratica o ato, caso este tenha sido praticado fora do prazo fixado em função da data da notificação presumida, sendo que, se assim não fosse, ficava o tribunal impedido de decidir, ou quanto à admissão ou rejeição imediata das alegações, ou quanto à produção de eventual prova que se mostrasse necessária para demonstrar a notificação tardia. (neste sentido, acórdãos do STJ de 21.02.2006-processo 05B4290, da RL de 09.6.2014-processo 2085/13.3TBBRR-A.L1-6 e da RE de 22.9.2016-processo).
Como expressamente decorre da lei, a apresentação dos atos das partes está sujeita a prazo perentório, cujo decurso extingue o direito de praticar o ato (artigo 139.º, n.ºs 1 e 3, do CPC), salva a possibilidade de o mesmo ser ainda praticado nos três dias úteis subsequentes ao seu termo, mediante o pagamento de multa (artigo 139.º, n.º 5, do CPC), a situação de justo impedimento (artigos 139.º, n.º 4 e 140.º do CPC), a existência de norma a prever a prorrogabilidade do prazo (artigo 141.º, n.º 1, do CPC), ou de acordo das partes nesse sentido, caso em que o prazo marcado por lei é prorrogável por uma vez e por igual período (artigo 141.º, n.º 2, do CPC).
Conforme decorre da tramitação processual, consta de fls. 1252 que a carta a notificar o requerente da oposição da decisão de arresto foi enviada no dia 21/06/2023 (Cfr. fls. 1252) presumindo-se consequentemente notificado no dia 26 de junho de harmonia com o preceituado no artigo 249.º, n.º 1, do CPC, de acordo com cujo segmento final a notificação à parte que não tenha constituído mandatário se presume feita no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando o não seja tendo até ao dia 6 de julho o prazo para deduzir oposição o que só fez no dia 11 de julho cfr. fls.1265).
Portanto, quando o requerente se apresentou a deduzir oposição ao arresto, por requerimento inicial apresentado em 11.07.2023, encontrava-se esgotado o prazo para o fazer, atento o funcionamento da indicada presunção e a constatação de a notificação ter sido realizada em 26.06.2023. Extrai-se ainda do requerimento inicial que aquando da apresentação da oposição ao arresto o requerente não invocou que não recebeu a notificação no prazo legalmente estipulado.
É pacífico o entendimento de que a ilisão da presunção de que a notificação não foi efetuada no prazo em que a mesma se presume feita após a sua expedição, incumbe ao notificado. De facto, conforme se aduziu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.01.2012(Proferido no processo n.º 1432/05.3TTPRT.S2, disponível em texto integral em www.dgsi.pt, «como resulta da Lei – n.º 6 do art. 254.º do C.P.C. – o mecanismo adequado para evitar que se tenha/considere feita a notificação no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, é a ilisão da presunção aí estabelecida: para lograr esse objetivo, o notificado provará …que a notificação não foi efetuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não são imputáveis».
No mesmo sentido se pronuncia o Tribunal da Relação de Coimbra de 09.04.2008 (processo n.º 206/06.9TACDN-A.C1) onde se refere “I. – A lei processual civil estabeleceu um regime presumido de receção das notificações por via postal registada e do modo como a presunção pode ser afastada; «II. – O regime referido no item antecedente estrutura-se e desenvolve-se nos momentos seguintes: a) Estabelecimento de uma dilação de três dias sobre a data do registo da carta, tempo que se considerou conferir uma margem de segurança suficiente para um eventual atraso nos serviços do correio; b) Constatado o facto-base – a expedição da carta sob registo dirigida ao notificando –, fica assente, por presunção juris tantum, o facto desconhecido de a carta ter sido entregue ao notificando no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte; c) A presunção só pode ser ilidida pelo notificado pela prova de que a carta de notificação não lhe foi entregue ou o foi em dia posterior à presumida por razões que lhe não sejam imputáveis». “Em relação ao momento em que deve ser feita a prova em contrário, tem-se entendido, pacificamente, que o onerado com essa presunção para que possa tentar ilidi-la, necessita de fazê-lo no momento em que pratica o ato, caso este tenha sido praticado fora do prazo fixado em função da data da notificação presumida, sendo que, se assim não fosse, ficava o tribunal impedido de decidir, ou quanto à admissão ou rejeição imediata das alegações, ou quanto à produção de eventual prova que se mostrasse necessária para demonstrar a notificação tardia”.
De facto, precisamente porque funciona a indicada presunção, não compete oficiosamente ao tribunal ir comprovar em todos os processos através do registo aposto na notificação quando foi efetivamente entregue a carta expedida para notificação, isto porque a regra é a de que a presunção legal «só pode ser ilidida a pedido e no interesse do notificado e não por iniciativa do Tribunal»( TRC de 12.07.2006, processo n.º 496/01.3TACBR-A.C1). Ao invés, incumbe ao notificado que se apresenta a praticar o ato depois do prazo para a respetiva prática contado desde a notificação presumida, invocar nesse momento e comprovar que a notificação apenas lhe foi efetuada em momento posterior, ou seja, alegar e demonstrar que o ato ainda é tempestivo( Ac. TRL de 09.06.2014, processo n.º 2085/13.3 TBBRR-A.L1-6.).
Pelo exposto, por extemporânea, não admito a oposição deduzida pelo Requerente.
Custas pelo requerente que se fixam em 1 UC.
Notifique."
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Cumpre apreciar.
Para se apreciar a questão da tempestividade do requerimento de oposição apresentado pelo requerido, resulta razoavelmente apurado dos autos que a notificação da decisão de arresto foi enviada ao recorrente a 21/06/2023, e a sua notificação ocorrera a 26/06/2023 (segundo a contagem nos termos legais), tendo 10 dias para deduzir oposição, o respetivo prazo terminaria a 6/07/2023, podendo praticar o ato nos dias úteis subsequentes, ou seja, até 11/07/2023 (3º dia útil, terça feira). Por outro lado, consta de fls.664 que a oposição foi enviada no dia 10/07/2023 pelas 23h49m, e a mesma só deu entrada no tribunal eletronicamente a 11/07/2023, apresentando o comprovativo do pagamento da multa respeitante ao 2º dia útil após o prazo em conformidade com o disposto no art,107º-A alínea b) do CPP, circunstância esta que o Tribunal “A Quo” não atendeu ou considerou.
Acresce que, como bem assinala o Procurador Geral Adjunto no seu parecer, e também resulta da jurisprudência aí assinalada, o disposto no art.228º nº1 do CPP apenas manda aplicar o processo civil nos respetivos pressupostos jurídicos dessa medida cautelar, o que inclui a economia do regime do arresto que se encontra previsto nos arts.391º a 392º do CPC, mas essa remissão não abdica da discussão no ambiente do processo penal (próximo deste sentido ver Acs.Rel.P de 25/11/2020 no processo nº230/14.8TAVLG-G.P1 [Desembargadora relatora drª Eduarda Lobo]; Ac.Rel.P. de 25/01/2024 no processo nº13738/15.9T9PRT-K.P1 [Desembargadora relatora Drª Maria Dolores]), concretamente existindo regulamentação prevista no processo penal, como existe, sobre a temporalidade das notificações e comunicações dos atos cfr.nº2 do art.113º (assim como na restante parte deste preceito) do CPP; da prática dos atos fora de prazo conforme o disposto no art.107º-A do CPP; na economia do regime decisório, onde, sendo o arresto preventivo uma medida de garantia patrimonial prevista no processo penal, rege o disposto no artº 194º nº1 do CPP, a qual é aplicada por despacho; assim como o regime de nulidades e irregularidades que será o do processo penal.
Porque a tramitação do disposto nos arts.391º a 392º do CPC, ocorre em processo penal, aplicam-se nos aspetos referidos, sem a menor sombra de dúvida, as regras do processo penal, dado que a remissão do art.228º nº1 do CPP respeita aos pressupostos jurídicos da providência cautelar e à economia do incidente aí previsto, que o legislador do processo penal, se dispensou de repetir no citado art.228º nº1. Daí que, a par da dispensa da taxa de justiça inicial nos termos do art.8º nº9 do RCP, apenas estando em causa a multa, à mesma, se aplica o disposto no art.107º-A alínea b) do CPP, reportado ao 2º dia, regime claramente distinto da regulação do tempo da prática dos atos no processo civil, aqui inaplicável, quer na taxa de justiça, inicial, quer no cômputo da multa.
Desta forma se entende que a oposição foi apresentada de forma válida.
Resolvida esta questão, aplicando-se o regime do processo penal, nos prazos e comunicação dos atos, poderia a parte apresentar a oposição até dia 11 de Julho de 2023, e tendo remetido a oposição no dia anterior, apesar de nesse dia não dar entrada no sistema, mais uma vez, como bem sustentou o Procurador Geral Adjunto, conta para a prática do ato a data da remessa da comunicação, não podendo ser imputados ao recorrente os atrasos que decorrem do sistema. Daí que, a multa foi corretamente liquidada pelo ora recorrente, mas mesmo que não o fosse, por força do art.139º nº6 do CPC (para o qual o processo penal remete expressamente), cabia à secretaria a notificar a parte para o pagamento da multa correta, acrescida da legal penalização.
Deve assim o recurso ser provido.

DISPOSITIVO.

Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão do Tribunal a quo, o qual deverá ser substituída por outra que tramite a oposição ao arresto.

Sem custas.

Notifique.

Sumário:
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Porto, 6 de Março 2024.
(Elaborado e revisto pelo 1º signatário)
Nuno Pires Salpico
Maria do Rosário Martins
Paula Natércia Rocha