Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
10967/21.0T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA LUÍSA LOUREIRO
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA
TRANSAÇÃO
Nº do Documento: RP2024020810976/21.0T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O art. 729.º do Cód. Proc. Civil consagra, de forma taxativa, os fundamentos para a dedução de oposição a execução fundada em sentença – mais restritos que os fundamentos admissíveis para a oposição a execução fundada em outro título executivo (art. 731.º do Cód. Proc. Civil).
II - Constituindo o título executivo sentença homologatória de transação na qual foi acordado que, ‘relativamente a rendas vincendas de um contrato de arrendamento, o réu, na metade do valor da renda que corresponde à autora, iniciará o pagamento mensal de € 400,00, a partir de 01-08-2020, por conta do referido contrato de arrendamento’, a obrigação assumida no acordo homologado por sentença pressupõe o prévio recebimento pelo réu/executado do valor das rendas cuja metade pertencente à autora se obrigou, na transação efetuada, a liquidar àquela, o que, por sua vez, pressupõe a vigência do contrato de arrendamento.
III - Nestas circunstâncias, é admissível a dedução de embargos de executado, fundados na alegação da inexistência da obrigação exequenda, por cessação do contrato de arrendamento em data anterior ao vencimento das rendas cuja metade do valor é peticionada no requerimento executivo, por tal fundamento ser, de acordo com as soluções plausíveis de direito, passível de enquadramento na falta de título quanto à obrigação dada à execução, ou na incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não suprida na fase introdutória da execução (als. a) e ) do art. 729.º do Cód. Proc. Civil).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo – Apelação n.º 10967/21.0T8PRT-A.P1
Tribunal a quo – Juízo de Execução do Porto – J 5
Recorrente(s) – AA
Recorrido(a/s) – BB
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Sumário
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Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório:

Apelante (embargante/executado): AA
Apelada (embargada/exequente): BB

O executado AA, por apenso à execução de sentença contra si instaurada, em 21-06-2021, pela exequente BB, deduziu oposição à execução mediante embargos de executado, alegando que ‘impugna a exigibilidade e liquidação da obrigação nos termos do art.º 729, al. e) do CPC.’
Alegou que, tendo denunciado em 7 de outubro de 2019, com efeitos a partir do dia 15 de agosto de 2020 (conforme documento que junta), o contrato de arrendamento a que é feita referência na cláusula 7.ª do acordo homologado pela sentença que constitui o título executivo, o contrato de arrendamento terminou nessa data, tendo cessado o recebimento de rendas a partir dessa data. Do valor de 400,00 € referente a 15 dias de renda ainda recebido, foi transferido no dia 10 de agosto de 2020 o montante de € 200,00, correspondente a metade desse valor, para a conta bancária da exequente, com o que foi cumprido o acordo homologado por sentença, tendo enviado carta a informar que os € 200,00 se reportavam ao final do contrato de arrendamento terminado a 15 de agosto de 2020, conforme documento que junta, pelo que a exequente sabe que o contrato terminou nessa data e que o executado nada lhe deve.
Alegou ainda que a exequente nunca interpelou o executado para o pagamento, não havendo mora, verificando-se uma inexigibilidade da dívida exequenda, e demonstrando tal falta de interpelação que a exequente sabia e sabe que o executado nada lhe deve, porque o prédio não esteve nem está arrendado desde 15 de agosto de 2020.
Conclui, além do mais, pelo recebimento dos embargos e, a final, pela sua procedência, por inexigibilidade da dívida exequenda (art. 729.º, al. e), do CPC).

Os embargos deduzidos foram liminarmente indeferidos, por decisão de 16-06-2023 (Ref. 449466709), por os seus fundamentos não se enquadrarem em nenhuma das situações previstas no art. 729.º do Cód. Proc. Civil.

Inconformado, o embargante/executado, interpôs recurso de apelação, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
1. O douto Tribunal “a quo” não fez uma análise criteriosa e rigorosa dos normativos legais aplicáveis ao presente caso, na verdade, descurou-os por completo.
2. Quando foi realizada a transação judicial o contrato de arrendamento estava em vigor, todavia cessaria os seus efeitos pouco tempo depois.
3. Como tal, existe erro de julgamento grave e grosseiro, por evidente erro na apreciação dos normativos legais a aplicar ao caso concreto.
4. A obrigação que baseou a transação no âmbito do processo que correu termos no Juízo Local Cível do Porto – J3 (processo n.º 15148/19.0T8PRT), já não existe, uma vez que foi resolvido o contrato de arrendamento e, como tal, não existe o pagamento de quaisquer rendas.
5. Como tal, já não subsiste a obrigação do Executado/Embargante/Recorrente efetuar o pagamento mensal da quantia convencionada à Exequente/Embargada/Recorrida, sob pena de suceder enriquecimento sem causa na esfera jurídica desta.
6. Por este motivo, os embargos de executado apresentados pelo Recorrente não podiam, como não podem ser indeferidos liminarmente, por existir evidente erro de julgamento e de aplicação dos normativos legais aplicáveis.
7. E, ainda, por a douta sentença poder provocar enriquecimento sem causa da Recorrida a custa do empobrecimento do recorrente.
8. A prolatada sentença v o disposto no art.º 729.º do CPC e, em última ratio, ao decidir (erradamente) como decidiu, a douta sentença originará enriquecimento sem causa da Recorrida (art.º 473.º do CC).
9. Face ao exposto, inexistem fundamentos de facto e de Direito para indeferir os embargos de executado, pelo que deve a sentença em crise ser revogada.

Não foi apresentada resposta às alegações.

Por despacho proferido em 12-09-2023 (Ref. 451528246), foi admitido o recurso, com efeito suspensivo da decisão, nos termos do disposto no art. 647.º, n.º 3, al. c), do Cód. Proc. Civil.

Após os vistos legais, cumpre decidir.

II – Objeto do recurso:

Face às conclusões das alegações de recurso do apelante, cumpre apreciar se o fundamento dos embargos de executado deduzidos é passível de se subsumir em alguma das alíneas do art. 729.º do Cód. Proc. Civil.

III – Fundamentação:

De facto

É a seguinte a matéria de facto a considerar para a apreciação do recurso:

1. Em 21-06-2021 a exequente BB apresentou requerimento executivo para execução de decisão judicial condenatória para pagamento da quantia exequenda de € 4.400,00 contra o executado AA, fazendo constar na exposição de factos: «Por acordo homologado por sentença já transitada em julgado, o Executado foi condenado a pagar à Exequente a quantia mensal de 400,00€ (quatrocentos euros) a partir de 01.08.2020. Até à presente data o ora Executado não pagou qualquer quantia. Pelo que deve à Exequente todas as prestações já vencidas que, à presente data, totalizam o montante de 4.400,00€ (quatro mil e quatrocentos euros) que o Executado deverá pagar, acrescido de juros de mora, bem como todas as prestações que se vencerem no decurso da presente execução.».
2. Tal execução tem como título executivo a sentença proferida em 16.06.2020, transitada em julgado em 01.09.2020, que homologou a transação obtida na audiência de julgamento de 16.06.2020, no processo 15148/19.0T8PRT do Juízo Local Cível do Porto – J3, em que foi autora a aqui exequente e réus o aqui embargante (1º réu) e CC (2º réu):
“1.º
O primeiro Réu assume a dívida respeitante a rendas que se fixam em € 14.485,58 (catorze mil, quatrocentos e oitenta e cinco euros e cinquenta e oito cêntimos) até à data da propositura da acção e em €4.400,00 até à data de hoje, num total de €18.885,58.
2.º
Com esta assumpção de dívida por parte do 1º Réu, o 2º Réu fica totalmente desonerado de qualquer obrigação emergente deste contrato de arrendamento.
3.º
A Autora aceita este crédito que será pago aquando da divisão de bens ou imóveis entre os herdeiros.
4.º
A Autora e o 1º Réu acordam na realização de uma peritagem extrajudicial conjunta em que cada um indica um perito para, no prazo de 90 dias, se deslocarem ao imóvel objecto deste contrato de arrendamento e fazerem uma avaliação de obras que eventualmente tenham sido realizadas desde meados de 2015 até à presente data, bem como apurar o custo das mesmas, aceitando ambos a presença do 2º Réu CC aquando da sua realização para eventuais esclarecimentos, e o resultado da mesma peritagem.
5.º
O valor que resultar desta peritagem / avaliação será deduzido no crédito da Autora referido na cláusula 1.ª.
6.º
Mais fica convencionado que o 1º Réu a partir desta data não poderá realizar qualquer obra no prédio sem prévio conhecimento e consentimento escrito da Autora.
7.º
Mais convencionam que o 1º Réu, relativamente a rendas vincendas e na metade que corresponde à Autora, iniciará o pagamento da quantia mensal de €400,00 a pagar por transferência bancária, para a conta da Autora com o iban ..., a partir 01-08-2020, por conta do ajuizado contrato de arrendamento.
8.º
As custas em dívida a juízo são devidas em partes iguais, a cargo da Autora e do 1º Réu, prescindindo todas as partes de custas de parte, sem prejuízo do apoio judiciário concedido ao 2º réu.”

3. O executado/embargante deduziu oposição à execução por embargos de executado, alegando o seguinte:
1. No âmbito do supramencionado processo, foi instaurada (mal) ação executiva contra o aqui Embargante/Executado com fundamento no acordo homologado por sentença já transitada em julgado, datada de 16 de junho de 2020, no âmbito do proc. n.º 15148/19.0T8PRT que correu termos na Comarca do Porto.
2. Alega a Embargada/Exequente com base no mencionado acordo, que o Executado está em divida na quantia de 4.400,00€ relativa à sua metade das prestações já vencidas do contrato de arrendamento celebrado a 7 de agosto de 2015, entre o Executado e o Sr. CC, arrendatário, que tinha por objeto o identificado imóvel.
3. Porém, não lhe assiste razão, e, conforme infra facilmente se demonstrará, a presente ação executiva está condenada ao insucesso. Ora,
4. De facto, a 16 de junho de 2020, em sede de audiência de julgamento, Executado e Exequente alcançaram um acordo, no âmbito do qual ficou convencionado, na cláusula 7, que o executado iniciaria - a partir de 01 de agosto de 2020 - o pagamento à exequente da quantia mensal de 400,00€ a título de rendas vincendas por conta do referido contrato de arrendamento.
5. Sucede que, a 07 de outubro de 2019, o Executado, na qualidade de usufrutuário, através de carta registada com aviso de receção enviada ao arrendatário (Sr. CC), denunciou aquele contrato de arrendamento, com efeitos a partir do dia 15 de agosto de 2020.
6. Este facto, ou seja, a denúncia feita em 07/10/2019 era do conhecimento pessoal da embargada/exequente, dado que o embargante/executado a informou.
7. Ou seja, o Executado procedeu à denúncia tempestiva do contrato de arrendamento e, a partir do dia 15 de agosto de 2020, o arrendamento terminou, o Sr. CC deixou de ser arrendatário, e, por conseguinte, deixou de pagar a respetiva renda.
8.De todo o modo, tendo o contrato de arrendamento terminado apenas no dia 15 de agosto de 2020, houve ainda lugar ao pagamento de 15 dias de renda no valor de 400,00€.
9. Nessa conformidade, cumprindo escrupulosamente com o supramencionado acordo, o Embargante/Executado entregou metade dessa quantia à Embargada/Exequente, ou seja, 200,00€.
10. Assim, no dia 10 de agosto de 2020, o Embargante/Executado transferiu para a conta bancária da Embargada/Exequente, mais concretamente, para a Banco 1..., o montante de 200,00€, relativo ao período de 1 a 14 de agosto de 2020 - Cf. Doc. 3, que ora se junta e se reproduz para os devidos e legais efeitos.
11. E, na mesma data, enviou à Embargada/Exequente, através de carta registada com aviso de receção, o respetivo comprovativo da transferência bancária, tendo-a informado que os 200,00€ eram relativos ao final do contrato de arrendamento que viria então a terminar no dia 15 de agosto de 2020.
12.Ou seja, a Embargada/Exequente recebeu, conforme o acordado, exatamente metade da renda paga pelo Sr. CC, arrendatário, relativa ao período de 1 a 15 de agosto de 2020, sabendo que aquele era o último mês de vigência do contrato.
13.Portanto a embargada/exequente sabia e tinha conhecimento formal e efetivo que o contrato de arrendamento terminou a 15 de agosto de 2020.
14.Assim, não pode a Embargada/Exequente vir alegar que até à data da apresentação do requerimento executivo não recebeu do Embargante/Executado qualquer quantia.
15. Conforme provam os Docs. 3 e 4. ora juntos aos autos, a Embargada/Exequente recebeu 200,00€, metade da última renda paga. Outrossim,
16.Não pode a Embargada/Exequente vir alegar que o Embargado/Executado está em divida no valor de 4.400,00€ a título de rendas vencidas e não pagas.
17. Conforme prova o Doc. 4, ora junto aos autos, não restam dúvidas que a Embargada/Exequente sabe, e não pode ignorar, que o contrato de arrendamento - objeto do supramencionado acordo - terminou a 15 de agosto de 2020.
18.Neste sentido, impugnam-se todos os factos constantes do Requerimento Executivo por serem falsos e distorcidos.
19. A Embargada/Exequente sabe, e não pode ignorar que, a partir de 15 de agosto de 2020, o Embargante/Executado, deixou de estar obrigado pelo supramencionado acordo a entregar qualquer quantia mensal à Embargada/Exequente.
20. A Embargada/Exequente sabe, e não pode ignorar, que, em virtude da cessação do contrato de arrendamento, o Embargante/Executado nada deve à Exequente a título de rendas.
21. A Exequente sabe, e não pode ignorar, que, não obstante o supramencionado acordo ter obrigado o Executado a entregar à Exequente, a partir do dia 01 de agosto de 2020, a quantia 400,00€ a título de rendas, no caso de o prédio estar arrendado.
22.Terminado o contrato de arrendamento a 15 de agosto de 2020, o Executado desobrigou-se de qualquer pagamento ulterior àquela data.
23. Pelo que, a Embargada/Exequente sabe e não pode ignorar que o Embargante/Executado nada deve à Embargada/Exequente.
24.É do conhecimento pessoal da Embargada/Exequente, que desde 15 de agosto de 2020, o prédio não está arrendado e, por isso, não produz qualquer valor de renda.
25. Facto que é desde logo corroborado pela inexistência, até à data, de qualquer interpelação admonitória para cumprimento.
26. Ao longo de quase 3 anos, a Exequente não interpelou o Executado para pagamento.
27. E, como é consabido, nos termos do disposto no art.º 805, n.º 1 do CC, “o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir”
28. Ou seja, nos termos do citado preceito, o Executado nunca se constituiu sequer em mora.
29. O mesmo é dizer que, por não ter ocorrido qualquer interpelação, verifica-se uma inexigibilidade da dívida exequenda.
Ainda assim,
30. Não deixa de ser curioso que a Embargada/Exequente, nunca tenha interpelado o Embargante/Executado para pagamento das rendas que alega estarem em divida.
31. Se, de facto, o Embargante/Executado devesse os valores que a Embargada/Exequente reclama, certamente a Embargada/Exequente teria, ao longo destes três anos, feito interpelação para o embargante cumprir.
32. O que, por si só, bem demonstra e prova que a Embargada/Exequente sabia e sabe, que o Embargante/Executado nada lhe deve.
33. Uma vez que prédio não esteve, nem está arrendado, não tem receita alguma, desde 15 de agosto de 2020.
34. Em suma, nada é devido.
Mais requereu a suspensão da execução por falta de exigibilidade e liquidação da obrigação sem a prestação de caução, bem como a condenação da exequente como litigante de má fé.

Apreciação dos fundamentos do recurso

A decisão recorrida fundamentou assim a decisão de indeferimento liminar dos embargos de executado deduzidos:
«(…) De acordo com o artigo 729º do Código de Processo Civil, fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes:
a) Inexistência ou inexequibilidade do título;
b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução;
c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento;
d) Falta de intervenção do réu no processo de declaração, verificando-se alguma das situações previstas na alínea e) do artigo 696º.
e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução;
f) Caso julgado anterior à sentença que se executa;
g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio;
h) Contra crédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos;
i) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transação, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses atos.

Ora, os fundamentos invocados pelo embargante não se enquadram em nenhuma das situações previstas no citado artigo 729º do CPC.
Com efeito, a denúncia do contrato de arrendamento, que terá provocado a cessação do contrato de arrendamento, ocorreu em 07.10.2019, pouco tempo após o aqui embargante ter sido citado na ação declarativa e muito antes do encerramento da discussão nesse processo (16.06.2020).
A invocada comunicação ao arrendatário, que constitui um pressuposto do efeito jurídico da cessação do arrendamento, não pode ser feita valer, pois a exceção baseia-se em pressuposto já verificado à data do encerramento da discussão – ver neste sentido Lebre de Freitas in Código de Processo Civil Anotado, Volume 3, em anotação ao artigo 814º do CPC – pág. 317.
***
Pelo exposto, ao abrigo dos referidos preceitos legais, e do artigo 732º, n. 1, alínea b) e c) do Código de Processo Civil, indefiro liminarmente os presentes embargos de executado.
Fica consequentemente prejudicada a apreciação da suspensão da execução, bem como da condenação da exequente como litigante de má fé. (…)».

Defende o recorrente que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por a obrigação emergente do contrato de arrendamento ter cessado em consequência da denúncia, pelo que a execução instaurada implica a aceitação de um enriquecimento sem causa da exequente, uma vez que, por causa da cessação do contrato em razão da denúncia operada, ocorreu um facto extintivo da obrigação.
Alega o recorrente que ‘não compreende’ a decisão recorrida de julgar que a resolução do contrato de arrendamento por denúncia não tem efeitos nem validade jurídica (?) para o que se discute nos presentes autos’, tendo o tribunal a quo decidido ‘(mal) ao não atribuir efeitos jurídicos à resolução do contrato de arrendamento por denúncia, contrato este que é a “pedra basilar” da transação efetuada no âmbito daquele processo que correu termos no Juízo Local Cível do Porto e que, quando válido e em vigor, justificaria a presente demanda.
Porém, e tal como referido na sentença recorrida, aquele contrato já não existe, encontra-se resolvido, logo, não existe nem ocorre o pagamento de quaisquer rendas. E, bem assim, existe um facto extintivo da obrigação pré-existente – o que, só por si, impede o indeferimento liminar dos embargos de executado.
Assim, ao ter decidido em sentido contrário, a sentença recorrida viola de forma grave e grosseira o disposto no art.º 729.º do CPC e, em última ratio, ao decidir (erradamente) como decidiu, a douta sentença originará enriquecimento sem causa da Recorrida (art.º 473.º do CC).

Vejamos.
O art. 729.º do Cód. Proc. Civil consagra, de forma taxativa, os fundamentos para a dedução de oposição a execução fundada em sentença – mais restritos que os fundamentos admissíveis para a oposição a execução fundada em outro título executivo (ver art. 731.º do Cód. Proc. Civil).
O recorrente/apelante, no requerimento de oposição à execução, enquadrou a oposição deduzida na al. e) do art. 729.º do Cód. Proc. Civil – incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não suprida na fase introdutória da execução.
A decisão recorrida indeferiu liminarmente os embargos invocando não se encontrar preenchida nenhuma das hipóteses legais do art. 729.º do Cód. Proc. Civil, mas efetuando e apreciando (apenas) o não enquadramento do fundamento dos embargos na al. g) do art. 729.º do Cód. Proc. Civil – qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento –, tendo considerado que, uma vez que, de acordo com o alegado pelo opoente/embargante, a denúncia do contrato de arrendamento tinha sido efetuada em data anterior ao acordo homologado por sentença (16 de junho de 2020), para operar os seus efeitos a partir de 15 de agosto de 2020, ‘o efeito jurídico extinção do contrato de arrendamento não pode ser invocado porque a exceção se baseia em pressuposto já verificado’ (à data da transação celebrada).
Afigura-se-nos existir equívoco no raciocínio do tribunal a quo.
O fundamento dos embargos de executado não é a extinção da obrigação de pagamento de rendas vincendas, é a inexistência de rendas vincendas: no fundo, nos embargos deduzidos invocou o apelante a inexistência da obrigação dada à execução, uma vez que a obrigação de pagamento à exequente de metade do valor das rendas vincendas pressupõe a existência dessas rendas, não existindo rendas recebidas a partir de 15 de agosto de 2020, em consequência da extinção do contrato de arrendamento operada (segundo alega) em 15 de agosto de 2020.
O alegado pelo executado/embargante como fundamento dos embargos não se enquadra, assim, na invocação de um facto extintivo de obrigação existente, mas sim na invocação da inexistência (não constituição) da obrigação exequenda, por nem se ter constituído a obrigação de pagamento de metade do valor das rendas peticionadas a partir de 15 de agosto de 2020, atendendo à alegada cessação do contrato de arrendamento a partir dessa data.

O que as partes acordaram na sentença dada à execução foi que o aqui executado, relativamente a rendas vincendas e na metade que corresponde à Autora, iniciará o pagamento da quantia mensal de € 400,00, a pagar por transferência bancária para a conta da Autora a partir 01-08-2020, por conta do ajuizado contrato de arrendamento.
A obrigação de pagamento à exequente de metade do valor das rendas vincendas pressupõe o seu vencimento. A exequente não tem título executivo para obter o pagamento coercivo de metade do valor de rendas inexistentes: a alegada cessação do contrato de arrendamento tem por efeito a inexistência de rendas vincendas.
O fundamento dos embargos deduzidos é passível de enquadramento, de acordo com as soluções plausíveis de direito, quer na al. a) – por o título executivo só abarcar a obrigação de pagamento de metade das rendas que efetivamente se venceram –, quer na al. e) – a entender-se que incumbia à exequente alegar e provar a ocorrência do vencimento das rendas cuja metade do valor executa, como pressuposto para a certeza da existência da obrigação de pagamento da quantia de 4.400,00€ relativa à sua metade das prestações já vencidas do contrato de arrendamento peticionada – art. 729.º do Cód. Proc. Civil.
É, assim, de julgar procedente a apelação, revogando-se o despacho de indeferimento liminar da oposição por embargos de executado deduzida.

IV – Dispositivo:
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso, revogando-se o despacho de indeferimento liminar recorrido.
Sem custas, dado o vencimento do recorrente.
Notifique.

Porto, 8 de fevereiro de 2024
Ana Luísa Loureiro
Judite Pires
Isoleta de Almeida Costa