Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
429/07.3TMPRT-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: INVENTÁRIO
SEPARAÇÃO DE MEAÇÕES
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
PARTILHA DOS BENS DO CASAL
INTERVENÇÃO DE INTERESSADOS
EXEQUENTE
CONFERÊNCIA DE INTERESSADOS
Nº do Documento: RP20170314429/07.3TMPRT-B.P1
Data do Acordão: 03/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º757, FLS.229-235)
Área Temática: .
Sumário: I - Em inventário para separação de meações, o credor exequente cuja execução ficou suspensa até à partilha dos bens comuns do casal deve ser considerado como interessado, ainda que indireto, na partilha.
II - Tem, por isso, a possibilidade de intervir na conferência de interessados, podendo reclamar contra o valor atribuído a quaisquer bens relacionados e requerer a sua avaliação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 429/07.3 TMPRT-B.P1
Comarca do Porto – Porto – Instância Central – 1ª Secção de Família e Menores – J1
Apelação
Recorrente: D…
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Maria de Jesus Pereira

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
No âmbito do presente inventário instaurado, ao abrigo do art. 1404º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil de 1961, por B… contra C…, veio D…, a fls. 415/6, em 4.1.2016, e apoiando-se no disposto no art. 1406º, nº 1, al. a) do mesmo diploma, requerer o prosseguimento do inventário com designação de dia e hora para a realização da conferência de interessados e a sua notificação para aí comparecer e controlar a partilha requerendo o que tiver por conveniente, de modo a evitar que os bens que venham a integrar a meação de C…, por “complot” com o seu ex-marido, sejam insuficientes para garantir o pagamento da dívida exequenda.
Nesse sentido, alega o requerente que na execução nº 1041/13.3 YYPRT promoveu a penhora de bens de C… para garantia do pagamento da dívida de 20.000,00€, acrescida de juros legais, tendo, na mesma, sido penhorados dois imóveis constantes da relação de bens apresentada no presente inventário.
Porém, por despacho de 30.6.2014, nos termos do preceituado no art. 740º, nº 2 do Novo Cód. do Proc. Civil, foi declarada suspensa a execução.
Prosseguindo então o presente inventário a sua tramitação, em 27.9.2016 efetuou-se conferência de interessados, cuja ata consta de fls. 484/488, na qual foi dito pelos interessados que se encontram acordados quanto à partilha de todos os bens consensualmente relacionados a fls. 458 a 463 pela seguinte forma:
- Aprovam desde logo, na íntegra, o passivo relacionado, com a correção ditada pela atualização apresentada hoje pela credora E….
- Os bens identificados no ativo da relação de bens sob as verbas 34 e 35 são adjudicadas à interessada C… pelos valores constantes da dita relação de bens.
- Todos os demais bens relacionados do activo (verbas 1 a 33) são adjudicados ao cabeça-de-casal B…, pelos valores constantes da dita relação de bens, assumindo o mesmo igualmente o pagamento de todo o passivo.
- Não existem quaisquer tornas a dar ou a receber por qualquer dos interessados, por já haverem procedido a acerto de contas entre ambos.
O credor D… apresentou então o seguinte requerimento:
"D…, credor exequente da interessada C…, opõe-se ao acordo agora trazido aos autos e vem reclamar da má avaliação do valor dos bens atribuída pelos interessados com fundamento no seguinte:
Face ao tempo decorrido e ao teor do documento junto pelo credor E… que veio atualizar o seu crédito e ao conhecimento que é comum da alteração que se tem vindo a registar no sector imobiliário, vem reclamar dos valores atribuídos aos ditos bens na reclamação, os quais a manterem-se provocarão notório prejuízo ao credor.
Assim requer-se que se proceda à avaliação dos bens imóveis."
Dada a palavra à ilustre mandatária da interessada, Dr.ª F…, disse esta o seguinte:
"A requerida C… opõe-se terminantemente ao teor do requerimento apresentado pelo credor, uma vez que o mesmo carece de qualquer fundamento legal."
Dada depois a palavra à ilustre mandatária do cabeça-de-casal, Dr.ª G…, pela mesma foi dito:
"Faz suas as palavras da Ilustre Mandatária da interessada C…, acrescentando que o meu Ilustre colega está nesta diligência como exequente da interessada em que a dívida que vem aqui reclamar é uma dívida própria da interessada e não comum do casal."
Dada seguidamente a palavra ao ilustre mandatário do credor E…, Dr. H…, pelo mesmo foi dito:
"Tendo em conta que não existe dinheiro suficiente na herança para o pagamento imediato da dívida à E…, vem requerer a venda da fracção "H" - imóvel descrito na verba 31 da relação de bens”.
Dada a palavra à Digna Magistrada do M.P. pela mesma foi dito:
"Não prescindindo a Fazenda Nacional da dívida indicada, e porque é já longo o percurso do presente inventário, ultrapassadas que estão as fases processuais, designadamente a requerida pelo credor Dr. D…, cuja posição no âmbito do inventário é particular, requer o M.P. que se indefira a pretensão aduzida por tal credor e que prossigam os autos no sentido já aqui acordado com vista ao pagamento da dívida."
Seguidamente foi proferido o seguinte despacho:
“A reclamação quanto ao valor atribuído aos bens relacionados, apenas pode ter lugar nos termos, tempo e circunstâncias previstas no disposto no artº 1362º do CPC vigente anteriormente à entrada em vigor da Lei nº 41/2013, de 26 de Julho, ou seja, podem suscitá-la os interessados e, quando tem intervenção principal no inventário, também o MºPº, até ao início das licitações. No caso, não se procedeu a quaisquer licitações, antes tendo os interessados expressado os termos do seu acordo quanto à adjudicação dos bens relacionados e por que valores.
Do mesmo modo, o credor D… não é credor da herança, antes e só da interessada C…, sendo admitido a intervir nos autos em razão do que dispõe no artº 1406º, nº 1, al. a) do CPC, uma vez que na execução por si oportunamente instaurada contra a identificada interessada, procedeu-se à penhora de imóvel relacionado nos presentes autos para aqui ser partilhado.
A mais de tudo isto, que por si só inviabiliza o requerido, certo é também que o credor requerente não indica qualquer valor que repute exacto para os bens.
Nesta conformidade, indefere-se a requerida avaliação.
Notifique."
Seguidamente, pelo credor D… foi requerida novamente a palavra, no uso da qual, tendo-lhe sido concedida, disse:
"Exequente da interessada C…, vem pronunciar-se quanto à pretendida partilha, manifestando a sua oposição aos moldes para tanto escolhidos pelos interessados porquanto esse acordo lesa claramente os seus interesses, deixando-o sem forma de obter o pagamento do seu crédito, desde logo porque, é manifesto que os bens imóveis relacionados se encontram deficitariamente avaliados, sendo que o imóvel constante da verba 31 tem um valor real muito superior ao declarado que se computa em não menos de 200 mil euros, e, o mesmo se passa relativamente ao imóvel da verba 32, cujo valor real ultrapassa os 100 mil euros, ao imóvel descrito na verba 33, cujo valor real ultrapassa os 30 mil euros.”
Depois, a Mmª Juíza “a quo” proferiu o seguinte despacho:
"Fica consignada a exposição do credor D…, nada havendo porém a acrescentar e/ou alterar ao já decidido supra sobre o requerimento primeiramente pelo mesmo apresentado."
Mais adiante foi proferida a seguinte sentença:
"Nos presentes autos de inventário, a que se procede subsequentemente ao divórcio dos interessados B… e C…, para partilha do respetivo património comum, expressaram ambos os interessados o seu acordo quanto aos concretos bens a partilhar e à composição dos respectivos quinhões, nos termos acima referenciados, bem como sobre o pagamento do passivo relacionado/atualizado, acrescentando não serem devidas tornas, em razão do acerto de contas a que procederam entretanto e de que por isso reciprocamente dão quitação.
Porque tal transação define com clareza bastante o quinhão de cada um dos interessados e a quem cada um dos bens é adjudicado e em que proporção, e a mesma é objetiva e subjetivamente válida e relevante, já que em causa não estão direitos indisponíveis e é celebrado por quem para tanto tem legitimidade, homologo-a por sentença, adjudicando a cada um dos interessados os respectivos bens, e julgando verificado o passivo relacionado, com a atualização adiantada pelo credor "E…", condeno o cabeça de casal no respetivo pagamento.
Custas conforme o disposto no artº 1383º do C.P.C. em vigor antes da aprovação do novo C.P.C. pela Lei 41/2013, de 26 de Junho.
Registe e notifique, inclusive os credores.
Sem prejuízo do desfecho acabado de revelar, prosseguirão de todo o modo os autos para venda do imóvel relacionado sob a verba nº 31 e agora adjudicada ao cabeça-de-casal, com vista ao pagamento ao credor E….
A tal venda se procederá por negociação particular, sendo o valor base a atender para o efeito o valor patrimonial do imóvel atualizado já em 2016, ou seja 125.120,00€.
(…)”
Inconformado com o decidido, o credor D… veio interpor recurso de apelação, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. O Recorrente esteve presente na Conferência de Interessados, por direito próprio, na sua qualidade de credor de um dos Interessados, com crédito reconhecido em processo executivo suspenso;
2. O facto de ser reconhecido ao Recorrente credor o direito de estar presente na Conferência de Interessados não pode significar que esse direito se esgote na possibilidade de uma presença física e amorfa e silente,
3. antes estando imanente no preceito legal (artº 825º e 1406º nºs 1 e 2 CPC) a possibilidade de requerer avaliações (dado, até esse momento, não ter tido oportunidade de o fazer) por forma a garantir que os ex-cônjuges e Interessados não se possam mancomunar para o prejudicar.
4. Ao recusar ao Recorrente o direito de requerer avaliação dos bens relacionados, a Mma Juiz a quo esvaziou de conteúdo, a ratio do disposto nos artºs 825º, 1406º nºs 1 a) e c) e 2, e 1362º nºs 1, 2 e 4 do CPC revogado pelo RJPI e fez uma interpretação lesiva do principio consignado no artº 9º CCivil, preceitos, que, todos foram flagrantemente violados.
Nestes termos, entende o recorrente que:
a) deve ser revogada a sentença de 27/10/2016, que homologou a partilha;
b) deve ser convocada nova conferência de interessados;
c) devem, nela, os Interessados ex-cônjuges, ser cominados a comporem dois lotes de bens, com valores similares;
d) devem esses lotes ser sorteados entre os Interessados C… e B…;
e) assumindo o passivo, relativamente aos credores hipotecários, o Interessado a quem os bens onerados couberem em sortes.
Na hipótese de os Interessados não aceitarem ou não se entenderem quanto à composição dos lotes,
a) deve o Tribunal ordenar a avaliação de todos os imóveis relacionados
b) e, posteriormente, substituir-se à vontade dos Interessados, compondo dois lotes e procedendo ao seu sorteio.
Não consta dos autos a apresentação de contra-alegações.
Cumpre então apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram.
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A questão a decidir é a seguinte:
Apurar se o credor exequente, cuja execução ficou suspensa até à partilha dos bens comuns do casal, deve ser considerado interessado no âmbito do inventário para separação de meações, tendo o direito de requerer a avaliação de quaisquer dos bens relacionados.
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Os elementos factuais e processuais relevantes para o conhecimento do presente recurso constam do antecedente relatório.
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Passemos à apreciação jurídica.
Antes de mais, assinala-se que, apesar da entrada em vigor no dia 1.9.2013 do Novo Regime Jurídico do Processo de Inventário, aos presentes autos continuará a ser aplicado o anterior regime consagrado no Cód. do Proc. Civil de 1961, por força do disposto no art. 7º da Lei nº 23/2013, de 5.3.
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O art. 1404º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil de 1961 estabelece que decretada a separação judicial de pessoas e bens ou o divórcio, qualquer dos cônjuges pode requerer inventário para a partilha dos bens, salvo se o regime de bens do casamento for o da separação.
No caso dos autos, na sequência de divórcio, B… veio requerer, ao abrigo desta disposição legal, contra C… inventário para partilha dos bens comuns do dissolvido casal.
Sucede que D…, credor de C…, veio propor contra esta ação executiva com o nº 1041/13.3 YYPRT para pagamento de dívida no montante de 20.000,00€ acrescida de juros, tendo sido nesta ação penhoradas duas frações autónomas que, constando da relação de bens efetuada no presente inventário, se tratam de bens comuns do dissolvido casal constituído pela executada e por B….
Ora, nesta ação executiva, tendo sido conhecida a pendência do inventário para partilha dos bens comuns do casal, foi determinada a suspensão da execução até à partilha nos termos do art. 740º, nº 2 do atual Cód. do Proc. Civil.[1]
O exequente, contudo, neste caso, tem o direito de promover o andamento do inventário, tal como o cônjuge do executado tem o direito de escolher os bens com que há-de ser formada a sua meação. Se o cônjuge do executado usar deste direito o credor exequente pode reclamar contra a escolha e se o juiz considerar atendível a reclamação ordenará segunda avaliação dos bens que lhe pareçam mal avaliados (art. 1406º, nº 1, al. a) e c) e nº 2, do Cód. do Proc. Civil de 1961).
Na conferência de interessados realizada em 27.9.2016, D…, credor exequente da interessada C…, veio opor-se ao acordo apresentado com vista à partilha dos bens, reclamando da avaliação efetuada e pretendendo que se proceda a nova avaliação.
A sua pretensão foi desatendida pela Mmª Juíza “a quo”, com a argumentação de que, face ao preceituado no art. 1362º do Cód. de Proc. Civil de 1961, a reclamação contra o valor atribuído aos bens apenas pode ser suscitada pelos interessados e pelo Min. Público quando tem intervenção principal no inventário e até ao início das licitações. No caso “sub judice”, por um lado, não se procedeu a licitações, e, por outro, o credor D… não surge como credor da herança, mas apenas de C….
Ou seja, a Mmª Juíza “a quo” em bom rigor, para os efeitos do referido art. 1362º, não reconheceu ao credor D… a qualidade de interessado, embora tivesse permitido a sua presença na conferência de interessados.
Entendemos que não lhe assiste razão.
Com efeito, o credor exequente não pode, no caso dos autos em que se está perante inventário destinado à separação de meações, deixar de ser equiparado a um interessado e, por isso, justifica-se plenamente que esteja presente na conferência de interessados, a fim de não ser prejudicado com a demora na partilha, uma vez que a execução fica suspensa até à realização desta, e também para assegurar uma justa avaliação dos bens a partilhar.
“A necessidade de evitar situações de conluio entre os dois cônjuges e de garantir uma partilha justa e equitativa de todos os bens comuns do casal, ainda em defesa dos interesses do credor exequente, impõe, a nosso ver, uma interpretação menos rígida da lei e no sentido de que a intervenção deste não se pode cingir somente ao exercício daqueles dois enunciados direitos[2], sendo-lhe também permitido sindicar a actividade do cabeça-de-casal.
Assim, diremos que a própria literalidade dos citados preceitos legais (…) levam-nos a concluir que no processo de inventário para separação de meações, o credor exequente, apesar de não ser interessado directo na partilha, na medida em que não pode promover a instauração do processo de inventário, é também ele um “interessado”, ainda que indirecto na partilha”.[3] [4]
Deste modo, ao credor exequente, aqui recorrente, deve ser garantida a intervenção nas questões relativas à verificação e satisfação dos seus direitos, as quais abarcam seguramente o direito de sindicar os valores por que devem ser adjudicados os quinhões de cada interessado, se o cônjuge do executado fizer uso do direito de escolha – como foi o caso -, de tal forma que o credor exequente pode reclamar contra a escolha e o juiz se a julgar atendível ordenará avaliação dos bens que lhe pareçam mal avaliados (cfr. nº1, al. c) e nº 2 do art. 1406º do Cód. do Proc. Civil de 1961).[5]
Da ata da conferência de interessados decorre que a deliberação efetuada quanto à partilha de todos os bens colheu a imediata oposição do credor exequente, ora recorrente, que logo veio reclamar da má avaliação dos bens imóveis, para depois mais adiante, e ainda no decurso da conferência, melhor clarificar a sua posição no sentido de pretender a avaliação dos imóveis constantes das verbas 31, 32 e 33 da relação de bens.
Na linha do que temos vindo a expor, consideramos que a lei confere ao credor exequente, entendido este como interessado – ainda que indireto -, a possibilidade de requerer nova avaliação, como se alcança do estatuído nos arts. 1362º, nºs 1, 4 e 5 e 1406, nº 1 c), 2ª parte e nº 2 do Cód. do Proc. Civil de 1961.
Dispõe o art. 1362º, no seu nº 1 que «até ao início das licitações, podem os interessados e o Ministério Público, quando tenha intervenção principal no inventário, reclamar contra o valor atribuído a quaisquer bens relacionados, por defeito ou por excesso, indicando logo o valor que reputam exato
«A conferência delibera, por unanimidade, sobre o valor em que se devem computar os bens a que a reclamação se refere.» - nº 2.
«Não havendo unanimidade na apreciação da reclamação deduzida, (…), poderá requerer-se a avaliação dos bens cujo valor foi questionado, a qual será efetuada nos termos do artigo 1369º.» - nº 4.
«As reclamações contra o valor atribuído aos bens podem ser feitas verbalmente na conferência.» - nº 5.
Por seu turno, o art. 1369º estatui que «a avaliação dos bens que integram cada uma das verbas da relação é efetuada por um único perito, nomeado pelo tribunal, aplicando-se o preceituado na parte geral do Código, com as necessárias adaptações
No caso “sub judice” verifica-se que o credor aqui recorrente que, conforme já se expôs, deve ser equiparado a interessado, veio reclamar na conferência de interessados da avaliação feita no que concerne aos bens imóveis, tendo em momento mais adiantado desta mesma conferência esclarecido que a sua discordância incide sobre os imóveis constantes das verbas nºs 31, 32 e 33.
Na sua ótica o valor do imóvel relacionado sob o nº 31 não é inferior a 200.000,00€, o do nº 32 ultrapassa os 100.000,00€ e o do nº 33 ultrapassa os 30.000,00€.[6]
Neste contexto, em que um interessado na conferência se vem insurgir contra valores, constantes da relação, no que toca a alguns dos imóveis, reputando-os de insuficientes, não poderia a Mmª Juíza “a quo” ter deixado de ordenar a sua avaliação nos termos combinados dos arts. 1362º, nº 4 e 1369º do Cód. do Proc. Civil de 1961.
Isto é, inexistindo acordo de todos os interessados, quer estes sejam diretos ou indiretos, sobre o valor de alguns dos bens imóveis a adjudicar e a integrar o quinhão do ex-cônjuge da executada, sempre se imporia ao tribunal “a quo” a avaliação desses bens a efetuar por um único perito nomeado pelo tribunal.
É que os valores atribuídos na relação de bens configuram-se sempre como provisórios, de tal forma que na conferência de interessados podem ser alterados por unanimidade dos presentes e dos que aí estiverem devidamente representados, tal como flui dos arts. 1353º, nº 4, al. a) e 1362º, nº 2 do Cód. do Proc. Civil de 1961.
E se ocorrer reclamação contra o valor de alguns dos bens relacionados, e não se verificar unanimidade na apreciação dessa reclamação, o caminho que há a seguir é o da avaliação prescrita pelos já referidos artigos 1362º, nº 4 e 1369º.
Impõe-se, por conseguinte, a revogação do despacho que indeferiu a avaliação requerida pelo credor aqui recorrente, que deverá ser realizada, ficando sem efeito tudo o que foi depois processado nos autos, nomeadamente a sentença homologatória da partilha constante de fls. 487.
Ao cabo e ao resto, o direito que a lei confere ao credor exequente de intervir no inventário para separação de meações não se pode cingir à mera possibilidade de promover o seu andamento, nos termos do art. 1406º, nº 1, al. a) do Cód. do Proc. Civil de 1961, assistindo depois de forma inteiramente passiva ao subsequente desenrolar do processo.
Ora, foi o que sucedeu na conferência de interessados efetuada em 27.9.2016 em que o credor, ora recorrente, foi, a nosso ver, remetido, menos corretamente, para um papel secundário, ignorando-se a sua posição de interessado, ainda que indireto, na partilha dos bens do casal.
Por conseguinte, há que julgar procedente o recurso interposto, o que implicará a realização de avaliação aos bens imóveis relacionados sob os nºs 31 e 32 (o nº 33 não será objeto de avaliação, uma vez que quanto ao seu valor não se assinala discrepância), ficando sem efeito a conferência de interessados de 27.9.2016, a que se reporta a ata de fls. 484 e segs. onde se inclui a sentença homologatória da partilha nela proferida, e tudo o que posteriormente foi processado.
Uma vez feita tal avaliação, será convocada nova conferência de interessados, onde o credor exequente D… deverá participar em posição de paridade com os demais interessados.
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Sumário (da responsabilidade do relator):
- Em inventário para separação de meações, o credor exequente cuja execução ficou suspensa até à partilha dos bens comuns do casal deve ser considerado como interessado, ainda que indireto, na partilha.
- Tem, por isso, a possibilidade de intervir na conferência de interessados, podendo reclamar contra o valor atribuído a quaisquer bens relacionados e requerer a sua avaliação.
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar procedente o recurso de apelação interposto pelo credor exequente, interessado no inventário, D… e, em consequência:
a) Revoga-se o despacho que indeferiu a requerida avaliação de bens;
b) Dá-se sem efeito a conferência de interessados efetuada em 27.9.2016, aí se incluindo a sentença homologatória da partilha, bem como tudo o que foi processado posteriormente;
c) Determina-se a realização de avaliação no que concerne aos bens imóveis relacionados sob os nºs 31 e 32, nos termos dos arts. 1362º, nº 4 e 1369º do Cód. Civil de 1961;
d) Após, deverá ser convocada nova conferência de interessados, na qual se terão em conta as posições assumidas, como interessado, pelo credor aqui recorrente.
Custas a cargo dos recorridos, que são, “in casu”, os demais interessados no inventário.

Porto, 14.3.2017
Rodrigues Pires
Márcia Portela
Maria de Jesus Pereira
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[1] Que corresponde ao art. 825º, nº 7 do anterior Cód. do Proc. Civil.
[2] Os previstos no art. 1406º, nº 1, als. a) e c) e nº 2 do Cód. do Proc. Civil de 1961.
[3] Cfr. Ac. Rel. Porto de 29.11.2001, proc. 0020255, disponível in www.dgsi.pt.
[4] A categoria de interessado na partilha dos bens é também reconhecida ao credor exequente no Acórdão da Relação de Coimbra de 3.7.2001, CJ, ano XXVI, tomo V, págs. 7/8 e no Acórdão da Relação do Porto de 8.5.2000, CJ, ano XXV, tomo III, págs. 177/9.
[5] Cfr. Ac. Rel. Lisboa de 26.1.2010, proc. 829/04.0 TBSSB-C.L1.1, disponível in www.dgsi.pt.
[6] Na relação de bens (fls. 458 e segs.) os valores atribuídos às verbas nºs 31, 32 e 33 foram, respetivamente, de 125.120,00€, 90.670,00€ e 38.580,00€, daqui decorrendo que quanto ao nº 33 não existe verdadeira discrepância.