Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
10879/15.6T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
TRABALHO IGUAL SALÁRIO IGUAL
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RP2017021310879/15.6T8VNG.P1
Data do Acordão: 02/13/2017
Votação: UNANIMIDADE COM 1 VOTO DEC.
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º 252, FLS.86-95)
Área Temática: .
Sumário: I - A aplicação do princípio para trabalho igual salário igual, consagrado nos artigos 59.º n.º 1, al. a), da CRP, e 270.º do CT/09, pressupõe que sejam tidas em conta “a quantidade, natureza e qualidade do trabalho”, significando tal que é admitida a atribuição de salários diferentes a trabalhadores da mesma categoria, desde que exista diferença da prestação em razão de um ou mais daqueles factores.
II - Pretendendo o trabalhador que seja reconhecida a violação do princípio “para trabalho igual, salário igual”, cabe-lhe alegar e provar que a diferenciação existente é injustificada em virtude de o trabalho por si prestado ser igual aos dos demais trabalhadores quanto à natureza, abrangendo esta a perigosidade, penosidade ou dificuldade; quanto à quantidade, aqui cabendo o volume, a intensidade e a duração; e, quanto à qualidade, compreendendo-se nesta os conhecimentos dos trabalhadores, a capacidade e a experiência que o trabalho exige, mas também, o zelo, a eficiência e produtividade do trabalhador.
III - Esses factos são constitutivos do direito subjectivo do trabalhador “discriminado” (à igualdade de tratamento), pelo que ao trabalhador cumprirá prová-los quando pretender fazer valer esse direito (art.º 342.º 1, do CC).
IV - A presunção de discriminação não resulta da mera prova dos factos que revelam uma diferença de remuneração entre trabalhadores da mesma categoria profissional, ou seja, da mera diferença de tratamento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 10879/15.6T8VNG.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I.RELATÓRIO
I.1 No Tribunal da Comarca do Porto – Vila Nova de Gaia - Inst. Central – 5.ª Sec. Trabalho, B…, C…, D… e E…, intentaram a presente acção declarativa, com processo comum, emergente contrato individual de trabalho, contra “F…, Ldª, a qual foi distribuída ao Juiz 1, pedindo que julgada a acção procedente seja a R. condenada a reconhecer que a sua retribuição base mensal é igual à do colega G… e a pagar-lhes, em função disso, as diferenças derivadas das retribuições menores que lhes vêm pagando desde 01-01-2014 até 30-11-2015, num total de 11.918,40€, acrescido de juros de mora.
Alegam, em síntese, que auferem a retribuição mensal de 1.055,61€, acrescida da importância de 158,34€ a título de complemento retributivo (= a 15% da retribuição base). Porém, a R. não retribui todos os seus trabalhadores que possuem a categoria profissional de mecânico de 1.ª da mesma forma, sendo que G…, que possui a mesma categoria profissional e executa exatamente as mesmas tarefas profissionais que os AA., aufere
desde 01/01/2014, a retribuição base de 1.155,26€ e o complemento retributivo de 173,29€.
A R., assume esta discriminação salarial, dizendo que existem três subníveis de retribuição base, dentro da categoria de mecânico de 1.ª, cuja evolução depende unicamente da avaliação anual. Trata-se de uma falsidade, pois, nem o AA., nem quaisquer outros seus colegas sabem da existência dos tais “subníveis”.
Concluem formulando o pedido de condenação acima expresso.
Procedeu-se à realização de audiência de partes, mas sem que se tenha logrado alcançar a resolução do litígio por acordo.
Regularmente citada a Ré contestou, alegando, em síntese, que apenas paga uma retribuição superior ao colega G… por vir apresentando melhores avaliações de desempenho, sendo a existência de subníveis dentro da retribuição algo que os Autores conhecem e que não é novo.
Por força da Portaria de Extensão de 8-01-2011, publicada no BTE 1/2011, aplica-se o CCT entre a ACAP- Associação do Comércio Automóvel de Portugal e outras e o SINDEL, publicado no BTE 37/2010. Após a publicação da PE classificou os AA de acordo com as funções desempenhadas e o enquadramento para as mesmas no CCT. O CCT não obsta a que tenha o seu modelo remuneratório que aplica aos seus trabalhadores, ponderando a avaliação de desempenho.
Todos os seus trabalhadores são anualmente submetidos a avaliação de desempenho. O Trabalhador G… teve avaliações superiores às dos AA nos anos de 2012, 2013 e 2014.
Conclui pugnando pela improcedência da acção.
Finda a fase dos articulados, o Tribunal a quo proferiu despacho saneador, dispensando a enunciação de base instrutória ou temas de prova, nos termos permitidos pelo art.º 49.º 3, do CPT. Foi fixado o valor da causa em 11 918,40 euros.
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento.
I.2 O tribunal a quo procedeu à fixação da matéria de facto provada e proferiu sentença, concluída com o dispositivo seguinte:
«Termos em que se decide julgar a presente acção totalmente improcedente, absolvendo-se a Ré F…, Lda., do(s) pedido(s) formulado(s) pelos Autores B…, C…, D… e E….
Sem custas, dada a isenção dos AA..
(..)».
I.3 Inconformados com a sentença os AA. apresentaram recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram sintetizadas nas conclusões seguintes:
1.ª Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo jamais poderia dar como sendo um facto provado o constante da parte final do ponto 21.º, nomeadamente que as avalizações do G… são superiores às dos autores.
2.ª Com efeito, e antes do mais, afirmar que as avaliações do G… são superiores às dos AA. é uma afirmação puramente conclusiva, não sendo, portanto, um facto.
3.ª Por outro lado, não existe qualquer elemento de prova nos autos que permita conhecer qual a avaliação dos ora recorrentes, e, por isso, e por maioria de razão, não pode o Tribunal a quo comparar avaliações.
4.ª Para tal tinha, obrigatoriamente, o Tribunal a quo de ter dado como provadas as concretas avaliações dos ora recorrentes – o que não fez. 5.ª
Mas não o fez, nem podia fazer, pois – como se disse – não existem quaisquer documentos – e só com ele se provaria a concreta avaliação de qualquer um dos ora recorrentes – que permitam dar como provadas as percentagens avaliativas dos ora recorrentes.
6.ª Ademais, a ora recorrida nem sequer alegou (e muito menos logrou provar) quais foram, ao longo dos anos transatos os resultados das avaliações dos ora recorrentes.
7.ª Acresce que, na motivação, o Tribunal a quo afirma expressamente que “ (…) a nível documental atendeu o Tribunal ao descritivo funcional do documento de fls. 21 a 24, aos recibos de vencimento de fls. 25 a 34 e aos formulários de avaliação do colega G… de 2013 e 2014 juntos a fls. 69 a 72.”.
8.ª Pelo que, também daqui, resulta que apenas existem nos autos documentos que comprovam os resultados das avaliações do trabalhador da requerida G…, dos anos de 2013 e 2014; e não dos ora recorrentes.
9.ª Assim, os ora recorrentes requerem a alteração do ponto 21.º da matéria de facto deverá ter a seguinte redação: 21.º- O trabalhador G…, teve avaliação de desempenho em 2013 e 2014 de respectivamente, 107,02% e 108,32%.
10.ª Na presente ação está em causa saber se existe, ou não, uma violação do princípio constitucional “para trabalho igual salário igual”, constante da alínea a) do n.º 1 do art.º 59.º da CRP e do art.º 270.º do CT.
11.ª Para tal, cabia aos autores alegarem e provarem que a retribuição deles era inferior à do G… e que o trabalho deles era igual ao desse colega.
12.ª E ele é igual porque tem duração igual (quantidade), e tem a mesma dificuldade, penosidade e perigosidade (natureza) sendo ainda que, requer as mesmas ou equivalentes habilitações profissionais, implicando a mesma ou equiparável responsabilidade (qualidade).
13.ª Os ora recorrentes lograram provar tais factos, constando, nomeadamente, dos pontos 6.º a 12.º dos factos provados.
14.ª Assim, aquele ónus mostra-se cumprido. (neste sentido veja-se o Acórdão do STJ, de 06/12/2004, no processo 05S1589, disponível em www.dgsi.pt)
15.ª Na sua contestação a R. assumiu a discriminação, dando, no entanto, como fundamento a existência de “(…) 3 subníveis ou graus de retribuição base dentro da categoria de mecânico de 1.ª, cuja evolução depende da avalização de desempenho.”. (cfr. art.º 5.º da contestação e ponto 14.º do factos provados)
16.ª Porém, e a julgar como verdadeira a tese da R., esta nunca alegou (nem provou) como é efetuada a evolução pelos 3 subníveis, nem, tão pouco, referiu se poderá existe involução, em caso de avaliação insatisfatória.
17.ª A partir de que percentagem se evolui do subnível 1 para o 2? E para o 3? E chegado ao 3 não existe evolução possível?
18.ª Pois, nada disto foi explicado pela ora recorrida, e, ao contrário do referido pelo Tribunal a quo, era apenas à ora recorrida que cabia tal ónus.
19.ª De facto, não cabe aos trabalhadores alegar quais os critérios (se é que eles existem) em que a empregadora se baseia para discriminá-los do ponto de vista salarial.
20.ª Tal seria uma total inversão do ónus da prova.
21.ª Ademais, os recorrentes nem sequer sabiam que os resultados da avaliação anual influíam na retribuição base de cada um deles, nem tão pouco conheciam a existência de subníveis de categoria. (cfr. ponto 15.º dos factos provados)
22.ª Como é bom de ver, é materialmente impossível provar positivamente algo que é desconhecido pelos recorrentes, e demais trabalhadores da empresa, e que estava no “segredo dos deuses”.
23.ª Assim, forçoso será concluir que os critérios e métodos que a recorrida afirma que utiliza para discriminar os salários dos seus trabalhadores não são nem objetivos, nem explícitos.
24.ª Pelo que, não podemos concordar com o Tribunal a quo quando refere que “(…) o sistema de avaliação do desempenho efectuado pela R. depende de factores que nada revela não serem objectivos e iguais para todos.”.
25.ª Aliás, nem sequer se entende em que factos o Tribunal a quo se baseou para concluir desta forma.
26.ª Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou as normas constantes da alínea a) do n.º 1 do art.º 59.º da CRP e do art.º 270.º do CT.
Conclui pedindo a revogação da sentença, para ser substituída por Acórdão que julgue procedentes os pedidos formulados pelos autores na sua P.I.
I.4 A Recorrida Ré apresentou contra alegações, sintetizadas nas conclusões seguintes:
1. Tendo existido depoimentos de testemunhos que versaram sobre a matéria de facto que os recorrentes pretendem impugnar, e expressamente referidos na motivação da decisão, deve o recurso ser rejeitado na parte em que impugna a resposta dada no facto n.º 21, por força do disposto no artigo 640.º n.º2, a), do CPC.
2. A diferenciação estabelecida em matéria de retribuição dos seus mecânicos, estribada em diferenças na qualidade do serviço prestado, aferido através de um sistema de avaliação de desempenho com critérios objectivos, é admissível pela Lei, ordinária ou constitucional.
Conclui pugnando pela improcedência do recurso.
I.5 A Digna Procuradora da República junto desta Relação emitiu parecer nos termos do art.º 87.º3, do CPT, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso, na consideração de que os apelantes não provaram, “como lhes competia, factos susceptíveis de demonstrar terem tido a mesma qualidade de desempenho que teve o trabalhador G…, no exercício das suas funções, de modo a poder concluir-se pela violação do princípio da proibição da discriminação remuneratória”.
I.6 Cumprido os vistos legais, determinou-se que o processo fosse inscrito para ser submetido a julgamento em conferência.
I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] as questões suscitadas pelos recorrentes para apreciação consistem em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento quanto ao seguinte:
i) Na apreciação da prova e fixação da matéria de facto: quanto ao facto 21;
ii) Na aplicação do direito aos factos, violando as normas constantes da alínea a) do n.º 1 do art.º 59.º da CRP e do art.º 270.º do CT.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. MOTIVAÇÃO DE FACTO
O elenco factual fixado pelo tribunal a quo consiste no que passa a transcrever:
1.º- Os AA. foram admitidos ao serviço da R.,
2.º - Uma sociedade comercial que se dedica à assistência mecânica a veículos automóveis.
3.º- Por força de um contrato de trabalho celebrado, respectivamente:
- O A. B…, em 1 de Outubro de 1992;
- O A. B…, em 20 de Novembro de 1995;
- O A. D…, em 1 de Abril de 2002;
- O A. E…, em 8 de Março de 2000;
4.º - A partir daquelas datas, os Autores passaram a exercer a sua actividade profissional remunerada por conta e sob a direcção e fiscalização da Ré.
5.º- Os Autores estão classificados profissionalmente pela Ré como mecânicos de 1.ª;
6.º - Sendo que, as tarefas profissionais por si desempenhadas são as de assegurar a execução dos serviços de desempanagem; receber do centro de coordenação, telefónica ou pessoalmente, os processos de assistência com as indicações acerca do tipo de anomalia, identificação da viatura e do sócio da R., beneficiário ou cliente requisitante do serviço de desempanagem; deslocar-se aos locais indicados, utilizando a viatura com equipamento de assistência técnica, identificando no local a viatura e o sócio da R., beneficiário ou cliente e detetar as causas da imobilização da viatura; executar o serviço de desempanagem, de acordo com as normas e desde que tecnicamente possível, ou solicitar os serviços de reboque perante casos de manifesta impossibilidade de desempanagem; repor a viatura em condições de marcha e funcionamento; efetuar recebimentos correspondentes a peças utilizadas, serviços efetuados, admissões de sócios ou pagamento de quotização, procedendo à entrega dos respetivos documentos e valores conforme o procedimento estabelecido; comunicar ao centro de coordenação o início e o termo dos serviços executados e as razões que impossibilitaram a realização de outros; proceder ao preenchimento das folhas de ocorrências, descrevendo acidente e/ou avarias verificadas na viatura que utiliza, e remete-las aos serviços técnicos; executar, quando necessário, as tarefas descritas nas funções de antena técnica, de mecânico de oficina, de motorista desempanador e de motorista de pronto-socorro. (DOC. 1)
7.º - Os Autores auferem a retribuição mensal de 1.055,61€, acrescida (entre outras) da importância de 158,34€ a título de complemento retributivo (= a 15% da retribuição base). (DOCS. 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9)
8.º - Sucede, porém, que a Ré não retribui todos os seus trabalhadores que possuem a categoria profissional de mecânico de 1.ª da mesma forma.
9.º - Concretamente, a retribuição base dos Autores é inferior à retribuição base do seu colega de trabalho G…, que para além de possuir a mesma categoria profissional, executa as mesmas tarefas profissionais que os Autores.
10.º - Nomeadamente, as descritas no supra art.º 6.º, sem qualquer tipo de especialização.
11.º - Conforme resulta dos recibos de vencimento dos Autores, juntos aos autos e que aqui se dão por integralmente transcritos, a retribuição base dos Autores é, desde 01/01/2014, de 1.055,61€.
12.º - Mas já a do seu colega supra identificado, cujos recibos de vencimento igualmente foram juntos, é, desde 01/01/2014, de 1.155,26€. (DOCS. 10 e 11).
13.º - De igual modo, e porque se trata de uma prestação mensal que está indexada ao valor da retribuição base, o complemento retributivo que a R. paga aos AA. (158,34€) é inferior àquele que paga ao seu trabalhador G… (173,29€).
14.º - A R., assume esta diferenciação salarial, dando como justificação para a sua existência o facto de considerar três subníveis de retribuição base, dentro da categoria de mecânico de 1.ª, cuja evolução depende unicamente da avaliação anual.
15.º - Os Autores não foram informados pela Ré da existência de subníveis de retribuição base.
16.º - O complemento retributivo referido em 7º respeita à prestação de trabalho em regime de turnos e está previsto na cláusula 60ª, nº5, do CCT entre a ACAP - Associação do Comércio Automóvel de Portugal e outras e o Sindel - Sindicato Nacional da Indústria e outros, publicado no BTE nº 37/2010, de 8 de Outubro, aplicável à Ré por força da Portaria de Extensão de 08-01-2011, publicada no BTE nº 1/2011, de 8 de janeiro – facto que, embora contendo matéria de direito, aqui se deixa exarado por aceite por ambas as partes e para facilidade de análise.
17.º- Após a publicação da portaria de extensão referida em 16.º, a Ré procedeu à classificação dos Autores, de acordo com as funções por estes desempenhadas e com referência às categorias profissionais definidas no Anexo II do CCT, como mecânicos de automóveis de 1ª.
18.º - No plano remuneratório, enquadrando-se tal categoria no nível 8 do CCT, a retribuição base mínima que lhe corresponde é, na versão vigente do CCT, de 609,00€.
19.º - O critério de que a R. faz depender a atribuição de retribuições superiores às que paga aos AA. baseia-se na avaliação de desempenho a que procede, nos termos por ela definidos, considerando a classificação obtida e a sua reiteração.
20.º - Todos os trabalhadores da Ré, incluindo portanto os Autores, são submetidos anualmente a avaliação de desempenho com critérios comuns, designadamente e conforme se infere do formulário junto a fls 66 68, em função de critérios como o atendimento, competência técnica, disponibilidade, rigor, trabalho de equipa, comunicação, integridade e número de reclamações, a que são atribuídas valorizações pelo chefe de serviços, após uma consulta e auto-avaliação dos próprios trabalhadores.
21.º- O trabalhador G…, teve avaliação de desempenho em 2013 e 2014 de respectivamente, 107,02% e 108,32%, avaliações estas superiores às obtidas pelos Autores.
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II.3 MOTIVAÇÃO de DIREITO
Sustentam os recorrentes que estando em causa saber se existe, uma violação do princípio constitucional “para trabalho igual salário igual”, constante da alínea a) do n.º 1 do art.º 59.º da CRP e do art.º 270.º do CT, cabia-lhes alegarem e provarem que a retribuição deles era inferior à do G… e que o trabalho deles era igual ao desse colega. E ele é igual porque tem duração igual (quantidade), e tem a mesma dificuldade, penosidade e perigosidade (natureza) sendo ainda que, requer as mesmas ou equivalentes habilitações profissionais, implicando a mesma ou equiparável responsabilidade (qualidade).
Como provaram tais factos, nomeadamente, os dos pontos 6.º a 12.º dos factos provados, cumpriram aquele ónus de prova que sobre eles recaía. Não cabe aos trabalhadores alegar quais os critérios (se é que eles existem) em que a empregadora se baseia para discriminá-los do ponto de vista salarial.
Neste pressuposto, discordam do Tribunal a quo quando afirma na fundamentação o seguinte:
-«(..) Os AA. não lograram demonstrar, nem sequer alegaram, que estão a ser discriminados por motivos que a Lei ordinária ou constitucional não admite. E, nem sequer insinuaram que a avaliação do seu desempenho é idêntica à do colega G…, limitando-se a alegar que fazem as mesmas tarefas sem qualquer diferenciação ou especialização. Aliás e ao invés, a R. logrou demonstrar que o colega G… teve, pelo menos em 2013 e 2014, avaliações superiores às dos AA.
Sendo os AA. quem tem o ónus de prova e, desde logo, de alegação dos factos que fundamentariam o direito às diferenças salariais que peticiona – cfr. o art. 342º, nº 1, do Cód. Civil – parece-nos claro que a presente acção não tem pois virtualidade para proceder».
Defendem, ainda, ser forçoso “concluir que os critérios e métodos que a recorrida afirma que utiliza para discriminar os salários dos seus trabalhadores não são nem objetivos, nem explícitos”, cabendo a esta a prova do contrário.
Concluem, defendendo que o Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, “violou as normas constantes da alínea a) do n.º 1 do art.º 59.º da CRP e do art.º 270.º do CT”.
II.3.1 O art.º 59.º n.º1, al. a), da CRP, estabelece que “todos os trabalhadores”, sem discriminação, têm direito “à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna”.
Afirmam-se, assim, dois princípios respeitantes ao salário: o da equidade e o da suficiência.
O primeiro deles, que é o que aqui releva, tem consagração expressa quer no CT de 2003 quer no de 2009, respectivamente nos artigos 263.º e 270.º, com uma ligeira alteração de redacção neste último normativo, ao ter-lhe sido acrescentado na parte final a expressão “ou de valor igual”, para assim estabelecer: «Na determinação do valor da retribuição deve ter-se em conta a quantidade, natureza e qualidade do trabalho, observando-se o princípio de que, para trabalho igual ou de valor igual, salário igual».
Convém notar, pela sua relevância para a interpretação e aplicação do princípio, que o legislador veio reforçar a ideia de que devem “ter-se em conta a quantidade, natureza e qualidade do trabalho”.
A propósito deste princípio, Monteiro Fernandes escreve o seguinte:
- “Ele significa, imediatamente, que não pode, por nenhuma das vias possíveis (contrato individual, convenção colectiva, regulamentação administrativa, legislação ordinária) atingir-se o resultado de, numa concreta relação de trabalho, ser prestada retribuição desigual da que seja paga, no âmbito da mesma organização, como contrapartida de «trabalho igual». (..) As raízes deste princípio desenvolvem-se em várias direcções: mergulham, em primeiro lugar, no princípio geral da igualdade, consagrado no art.º 13.º da CRP; depois, e já no plano específico das situações laborais, prendem-se no princípio da igualdade de tratamento, que, por seu turno, deriva do reconhecimento da posição de supremacia e do poder («autoridade», diz o art.º 11.º CT), e, enfim, entrelaçam-se com as do princípio da não-discriminação, afirmado, em geral, pelo art.º 13.º/2 da CRP, e retomado, justamente a propósito da retribuição do trabalho, pelo mesmo preceito constitucional em que tem assento a equidade salarial [art.º 159.º /1 a)].
O sentido geral do princípio é este: uma idêntica remuneração deve ser correspondida a dois trabalhadores que, na mesma organização (ou seja, sob as ordens de uma mesma entidade empregadora) ocupem postos de trabalho «iguais», isto é, desempenhem tarefas qualitativamente coincidentes, em idêntica quantidade (duração). Por outras palavras, salário igual em paridade de funções, o que implica, simultaneamente, identidade de natureza da actividade e igualdade de tempo de trabalho. Assim, a retribuição aparece directamente conexionada à posição funcional do trabalhador na organização; o modo como ele se insere na concreta articulação de meios através da qual a empresa funcione confere-lhe um certo posicionamento relativo na escala se salários. A uma dada organização de trabalho corresponde uma definida «organização» de salários” [Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009, pp.469/470].
Mais adiante, o mesmo autor conclui que “os critérios fixados no art.º 59.º CRP (quantidade, natureza, qualidade do trabalho) podem conduzir a uma diferenciação de tratamento remuneratório, assim objectivamente justificada; essa diferenciação tanto pode resultar da qualidade, com da natureza do trabalho, ainda que dentro da mesma categoria” [Op. Cit. 474/475].
Esse é, também, o entendimento pacífico da jurisprudência, como o elucida o Acórdão do STJ de 12-10-2011, em cujo sumário se pode ler:
I – O princípio da igualdade (art. 13.º da C.R.P.), desenvolvido no art. 59.º/1 da mesma C.R.P., reporta-se a uma igualdade material, que não meramente formal, e concretiza-se na proscrição do arbítrio e da discriminação, devendo tratar-se por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual.
II – O princípio do ‘trabalho igual, salário igual’, corolário daquele, pressupõe a mesma retribuição para trabalho prestado em condições de igual natureza, qualidade e quantidade, com proibição da diferenciação arbitrária, materialmente infundada, só existindo violação do princípio quando a diferenciação salarial assente em critérios apenas subjectivos [Proc.º n.º 343/04.4TTBCL.P1.S1, Conselheiro Fernandes da Silva, disponível em ww.dgsi.jstj].
Estes mesmos princípios são vem sido sucessivamente reafirmados pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, como se pode constatar no extracto que segue do Acórdão n.º 584/98, de 20 de Outubro de 1998 [disponível em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos], onde se escreve o seguinte:
- «O artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa - ao preceituar que ‘todos os trabalhadores [...] têm direito à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna’ - impõe que a remuneração do trabalho obedeça a princípios de justiça.
Ora a justiça exige que quando o trabalho prestado for igual em quantidade, natureza e qualidade seja igual a remuneração. E reclama (nalguns casos apenas consentirá) que a remuneração seja diferente, pagando-se mais a quem tiver melhores habilitações ou mais tempo de serviço. Deste modo se realiza a igualdade pois que, como se sublinhou no Acórdão n.º 313/89 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 13.º vol. T. II, pp. 917 e segs.), do que no preceito constitucional citado se trata é um direito de igualdade. Escreveu-se neste aresto:
‘O direito de que aqui se trata é um direito de igualdade – mas de uma igualdade material que exige que se tome sempre em consideração a realidade social em que as pessoas vivem e se movimentam – e não de uma igualdade meramente formal e uniformizadora (cf. Francisco Lucas Pires, Uma Constituição para Portugal, Coimbra, 1975, pp. 62 e segs.).
Uma justa retribuição do trabalho é, no fundo, o que os princípios enunciados no preceito visam assegurar: a retribuição deve ser conforme à quantidade, natureza e qualidade do trabalho; deve garantir uma existência condigna e a trabalho igual – igual em quantidade, natureza e qualidade – deve corresponder salário igual.
O princípio ‘para trabalho igual salário igual’ não proíbe, naturalmente, que o mesmo tipo de trabalho seja remunerado em termos quantitativamente diferentes, conforme seja feito por pessoas com mais ou menos habilitações e com mais ou menos tempo de serviço, pagando-se mais, naturalmente, aos que maiores habilitações possuem e mais tempo de serviço têm. O que o princípio proíbe é que se pague de maneira diferente a trabalhadores que prestam o mesmo tipo de trabalho, têm iguais habilitações e o mesmo tempo de serviço.
O que, pois, se proíbe são as discriminações, as distinções sem fundamento material, designadamente porque assentes em meras categorias subjectivas.
Se as diferenças de remuneração assentarem em critérios objectivos, então elas são materialmente fundadas e não discriminatórias. Tratar por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente diferente - eis o que exige o princípio da igualdade (...)».
Em suma, a aplicação do princípio para trabalho igual salário igual, consagrado nos artigos 59.º n.º 1, al. a), da CRP, e 270.º do CT/09, pressupõe que sejam tidas em conta “a quantidade, natureza e qualidade do trabalho”, significando tal que é admitida a atribuição de salários diferentes a trabalhadores da mesma categoria, desde que exista diferença da prestação em razão de um ou mais daqueles factores.
Os autores não divergem deste entendimento. A questão que colocam, sendo esse o ponto fulcral para apreciação do recurso, é a de saber se cumpriram o ónus de prova que lhes era exigível, entendo que alcançaram esse objectivo através da prova dos factos sob os n.ºs 6 a 12 e, em contrapartida, que cabia à Ré alegar e provar factos para justificar a diferença entre as suas retribuições e do trabalhador G….
Os nossos tribunais superiores, mormente o Supremo Tribunal de Justiça, já se pronunciaram bastas vezes sobre a questão do ónus de prova em situações em que se pretende ver reconhecida a violação do princípio “para trabalho igual, salário igual”. A título meramente ilustrativo, atente-se nos sumários dos Acórdãos do STJ, na parte aqui relevante, que se passam a transcrever (todos eles disponíveis em www.dgsi.pt):
i) De 23 de Novembro de 2005, proc. 05S2262, Conselheiro Sousa Peixoto
«I - Só há violação do princípio “a trabalho igual salário igual” quando a diferenciação salarial assente em critérios meramente subjectivos.
II - Compete ao trabalhador/autor que alega ter sido objecto de discriminação salarial alegar e provar os factos que permitam concluir pela inexistência de razões objectivas que justifiquem a diferenciação salarial praticada.
III - O facto de ele ter a mesma categoria profissional (Técnico Consultor) que os outros trabalhadores salarialmente mais favorecidos, o facto de todos terem o mesmo local de trabalho e o facto de ter ele um bom currículo académico e profissional não são suficientes, só por si, para dar como provada a discriminação salarial.
(..)».
ii) De 8 de Março de 2006, proc. 04S3150 Conselheiro Pinto Hespanhol
«1. Cabe ao trabalhador que se considera discriminado provar que, no período anterior ao seu despedimento, o trabalho que prestou era igual ao de outros trabalhadores, não só quanto à natureza, mas também quanto à qualidade e quantidade, pelo que, não tendo logrado fazer essa prova, não se pode dar como verificada a violação do princípio «a trabalho igual salário igual»;
2. Se o trabalhador não conseguiu provar que, no período anterior ao despedimento, o seu desempenho era igual em natureza, qualidade e quantidade ao de outros trabalhadores, não faz qualquer sentido a reclamada inversão do ónus da prova, ao abrigo do nº 2 do artigo 344° do Código Civil, quanto ao período posterior a esse despedimento, em que não se verificou efectiva prestação de trabalho;
(..)».
iii) De 22 de Abril de 2009, proc.º 08P3040, Conselheiro Vasques Dinis
«I - O artigo 59º, nº 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa, concretiza, no que diz respeito à retribuição do trabalho, visando garantir um justo e equitativo valor, o princípio da igualdade consignado no artigo 13º do mesmo diploma.
II - O direito de igualdade reporta-se a uma igualdade material que exige se tome sempre em consideração a realidade social em que as pessoas vivem e se movimentam, e não a uma igualdade meramente formal, massificadora e uniformizadora, devendo, pois, tratar-se por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual.
III - O que decorre do princípio para trabalho igual salário igual é a igualdade de retribuição para trabalho igual em natureza, quantidade e qualidade, e a proibição de diferenciação arbitrária (sem qualquer motivo objectivo) ou com base em categorias tidas como factores de discriminação (sexo, raça, idade e outras) destituídas de fundamento material atendível, proibição que não contempla, naturalmente, a diferente remuneração de trabalhadores da mesma categoria profissional, na mesma empresa, quando a natureza, a qualidade e quantidade do trabalho não sejam equivalentes, atendendo, designadamente, ao zelo, eficiência e produtividade dos trabalhadores.
(..)
VII - Deste modo, numa acção em que se não invocam quaisquer factos que, de algum modo, possam inserir-se na categoria de factores característicos de discriminação, no sentido referido, não funciona a aludida presunção, por isso que compete ao autor, nos termos do artigo 342º, nº 1, do Código Civil, alegar e provar factos que, referindo-se à natureza, qualidade e quantidade de trabalho prestado por trabalhadores da mesma empresa e com a mesma categoria, permitam concluir que o pagamento de diferentes remunerações viola o princípio para trabalho igual salário igual, pois que tais factos, indispensáveis à revelação da existência de trabalho igual, se apresentam como constitutivos do direito a salário igual, que se pretende valer.
(..)».
Em suma, pretendendo o trabalhador que seja reconhecida a violação do princípio “para trabalho igual, salário igual”, cabe-lhe alegar e provar que a diferenciação existente é injustificada em virtude de o trabalho por si prestado ser igual aos dos demais trabalhadores quanto à natureza, abrangendo esta a perigosidade, penosidade ou dificuldade; quanto à quantidade, aqui cabendo o volume, a intensidade e a duração; e, quanto à qualidade, compreendendo-se nesta os conhecimentos dos trabalhadores, a capacidade e a experiência que o trabalho exige, mas também, o zelo, a eficiência e produtividade do trabalhador.
Esses factos são constitutivos do direito subjectivo do trabalhador “discriminado” (à igualdade de tratamento), pelo que ao trabalhador cumprirá prová-los quando pretender fazer valer esse direito (art.º 342.º 1, do CC).
A presunção de discriminação não resulta da mera prova dos factos que revelam uma diferença de remuneração entre trabalhadores da mesma categoria profissional, ou seja, da mera diferença de tratamento.
Provaram os autores o seguinte:
[6.º] Sendo que, as tarefas profissionais por si desempenhadas são as de assegurar a execução dos serviços de desempanagem; receber do centro de coordenação, telefónica ou pessoalmente, os processos de assistência com as indicações acerca do tipo de anomalia, identificação da viatura e do sócio da R., beneficiário ou cliente requisitante do serviço de desempanagem; deslocar-se aos locais indicados, utilizando a viatura com equipamento de assistência técnica, identificando no local a viatura e o sócio da R., beneficiário ou cliente e detetar as causas da imobilização da viatura; executar o serviço de desempanagem, de acordo com as normas e desde que tecnicamente possível, ou solicitar os serviços de reboque perante casos de manifesta impossibilidade de desempanagem; repor a viatura em condições de marcha e funcionamento; efetuar recebimentos correspondentes a peças utilizadas, serviços efetuados, admissões de sócios ou pagamento de quotização, procedendo à entrega dos respetivos documentos e valores conforme o procedimento estabelecido; comunicar ao centro de coordenação o início e o termo dos serviços executados e as razões que impossibilitaram a realização de outros; proceder ao preenchimento das folhas de ocorrências, descrevendo acidente e/ou avarias verificadas na viatura que utiliza, e remete-las aos serviços técnicos; executar, quando necessário, as tarefas descritas nas funções de antena técnica, de mecânico de oficina, de motorista desempanador e de motorista de pronto-socorro. (DOC. 1)
[7.º] Os Autores auferem a retribuição mensal de 1.055,61€, acrescida (entre outras) da importância de 158,34€ a título de complemento retributivo (= a 15% da retribuição base). (DOCS. 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9)
[8.º] Sucede, porém, que a Ré não retribui todos os seus trabalhadores que possuem a categoria profissional de mecânico de 1.ª da mesma forma.
[9.º]Concretamente, a retribuição base dos Autores é inferior à retribuição base do seu colega de trabalho G…, que para além de possuir a mesma categoria profissional, executa as mesmas tarefas profissionais que os Autores.
[10.º] Nomeadamente, as descritas no supra art.º 6.º, sem qualquer tipo de especialização.
[11.º] Conforme resulta dos recibos de vencimento dos Autores, juntos aos autos e que aqui se dão por integralmente transcritos, a retribuição base dos Autores é, desde 01/01/2014, de 1.055,61€.
[12.º] Mas já a do seu colega supra identificado, cujos recibos de vencimento igualmente foram juntos, é, desde 01/01/2014, de 1.155,26€. (DOCS. 10 e 11).
Estes factos correspondem ao alegado nos artigos 5.º a 12.º da Petição Inicial. Deles retira-se que os AA. e o trabalhador relativamente ao qual entendem existir discriminação têm a mesma categoria profissional de mecânicos de 1.ª, executando as mesmas tarefas profissionais que integram o conteúdo funcional dessa categoria, mas auferindo os primeiros, desde 1-01-2014, €1.055,61 mensais, enquanto este último aufere um valor superior, em concreto, € 1.155,26.
Assim, desta matéria de facto pode extrair-se apenas que o trabalho prestado pelos autores e pelo trabalhador em relação ao qual entendem existir discriminação remuneratória é igual quanto ao conteúdo funcional e, consequentemente, que as tarefas desempenhadas, em geral, têm os mesmos níveis de complexidade e exigências de conhecimentos. Mas nada mais.
Portanto, ficam de fora uma multiplicidade de situações que podem justificar que dentro da mesma categoria profissional a Ré distinga uns trabalhadores de outros, qualificando-os em subníveis, e pratique retribuições diferenciadas.
O que vale por dizer, como bem se refere na sentença recorrida, que os autores não demonstraram, tanto mais que nem sequer os alegaram, como lhes competia, os factos necessários para se concluir que estão a ser discriminados relativamente ao trabalhador da mesma categoria profissional que aufere retribuição superior à que eles auferem.
Na verdade, os AA. limitaram-se a vir dizer que [14.º] “A R., assume esta discriminação salarial, dando como desculpa, para a sua existência, o facto de haver três subníveis de retribuição base, dentro da categoria de mecânico de cuja evolução depende unicamente da avaliação anual”, para sustentarem tratar-se de “uma absoluta falsidade, pois, nem o AA., nem quaisquer outros seus colegas sabem da existência dos tais “subníveis” [artigos 14.º e 15.º da PI].
Significando isso, necessariamente, que os AA. conheciam a razão invocada pela R. para praticar valores de retribuição diferenciado para a mesma categoria profissional, não lhes bastava dizer tratar-se de uma falsidade, por alegadamente não saberem da existência de tais subníveis. De resto, não se provou que não o soubessem, mas antes que “não foram informados pela Ré da existência de subníveis de retribuição base” [facto 15], que é algo bem diferente.
Por conseguinte, sabendo os AA que o trabalhador G…, com mesma categoria que eles, aufere retribuição mais elevada e, para além disso, que a R. justifica essa diferenciação com “o facto de haver três subníveis de retribuição base, dentro da categoria de mecânico de cuja evolução depende unicamente da avaliação anual”, cabia-lhes alegar factos que, sujeitos a prova e demonstrados, evidenciassem que o trabalho prestado por eles e por este é igual quanto à natureza, quantidade e qualidade, não existindo justificação para os respectivos níveis de avaliação serem inferiores aos atribuídos àquele trabalhador.
Acontece que os AA. não fizeram essa alegação, limitando-se a sustentar-se na alegada “falsidade” da justificação dada pela Ré.
Certo é, que essa justificação que os AA sabiam ser assumida pela Ré, efectivamente existe. Como provado, sem que os AA. se tenham insurgido contra esses factos, “[T]odos os trabalhadores da Ré, incluindo portanto os Autores, são submetidos anualmente a avaliação de desempenho com critérios comuns, designadamente e conforme se infere do formulário junto a fls 66 68, em função de critérios como o atendimento, competência técnica, disponibilidade, rigor, trabalho de equipa, comunicação, integridade e número de reclamações, a que são atribuídas valorizações pelo chefe de serviços, após uma consulta e auto-avaliação dos próprios trabalhadores” (facto 20).
É dessa avaliação, feita à luz desses critérios, que a R. “faz depender a atribuição de retribuições superiores às que paga aos AA (..) considerando a classificação obtida e a sua reiteração” (facto 19).
Sendo que “O trabalhador G…, teve avaliação de desempenho em 2013 e 2014 de respectivamente, 107,02% e 108,32%, avaliações estas superiores às obtidas pelos Autores” (facto 21).
Para que não fiquem dúvidas aos autores, a acção soçobra não pelo facto de estar demonstrado que a Ré atribuiu níveis de classificação ao trabalhador G… superiores às deles e em função disso paga a este uma retribuição mensal mais elevada, mas antes porque não demonstraram os factos necessários para se concluir que estão a ser discriminados relativamente àquele trabalhador, num quadro em que se conclui não ocorrer a alegada falsidade da justificação que era dada pela Ré – único fundamento que invocaram -, quando se apura que existe um sistema de avaliação, à qual também estão sujeitos, com base no qual são praticadas retribuições distintas para a mesma categoria.
O princípio para trabalho igual salário igual, consagrado nos artigos 59.º n.º 1, al. a), da CRP, e 270.º do CT/09, não proíbe essa prática da Ré, uma vez que permite sejam praticadas retribuições diferentes para trabalhadores da mesma categoria profissional, desde que exista diferença da prestação em razão da “quantidade” ou da “natureza”, ou da “qualidade do trabalho” prestado.
A prova de que a R. pratica a atribuição de retribuições de diferentes valores para a mesma categoria profissional não é o bastante para se presumir que há uma discriminação, invertendo-se o ónus de prova, para passar a recair sobre aquela o ónus de alegar e provar que discrimina justificadamente em razão de qualquer um daqueles factores previstos na lei para admitir esse tratamento diferenciado.
Cabia aos autores, por se considerarem discriminados, alegar e provar que a diferenciação existente é injustificada, o que no caso pressuporia ficar demonstrado que o trabalho prestado por eles e o prestado pelo trabalhador G…, é igual quanto à natureza, quantidade e qualidade, não existindo justificação para níveis de avaliação diferentes entre eles e, logo, de atribuição de valor mensal de retribuição distintos.
Como assim não procederam, não merece acolhimento a fundamentação invocada, improcedendo o recurso.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Custas do recurso a cargo dos recorrentes autores, atento o decaimento (art.º 527.º n.º2, CPC).

Porto, 13 de Fevereiro de 2017
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Fernanda Soares (votei a decisão)
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SUMÁRIO
1. A aplicação do princípio para trabalho igual salário igual, consagrado nos artigos 59.º n.º 1, al. a), da CRP, e 270.º do CT/09, pressupõe que sejam tidas em conta “a quantidade, natureza e qualidade do trabalho”, significando tal que é admitida a atribuição de salários diferentes a trabalhadores da mesma categoria, desde que exista diferença da prestação em razão de um ou mais daqueles factores.
2. Pretendendo o trabalhador que seja reconhecida a violação do princípio “para trabalho igual, salário igual”, cabe-lhe alegar e provar que a diferenciação existente é injustificada em virtude de o trabalho por si prestado ser igual aos dos demais trabalhadores quanto à natureza, abrangendo esta a perigosidade, penosidade ou dificuldade; quanto à quantidade, aqui cabendo o volume, a intensidade e a duração; e, quanto à qualidade, compreendendo-se nesta os conhecimentos dos trabalhadores, a capacidade e a experiência que o trabalho exige, mas também, o zelo, a eficiência e produtividade do trabalhador.
3. Esses factos são constitutivos do direito subjectivo do trabalhador “discriminado” (à igualdade de tratamento), pelo que ao trabalhador cumprirá prová-los quando pretender fazer valer esse direito (art.º 342.º 1, do CC).
4. A presunção de discriminação não resulta da mera prova dos factos que revelam uma diferença de remuneração entre trabalhadores da mesma categoria profissional, ou seja, da mera diferença de tratamento.

Jerónimo Freitas