Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1020/13.0TBCHV-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
INSOLVÊNCIA
Nº do Documento: RP201404241020/13.0TBCHV-D.P1
Data do Acordão: 04/24/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O Regulamento (CE) nº1346/2000 de 29 de Maio, aplicável aos processos de insolvência, assenta entre outros no princípio de que o processo de insolvência principal seja aberto no Estado-Membro em que se situa o centro dos interesses principais do devedor;
II - Presume-se, até prova em contrário, que o centro dos interesses principais das sociedades e pessoas colectivas é o local da respectiva sede estatutária;
III - Tal presunção pode ser afastada quando através de elementos objectivos e determináveis se conclua pela existência de uma situação real diferente daquela que decorre da localização da sede estatutária, nomeadamente quando a sociedade ou pessoa colectiva aí não exerça qualquer actividade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº1020/13.0TBCHV-D.P1
Tribunal recorrido: 1º Juízo do Tribunal Judicial de Chaves
Relator: Carlos Portela (547)
Adjuntos: Des. Pedro Lima Costa
Des. José Manuel de Araújo Barros

Acordam na 3ª Secção (2ª Cível) do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório:
Em 22.10.2013, no 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Chaves foi proferida sentença de insolvência da empresa B…, S. L., sociedade comercial de direito espanhol, constituída em 2002, que tem sede em …, Espanha e um estabelecimento (Lar de Terceira Idade) na Estrada Nacional ., …, …, em Chaves, conforme publicação no portal CITIUS da mesma data.
Tal decisão teve como antecedentes processuais e fundamentos a conversão de um processo especial de revitalização instaurado em 20 de Maio de 2013 (processo nº474/13.0TBCHV, do mesmo juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Chaves) no qual o respectivo Administrador Judicial (provisório) emitiu parecer no sentido de ser declarada a insolvência da antes empresa.
Durante a pendência daquele processo especial de revitalização, as autoridades judiciárias espanholas, mais concretamente o Juzgado de Primera Instancia nº 4 de Ourense, comunicou ao Tribunal Judicial de Chaves que a referida B… havia já sido declarada insolvente por decisão proferida pelo mesmo Tribunal, em 30 de Abril de 2013.
A douta sentença portuguesa que declara a insolvência não transitou em julgado por terem sido deduzidos embargos (cf. o apenso B).
No dia 17 de Dezembro de 2013 foi realizada a Assembleia de Credores da B…, S. L.
A referida assembleia foi convocada pelo Tribunal “a quo” tendo como ordem de trabalhos a apreciação do relatório, conforme anúncio publicado no portal CITIUS, em 22.10.2013.
Na aludida Assembleia de Credores convocada com a referida finalidade, foram então e entre o mais proferidas pelo Tribunal “a quo” as seguintes decisões cujo conteúdo aqui passamos a transcrever integralmente:
“Através de um requerimento junto aos autos veio o credor C…, S. L. requer que seja declarada a incompetência internacional dos Tribunais portugueses para conhecer da insolvência de B…, S.L., sociedade de direito espanhol, com sede em …, Espanha e, em qualquer caso, que seja indeferida a pretensão de entrega da administração do património da B…, S.L. ao administrador suspenso por decisão do Tribunal espanhol, D….
Para tanto alegou, em síntese, que a B…, S. L., é uma sociedade comercial de direito espanhol, constituída em 2002, que tem sede em …, Espanha e um estabelecimento (Lar de Terceira Idade) na Estrada Nacional ., …, …, em Chaves, o qual é atualmente explorado ao abrigo de um contrato de cessão de exploração de 28 de Fevereiro de 2011, pela Sociedade Comercial que gira sob a firma “E…, Lda.”, a qual tem como sócio e gerente D….
Mais alega que a B…, S. L. foi declarada insolvente como vem anunciado no Boletín Oficial Del Estado de 9 de Maio de 2013, pelo Juzgado de Primera Instancia nº 4 de Ourense, pelo que não têm os Tribunais portugueses competência para declarar a insolvência da B…, sociedade de direito espanhol já declarada insolvente pelos Tribunais espanhóis. Alega ainda que, no âmbito do processo de insolvência a correr termos no referido Tribunal espanhol, foram suspensas as funções do administrador e nomeado administrador da insolvente F…
Cumpre decidir:
Um dos pressupostos mais importantes, relativo aos tribunais, é o da sua competência.
Tal requisito resulta do facto de o poder jurisdicional estar repartido, segundo diversos critérios, por vários tribunais (nacionais e internacionais), tendo depois, cada um destes competência para determinadas matérias de direito.
Como refere Castro Mendes, in Lições de Direito Processual Civil, pág.379, qualquer causa, por força da lei definidora dos pertinentes pressupostos de conexão, deve ser instruída e julgada por determinado tribunal ou juízo, resultando daí um nexo jurídico de competência, sendo a lei de processo que, determina qual o tribunal em que a ação deve ser intentada.
No caso concreto veio o credor C…, S. L. invocar a incompetência deste Tribunal para a declaração de insolvência da sociedade B…, S.L., sociedade de direito espanhol, com sede em …, Espanha, invocando que, como ainda não transitou em julgado a sentença de insolvência (por terem sido deduzidos embargos), tal decisão pode ainda ser tomada pelo Tribunal.
Quanto à questão suscitada pelo Credor C…, S.L na ordem jurídica portuguesa encontramos determinados normativos a ter em consideração.
Dispõe o art.59.º do Novo Código de Processo Civil (NCPC) que “sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos arts.62 e 63 ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do art.94.º”.
Acrescenta ainda a alínea e) do art.63.º do NCPC que “Os tribunais portugueses são exclusivamente competentes (…) em matéria de insolvência ou de revitalização de pessoas domiciliadas em Portugal ou de pessoas coletivas ou sociedade cuja sede esteja situada em território nacional”.
Contudo, por estarmos perante um processo de insolvência de entes coletivos que exercem a sua atividade em mais do que país da comunidade europeia, há que lançar mão do disposto no Regulamento (CE) n.º 1346/2000 do Conselho, de 29 de Maio de 2000.
A este propósito há que ter em consideração o disposto no art.3.º do Regulamento (CE) n.º 1346/2000 do Conselho, de 29 de Maio de 2000, relativo aos processos de insolvência onde se lê que: “Os órgãos jurisdicionais do Estado-Membro em cujo território está situado o centro dos interesses principais do devedor são competentes para abrir o processo de insolvência. Presume-se, até prova em contrário, que o centro dos interesses principais das sociedades e pessoas colectivas é o local da respectiva sede estatutária”.
Compulsados os autos constata-se que, efetivamente, foi proferido uma decisão, pelos Tribunais Espanhóis, que declarou a insolvência de B…, S.L., sociedade de direito espanhol, com sede em …, Espanha e suspendeu as funções do administrador e nomeou administrador da insolvente F…, decisão ainda não transitada em julgado.
Contudo, salvo melhor opinião, este Tribunal apenas declarou a insolvência da Representação Permanente, nos termos da certidão permanente junta ao PER como doc.1 – cfr. fls.27 e seguintes –) e não da sociedade mãe espanhola (Representada).
Acresce que, devemos de ter em consideração que o centro de interesses principais da sociedade devedora que foi declarada insolvente é o local onde o devedor exerce atualmente a administração dos seus interesses reconhecível por terceiros.
Assim sendo, atento o teor do disposto dos normativos supra citados, uma vez que a dita sociedade tem um estabelecimento comercial domiciliado em território português (mais precisamente um Lar de Terceira Idade, sito na Estrada Nacional ., …, …, em Chaves), entendido este como uma organização de capital e de trabalho destinado ao exercício de qualquer atividade económica (art.5.º do CIRE), são os tribunais portugueses competentes, e neste caso o Tribunal de Chaves, para a insolvência e para os atos de apreensão e liquidação dos bens que estão em Portugal.
Pelo exposto, sem necessidade de quaisquer outros considerandos, julga-se improcedente a exceção dilatória de incompetência internacional dos Tribunais portugueses para conhecer da insolvência, concluindo-se pela competência deste Tribunal para apreciar e decidir a insolvência da Devedora.
Custas pelo credor C…, S. L., com taxa de justiça que fixo em 1 UC, nos termos do artigo 7º, n º 3 do RCP e tabela anexa.
Notifique.
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Através de um requerimento junto aos autos em 31/10/2013, veio a insolvente, nos termos dos artigos 192º e ss. do CIRE manifestar a sua vontade em apresentar um plano de insolvência, tendo a administração atual da insolvente requerido a administração do património nos termos do artigo 224º do CIRE até à aprovação do plano ou liquidação do património da insolvente.
No que concerne ao pedido formulado, tendo em consideração o disposto no art.224.º do CIRE, não tendo este Tribunal atribuído a administração à Devedora na sentença que a declarou insolvente e, sendo de imediato dado início à Assembleia de Apreciação do Relatório para hoje agendada – art.156.º do CIRE – o requerido deverá ser deliberado na dita Assembleia.
Notifique.
Foram todos notificados.
De seguida, Pelo Dr. G…, Mandatário da Insolvente, foi pedida a palavra e tendo-lhe sido concedida, no seu uso, disse que o plano apresentado com o requerimento de fls. 258 e seguintes, é a versão definitiva do mesmo.
Dada a palavra ao Sr. Administrador da Insolvência, no seu uso, disse:
A empresa tem viabilidade e tem património.
Nada oponho a que seja entregue à própria devedora a gestão e administração do património, devendo ser suspensa a liquidação e partilha para eventual aprovação do plano.
*
Dada a palavra à Assembleia para, querendo, suscitarem algum pedido de esclarecimentos, não foi efetuado nenhum pedido de esclarecimentos, motivo pelo qual a Mmª Juiz determinou que fosse votada a proposta apresentada da administração ser confiada à Devedora, bem como ser suspensa a liquidação e partilha para eventual aprovação do plano.
Submetida a proposta apresentada pelo Sr. Administrador da Insolvência a votação da assembleia, o resultado foi o seguinte:
- Todos os presentes com direito de voto favoravelmente a proposta apresentada. Seguidamente, a Mmª. Juiz proferiu o seguinte:
DESPACHO
Estando presentes credores (com direito de voto nos termos do art.73.º do CIRE) que representam 62,03% dos créditos reclamados e tendo todos eles votado favoravelmente a proposta apresentada pelo Sr. Administrador, o que significa a sua aprovação por unanimidade, tendo ainda em consideração o disposto no artigo 224º, nº 3, defere-se o requerido a fls. 93 pela Devedora, confiando-se a administração da Massa Insolvente à Devedora e suspende-se a liquidação e partilha para eventual aprovação do plano.
Oportunamente nos pronunciaremos quanto à admissibilidade da proposta do plano nos termos do disposto no artigo 207º do CIRE.
Notifique.”
*
Inconformada com as decisões proferidas e acabadas de consignar, veio das mesmas interpor recurso o credor C…, S.L., apresentando desde logo as suas alegações.
A insolvente B…, S.L. contra alegou.
O recurso foi considerado tempestivo e legal, admitido como sendo de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação foi proferido despacho que teve o recurso como próprio, tempestivamente interposto e admitido com feito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do seu mérito, cumpre apreciar e decidir o recurso em apreço.
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II. Enquadramento de facto e de direito:
Tendo em conta a data em que foi instaurada a acção de que este recurso depende e a data em que foram proferidas as decisões aqui recorridas, isto em conjugação com o disposto nos artigos 5º, nº1 e 7º, nº1 da Lei nº41/2013 de 26 de Junho, é de concluir que ao presente recurso devem ser aplicadas as regras processuais postas em vigor por este último diploma legal.
Ora como é por demais sabido, o objecto do presente recurso e sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, esta definido pelo teor das conclusões vertidas pela Apelante nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4, 639º, nº1 do NCPC).
E é o seguinte o teor das mesmas:
Deste modo, contando com o douto suprimento de V. Exas., a Recorrente conclui que:
1ª Os Tribunais Portugueses não são internacionalmente competentes para o processo principal de insolvência da B…, S. L., sociedade comercial de direito espanhol, constituída em 2002, que tem sede em …, Espanha e um estabelecimento (Lar de Terceira Idade) na Estrada Nacional ., …, …, em Chaves, uma vez que as autoridades judiciárias espanholas, no caso o “Juzgado de Primera Instancia nº 4 de Ourense”, comunicaram em data anterior à instauração do processo de insolvência português ao Tribunal “a quo” que a referida B… havia sido declarada insolvente por decisão proferida pelo mesmo Tribunal, em 30 de Abril de 2013;
2ª Os efeitos da decisão que determina a abertura de um processo de insolvência, proferida por um tribunal competente nos termos do Regulamento (CE) nº1346/2000 do Conselho, de 29 de Maio de 2000, são reconhecidos imediata e automaticamente em todos os outros Estados-Membros (art. 16°/1 e art.º 17°/1 do regulamento citado);
3ª Face ao decidido no douto despacho impugnado e ao facto do processo de insolvência instaurado nos Tribunais Espanhóis e ainda a correr os seus termos ser anterior ao processo instaurado em Portugal, resta concluir que os Tribunais Portugueses apenas têm competência internacional para um processo territorial secundário, uma vez que, nos termos do disposto no artigo 3º, nº 3 do Regulamento (CE) n.º 1346/2000 do Conselho, de 29 de Maio de 2000, o momento relevante para fixar a competência internacional é o da apresentação do requerimento de abertura do processo de insolvência e, neste caso, foi perante os Tribunais espanhóis que tal sucedeu em primeiro lugar.
4ª Decorre ainda daquele preceito que sobre um mesmo Devedor só pode ser instaurado um processo principal na Comunidade Europeia.
5ª Por conseguinte, salvo melhor interpretação, os Tribunais portugueses não têm competência internacional para o processo principal de insolvência tal como se encontra a correr termos nestes autos, posto que, ao abrigo das disposições legais citadas, que foram violadas pelo Tribunal “a quo”, no nosso país apenas pode correr um processo secundário de insolvência, nos termos do disposto no artigo 296º do CIRE, devendo ser cumpridas as formalidades ali exigidas, nomeadamente quanto à intervenção do administrador judicial estrangeiro e as normas materiais de coordenação de processos contidas nos arts. 31° a 35° do Regulamento (CE) n.º1346/2000 do Conselho, de 29 de Maio de 2000.
6ª Sem prescindir, quanto às demais decisões impugnadas, conclui-se que a convocação das assembleias de credores obedecem ao disposto no artigo 75º do CIRE e que decorre deste preceito que a convocatória deve conter a ordem do dia da assembleia de credores para, deste modo, os credores e demais intervenientes saberem antecipadamente o que vai ser tratado na assembleia de credores, o que lhes permite, entre o mais, decidir se vão ou não participar na assembleia;
7ª Na assembleia de credores do passado dia 17.12.2013, convocada pelo Tribunal “a quo”, o único ponto da ordem do dia é a apreciação do relatório, porquanto, tendo o sido proferida douta decisão no inicio da mesma assembleia no sentido de submeter à deliberação dos credores presentes a pretensão da Devedora de administrar o respectivo património, tal decisão viola o disposto na disposição legal referida, uma vez que não era essa a ordem do dia e torna a douta decisão proferida ilegal, devendo por isso ser revogada e substituída por outra que permita aos credores saber com antecedência legal de 10 dias, o que vai ser objecto de deliberação na assembleia.
8ª Em segundo lugar, ainda sem prescindir, a Recorrente conclui que a douta decisão de confiar a administração da Massa Insolvente à Devedora e de suspender a liquidação e partilha para eventual aprovação do plano é violadora do disposto no artigo 73º, nº 3 do CIRE.
9ª O Tribunal “a quo” deferiu a administração da Massa Insolvente à Devedora e a suspensão da liquidação e partilha para eventual aprovação do plano, estribando-se, unicamente, na deliberação dos credores presentes na assembleia de credores de 17.12.2013, ou seja, o Tribunal “a quo” permitiu que a deliberação fosse tomada pelos credores que figuram na lista provisória tendo o respectivo crédito natureza subordinada.
10ª À excepção da Reclamante H…, todos os restantes credores reclamantes presentes e representados pelo mesmo ilustre mandatário, são alegadamente sócios da B…, reclamam créditos com natureza subordinada e representam 61,5% dos créditos reclamados e presentes na assembleia de credores.
11ª Nos termos do artigo 73º, nº 3 do CIRE os créditos subordinados não conferem direito de voto, excepto quando a deliberação da assembleia de credores incida sobre a aprovação de um plano de insolvência, pelo que, o Tribunal “a quo” não podia ter permitido, como permitiu, que os credores subordinados participassem na votação desta matéria, pelo que, a deliberação em que se estriba a douta decisão impugnada é inválida, o que compromete irremediavelmente a douta decisão impugnada, sendo certo que, se apenas for considerado o crédito da Credora H…, tal significa o voto favorável de um credor que representa apenas 0,53% dos créditos reclamados.
Termos em que, contando com o douto suprimento de V. Exas., as conclusões que antecedem devem determinar a revogação das doutas decisões impugnadas, com as legais consequências, assim se fazendo JUSTIÇA.
Já Apelada B…, S.L. nas suas contra alegações pugna no fundo, pela improcedência do recurso e pela confirmação da sentença recorrida.
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Face ao acabado de expor, resulta claro que são as seguintes as questões que cabe apreciar e decidir neste recurso:
1ª) A que tem a ver com a competência internacional do Tribunal Judicial de Chaves para tramitar e decidir este processo de insolvência;
2ª) A de saber se a decisão de submeter à apreciação da Assembleia de Credores quer o relatório então apresentado quer a pretensão da Insolvente de administrar o seu respectivo património, viola o disposto nos artigos 75º e 155º do CIRE;
3ª) A de saber se a decisão de deferir a administração da Massa Insolvente à Devedora e de suspender a liquidação e partilha para eventual aprovação do respectivo plano, viola o disposto no art.º73º nº3 do CIRE.
E para a decisão aqui a proferir, são relevantes os factos constantes dos autos e antes melhor descritos no ponto I. deste acórdão, designadamente os constantes das decisões recorridas para os quais remetemos sem necessidade de os voltar aqui a reproduzir.
Ora perante as pretensões recursivas da Apelante, cabe chamar à colação o disposto no art.º59º do NCPC, segundo o qual “sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62º e 63º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94º”.
Já a alínea e) do artigo 63º do mesmo diploma legal, prescreve que “os tribunais portugueses são exclusivamente competentes em matéria de insolvência ou de revitalização de pessoas domiciliadas em Portugal ou de pessoas colectivas ou sociedade cuja sede esteja situada em território nacional”.
Perante tais disposições legais e voltando ao caso concreto, há que salientar que perante os elementos constantes dos autos, resulta assente que a B…, S.L. é uma sociedade comercial de direito espanhol, constituída em 2002, que tem a sua sede em …, Espanha.
Está igualmente assente que a mesma sociedade tem uma representação permanente em Portugal, constituída em 21.03.2005, a qual tem a sua sede social na Estrada Nacional ., …, … em Chaves, local onde ao abrigo de um contrato de cessão de exploração datado de 28.02.2001 e sob a firma E…, Lda, explora um Lar de Terceira Idade.
Tendo em conta tais factos e como aliás bem se referiu no despacho recorrido, a questão que aqui é colocada não pode deixar de ser enquadrada, em primeiro lugar, no âmbito do Regulamento (CE), nº1346/2000 do Conselho da União Europeia, de 20-05-2000, com as alterações introduzidas pelos regulamentos (CE), nº603/2205, de 12-04-2005 e nº694/2006 de 27-04-2006.
Assim e como vem sendo entendido, (cf. entre outros os Acórdãos desta Relação de 22.04.2008, processo nº0820286 e de 18.05.2009, processo nº3175/06.1TBPRD.P1, ambos em www.dgsi.pt.jtrp), o citado Regulamento (CE), assenta nos seguintes três princípios nucleares:
1) O princípio de que o processo de insolvência principal seja aberto no Estado-Membro em que se situa o centro de interesses principais do devedor, a que é atribuído alcance universal, visando abarcar todo o património do devedor – artigo 3º e considerando (12);
2) O princípio do reconhecimento imediato e automático por todos os Estados-Membros das decisões relativas à abertura, tramitação e encerramento dos processos de insolvência abrangidos pelo seu âmbito de aplicação, bem como das decisões proferidas em conexão directa com esses processos, o que deve conduzir a que os processos conferidos ao processo pela lei do Estado de abertura do processo se estendam a todos os outros Estados-Membros – artigos 16º e 17º e considerando (22);
3) O princípio de que deve aplicar-se a lei do Estado-Membro de abertura do processo (lex concorsus), que “determina todos os efeitos processuais e materiais dos processos de insolvência sobre as pessoas e relações jurídicas em causa, regulando todas as condições de abertura, tramitação e encerramento do processo de insolvência – artigo 4º e considerando (23).
Ora como também se salientou no despacho recorrido, compulsados os autos, constata-se que foi proferida uma decisão, pelos Tribunais Espanhóis, (no caso, o Tribunal de Primeira Instância de Ourense), que declarou a insolvência da B…, SL, suspendeu as funções do administrador e nomeou um novo administrador da insolvente.
Acresce que segundo os elementos que aos estão ao nosso dispor no processo, tal decisão à data da prolação do despacho recorrido, não teria ainda transitado em julgado.
Mesmo em face deste conjunto de circunstâncias e como antes já vimos, a Sr.ª Juiz “a quo” acabou por considerar que o Tribunal Judicial de Chaves era competente para tramitar e decidir o pedido de declaração de insolvência da dita B…, SL.
E isto por entender que “o Tribunal de Ourense apenas declarou a insolvência da sua Representação Permanente” e ainda “por haver que ter em consideração que o centro de interesses principais da sociedade devedora que foi declarada, insolvente é o local onde o devedor exerce actualmente a administração dos seus interesses reconhecível por terceiros”.
Perante tal argumentação é fundamental trazer aqui o disposto no art.º 271º do D.L. Nº537/2004 de 18 de Março (CIRE), segundo o qual “sempre que do processo resulte a existência de bens do devedor situados noutro Estado membro da União Europeia, a declaração de insolvência indica sumariamente as razões de facto e de direito que justificam a competência dos tribunais portugueses, tendo em conta o disposto no nº1 do artigo 3º do Regulamento (CE) nº1346/2000, do Conselho, de 29 de Maio, adiante designado Regulamento”.
E ainda o preceituado no art.º272º, o qual no seu nº1 prescreve do seguinte modo:
“Aberto um processo principal de insolvência em outro Estado membro da União Europeia, apenas é admissível a instauração ou prosseguimento em Portugal de processo secundário, nos termos do capítulo III do título XV”.
Assim e como afirmam Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, volume II, pág.261, “na hipótese aqui contemplada, a indicação dos fundamentos da competência internacional do tribunal constitui, consequentemente, uma das menções obrigatórias da sentença declaratória da insolvência que acresce às estipuladas no art.36º do CIRE”.
Mostra-se em nosso entender evidente que no despacho recorrido, a Sr.ª Juiz “a quo” não deixou de cumprir esta exigência legal.
Ora é em face destes argumentos que cabe apurar se deve ou não proceder a pretensão recursiva da Apelante.
Vejamos pois:
Nos termos do que decorre do disposto no antes aludido art.º272º do CIRE, importa ter em conta o exarado no art.º296º do mesmo código, segundo o qual:
“1.O reconhecimento de um processo principal de insolvência estrangeiro não obsta à instauração em Portugal de um processo particular, adiante designado processo secundário.
2.O administrador da insolvência estrangeiro tem legitimidade para requerer a instauração de um processo secundário.
3.No processo secundário é dispensada a comprovação da situação de insolvência.
4.O administrador da insolvência deve comunicar prontamente ao administrador estrangeiro todas as circunstâncias relevantes para o desenvolvimento do processo estrangeiro.
5.O administrador estrangeiro tem legitimidade para participar na assembleia de credores e para a apresentação de um plano de insolvência.
6.Satisfeitos integralmente os créditos sobre a insolvência, a importância remanescente é remetida ao administrador do processo principal”.
Como resulta expressamente do nº1, o processo secundário constitui uma modalidade do processo particular que tem como elemento característico exclusivo o facto de ser instaurado na sequência de um processo principal em curso no estrangeiro.
Por ser assim, são aplicáveis ao processo secundário, para além das determinações constantes dos números seguintes deste artigo, as especialidades de regime identificadas no art.º295º.
Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, obra supra citada, a pág.310 e 311, este art.º296º do CIRE mostra-se decididamente influenciado pelo regime do Regulamento nº1346/2000 (CE).
Deste modo, “de acordo com o Regulamento, a competência para a abertura de um processo de insolvência secundário assenta portanto no critério do estabelecimento” (cf. Maria Helena Brito, Revista da Faculdade de Direito da UNL, 2005, pág.215 e seguintes).
Nos termos aí também referidos, “os pressupostos para a abertura de tal processo constam dos artigos 3º, nº2, e 27º do Regulamento (e ainda do artigo 3º, nº4, no que diz respeito ao caso excepcional de abertura de um processo secundário antes da abertura de um processo principal de insolvência)”.
Ora não se questiona, que como decorre do nº1 do art.º294º do CIRE e sob a epígrafe “pressupostos de um processo particular”, o processo particular de insolvência apenas pode abranger os bens do devedor situados em território português.
No entanto, nada no texto deste artigo pode levar a esclarecer o que se deve entender por estabelecimento para os efeitos da aplicação do seu nº2.
Por ser assim, para suprir tal omissão deve pois recorrer-se à noção facultada pelo art.º2º, alínea h) do Regulamento (neste sentido Carvalho Fernandes e João Labareda, obra citada, pág.307), no qual o mesmo se define como “o local de operações em que o devedor exerça de maneira estável uma actividade económica com recurso a meios humanos e a bens materiais”.
Perante esta definição, é no caso de primordial importância e para além dos factos tidos como provados e aos quais já antes fizemos expressa referência, ter em conta o que também resulta do exarado pelo Administrador Judicial no relatório que elaborou no processo do “Juzgado de primeira Instancia nº4 de Ourense/Espanha” e cujo conteúdo está devidamente certificado nos presentes autos (cf. fls.44 e seguintes).
Assim, no dito relatório o mesmo Administrador Judicial refere expressamente que “El centro de los interesses de la mercantil conforme a la definitión dela articulo 10 de la LC, se encuentra em Chaves (Portugal). sin que conste em Ourense la realización de atividade alguna, no de emplegados y ni siqueira la existência de um domicílio social”.
Em face de tal facto e estando comprovado como está nos autos que é em Portugal que a sociedade continua a exercer alguma da actividade do seu objecto social, deve pois considerar-se que o processo principal é este que corre em Chaves, sendo secundário o que correu (ou ainda corre) termos em Espanha.
Nestes termos, bem andou pois o Tribunal “a quo” quando se considerou internacionalmente competente para tramitar e decidir o processo aqui em apreço.
Improcedem assim e sem mais quanto a esta ponto, as pretensões recursivas da Credora/Apelante.
Resolvida que está a primeira das questões que nos são colocadas, cabe transferir agora a nossa atenção para a segunda delas, que é como já vimos a de saber se a decisão de submeter à apreciação da Assembleia de Credores quer o relatório então apresentado quer a pretensão da Insolvente de administrar o seu respectivo património, viola o disposto nos artigos 75º e 155º do CIRE.
Ora salvo sempre melhor opinião, não nos parece que a Credora/Apelante tenha razão nos seus argumentos.
Isto porque face aos elementos que temos ao nosso dispor, designadamente a cópia certificada do respectivo anúncio (cf. fls.130), é de concluir que foi cabalmente cumprido o estatuído nos vários números do artigo 75º do CIRE.
Já quanto ao disposto no art.º115º do mesmo código dos elementos constantes deste recurso, nomeadamente a cópia da Acta da Assembleia de Credores, não resulta a verificação do que foi alegado pela Credora/Apelante na conclusão 7ª das suas alegações de recurso.
Ao invés, do seu teor deve antes retirar-se que os credores não deixaram de ter acesso ao relatório a que alude o citado art.º155º do CIRE.
A não ser assim, natural seria que algum ou alguns dos muitos que estiveram presentes na dita diligência e que representavam 62,03 % dos créditos reclamados, tivessem suscitado tal questão nos termos do que dispõe o art.º78º, nº1 do CIRE, o que manifestamente não ocorreu.
E o mesmo ocorre no que toca ao que ficou decidido relativamente à administração da Massa Insolvente pela Devedora, decisão esta que como expressamente consta da respectiva acta, se fundou no disposto no art.º 224º do CIRE e não foi objecto de oposição por parte de nenhum dos credores presentes.
Perante tudo isto, não merece pois provimento também nesta parte, o recurso interposto pela Credora/Apelante.
Resta por fim a questão de saber se o decidido na Assembleia de Credores violou o disposto no art.º73º do CIRE.
E a resposta a tal interrogação deve também ser encontrada no conteúdo da acta da mesma diligência.
Assim, importa considerar que por determinação da Sr.ª Juiz “a quo” ficou expressamente consignado o seguinte:
“Estando presentes credores (com direito de voto nos termos do art.º73 do CIRE), que representam 62.03% dos créditos reclamados e tendo todos eles votado favoravelmente a proposta apresentada pelo Sr. Administrador, o que significa a sua aprovação por unanimidade, tendo ainda em consideração o disposto no artigo 224º, nº3, defere-se o requerido a fls.93 pela Devedora, confiando-se a administração da Massa Insolvente à Devedora e suspende-se a liquidação e partilha para eventual aprovação do plano.
Oportunamente nos pronunciaremos quanto à admissibilidade da proposta do plano nos termos do disposto no artigo 207º do CIRE.
Notifique.”
Em face do que agora se deixou referido, não tendo tal decisão sido então objecto de impugnação por qualquer dos credores presentes e não estando ao nosso dispor quaisquer outros elementos que confirmem a tese da Credora aqui Apelante, não vemos qualquer fundamento para ter como violado o disposto no nº3 do art.º73º do CIRE, norma que ressalva de forma expressa, as situações nas quais está em causa a aprovação de um plano de insolvência.
Sendo assim, a conclusão necessária a retirar é pois a de ter como improcedente também neste parte, o recurso aqui interposto.
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Sumário (art.º663º, nº7 do NCPC):
1.O Regulamento (CE) nº1346/2000 de 29 de Maio, aplicável aos processos de insolvência, assenta entre outros no princípio de que o processo de insolvência principal seja aberto no Estado-Membro em que se situa o centro dos interesses principais do devedor;
2.Presume-se, até prova em contrário, que o centro dos interesses principais das sociedades e pessoas colectivas é o local da respectiva sede estatutária;
3.Tal presunção pode ser afastada quando através de elementos objectivos e determináveis se conclua pela existência de uma situação real diferente daquela que decorre da localização da sede estatutária, nomeadamente quando a sociedade ou pessoa colectiva aí não exerça qualquer actividade.
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III. Decisão:
Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso de apelação, assim se confirmando integralmente a decisão recorrida.
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Custas a cargo da Apelante (cf. artº527º, nºs 1 e 2 do NCPC).
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Notifique.

Porto, 24 de Abril de 2014
Carlos Portela (547)
Pedro Lima Costa
José Manuel de Araújo Barros