Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3703/16.4T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
VIOLAÇÃO DOS DEVERES DE INFORMAÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL DA ENTIDADE BANCÁRIA
Nº do Documento: RP201806133703/16.4T8VFR.P1
Data do Acordão: 06/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 833, FLS 75-83)
Área Temática: .
Sumário: I – Um investidor “não qualificado”, mesmo que recém licenciado em economia, é o que não possui familiaridade com o mercado de capitais (cf. artºs 30º, na redacção do D-L nº 52/2006 de 15/3, e 312º nºs 1 als.a), b) e 2 CVM, este último na redacção de 99) e necessita de uma noção mais apurada da relação entre o risco e o rendimento no concreto produto financeiro comercializado.
II – “Os intermediários financeiros estão sujeitos a elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, devendo orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado; no mercado de valores mobiliários, a informação surge como facto essencial”, incluindo a informação respeitante à entidade emitente das obrigações de que o Banco é mero intermediário financeiro, mais a mais se a emitente é a própria sociedade detentora do Banco.
III – A Directiva nº2004/39/CE de 21/4/2004, constante do jornal oficial desde 30/4/2004, relativa aos mercados de instrumentos financeiros, e que devia ter sido transposta na legislação nacional em 24 meses, ou seja, até 30/4/2006 (só tendo sido, na íntegra, em diploma de 2007 – D-L nº357-A/2007 de 31/10), já densificava, da forma completa constante da legislação nacional de 2007, as obrigações de informação dos Bancos, associadas a todos os riscos dos instrumentos financeiros propostos – incluindo conflitos de interesses entre o intermediário e o emitente (artºs 18º e 19º da Directiva).
IV - Na responsabilidade bancária, demonstrada a inexecução presume-se a ilicitude e a culpa, nos termos do disposto nos artºs 304º-A nº2 CVM ou do artº 314º nº1 CVM (lei do tempo do contrato).
V – A distinção da culpa, consoante o seu grau de intensidade, em grave, leve e levíssima é efectuada segundo critérios éticos e da comum moralidade de comportamento social, nada tendo a ver com a distinção entre negligência consciente e inconsciente, a qual se reporta aos factores psicológicos de repercussão na consciência e na vontade do acto praticado, pelo que tanto a negligência consciente como a consciente podem ser enquadrados na culpa grave.
VI - A necessária inconsideração do investimento em obrigações, por violação dos deveres de informação a cargo do Banco, dá origem a que actue o princípio da compensatio lucri cum damno, do artº 566º nº2 CCiv, cabendo deduzir ao montante da indemnização o relativo aos juros remuneratórios recebidos entretanto pelo Autor, a título do referido investimento inconsiderado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: • Rec.3703/16.4T8VFR.P1. Relator – Vieira e Cunha Adjuntos – Des. Maria Eiró e Des. João Proença Costa. Decisão recorrida de 29/11/2017.

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto

Súmula do Processo
Recurso de apelação interposto na acção com processo declarativo comum nº3703/16.4T8VFR, do Juízo Central Cível de Stª Mª da Feira, Comarca de Aveiro.
Autor – B....
Réus – Banco C..., S.A.

Pedido
Que se declare que a obrigação D..., que lhe foi vendida ao Balcão do E..., a que sucedeu o Réu, lhe foi efectivamente vendida com garantia de capital a 100% e se condene o Réu a reembolsar o Autor do referido capital - € 50.000, bem como a indemnizar o mesmo Autor pelos danos não patrimoniais entretanto sofridos com a perda do valor investido, tal como declarada pelo Réu, e danos esses computados em € 10.000.

Tese do Autor
O referido então E..., a que sucedeu o ora Réu, garantiu ao Autor o reembolso do capital investido pelo Autor, aos balcões do Banco, em obrigações (€ 50.000), bem como, caso assim não se entenda, tornou-se o Réu responsável pelas informações e conselhos que prestou ao Autor na qualidade de intermediário financeiro, o que tornou o seu sucessor legal responsável pela indemnização destinada a ressarcir o prejuízo decorrente do investimento provocado por tal comportamento danoso.
Tese do Réu
Impugnou a factualidade alegada pelo Autor na parte em que este sustenta que foi erradamente induzido pelos funcionários do então E... a adquirir a obrigação D1... em causa nos autos, com o argumento de que o respectivo capital seria garantido pelo Banco, antes alegando que o mesmo foi informado e era conhecedor das características do produto que comprava bem como do seu emitente.
Excepcionou a prescrição de qualquer direito do Autor com base no disposto no artigo 324º do Código dos Valores Mobiliários que prevê que a responsabilidade dos intermediários financeiros prescreve em dois anos desde o conhecimento da conclusão do negócio.

Sentença Recorrida
Na decisão final, a Mmª Juiz “a quo” julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou o Réu a pagar ao Autor o valor de € 50.000, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde 22/11/2016 até efectivo e integral pagamento.

Conclusões do Recurso de Apelação do Réu:
I. Entende o Banco Recorrente que deveriam ser acrescentados os factos 22 e 23 aos factos dados como provados:
II. Deveria ter sido dado como provado que: “Em Abril de 2006, a gestora de conta contactou o autor e, após deslocação do mesmo à agência, apresentou-lhe uma aplicação explicando-lhe que se tratavam de Obrigações da D1..., entidade que detinha o banco a 100%, que a mesma tinha capital garantido e com rentabilidade assegurada, sem mencionar especificamente qual a entidade responsável pelo pagamento da remuneração e pelo reembolso do capital, designadamente se era a D1... se era o E...”.
III. Devendo ainda ser dado como provado que: “O autor, pela sua formação académica, conhecia a natureza de todas as aplicações efectuadas no banco e descritas no ponto 19, bem como das Obrigações D...”.
IV. O ponto 11 deveria ter sido dado como “não provado”.
V. Estas alterações impõem-se pela análise quer das declarações de parte, quer do depoimento da testemunha F... nos trechos acima transcritos, bem como pelo teor da prova documental, mormente o Boletim de Subscrição.
VI. O Tribunal a quo condenou o Recorrente por considerar que o facto do gerente bancário do Réu ter dito ao Autor que a aplicação financeira tinha “garantia de capital e juros” no termo do prazo configura a prestação de uma informação falsa.
VII. O uso dessa expressão apenas pode ser visto como referencia à mecânica de funcionamento do investimento, que é feito por um determinado prazo, findo o qual o capital é reembolsado na totalidade, acrescido da rentabilidade.
VIII. É utópico pretender ver nessa singela referência qualquer espécie de garantia absoluta do investimento, até porque essa garantia não existe.
IX. Mesmo que se compare o investimento efectuado com aquele que é afirmado como paradigma de investimento seguro – o depósito a prazo – essa garantia não existe, sobretudo até considerando que uma hipótese de insolvência da instituição bancária sempre redundaria na cobertura pelo Fundo de Garantia de Depósitos que, à data do investimento se cifrava em apenas 25.000,00 euros, o que seria fraco consolo para ressarcir uma perda de investimento de 50.000,00 euros.
X. O Tribunal a quo parece considerar que a aplicação financeira era afinal um “produto de risco”, pelo facto do Autor não ter recebido o capital investido no final do prazo.
XI. Porém esse raciocínio é uma falácia, pois confunde a causa com a consequência. Não é porque um investimento se possa vir a revelar ruinoso, que o mesmo pode ser classificado como investimento de risco.
XII. Tal juízo tem que ser feito retroagindo ao momento da subscrição e tendo por base a prognose que então era possível fazer com os dados conhecidos.
XIII. As obrigações eram então, como são ainda, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, o facto de a entidade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu, detendo-o até a 100%.
XIV. O investimento efectuado era assim um investimento seguro e não um investimento em qualquer “produto de risco”.
XV. Pelo que o investimento efectuado era então adequado a alguém como o Recorrente.
XVI. A sentença recorrida merece censura por tratar indistintamente os deveres que incidem sobre o intermediário financeiro, sem cuidar de perceber o momento ou o negocio a que dizem respeito e em função do qual devem ser cumpridos.
XVII. Os deveres de informação podem ser categorizados segundo o momento em que devem ser cumpridos (informação pré-contratual ou informação contratual) ou também segundo a estrutura própria dos negócios de intermediação financeira.
XVIII. Trata-se, em suma, de sistematizar os deveres de informação, consoante se referem: i) ao negócio de cobertura – a saber, o contrato de intermediação propriamente dito celebrado entre o intermediário financeiro e o cliente –; ii) ao negócio de execução – a saber, os contratos que o intermediário celebra com terceiros com base nos poderes que lhe foram conferidos pelo negócio de cobertura, ou até mesmo os contratos celebrados entre o cliente e o terceiro, com intermediação do intermediário –; iii) ao instrumento financeiro propriamente dito.
XIX. Esta segmentação do dever de informação pode ser claramente vista no corpo do nº 1 do art. 312º do CdVM, donde resulta que os deveres de informação aí previstos dizem respeito ao negócio de cobertura, com excepção da alínea d) do referido nº 1 que se refere aos instrumentos financeiros propriamente ditos.
XX. O art. 312º do CdVM serve como verdadeiro índice programático dos deveres de informação que são aí genericamente afirmados, para depois serem densificados nos preceitos seguintes. Por isso, não tem qualquer cabimento a alegação do Recorrente de que o Recorrido violou as disposições vertidas no art. 312º nº 1 alíneas d) e e). A afirmação desses deveres não assume qualquer autonomia, tendo antes que se buscar na densificação desses preceitos o conteúdo do dever de informação aí genericamente afirmado.
XXI. A menção do art. 312º nº 1 alínea e) quanto aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira, enquanto negócio de cobertura e não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si. Por isso o art. 312º nº 1 alínea e) em nada se relaciona com a situação aqui em crise, de nada servindo a sua invocação para aí estribar um ilícito do Banco Réu.
XXII. O dever de informação previsto no art. 312º nº 1 alínea d) do CdVM respeitante aos instrumentos financeiros e às estratégias de investimento propostas é depois densificado no art. 312º-E nºs 1 e 2.
XXIII. A referência do nº 1 deste artigo à natureza do instrumento financeiro refere-se às características e funcionamento do instrumento financeiro.
XXIV. O que, no caso presente, foi suficientemente cumprido pelo Banco Recorrido, conforme resulta da boa análise dos factos provados.
XXV. A menção do art. 312º-E nº 1 do CdVM quanto aos riscos do tipo de instrumento financeiro remete para o nº 2 do mesmo preceito, onde o legislador esclareceu a que riscos se refere e sobre os quais está o intermediário financeiro obrigado a informar o investidor, desde que tais riscos sejam aplicáveis,
claro está, ao tipo de instrumento financeiro escolhido para o investimento.
XXVI. Nos termos da lei, são estes e apenas estes os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o intermediário financeiro tem que prestar informação.
XXVII. Os riscos a que se refere o art. 312º-E nº2 são riscos endógenos e próprios do tipo de instrumento financeiro e não motivados por quaisquer factores extrínsecos aos mesmos.
XXVIII. Ora, o investimento sobre que versa o presente processo foi feito em Obrigações e é, portanto, um investimento de baixo risco por se tratar de investimento não sujeito a qualquer volatilidade.
XXIX. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco da perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, porque não é inerente ao produto!
XXX. E não se confunda o cumprimento do dever de informação quanto ao risco da perda da totalidade do investimento com a necessidade de advertência do investidor sobre os riscos de incumprimento pelo obrigado da obrigação de compra decorrente do cumprimento da opção de venda, ou sequer com qualquer advertência sobre uma hipotética insolvência desse mesmo obrigado.
XXXI. É que essa característica excludente do risco de perda da totalidade do investimento em nada se confunde ou exclui o risco geral de incumprimento de toda e qualquer obrigação.
XXXII. De facto, esse é um risco geral e latente de toda e qualquer obrigação e não qualquer risco específico do tipo de instrumento financeiro escolhido e, portanto, não se insere naquela previsão do art. 312º-E nº 2 alínea a).
XXXIII. A redacção do CdVM anterior à DMIF era muito mais ligeira na obrigação de informação do intermediário financeiro.
XXXIV. E, então, não estava sequer tão densificado o dever de informação, conforme hoje resulta das disposições dos arts. 312º-A a 312º-G, que apenas foram aditadas com o já referido D.L. 357-A/2007 de 31/10.
XXXV. À data da subscrição das Obrigações, não existia sequer qualquer dever de informação quanto aos riscos associados ao instrumento financeiro, ou quanto ao risco de perda da totalidade do investimento, conforme hoje decorre do art. 312º-E nº 2 alínea a)!
XXXVI. Para além disto, a anterior redacção do CdVM apenas afirmava no art. 323º uma regra geral quanto ao dever de informação nos negócios de execução, donde resultava a obrigação do intermediário informar o cliente sobre a execução e resultados da operação, da ocorrência de dificuldades especiais na execução ou a inviabilidade da operação, ou de qualquer circunstância que pudesse justificar a modificação ou revogação da ordem.
XXXVII. Ao contrário do que hoje sucede, não havia na anterior redacção do CdVM qualquer norma que taxativamente obrigasse o intermediário financeiro a prestar informações acerca dos riscos do tipo de instrumento financeiro em que se pretendia investir. Essa foi a grande inovação da D.M.I.F. e do diploma que a transpôs!
XXXVIII.O incumprimento do dever de informação implica uma presunção de culpa do intermediário financeiro, nos termos do art. 304º-A nº 2 do CdVM, porém não existe qualquer presunção de ilicitude a este respeito, cabendo portanto ao lesado e aqui Autor alegar e provar o que concretas informações é que o Réu deveria ter dado que não deu.
XXXIX.O que, como não foi feito, condena a presente acção ao fracasso.
XL. A ideia que fica de toda a prova produzida é que a referência que foi feita pelo funcionário do Banco Réu à garantia de capital e juros tinha que ver com o modo de funcionamento da aplicação financeira (que não estava sujeita a volatilidade de preço/cotação no termo do prazo) e que, findo o prazo de investimento, haveria o retorno integral do capital, acrescido dos juros.
XLI. A expressão garantia tem que ver por isso com um retorno certo do capital e não com qualquer caução que o Banco prestasse.
XLII.E aliás diga-se que, o próprio funcionário do Banco associou essa garantia de capital e juros com o reembolso dos títulos ser efectuado ao valor nominal acrescido dos respectivos juros na data de vencimento de cada emissão, conforme consta da nota informativa!
XLIII. Fica assim suficientemente esclarecido o que o funcionário pretendia dizer!
XLIV. Ora, esta expressão do funcionário do Banco Réu tem também que ser vista no contexto em que foi proferida. De facto, no início do 2008 ainda não tinha deflagrado a crise financeiro de Setembro de2008 (com a falência do G...). Nessa altura não era vulgar o incumprimento das obrigações assumidas em títulos, ou a insolvência dos emitentes.
XLV. Por isso, esse risco não era algo que o público em geral tivesse consciência e que se buscasse certificar ou fosse necessário elucidar.
XLVI. E tal terá sucedido também com o Autor, que se importou mais com a melhor rentabilidade oferecida, do que propriamente com a identidade de quem ficaria perante si obrigado.
XLVII. E a informação a prestar pelo intermediário financeiro tem que ser prestada segundo o critério objectivo previsto no art. 312º-Anº 1 alínea c) CdVM, ou seja, de forma a ser perceptível pelo destinatário médio.
XLVIII. Nada obrigando a que o intermediário financeiro tenha, para além do dever de informar, o dever também de se assegurar que o investidor compreendeu a informação!
XLIX. Por tudo isto é necessário concluir que o Banco Réu agiu sem culpa.
L. Não está provado que se tenha tornado total ou parcialmente impossível receber o montante investido pelo Autor nas Obrigações D1....
LI. Daí resulta, portanto, que a condenação do Banco Réu no pagamento da integralidade do valor desembolsado pelo Autor é manifestamente excessiva e não cumpre com a critério teoria da diferença prevista no art. 566º nº 2 do CC, uma vez que dá azo a que o Autor venha depois a receber o que lhe couber da D1... e que acrescerá ao valor da indemnização já porventura pago pelo Réu e equivalente ao montante por ele desembolsado na subscrição do valor mobiliário.
LII. Ainda que se censure a conduta do Banco Réu (o que não se concede), essa censura nunca poderá ser reconduzível a um dolo ou a uma culpa grave.
LIII. De facto, lida e relida a matéria de facto, a sensação que fica é que o funcionário do Banco Réu nem sequer concebeu a possibilidade de estar a faltar ao dever de informação acerca da aplicação financeira e que, com essa falta, poderia estar a determinar o investimento do cliente num produto que este não quereria se estivesse devidamente informado. A ideia que perpassa é que o funcionário do Banco Réu estava absolutamente convencido da segurança do investimento e da adequação do mesmo ao perfil de investidor do Autor.
LIV. Terá havido portanto (e quando muito) uma indução do Autor em erro, sem que por parte do funcionário do Banco Réu houvesse intenção ou consciência de o fazer – trata-se portanto de uma indução negligente em erro.
LV. Uma tal conduta apenas pode ser reconduzível à mais leve das formas de negligência - a negligência inconsciente -, pois revela que o agente agiu por imprevidência, descuido, imperícia ou ineptidão, não chegando sequer a conceber a possibilidade do facto se verificar, podendo e devendo prevê-lo e evitar
a sua verificação, se usasse da diligência devida.
LVI. Esta graduação da culpa do intermediário financeiro tem particular interesse, sobretudo em sede da prescrição, pois o art. 324º do CdVM permite o advento mais precoce da prescrição nos casos em que, como o presente, não há dolo ou culpa grave.
LVII.E considerando a matéria de facto provada, constatamos que já estavam volvidos mais de dois anos entre a data em que o Autor tomou conhecimento da concreta aplicação efectuada e a data em que propôs a acção.
LVIII.E portanto, já se encontrava prescrita qualquer putativa responsabilidade do Banco Réu!
LIX. A decisão recorrida violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º, 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE.

Para coadjuvar o teor das alegações respectivas, o Recorrente apresentou pareceres da autoria dos Srs. Profs. Pinto Monteiro e Menezes Cordeiro.

Por contra-alegações, o Autor defende a confirmação da sentença recorrida.

Factos Apurados
1.No dia 30 de Março de 2012, foi assinado o contrato de compra e venda do E..., entre o Estado Português e o Banco C..., sendo que nos termos do disposto na cláusula 15.ª do Acordo Quadro celebrado entre o Estado Português e o Banco C..., relativo à reprivatização do E..., neste se mostram incluídas todas as entidades do espectro do antigo Banco E..., SA, sendo estas a H..., S.A., a I..., S.A., J..., S.A., Banco K..., S.A., E1..., S.A., E2..., S.A., E3..., S.A. (actualmente L..., S.A.), E4... e E5..., S.A.
2. Em 7 de Dezembro de 2012, ocorreu a fusão, por incorporação do Banco C..., S.A. no E..., S.A.
3. Em data não apurada mas situada próxima do mês de Abril de 2006, a gerente do E...- da agência de ..., F..., contactou o Autor pedindo-lhe que se dirigisse ao Balcão do Banco, alegando que tinha uma proposta interessante para lhe fazer.
4. Por isso, em dia situado no mês de Abril de 2006, o Autor dirigiu-se à agência de ..., do referido E..., S.A.
5. Foi recebido pela gerente do Balcão do Banco primeiro Réu, que lhe reafirmou que o Banco tinha de facto uma proposta de aquisição de um produto que lhe traria muita rentabilidade, com garantia de capital a 100% (cem por cento), tal como um depósito a prazo.
6. A referida gerente disse ao Autor que tal aplicação seria feita pelo prazo de dez anos, mas que poderia eventualmente proceder ao seu resgate antecipado ao fim de cinco anos.
7. Para melhor o convencer, a referida gerente exibiu e facultou ao aqui Autor, um documento onde constava de entre outras condições, a do capital garantido a 100% (cem por cento) e rentabilidade assegurada.
8. Perante os argumentos da identificada, gerente do E..., SA, pessoa que o Autor enquanto cliente do Banco conhecia já há longo tempo e na qual depositava absoluta confiança, enquanto responsável pelo acompanhamento dessa conta no Banco em causa e respectiva agência/Balcão de ..., o Autor acedeu a subscrever a referida obrigação, atentas as condições e garantias que lhe estavam a ser dadas pela gerente daquele Balcão do E..., SA.
9. Por isso, em 08 de Maio de 2006, o aqui Autor, subscreveu tal obrigação no montante de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), correspondentes ao montante que detinha em depósito a prazo, tendo para o efeito procedido ao resgate de tal aplicação.
10. Até ao dia 07 de Maio de 2015, sempre lhe foram pagos os juros do capital investido na aludida aplicação financeira.
11. Pagamentos esses que lhe foram feitos pelo E... até 25 de Outubro de 2012, e pelo primeiro Réu Banco C..., S.A., a partir dessa data e até 07 de Maio de 2015.
12. Logo após a notícia pública da nacionalização do E..., em finais de 2008 ou início de 2009, o Autor deslocou-se ao Banco preocupado com a sua aplicação tendo sido tranquilizado pela sua gestora de conta que lhe reafirmou que a mesma estava assegurada e seria paga no seu termo.
13. Em Maio de 2011, o Autor deslocou-se ao Banco com vista a proceder ao resgate do capital investido.
14. E, nessa data foi informado que só ao fim de 10 anos poderia proceder a tal resgate.
15. Começaram, desde a data referida em 12, a gerar-se no Autor angústias e receios que o futuro viria a ver mais do que justificadas, na decorrência das notícias sobre a situação do E..., que causaram ao Autor dúvidas sobre a recuperação do capital que havia investido.
16. Não obstante, e porque os juros sempre lhe estavam a ser pagos, manteve a esperança na recuperação do capital que tinha investido.
17. Vencido o prazo de dez anos da obrigação por si subscrita foi o Autor informado de que a aplicação financeira em causa não tinha cobertura de garantia de capital, que é uma subscrição de obrigações da D1..., S.A., e que, uma vez que a referida sociedade se mostrava insolvente, tal resgate não lhe seria concedido, podendo e devendo reclamar o montante a que se julgasse com direito no aludido processo de Insolvência, alegando o Banco C... que o Banco E..., ao vender as referidas obrigações, apenas funcionou enquanto intermediário da dita D1..., não sendo tais obrigações propriedade ou títulos do BANCO, mas apenas e só, vendidas ao Balcão do Banco por conta e risco da dita D1....
18. O Autor confrontado com a ideia de perder todo o dinheiro que convictamente tinha investido na aplicação financeira cujas garantias de retorno total lhe foram dadas, sentiu angústia e receio. 19. O Autor subscrevera já Papel Comercial D2... (com a descrição ...) em 25/6/2004, 24/6/2005, 23/6/2006, 25/6/2007 e 20/6/2008, Unidades de Participação do Fundo de Investimento Imobiliário E6... (com a descrição ...) em 7/6/2002 e 10/1/2003.
20. A par destas aplicações em produtos financeiros de que visava retirar maior rentabilidade, o autor constituía igualmente simples depósitos a prazo, com mais baixa rentabilidade.
21. O Autor era pessoa conservadora nos seus investimentos, mas prezava a obtenção de boas rentabilidades para as suas poupanças, procurando sempre aplicações que as assegurassem.

Factos Não Provados:
a) O Autor detinha, em Maio de 2006, um depósito a prazo no valor de 50.000€, (cinquenta mil euros), no E... na agência ....
b) Tal depósito, estava, nessa data, a atingir a sua data de vencimento, pelo que poderia ser resgatado ou manter-se por iguais períodos.
c) O Autor resgatou esse valor para proceder à subscrição referida em 8).
d) O valor usado pelo Autor para aquisição da obrigação referida em 13) foi angariado após dezenas de anos de árduo trabalho e resultante da sua actividade profissional.
e) Por causa do referido em 17 o autor deixou de conseguir gerir os seus negócios, passou noites sem dormir e ficou destabilizado no seio do seu agregado familiar, tendo estado próximo da dissolução do seu matrimónio.
f) Ainda hoje, o aqui Autor, bem como a sua esposa sofrem de depressão e angústia decorrentes do referido em 17.
Fundamentos
Os tópicos recursórios postos, nos presentes autos, à consideração deste Tribunal da Relação são os seguintes:
- alteração da matéria de facto provada, no sentido de se declarar a não prova do ponto nº 11 do elenco provindo de 1ª instância, declarando-se a prova dos factos referenciados em II e III das doutas alegações;
- saber se cabe concluir da factualidade apurada, com a Mmª Juiz a quo, que o gerente bancário do Réu agiu, perante o Autor, com a prestação de uma “informação falsa” maxime à luz da legislação existente à data da subscrição das obrigações;
- saber se a presunção de culpa do artº 304º-A nº2 CVM não se confunde com uma presunção de ilicitude, ilicitude esta no comportamento dos funcionários do Réu que não vem demonstrada;
- saber se demonstra que o Réu agiu sem culpa, perante o Autor;
- saber se a condenação do Réu não respeita o critério da teoria da diferença (artº 566º nº2 CCiv);
- saber se a graduação da culpa do intermediário financeiro não poderia caracterizar-se como dolo ou culpa grave, razão pela qual o direito do Autor sempre prescreveu, atendendo ao prazo previsto pelo disposto no artº 324º CVM.
Vejamos então.
I
Para a sindicância da matéria de facto, para além da consulta do suporte físico do processo, foi ouvido na íntegra o CD de gravação da audiência de julgamento.
Em primeiro lugar, pretende-se seja dado como provado que: “Em Abril de 2006, a gestora de conta contactou o autor e, após deslocação do mesmo à agência, apresentou-lhe uma aplicação explicando-lhe que se tratavam de Obrigações da D1..., entidade que detinha o banco a 100%, que a mesma tinha capital garantido e com rentabilidade assegurada, sem mencionar especificamente qual a entidade responsável pelo pagamento da remuneração e pelo reembolso do capital, designadamente se era a D1... se era o E...”.
Salvo o devido respeito, não concordamos que o facto em referência se encontre provado ou tenha tido, por mínimo que fosse, suporte na prova produzida no processo, podendo afirmar desde já que a pretensão probatória deve improceder.
Independentemente do teor das declarações de parte do Autor, o que resultou do depoimento da gerente de conta do Autor, actual gerente de agência bancária do Réu, foi precisamente que ela gerente de conta apresentou ao Autor um produto financeiro de capital garantido pelo próprio Banco, sem risco de perda de capital, similar a um depósito a prazo.
Foi isto que a referida depoente afirmou repetidamente em audiência.
E é isto que resultava da nota interna do ex-E..., de fls. 28 dos autos – o Banco garantia 100% do capital investido.
Portanto, o facto que se propõe provado, sobretudo na parte interessante relativa a saber qual a entidade que remunerava o investimento e que reembolsava o capital, é inequívoco que não resultou provado, pois que foi explicado ao Autor tratar-se de um produto garantido pelo Banco.
De seguida, entende-se provado que “o autor, pela sua formação académica, conhecia a natureza de todas as aplicações efectuadas no banco e descritas no ponto 19, bem como das Obrigações D...”.
A formação académica não explica tudo – o que estava em causa não era a formação em economia do Autor, mas antes a experiência respectiva no mercado de capitais, e, sobre essa experiência, nada resultou provado.
É certo que o Autor confessou, e resulta provado, ter subscrito obrigações de E7... e papel comercial da D2... entre 2004 e 2005 – todavia, reforçando a convicção (errónea) de capital garantido está o facto de o Autor nunca ter tido quaisquer problemas em, nesses anos anteriores à crise bancária, em Portugal e em alguns países europeus, reaver a totalidade do capital subscrito.
Facto que, diga-se, também ocorreu com a generalidade das emissões obrigacionistas da D1..., assumidas pelo sucessor do E..., o Réu C..., com excepção das emissões de 2006 e de 2008.
Diga-se também ex abundanti que aplicar dinheiro em fundos de investimento, como o Autor tinha já feito, em nada se compara ao investimento directo em obrigações – os Fundos, mais a mais os fundos imobiliários, possuem aplicações diversificadas, flexíveis, permitindo compensar eventuais perdas, e responsabilizam entidades gestoras, usualmente diversas de entidades bancárias ou detentoras de bancos, como a D1..., sendo, desse ponto de vista, uma aplicação financeira mais segura (mesmo que não “garantida”), e já muito usual no comércio bancário, desde a privatização da banca em Portugal.
Improcede por igual a pretendida prova do facto em causa.
Por fim, pretende-se a exclusão do elenco provado do facto 11: “(Até ao dia 07 de Maio de 2015, sempre lhe foram pagos os juros do capital investido na aludida aplicação financeira) pagamentos esses que lhe foram feitos pelo E... até 25 de Outubro de 2012, e pelo primeiro Réu Banco C..., S.A., a partir dessa data e até 07 de Maio de 2015”.
Salvo o devido respeito, os extractos bancários e a conta bancária provisionada sempre pertenceram aos serviços do Réu – não pode assim este Réu pretender que o pagamento em causa era feito directamente pela D2... Autor.
Improcede a pretendida não prova do facto 11.
II
Em matéria de direito, começa por colocar-se em causa se cabe concluir da factualidade apurada que o gerente bancário do Réu agiu, perante o Autor, com a prestação de uma “informação falsa” maxime à luz da legislação existente à data da subscrição das obrigações.
E, em nosso entender, perdoando-se a antecipação do argumento, é inequívoco que o fez.
Em primeiro lugar, porque resultou dos autos e do julgamento realizado que nos encontramos perante um investidor de cariz conservador nos seus investimentos, procurando a preservação do capital (que, de resto, não era sua pertença exclusiva, mas da totalidade dos herdeiros de seu pai), um investidor também “não qualificado” (cf. artºs 30º, na redacção do D-L nº 52/2006 de 15/3, e 312º nºs 1 als.a), b) e 2 CVM, este último na redacção de 99), necessitando de uma noção mais apurada da relação entre o risco e o rendimento no concreto produto financeiro em causa, e isto mesmo apesar da respectiva formação em economia (acabou licenciatura entre 2006 e 2007), facto que não lhe dava, por força, familiaridade com o mercado de capitais.
Por outro lado, a informação a prestar devia englobar os dados mais gerais sobre a emissão de papel comercial em causa, isto é, sobre a situação patrimonial, económica e financeira da emitente e a indicação sumária da dependência dessa emitente relativamente a quaisquer factos que tivessem importância significativa para a sua actividade e fossem susceptíveis de afectar a rentabilidade do emitente no prazo abrangido pelo programa de emissão até à data do último reembolso, com uma descrição dos factores de risco inerentes à oferta, ao emitente ou às suas actividades e uma descrição das limitações relevantes do investimento proposto, bem como, caso existisse, a notação de risco atribuída à emissão ou ao programa de emissão, nos termos do disposto no artº 17º nºs 1 e 2 D-L nº69/2004 de 25/3, na sua redacção inicial (diploma que regula o regime jurídico do papel comercial).
Por outro lado, resultava do disposto no artº 304º CVM, na redacção à data dos factos, para além do mais, que:
“1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.”
“2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.”
“3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar.”
Relevante igualmente a norma do artº 7º nº1 CVM, já vigente em 2006, no sentido de que “deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a actividades de intermediação e a emitentes que seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários”.
Neste quadro, como se salientou no Ac.R.L. 10/3/2015 Col.II/88, relatado pelo Des. Manuel Marques, “os intermediários financeiros estão sujeitos a elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, devendo orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado; no mercado de valores mobiliários, a informação surge como facto essencial”. E estavam já sujeitos a tais elevados padrões de diligência no ano da subscrição das obrigações dos autos, em Abril de 2006.
Isto dito, as doutas alegações centram-se nos seguintes pontos:
- o dever de informação não era, em 2006, tão densificado como na actualidade;
- a informação dada era verdadeira, posto que a entidade emitente se comprometia à devolução integral do capital investido, e não obstante as flutuações do mercado quanto ao valor das obrigações subscritas;
- não existe uma garantia total contra o incumprimento, em face de factores exógenos ao produto financeiro, à semelhança de qualquer obrigação, e mesmo à semelhança dos depósitos a prazo tradicionais;
- a “garantia do capital” deve ser vista à luz do contexto financeiro e bancário anterior à crise internacional de 2007/2008.
Salvo o devido respeito, o douto argumentário não colhe porque faz equivaler a entidade bancária (no contexto do contrato de intermediação banco/cliente) a uma entidade com tantos conhecimentos acerca do mercado como qualquer vulgar investidor, quase mesmo que como um investidor não qualificado.
Não pode a solvência da emitente do papel comercial ser ignorada pelo Banco que é por ela emitente detido, não apenas face às gerais obrigações de informação do investidor (referimo-nos àquelas vigentes na legislação da altura), como também face aos especiais conhecimentos que uma relação de grupo e de domínio societário sempre confeririam ao intermediário financeiro, relativamente à emitente.
Dir-se-á que a crise bancária não era esperada, mas esse raciocínio é próprio daquele citado “investidor não qualificado”, que não tinha já memória das falências de bancos em Portugal, nos finais da 1ª República ou nos primórdios da “ditadura militar”, na sequência da denominada Grande Depressão americana de 1929 – não podia ser o nível de responsabilidade ou conhecimentos imputados a quem emitisse e a quem comercializasse obrigações.
Igualmente importante é o facto de a Directiva nº2004/39/CE de 21/4/2004, constante do jornal oficial desde 30/4/2004, relativa aos mercados de instrumentos financeiros, e que devia ter sido transposta na legislação nacional em 24 meses, ou seja, até 30/4/2006 (só tendo sido, na íntegra, em diploma de 2007 – D-L nº357-A/2007 de 31/10), densificar de forma mais completa (e que veio a ser traduzida na legislação nacional apenas em 2007, quando deveria ter sido antes, designadamente até ao mês em que as obrigações dos autos foram subscritas) as obrigações de informação dos Bancos, associadas a todos os riscos dos instrumentos financeiros propostos – incluindo conflitos de interesses entre o intermediário e o emitente (artºs 18º e 19º da Directiva).
Portanto, visto o princípio da interpretação conforme usualmente seguido em direito da União Europeia, e na jurisprudência do Tribunal de Justiça em particular, considerando também a obrigação de transposição que incidia sobre o Estado Português, não pode deixar de se interpretar a lei vigente (CVM de 1999 e 2006) à luz dos cuidados da Directiva, relativamente à actividade dos intermediários financeiros.
Por outro lado, a Directiva de 2004 dava já adequada nota de que a proliferação de instrumentos financeiros e o ambiente geral de sucessivo incremento da massa monetária pediam especiais cuidados aos emitentes e aos intermediários, mais a mais quando relacionados em grupo de sociedades, como era o caso dos autos.
Não podia assim o intermediário Réu eximir-se a uma responsabilidade pela actividade respectiva invocando a surpresa que qualquer particular poderia invocar, quanto às ocorrências em concreto do universo bancário.
E mesmo que este seja, na prática, um raciocínio ex post facto, isto é, constatada que foi a insolvência da emitente das obrigações D1..., não deixa de revelar uma consequência que, reportada às informações prestadas ao cliente, confirma a causa (“informação falsa”) e confirma as especiais necessidades de uma informação completa, adequada ao cliente e em boa fé – que não em mera vontade de vender papel comercial, atribuindo-lhe um risco idêntico ou quase idêntico ao de um depósito a prazo no banco.
Improcede este segmento recursório.
III
Nos termos do artº 304º-A nº2 CVM, “a culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação”.
Dizem assim as doutas alegações que essa presunção de culpa do artº 304º-A nº2 CVM não se confunde com uma presunção de ilicitude, ilicitude esta no comportamento dos funcionários do Réu que não vem demonstrada.
Saliente-se, a propósito, que não é esta a posição assumida pelo Prof. Menezes Cordeiro em douto parecer junto aos autos – “os cinco pressupostos da responsabilidade civil (facto, ilicitude, culpa, dano e causalidade) articulam-se entre si em termos de sistema móvel: podem assumir papéis distintos, em função do tipo de responsabilidade em jogo – na responsabilidade bancária, demonstrada a inexecução presume-se a ilicitude e a culpa (outra coisa não afirmara já este Autor no Tratado, Dtº das Obrigações, III, 2010, pg.465ss. e no Manual de Dtº Bancário, 1998, pg.363ss.).
A diferença entre culpa e ilicitude, que, para o Prof. Menezes Cordeiro, nos casos de aplicação da norma do artº 799º nº1 CCiv, não cabe cindir para efeitos práticos (embora conceptualmente possam sempre esses conceitos ser individualizados) vai da pura dissonância entre a conduta do agente e a estatuição normativa desrespeitada (ilicitude) e o acto psicológico de vontade livre que permite imputar o resultado à conduta (culpa).
Pensamos porém, sem necessidade de outros considerandos acerca da presunção de culpa estabelecida na norma legal do artº 304º-A nº2 CVM ou do artº 314º nº1 CVM (lei do tempo do contrato), que a conduta ilícita e culposa, por contrária aos deveres de informação e que gera a obrigação de indemnizar se encontra plenamente demonstrada no processo, como supra aludimos, sem necessidade de quaisquer outros supérfluos considerandos.
IV
A graduação da culpa do intermediário financeiro não poderia caracterizar-se como dolo ou culpa grave, razão pela qual o direito do Autor se encontrava prescrito, atendendo ao prazo previsto pelo disposto no artº 324º CVM?
Nos termos do disposto no artº 324º nº2 CCiv, “salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos”; de outra forma, estaremos remetidos para o prazo geral de prescrição de 20 anos (artº 309º CCiv).
É usual, de facto distinguir a culpa, consoante o seu grau de intensidade, em grave, leve e levíssima.
A culpa grave, frontalmente contrária à diligência do bom pai de família (artº 487º nº2 CCiv), caracteriza-se por uma negligência grosseira.
Esta apreciação da negligência, efectuada segundo critérios éticos e da comum moralidade de comportamento social, nada tem a ver com a distinção entre negligência consciente e inconsciente, como as doutas alegações sugerem.
Esta última distinção reporta-se aos factores psicológicos de repercussão na consciência e na vontade do acto praticado – acto consciente, mas de consequências não assumidas, na primeira hipótese; acto nem sequer consciente, na segunda.
Todavia, em termos éticos, tanto a negligência consciente como a consciente podem ser enquadrados na culpa grave, tanto como ambas podem ser enquadradas na culpa levíssima (em que não incorreria o bom pai de família – artº 487º nº2 CCiv) ou na culpa leve (a omissão de uma diligência normal).
Pensamos que a conduta assumida pelo Réu, em face do respectivo dever de informação e da caracterização geral da conduta que já efectuámos supra, em II da presente fundamentação e que decorre dos factos provados, não pode deixar de ser enquadrada como “culpa grave”, uma negligência grosseira em que seguramente não incorreria o bom pai de família e mesmo em que não incorreria a pessoa ou agente que actuasse com uma diligência normal.
Não cabe assim considerar qualquer eventual prescrição do direito à indemnização que cabe ao Autor.
V
A condenação do Réu não respeita o princípio da compensatio lucri cum damno, do artº 566º nº2 CCiv, pois que deveria ter sido deduzido ao montante da indemnização o relativo aos juros remuneratórios recebidos entretanto pelo Autor?
Pensamos que sim, pese embora de outra forma ter sido decidido, v.g., no Ac.S.T.J. 17/3/2016 Col.I/167, relatado pela Consª Mª Clara Sottomayor.
É manifesto, para nós, que a necessária inconsideração do investimento em obrigações efectuado conduzirá por força à inconsideração, no montante da condenação a proferir, do montante das remunerações percebidas e que entretanto enriqueceram o património do Autor, também causalmente, com origem no facto das informações ilícitas e culposas recebidas da parte do Banco Réu.
Não existindo nos autos elementos que permitam quantificar o valor dos juros percebidos até 7/5/2015, deve esse montante, a deduzir no valor indemnizatório fixado em 1ª instância, ser relegado para liquidação de sentença.

Concluindo:
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Deliberação (artº 202º nº1 CRP):
Na parcial procedência da apelação, revoga-se em parte a douta sentença recorrida, condenando-se agora o Réu a pagar ao Autor o montante que se vier a liquidar, de acordo com o critério referenciado em V, da fundamentação de direito deste acórdão.
No mais, mantém-se o dispositivo da douta sentença recorrida.
Custas na proporção de metade, por Apelante e Apelado, sem prejuízo do rateio final, a efectuar após liquidação de sentença.


Porto, 13/VI/2018
Vieira e Cunha
Maria Eiró
João Proença Costa