Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JUDITE PIRES | ||
Descritores: | INCIDENTE DE INTERVENÇÃO PRINCIPAL CAMPO DE APLICAÇÃO PRETERIÇÃO DO LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO DEDUÇÃO APÓS O TERMO DOS ARTICULADOS | ||
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Nº do Documento: | RP202104151471/17.1T8PRT.P2 | ||
Data do Acordão: | 04/15/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA A DECISÃO | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Estando pendente causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir, como parte principal, aquele que, em relação ao seu objecto, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos artigos 32.º, 33.º e 34.º do Código de Processo Civil. II - O campo de aplicação da intervenção principal, com excepção da situação prevista no artigo 317.º do Código de Processo Civil, passou a estar confinado às situações de litisconsórcio. III - Pode ter lugar a chamamento de qualquer das partes, como seu associado ou como associado da parte contrária, consoante a natureza do interesse que lhe confira o direito a intervir, desde que o chamante alegue a causa do chamamento e justifique o interesse que, através dele, pretende acautelar. IV - A intervenção principal, espontânea ou provocada, não é admissível se forem contrapostos os interesses substantivos ou processuais do chamado e da parte ao lado de quem se pretende que intervenha. V - Pode o autor deduzir o incidente de intervenção principal provocada, por preterição de litisconsórcio necessário, mesmo após os articulados, antes de proferida decisão quanto à legitimidade das partes. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 1471/17.1T8PRT.P1 Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Local Cível do Porto – Juiz 8 Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I.RELATÓRIO. Nos autos de prestação de contas intentados por B… contra C…, D… e E… pretende a autora, além do mais, que os réus “prestem contas de todos os atos que praticaram ao abrigo da Procuração que lhe foi outorgada pela mãe, de autora e réus no período compreendido entre 28 de novembro de 2007 e 28 de julho de 2014, para apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas e a sua condenação, sendo caso disso, no pagamento do saldo que vier a apurar-se.” Invoca, para tanto, a autora a existência de uma procuração conferida pela mãe, F…, em 28 de Novembro de 2007 a favor dos seus cinco filhos, através da qual foram concedidos, aos cinco, poderes de venda patrimonial e a três deles, os aqui réus, poderes de gestão, com a assinatura conjunta de dois. Em momento algum da petição inicial é atribuído ao quinto filho, G…, qualquer acto de alineação de património ou de gestão do mesmo. Através do despacho com a ref.ª citius 415713466 a autora foi convidada a fazer intervir nos autos, ao seu lado, G…, a fim de que a decisão pudesse produzir o seu efeito útil normal, ao abrigo do disposto no artigo 33.º n.º 2 do Código de Processo Civil, sob pena de os réus serem absolvidos da instância. Tal despacho não foi objecto de recurso. A autora, ao invés de deduzir incidente de intervenção principal provocada de G… como seu associado, deduziu tal incidente, relativamente ao referido G…, como associado dos réus, argumentando, em síntese, que, “a Requerente é a única Reclamante, Oponente e Impugnante em sede do processo de inventário instaurado por óbito da Mãe, que todos os irmãos sempre estiveram alinhados na administração dos bens dos Pais, beneficiando em proveito próprio, como comprovado já pelas distribuições que fizeram sobre o património da Mãe demente e que os mesmos encerraram ou permitiram que a sua Mãe já demente encerrasse contas, ao mesmo tempo em que comprovadamente ocultam outras, onde existem rendimentos que não podem movimentar sem a assinatura da Requerente, conforme exposto em sede judicial pelo Cabeça de Casal, dá como comprovado que o irmão G… apesar de não figurar na Procuração como administrador com poderes de gestão patrimonial, sempre se posicionou ao lado dos Réus, e contra a Requerente, o que a impede de o habilitar na presente ação ao seu lado, compelindo-a a que o habilite ao lado dos Réus.” Na sequência disso foi, a 25.09.2020, proferida decisão nos seguintes termos: “Tratando-se de como se trata de uma situação de litisconsórcio necessário do lado ativo nada mais resta ao Tribunal que julgar os réus C…, D… e E… partes ilegítimas e em consequência absolvê-los da instância, art. 33 n.º 2, 570 al. e) e 576 nº 2 do CPC. Custas a cargo da autora, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário. R. e Notifique. Não se conformando a autora com tal decisão, dela interpôs recurso de apelação para esta Relação, finalizando as suas alegações com as seguintes conclusões: A. O objeto do presente Recurso de Apelação centra-se na determinação dos poderes judiciais quanto à escolha discricionária das Partes Processuais, e na tempestividade resultante do cumprimento judicial do convite emanado sob efeito cominatório notificado à Recorrente através do Despacho datado de 07-07- 2020 B. A Recorrente não se conforma com a decisão de indeferimento do Incidente de Intervenção Principal Provocado e subsequente absolvição da instancia dos Réus, a qual se estribou na falta de tempestividade do mesmo, fruto de estar ultrapassado o momento da apresentação de tal incidente, pois segundo o Tribunal recorrido propalou, o mesmo foi apresentado após o termos da apresentação dos articulados. C. Com efeito, a Recorrente diante da decisão proferida, fundamentada na interpretação legislativa aplicada, viu serem-lhe suprimidos basilares direitos processuais e constitucionais, que contendendo com o seu direito de disposição sobre o exercício de nomeação da parte contrária, lhe vieram denegar a Justiça, impondo-lhe um chamamento por um lado, e negando-lhe o seu cumprimento pelo outro lado, por intempestividade. D. A Recorrente considera, com efeito, que cumpriu com o promanado Despacho nº. 415713466, pois na verdade suscitou o Incidente de Intervenção Processual Provocada proporcionando que a Sentença a proferir nos autos alcançasse de forma expressa todos os herdeiros de F…. E. Fê-lo, porém, cingindo-se às possibilidades factuais que não lhe permitiriam posicionar ao seu lado um irmão que contra a própria se debate judicialmente, e in casu sempre se posicionou ao lado dos Réus, como aliás se encontrava já comprovado por prova junta à Petição Inicial através do Doc. n º. 18, a qual no Incidente aberto se voltou a juntar através do Doc. n º. 8. F. Não podendo pois, a Requerente no cumprimento do convite cominatório preconizado judicialmente, ter procedido de modo diverso. G. Razão pela qual é entendimento da Recorrente que perante a habilitação preconizada, justificada documentalmente, deveria o Tribunal recorrido, o que se expressa com o devido respeito, ter proferido decisão de admissão do Incidente de Intervenção Principal Provocada suscitado, porquanto tal intervenção cumpriu nos termos do art.º 316.º n º. 1 do CPC em conjugação com o art.º 261º, nº 1 do CPC, com os objetivos propostos pelo Tribunal a quo, que entendeu estar diante de um caso onde julgou necessária a indicação expressa de todos os litisconsortes. H. Na verdade, a Recorrente, quando apresentou a petição Inicial, não julgou necessário nomear esse seu irmão com Réu, atendendo a que o nome do mesmo não figurava entre o nome dos administradores do património da Mãe, de acordo com a Procuração que juntou aos autos. I. Possibilidade esta que entendeu estar abrangida no âmbito do art.º 33, nº. 3 do CPC. J. Porém, em face do convite pelo qual foi notificada a proceder ao chamamento do seu irmão G…, sob pena cominatória de se pôr termo ao Processo, com a absolvição da instância dos Réus, a Recorrente veio posicionar o seu irmão do único lado possível, seja como sujeito passivo da relação controvertida, pois não poderia em circunstância nenhuma falsear a realidade dos factos, comprovados já pelo Doc. n º. 18 junto com a petição inicial, e junção do mesmo no Incidente através do Doc. n º. 8, que este seu irmão subscreveu pelo seu próprio punho, assinando e expressando claramente a posição em que se assume, demonstrada, ainda pela concretização da ingerência no património da Mãe, através dos movimentos bancários preconizados em período onde inequivocamente a mesma já se encontrava em estado de demência, como foi sendo sucessivamente confirmado pelos Réus. K. Assim, a Recorrente constata que o Tribunal recorrido, para além de decidir ser da sua competência escolher a Parte onde o Interveniente - que convidou a Recorrente a apresentar - deveria se inserir, ainda veio transmutar o Incidente suscitado por sua atuação oficiosa, em Incidente suscitado por iniciativa da Recorrente, aplicando-lhe, consentaneamente um critério estrito na interpretação da norma que decide da respetiva tempestividade. L. Reconduzindo com tal decisão, um Incidente tempestivo em Incidente extemporâneo, que veio decidir ser intempestivo, pois, entendeu que o mesmo sido alocado em fase processual onde já não poderia ser admitido, conforme se reproduz “o referido chamamento sempre seria extemporâneo, já que só poderia ser requerido até ao termo da fase dos articulados, salvo no caso do art. 261º do CPC, cfr. art. 318 n.º 1 al a) do CPC.” M. Com efeito, o Tribunal a quo contrariando com tal interpretação a melhor doutrina interpretativa das referidas normas, donde se seleciona José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, os quais apontam que o dies ad quem para a apresentação do Incidente apenas se conclui “com a prática do ato seguinte à apresentação do último articulado, que é, na tramitação normal do processo e consoante os casos, o despacho pré-saneador (art. 590-2), a marcação da data da audiência prévia (art. 591-1), o despacho que a dispense (art. 593-1) ou o primeiro dos despachos do art. 593-2)” (Código de Processo Civil anotado, volume 1.º, 3.ª edição, 2014, Coimbra Editora, pp. 612, 613 e 622). (...), veio indeferir o Incidente suscitado pela Recorrente a seu convite, considerando que mesmo que o dito Incidente pudesse não ser considerado extemporâneo, nem assim era tempestivo. N. Condenando com tal entendimento ao fracasso antecipado o cumprimento do convite preconizado, na medida em que como bem o sabia, a Recorrente não poderia chamar para seu lado, quem afinal tinha interesse em a contradizer comprovadamente como já resultava do Doc. n º. 18 junto com a Petição Inicial, que para relembrança do Tribunal a quo a Recorrente voltara a juntar com o Incidente suscitado através do doc. N.º. 8, O. Razão pela qual, a Recorrente não pode aceitar que o Tribunal a quo tenha desconsiderado as provas processuais já juntas com a Petição Inicial, pondo fim ao Processo transmutando um Incidente tempestivamente apresentado pela Recorrente, em Incidente intempestivo, tendo por fundamento também, uma incorreta apreciação da posição em que o irmão da Recorrente deveria figurar na lide que convidou a Recorrente a fazer intervir no Processo, posicionando-o em lugar impróprio, nem pode aceitar que com fundamento em Incidente não suscitado por iniciativa da Recorrente, tenha vindo elencar uma interpretação estrita e discutível de que tal Incidente só poderia ter sido suscitado até ao final dos articulados, desconsiderando o dies ad quem, tão bem defendido na doutrina, que remete esse prazo a qualquer dos seguintes procedimentos processuais: despacho pré- saneador (art. 590-2), a marcação da data da audiência prévia (art. 591-1), o despacho que a dispense (art. 593-1) ou o primeiro dos despachos do art. 593-2). P. Decorrendo que tal decisão - quanto à intempestividade do Incidente suscitado - se encontra ferida da nulidade que se enquadra no art.º 615º, nº 1, alínea c) do CPC, o que importa a respetiva anulação por violação do disposto dos art.º s 30, n º. 3, 316º nº 1 do CPC e art.º 261º, nº 1 do CPC. Q. Por todo o exposto, a decisão de indeferimento do Incidente de Intervenção provocada suscitado pela Recorrente falece à luz da lei, carecendo de ser substituído por decisão que sufrague o deferimento do Incidente de intervenção principal provocada suscitado pela Recorrente, devendo o processo especial de prestação de contas prosseguir os seus termos até final. Termos em que e nos melhores em direito que os Venerandos Senhores Juízes Desembargadores mui proficientemente suprirão, deve o presente recurso de apelação ser admitido e ser considerado totalmente procedente, in totum, fazendo-se assim a costumada Justiça. Não foram apresentadas contra-alegações. Colhidos os vistos, cumpre apreciar. II.OBJECTO DO RECURSO. A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito. B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar: - se é nula a decisão sob recurso; - se pode ser associado ao lado passivo o interveniente G…; - tempestividade do incidente de intervenção principal provocada. III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO. São os descritos no relatório introdutório os factos/incidências processuais relevantes ao conhecimento do objecto do recurso. IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO. 1. Da nulidade da decisão. Segundo o n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil[1]: “É nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido”. Tal como o n.º 1 do artigo 668.º do anterior diploma, também o n.º 1 do artigo 615.º do actual Código de Processo Civil contém uma enumeração taxativa das causas de nulidade da sentença[2], nelas não se inserindo o designado erro de julgamento, que apenas pode ser atacado por via de recurso, quando o mesmo for legalmente admissível[3]. A recorrente imputa à decisão de que recorre, na parte relativa à intempestividade do incidente suscitado, vício de nulidade, que reconduz à previsão da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil - alínea P) das conclusões. Não esclarece, porém, em que pressupostos arquitecta o vício que invoca, limitando-se, quer nas conclusões, quer no próprio corpo alegatório, a denunciar a existência do mesmo. No primeiro segmento da alínea c) do normativo citado enquadra-se o vício da sentença em que ocorra oposição entre os seus fundamentos e a decisão. Não se cuida, no vício contemplado na referida alínea, de indagar se existe contradição/oposição entre a decisão que julga a matéria de facto e os fundamentos que a motivaram, como sucede na hipótese delineada pelo anterior artigo 653.º da lei adjectiva, mas antes de averiguar se essa oposição ocorre entre a decisão que aprecia a matéria controvertida e os fundamentos quer de facto, quer de direito que contribuíram para essa mesma decisão. Numa perspectiva silogística da sentença, a decisão nela contida deve estar numa relação lógica e coerente com as respectivas premissas, que a hão-de anteceder, sendo aquela o resultado natural decorrente das mesmas. Isto é, “a decisão tem como antecedentes lógicos os fundamentos de direito (premissa maior) e os fundamentos de facto (premissa menor), não podendo o sentido da decisão achar-se em contradição ou oposição com os fundamentos, o que sucede sempre que na construção da sentença os fundamentos expressos pelo juiz, necessariamente, haveriam de conduzir a uma solução de sentido antagónico: a proposição final (conclusão) revela-se incompatível com as proposições logicamente antecedentes (fundamentos), o que traduz um vício de raciocínio. A nulidade de oposição entre os fundamentos e a decisão não se confunde com o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, ou com a inidoneidade dos fundamentos para conduzir à decisão”[4]. Configura-se a nulidade tipificada no citado preceito quando “o juiz escreveu o que queria escrever; o que sucede é que a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto”[5]. Ou seja: “…se os fundamentos invocados conduzem logicamente, não ao resultado expresso da decisão, mas a resultado oposto ou pelo menos diferente, em última análise a decisão carece de fundamento”[6]. Também a propósito do vício em análise, precisa Lebre de Freitas[7]: “Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decide noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição é causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação apontar para determinada consequência jurídica e na conclusão for tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correcta, a nulidade verifica-se.” Quanto à “ambiguidade ou obscuridade que torne a sentença ininteligível”, vício a que se refere o segundo segmento da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, segundo Lebre de Freitas[8] ele ocorre “quando não seja percetível qualquer sentido da parte decisória (obscuridade) ou ela encerre um duplo sentido (ambiguidade), sendo ininteligível para um declaratário normal”. Ou seja: ocorre obscuridade quando não seja perceptível o pensamento do julgador traduzido na parte decisória, verificando-se ambiguidade quando ela comportar mais do que uma interpretação. Segundo o acórdão do S.T.J. de 11.4.2002,[9] ”só existe obscuridade quando o tribunal proferiu decisão cujo sentido exacto não pode alcançar-se. A ambiguidade só releva se vier a redundar em obscuridade, ou seja, se for tal que não seja possível alcançar o sentido a atribuir ao passo da decisão que se diz ambíguo [...]. Mas deve ter-se em conta que o haver-se decidido bem ou mal, de forma correcta ou incorrecta, em sentido contrário ao preconizado pela requerente, é coisa totalmente diversa da existência de obscuridade ou ambiguidade do acórdão [...]”. Não se detecta na decisão impugnada qualquer contradição passível de integrar o vício tipificado na primeira parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º citado. E da leitura da mesma não transparece qualquer falta de clareza quanto ao seu alcance, sentido e conteúdo. De resto, esse alcance e sentido também parece ter sido facilmente apreendido pela apelante, que apenas se limita a discordar do decidido quanto à tempestividade do incidente deduzido, não se confundindo, todavia, o vício aqui analisado com o mérito ou demérito da decisão. Não padece, por conseguinte, a decisão impugnada de qualquer patologia que comprometa a sua validade. 2. Do incidente de intervenção principal provocada. Após a citação do réu, deve a instância manter-se imutável quanto às pessoas, pedido e causa de pedir, ressalvadas as possibilidade de modificação consignadas na lei. Trata-se do princípio da estabilidade da instância, a que o artigo 260.º do Código de Processo Civil dá expressão. Tal princípio é passível de ser afectado por via de uma modificação subjectiva, seja em consequência da substituição de alguma das partes primitivas, seja por via da intervenção de terceiros. Essa modificação adjectiva-se através de incidente processual – típico ou inominado – que pressupõe a pendência de uma causa. Na intervenção de terceiros o conceito de terceiros contrapõe-se ao conceito de parte, traduzindo-se em alguém por quem ou contra quem é solicitada, em nome próprio, uma providência judicial tendente à tutela de um direito[10]. Os incidentes de intervenção de terceiros foram estruturados na base dos vários tipos de interesse na intervenção e das várias ligações entre esse interesse, que deve ser invocado como fundamento da legitimidade do interveniente e da relação material controvertida desenvolvida entre as partes primitivas. A intervenção principal enquadra-se no quadro geral dos incidentes de intervenção de terceiros, integrando a mesma “…os casos em que o terceiro se associa, ou é chamado a associar-se, a uma das partes primitivas, com o estatuto de parte principal, cumulando-se no processo a apreciação de uma relação jurídica própria do interveniente conexa com a relação material controvertida entre as partes primitivas, em termos de tornar possível um hipotético litisconsórcio ou coligação iniciais”[11]. A intervenção de terceiros a título principal, ou seja, aquela em que o interveniente faz valer um direito próprio, paralelo ao do autor ou do réu[12], pode ocorrer por iniciativa espontânea daquele que, em relação ao objecto da causa, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, interesse este definido nos termos dos artigos 32.º, 33.º e 34.º. O artigo 311º do Código de Processo Civil, que define o âmbito da intervenção principal espontânea e serve de referência à intervenção provocada, determina que, estando pendente causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal aquele que, em relação ao seu objecto, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos artigos 32º (litisconsórcio voluntário), 33º (litisconsórcio necessário) e 34º (acções que têm de ser propostas por ambos ou contra ambos os cônjuges). De resto, como resulta da própria epígrafe do preceito, “intervenção de litisconsorte”, o campo de aplicação da intervenção principal, com excepção da situação prevista no artigo 317.º do Código de Processo Civil, passou a estar confinado às situações de litisconsórcio: só pode intervir na acção, assumindo a posição de parte principal, um terceiro que, por referência ao objecto da lide, esteja em relação à parte a que se vai associar numa situação de litisconsórcio: “Como decorre da previsão do art. 316º, a intervenção provocada restringe-se às situações de litisconsórcio, voluntário ou necessário, definidos respetivamente nos arts. 31º e 32º, do CPC. Só a ilegitimidade plural (preterição de litisconsórcio) é suprível por via do incidente de intervenção”[13]. Pode ter lugar a chamamento de qualquer das partes, como seu associado ou como associado da parte contrária, consoante a natureza do interesse que lhe confira o direito a intervir, desde que o chamante alegue a causa do chamamento e justifique o interesse que, através dele, pretende acautelar. Dispõe, com efeito, o artigo 316.º do Código de Processo Civil: 1 - Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária. 2 - Nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39.º. [...]”. Com a referência 415713466 foi proferido despacho com convite formulado à autora para esta fazer intervir nos autos, ao seu lado, G… a fim de que a decisão pudesse produzir o seu efeito útil normal, nos termos do artigo 33.º, n.º 2 do Código de Processo Civil. A intervenção provocada de quem ainda não era parte na acção teve por fundamento o disposto no n.º 2 do artigo 32.º do Código de Processo Civil, tendo a Sr.ª Juiz dirigido convite à autora para que esta fizesse intervir no processo, ao seu lado, o seu irmão G…, até então terceiro, em contraponto às partes na acção. A autora, na sequência de tal despacho, deduziu incidente de intervenção principal provocada em relação a G…, mas como associado dos réus, ao invés de requerer a intervenção daquele como seu associado, como se determinara no despacho em causa, alegando, para o efeito, entre o mais, que, “...a Requerente é a única Reclamante, Oponente e Impugnante em sede do processo de inventário instaurado por óbito da Mãe, que todos os irmãos sempre estiveram alinhados na administração dos bens dos Pais, beneficiando em proveito próprio, como comprovado já pelas distribuições que fizeram sobre o património da Mãe demente e que os mesmos encerraram ou permitiram que a sua Mãe já demente encerrasse contas, ao mesmo tempo em que comprovadamente ocultam outras, onde existem rendimentos que não podem movimentar sem a assinatura da Requerente, conforme exposto em sede judicial pelo Cabeça de Casal, dá como comprovado que o irmão G… apesar de não figurar na Procuração como administrador com poderes de gestão patrimonial, sempre se posicionou ao lado dos Réus, e contra a Requerente, o que a impede de o habilitar na presente ação ao seu lado, compelindo-a a que o habilite ao lado dos Réus.” Ou seja, a autora invoca incompatibilidade de interesses entre si e o seu irmão G… que, segundo alega, embora desprovido de poderes de gestão patrimonial relativamente aos bens dos pais, sempre esteve alinhado com os restantes irmão, réus na acção, posicionando-se ao lado dos mesmos, contra a Autora, o que, na sua perspectiva é fundamento para compeli-la a habilitá-lo ao lado dos réus, em vez de o associar a si, conforme havia determinado o despacho em causa. Mostrando-se justificada a necessidade de fazer intervir na acção de prestação de contas todos os irmãos, o que significa que o ritual processual exigia ser complementado com a intervenção do irmão G…, no convite dirigido à autora para provocar essa intervenção, não se podia, todavia, impor-lhe a posição que o interveniente deveria ocupar na lide, nomeadamente que o chamamento daquele fosse para intervir a seu lado, isto é, como seu associado. É que a lei faculta a qualquer das partes, no caso de preterição de litisconsórcio necessário, a possibilidade de chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária, o que pressupõe que caberá à parte que efectuar esse chamamento associar a si ou à parte contrária o terceiro interveniente, em função da relação material controvertida desenvolvida entre as partes primitivas, e o posicionamento do interveniente face os interesses por aquelas defendidos. Ora, como dá conta o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.05.2009[14], seguido de muito perto pelo acórdão da Relação de Lisboa de 21.10.2009[15], que, nos aspectos nucleares, o reproduz, “A intervenção principal, espontânea ou provocada, não é, naturalmente, admissível se forem contrapostos os interesses substantivos ou processuais do chamado e da parte ao lado de quem se pretende que intervenha”. E acrescenta o mesmo acórdão: “Como a intervenção principal provocada pressupõe que o chamado e a parte à qual pretende associar-se tenham interesse igual na causa, não é de admitir a intervenção apenas destinada a prevenir a hipótese de a parte primitiva não ser titular do interesse invocado. Por outro lado, a intervenção na lide de alguma pessoa como associado do réu pressupõe um interesse litisconsorcial no âmbito da relação controvertida, cuja medida da sua viabilidade é limitada pela latitude do accionamento operado pelo autor, não podendo intervir quem lhe seja alheio (v. Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 5ª ed., págs. 113 a 118)”. De acordo com o acórdão da Relação de Évora de 3.07.2008[16], “A intervenção principal pretende a participação de terceiros que sejam titulares de uma situação subjectiva própria, paralela à invocada pelo autor ou pelo réu e quer essa situação seja activa quer seja passiva”. Deste modo, se na intervenção principal o terceiro é chamado a ocupar na lide a posição de parte principal, do lado activo ou do lado passivo, assumindo, na primeira hipótese, a posição de co-autor e, na segunda, a posição de co-réu, associando-se, nessa qualidade, à correspondente parte primitiva, fazendo valer um direito próprio, paralelo ao do autor ou do réu, a intervenção de terceiro não pode ser admitida, e, por maioria de razão, não pode ser imposta, quando haja incompatibilidade de interesses, substantivos ou processuais, entre o terceiro interveniente e a parte, autor ou réu, a que seja associado. Alegando a autora - como o fez quando acatou o convite de chamar à lide o seu irmão G…, mas posicionando-o ao lado dos primitivos réus – “...que o irmão G… apesar de não figurar na Procuração como administrador com poderes de gestão patrimonial, sempre se posicionou ao lado dos Réus, e contra a Requerente, o que a impede de o habilitar na presente ação ao seu lado, compelindo-a a que o habilite ao lado dos Réus”, seria solução absurda e inadmissível impor-lhe que aquele seu irmão, até então terceiro na lide processual, passasse a nela figurar como seu associado, ao seu lado, ocupando a posição de co-autor, quando não só não existe paralelismo de interesses, como estes são mesmo antagónicos. Assim, não só estava vedado ao despacho em que foi formulado convite à autora para que esta provocasse a intervenção principal do seu irmão G… definir a posição processual que este devia ocupar na lide, como, perante a justificação adiantada pela autora e em face dos documentos já juntos ao processo, devia ter sido admitido o incidente nos termos deduzidos pela demandante, aceitando-se que fosse o interveniente associado aos réus, não colhendo o argumento sustentado na decisão recorrida de que sempre seria extemporâneo o incidente por esta deduzido. Com efeito, como refere o acórdão da Relação de Guimarães de 15.12.2016[17], “Com a revisão de 1995-1996 o chamamento de terceiro para integração do litisconsórcio necessário passou a ser admitido em face de qualquer decisão que se pronuncie pela ilegitimidade de qualquer das partes por ele não estar em juízo. Ora, se é possível deduzir o incidente de intervenção principal provocada por preterição de litisconsórcio necessário, mesmo depois de ter sido proferido despacho saneador que julgue ilegítima alguma das partes por não estar em juízo determinada pessoa e mesmo depois do trânsito em julgado do despacho que julgue ilegítima alguma das partes e ponha termo ao processo (artº 325º nº 2 do CPC), este artigo tem de ser interpretado no sentido de possibilitar o chamamento após a fase dos articulados e antes ainda da decisão quanto à legitimidade, quando o incidente é deduzido pelo autor (como é o caso) ou pelo reconvinte. A ressalva, no artº 318º, nº 1º, a) do CPC permite esta interpretação que o princípio de economia processual pressupõe (conforme defendem José Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil anotado, 1º volume, Coimbra Editora, 1999, anotação ao artº 269º do CPC, na redacção do DL 180/96, de 25/09, que mantém plena actualidade, pois que o actual artº 261º do CPC reproduz o texto anterior com a mera actualização da remissão). Efectivamente, não faz qualquer sentido que, tendo terminado a fase dos articulados e não tendo ainda sido proferido despacho saneador, a A. tenha que ficar a aguardar que os RR. sejam declarados parte ilegítima, por preterição de litisconsórcio necessário passivo, para deduzir o incidente de intervenção principal provocada do actual dono do veículo (no mesmo sentido se entendeu no acórdão do STJ, de 05.12.2002, proferido no proc.02A2479, acessível em www.dgsi.pt, onde se discutia a possibilidade de dedução do incidente de intervenção principal provocada pela A., chamando à lide a mulher do R., já depois de ter sido proferido saneador, no qual o R. foi julgado parte legítima (desacompanhado da R. mulher) e onde se defendeu ser de admitir o incidente pois que “seria contraditório admitir-se a regularização mesmo depois de transitar em julgado a decisão e não se admitir a intervenção como modo de impedir a declaração de ilegitimidade” no caso, na sentença, por já ter sido proferido despacho saneador (entendeu-se que a declaração genérica de legitimidade no despacho saneador, não impedia que a legitimidade voltasse a ser apreciada)”. Dir-se-á, assim, que não só não é extemporâneo o incidente de intervenção principal provocada deduzido pela autora, como à mesma era consentido associar o interveniente aos réus, existindo, como ela alega, compatibilidade de interesses entre todos os seus irmãos, achando-se os que ela visa tutelar por via da acção proposta em posição conflituante com os do seu irmão G…, que sempre teve um comportamento alinhado com os réus, em desfavor dos interesses da demandante. Consequentemente, não pode ser mantido o despacho recorrido, assim se revogando o mesmo, procedendo, deste modo, a apelação da autora. * Síntese conclusiva:……………………………… ……………………………… ……………………………… * Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação, na procedência da apelação, em revogar a decisão recorrida, devendo ser proferida outra que admita o incidente de intervenção provocada nos termos em que foi deduzido pela autora, determinando-se, em conformidade, os subsequentes trâmites processuais.As custas do recurso serão suportadas pela recorrente, por tirar proveito da decisão, não havendo lugar à sua condenação em custas de parte ou procuradoria por não ter sido apresentada resposta às suas alegações. Acórdão processado informaticamente e revisto pela primeira signatária. Porto, 15.04.2020 Judite Pires Aristides Rodrigues de Almeida Paulo Dias da Silva _____________ [1] Aplicável aos despachos por força do disposto 613.º, n.º 3 do mesmo diploma legal. [2] Cf. Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil anotado”, vol. V, pág. 137. [3] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., pág. 686. [4] Acórdão do STJ, 07.05.2008, processo nº 3380/07, www.dgsi.pt. [5] Alberto dos Reis, ob. cit., vol. V, pág. 141; cf. Antunes Varela, Miguel Bezerra, ob. cit., pág. 690. [6] Anselmo de Castro, ob. cit., pág. 142. [7] “A Acção Declarativa Comum – À Luz do Código do Processo Civil de 2013”, 3ª ed., pág. 333. [8] “Ibid”. [9] Processo n.º 01P3821, www.dgsi.pt. [10] Gama Prazeres, Dos Incidentes da Instância no Actual Código de Processo Civil, pág. 102. [11] Lopes do Rego, Comentário ao Código do Processo Civil, pág. 242. [12] Artigos 311.º e 312.º do Código de Processo Civil. [13] Acórdão da Relação de Guimarães de 10.09.2020, processo 559/20.2T8GMR.G1, www.dgsi.pt. [14] Processo 09B0563, www.dgsi.pt. [15] Processo n.º 229-07.0TTCSC.L1-4, www.dgsi.pt. [16] Processo 3084/07-3, www.dgsi.pt. [17] Processo 21/13.3TBVPA.G1, www.dgsi.pt. |