Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0556400
Nº Convencional: JTRP00038665
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: BENFEITORIA
ACESSÃO INDUSTRIAL
DOAÇÃO
CASA DA MORADA DE FAMÍLIA
REVOGAÇÃO
Nº do Documento: RP200601090556400
Data do Acordão: 01/09/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA.
Área Temática: .
Sumário: I - Tendo a Autora casado, sob o regime supletivo da comunhão de adquiridos, e tendo sido doado ao seu marido, na constância do casamento, pela mãe deste, o direito a uma herança de que era titular, e que integrava um imóvel onde o casal passou a residir até ao divórcio, tem de se considerar que, por via do casamento, a Autora passou a ter uma ligação jurídica ao imóvel, por a lei conferir protecção à casa de morada de família.
II - Tendo a doação sido revogada, após o divórcio da Autora – com a concordância do donatário seu ex-marido – as obras feitas por aquela no prédio, [então em mau estado de conservação] – enquanto a doação produziu efeitos – obras consistentes na colocação de placa de piso do primeiro andar, colocação de placa de tecto e respectivos acabamentos, constituem benfeitorias necessárias, indemnizáveis.
III - Tendo havido inventário, na sequência do divórcio, e sido acordado pelos ex-cônjuges, o valor do reembolso das obras feitas pela Autora, tal valor não se impõe, necessariamente, em ulterior acção em que a benfeitorizante reclama dos actuais donos do imóvel, o valor que lhe coube naquele inventário a título de benfeitorias, sob a invocação de enriquecimento sem causa, que, efectivamente, existe.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

B.........., instaurou, em 11.2.2002, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Vila do Conde – .º Juízo – acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra:

Herança Ilíquida e Indivisa, aberta por óbito de C.........., em que são herdeiros: D.........., E.........., e F.......... e marido G.......... .

Entretanto, por decisão de 17.01.2003, ao abrigo do disposto nos arts. 373º, nº3, e 376º, nº1, al. b) do Código de Processo Civil, foram julgados habilitados (Processo apenso ...-A/2002) – [ficando investidos na posição processual da Ré, por lhes ter sido adjudicado em escritura pública de habilitação e partilha, o prédio identificado nos autos, sendo, agora, os seus actuais proprietários]:

D.........., F.......... e marido G...........

Pedindo que:

a) seja declarado que o prédio, benfeitoria e terreno, é um só, propriedade da Autora, que pagará aos RR. a quantia de € 498,80 - referente ao valor do terreno onde foi implantada a benfeitoria - nos termos do art. 1340º do Código Civil;

b) seja cancelado o registo no nome dos herdeiros da falecida C..........;

Sem prescindir:

c) devem os RR. ser condenados a pagar à Autora a quantia de € 64.344,93 adquirindo assim os RR., a propriedade da benfeitoria.

Alegou que casou com E.........., em 30 de Março de 1971, casamento que foi dissolvido por divórcio, por sentença de 25 de Outubro de 1993, transitada em 29 de Setembro de 1994, proferida pelo Tribunal do Círculo de Vila do Conde.

Por testamento de 09 de Janeiro de 1975, o Réu E.......... foi instituído único e universal herdeiro de H.........., seu tio, o qual faleceu em 14 de Dezembro de 1975.

Por escritura de doação de 19 de Dezembro de 1979, outorgada na Secretaria Notarial de Vila do Conde, C.........., mãe do Réu E.........., declarou doar a este seu filho, e então marido da Autora, o direito à herança de I.........., a qual era casada com H.......... .

Durante o ano 1973, o casal da Autora e a falecida C.......... e ainda, o referido H.........., mandaram demolir o prédio, tendo apenas conservado as paredes exteriores do mesmo.

No mesmo lugar a Autora e marido, mandaram construir um prédio novo, de 2 pisos, com placa de separação de andares e placa de telhado, com paredes duplas, tendo conservado as paredes exteriores.

O prédio consiste numa benfeitoria realizada pela Autora e pelo então seu marido, na convicção de que tal iria integrar o património comum do casal

Em inventário por divórcio, que correu termos pelo Tribunal de Vila do Conde, tal benfeitoria foi adjudicada à Autora pelo valor constante da avaliação, ou seja, pelo valor de 12.900.000$00, tendo a Autora pago ao Réu E.......... 6.457.350$00 de tornas, pelo que por força do referido inventário tais benfeitorias são hoje propriedade da Autora.

À data da conclusão daquelas benfeitorias o prédio, que se encontrava muito degradado, não valia mais de 100.000$00, pois só tinha valor o terreno, pelo que se verifica acessão imobiliária industrial – art. 1340º do Código Civil.

Caso se não entenda a verificação da invocada acessão imobiliária industrial, sendo que a benfeitoria propriedade da Autora foi avaliada no processo de inventário em 12.900.000$00, o terreno onde a mesma está implantada tinha o valor de € 498,80 (100.000$00) à data da realização da benfeitoria, esta não pode ser separada do terreno, constituindo um único prédio, que não é susceptível de fraccionamento.

Pelo que a totalidade do prédio vale € 64.843,73 (13.000.000$00), devem os RR, ser condenados a pagar o valor da benfeitoria à Autora, ou seja, € 64.344,93 (12.900.000$00) ficando eles proprietários da supra referida benfeitoria.

Regularmente citados os Réus contestaram, impugnando os factos alegados e defendendo que o prédio a que se reportam os autos não foi demolido, nem foi construído um prédio novo no lugar daquele e, que as obras de remodelação foram feitas apenas ao nível do 1° andar e realizadas apenas no final da década de 1970, estando já o 2° Réu emigrado na Venezuela.

Ora, no caso “sub judice”, nunca poderá verificar-se um caso de acessão, já que o prédio onde foram realizadas as obras pelo dissolvido casal da Autora manteve a mesma substância.

Caso houvesse o direito a adquirir por acessão imobiliária, esse direito pertenceria ao dissolvido casal da Autora, por ter sido este a realizar as obras. Ora, como à Autora apenas foi adjudicado o direito às benfeitorias, não têm esta sequer legitimidade para invocar esse direito.

O valor atribuído às benfeitorias no processo de inventário é irrelevante para os presentes autos.

Por último referem aceitar a existência de um direito da Autora a indemnização, pelas benfeitorias realizadas no prédio, não aceitando, contudo, que as benfeitorias sejam as que a mesma alega nem concordam com o valor que lhes atribui.

Terminam pugnando pela improcedência da acção.

Replicou a Autora, alegando que as benfeitorias foram avaliadas no processo de inventário por três peritos, não tendo a respectiva avaliação sido posta em causa.

Concluiu como na petição inicial.

Realizou-se audiência preliminar, elaborou-se despacho saneador e procedeu-se à selecção dos factos considerados assentes e dos controvertidos, que passaram a integrar a base instrutória.

Feitas todas as diligências probatórias, realizou-se a audiência de discussão e julgamento.

Finda a produção da prova, o Tribunal respondeu à matéria da base instrutória em conformidade e com a fundamentação constante do despacho de fls. 271 a 275, o qual não foi objecto de qualquer reclamação.
***

Afinal foi proferida sentença que:

Julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência:

a) Condenou os Réus D.........., F.......... e marido G.........., a pagarem à Autora B.........., a quantia de € 4.987,00 – quatro mil novecentos e oitenta e sete euros, referente às despesas efectuadas no prédio para habitação, com a área coberta de setenta metros quadrados e quintal com a área coberta de setenta metros quadrados e quintal com a área de setenta metros quadrados, sito na Rua .........., da freguesia de .........., descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho sob o número vinte e sete mil quatrocentos e noventa e seis, do Livro B – setenta e dois, mas sem registo de transmissão, e inscrito no artigo 201 da matriz urbana respectivas.

b) Absolveu os Réus do demais pedido.
***

Inconformada recorreu a Autora que, alegando, formulou as seguintes conclusões:

Primeira: A distinção entre benfeitorias e acessão pode ser feita mediante a aplicação de um de dois critérios o objectivo e o subjectivo.

Segunda: - o critério a aplicar nestes autos deve ser o subjectivo, segundo o qual só há benfeitoria quando o melhoramento é feito por quem está ligado à coisa por um vinculo jurídico, já a acessão é um fenómeno que vem do exterior, de pessoa que não tem contacto jurídico, de um terceiro não relacionado juridicamente com a coisa, ainda que possa ser um detentor ocasional.

Terceira: - Ás obras em causa nestes autos deve ser aplicado o regime da acessão industrial imobiliária, nos termos dos arts. 216º e 1325º do C. Civil, quer se atenda ao valor do seu hipotético custo, quer ao valor do prédio avaliado á data, já que em qualquer das situações o valor da obra realizada é superior ao valor do prédio onde a mesma foi feita.

Quarta: - Devendo a apelante pagar aos RR. o valor em que foi avaliado o terreno, já que conforme está dado como provado o prédio existente no local onde as obras de reconstrução foram feitas estava em ruína.

Sem prescindir;

Quinta: - caso se entenda por diversa, o que se não concede, sempre o enriquecimento sem causa, deverá ser calculado não pelo hipotético custo da obra, mas sim pelo valor fixado em sede de avaliação quer no inventário para partilha de meação quer nestes autos, valor este de que a Apelante pagou metade ao Réu E.......... .

Sexta: - Os RR. para adquirirem a totalidade da obra feita pela Apelante deverão pagar a totalidade do valor da adjudicação das obras á Recorrente, sob pena de os RR. continuarem a locupletar-se á custa da Ré, já que dela receberam pela meação do Réu E.......... a quantia de 6.450.000$00 (32.172,46 euros).

Sétima: - Devem os RR. ser condenados como litigantes de má-fé em multa e indemnização condigna a favor da Apelante.

Assim se fazendo Justiça.

Os RR. contra-alegaram batendo-se pela confirmação do julgado.
***

Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta a seguinte matéria de facto:

A) A Autora e o Réu E.......... casaram canonicamente a 30 de Março de 1971.

B) O casamento referido em A) foi dissolvido por divórcio por sentença de 25 de Outubro de 1993, transitada em 29 de Setembro de 1994, proferida pelo Tribunal do Circulo de Vila do Conde.

C) Por testamento de 09 de Janeiro de 1975, o Réu E.......... foi instituído único e universal herdeiro de H.........., seu tio.

D) O referido H.......... faleceu em 14 de Dezembro de 1975.

E) Por escritura de doação de 19 de Dezembro de 1979, outorgada na Secretaria Notarial de Vila do Conde, C.........., mãe do Réu E.........., declarou doar a este seu filho, e então marido da Autora, o direito à herança de I.........., a qual era casada com H.......... .

F) Correram termos neste Tribunal, pelo .° Juízo Cível deste Tribunal, uns autos de Inventário com o n° .../1997 para separação de meações do dissolvido casal, B.......... e o aqui Réu E.........., fazendo parte da respectiva relação de bens constituída por:

Benfeitorias

Realizadas pelo extinto casal – antes de 1994 – com início em 1973 – em prédio hoje pertença de C.........., no prédio em ruína, inscrito na matriz urbana da Freguesia de .......... com o art. 201, sito na Rua .........., n°.. .
Verba n°2 – Reconstrução do prédio de habitação, acima referido sito na Rua .........., n°.. freguesia de .......... inscrito na respectiva matriz urbana com o art. 201 o qual tem a seguinte descrição: “Prédio de 2 andares separados por placa de separação de pisos e placa de telhado, tem duas entradas separadas, sendo uma para o rés-do-chão e outra para o primeiro andar, no rés-do-chão tem 2 salas, 2 quartos, cozinha, despensa, casa de banho, garagem e quintal, no 1° andar uma sala, 2 quartos, cozinha, casa de banho dispensa e corredor”.
Verba n°3 – realizada depois de 1994, pela cabeça de casal B.......... – “Obras no 1° andar, reparação das caleiras do prédio, limpeza e reparação do telhado e pintura do prédio”, verbas estas adjudicadas à aqui Autora.

G) No dia 10 de Janeiro de 1996 foi outorgada escritura na Secretaria Notarial de Vila do Conde, pela qual C.......... e E.........., declararam resolver a doação, que a primeira fez ao segundo, do direito à herança de I.........., referida na alínea E).

H) Em 4 de Abril de 1996, na Secretaria Notarial de Vila do Conde, foi efectuada escritura de Habilitações e Partilha por óbito de I.........., casada que era com H.........., da qual consta que o único bem que integra a supra referida herança aberta é o prédio composto de morada de casas, para habitação, com a área coberta de setenta metros quadrados e quintal com a área coberta de setenta metros quadrados e quintal com a área de setenta metros quadrados, sito na Rua .........., da freguesia de .........., descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho sob o número vinte e sete mil quatrocentos e noventa e seis, do Livro B – setenta e dois, mas sem registo de transmissão, e inscrito no artigo 201º da matriz urbana respectiva, com o valor patrimonial 118.874$00 e ao qual atribuíram o mesmo valor.

I) No prédio referido em H), viviam em economia comum o casal da Autora, a sogra (C..........) e filho desta solteiro (D..........) e ainda o pré-falecido H.......... .

J) O prédio referido em H) foi objecto de obras.

K) Durante as obras referidas em J) as pessoas referidas em I) continuaram a residir no dito prédio.

L) O prédio referido em H) estava degradado.

M) Na década de 70 a autora e marido efectuaram no prédio referido em H) as seguintes obras: colocação de placa de piso do primeiro andar, colocação de placa de tecto do primeiro andar, divisórias do primeiro andar, bem como os respectivos acabamentos.

N) O prédio tem a seguinte composição: Prédio de dois andares, separados por placa de separação de pisos e placa de telhado executada com estrutura em madeira, com entradas separadas para o rés-do-chão e 1° andar, no rés-do-chão possui 2 salas, 2 quartos, cozinha, dispensa, casa de banho, garagem, no 1° andar possui l sala, 2 quartos, cozinha dispensa, casa de banho e corredor, e um pequeno quintal.

O) Durante o decorrer das obras referidas, o então casal — Autora e marido – continuaram a residir com a falecida C.......... no rés do chão e, fizeram-no, até anos mais tarde, terem conseguido terminar as obras do 1° andar altura em que, o casal passou a residir neste andar e a falecida C.......... do rés-do-chão.

P) A aqui Autora na convicção de cuidar de bem seu, sempre cuidou, e conservou o prédio referido em H).

Q) Durante o ano de 1994, a Autora mandou reparar as caleiras do prédio.

R) As obras realizadas pela autora e pelo então seu marido foram realizadas na convicção de que o prédio referido em H) iria integrar o património comum do casal;

S) A Autora sempre aqui ignorando que lesava direitos de outrem.

T) A obra realizada no prédio, e o terreno onde aquela está implantada, não podem ser separados constituindo um todo único.

U) O terreno do prédio acima referido tem a área de 140 m2 quadrados, onde 70 metros estão ocupados pela benfeitoria e os restantes 70 metros estão destinados a quintal.

V) As benfeitorias relacionadas sob as verbas nºs 2 e 3 e referidas em F) foram avaliadas no processo de inventário em 12.900.000$00 (64.344,93 euros).

X) As obras realizadas pela autora e marido ascenderam a 4.987,00 euros.

Z) O terreno onde está implantando o prédio tinha o valor de € 1.720,00 (345.000$00), à data da realização das obras referidas.

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões do recorrente que se delimita o objecto do recurso, afora às questões de conhecimento oficioso, importa qualificar a natureza das obras realizadas pela Autora, ou seja, saber se se integram no instituto da acessão industrial imobiliária, se no de benfeitorias, e saber, em caso de se reconhecer à Autora direito emergente da execução de tais obras, qual o valor a considerar ter sido por ela despendido.

Importa, também, saber se os RR. litigaram de má-fé.

A Autora formulou um pedido principal e um pedido subsidiário.

Naquele, pede que se reconheça que adquiriu o direito de propriedade sobre o imóvel em questão, ao abrigo do acessão industrial imobiliária, propondo-se pagar aos RR. o valor do prédio antes das obras (contraditoriamente alude à execução de benfeitorias).

No pedido subsidiário pede a condenação dos RR. a pagaram-lhe o valor de € 64.344,93 “adquirindo assim os RR. a propriedade da benfeitoria”.

De uma maneira simplista poder-se-á afirmar que é usual considerar-se que se está perante benfeitorias se quem realiza obras em coisa alheia tem uma ligação jurídica à coisa (v.g. obras feitas pelo locatário, comodatário, etc.) e perante acessão se tais obras são feitas por um terceiro, sem que, entre ele e o dono da coisa, exista uma relação jurídica.

Daí que a acessão industrial imobiliária seja qualificada como um meio originário de aquisição do direito de propriedade – um direito potestativo – e as benfeitorias apenas e em certos casos – consoante a sua natureza – apenas confiram um direito subjectivo, de crédito, mais concretamente ao seu levantamento em espécie, ou à indemnização por equivalente.

É remota a querela doutrinal e jurisprudencial acerca do critério distintivo – benfeitorias/acessão – cfr. “Código Civil Anotado” dos Professores Pires de Lima e Antunes Varela, III, pág. 162-163, em anotação ao art. 1340º citado.

“A benfeitoria consiste num melhoramento feito por quem está ligado à coisa em consequência de uma relação ou vínculo jurídico, ao passo que a acessão é um fenómeno que vem do exterior, de um estranho, de uma pessoa que não tem contacto jurídico com ela.
São benfeitorias os melhoramentos feitos na coisa pelo proprietário, pelo enfiteuta, pelo possuidor (arts. 1273°- 1275°) pelo locatário (arts. 1046°, 1074° e 1082°), pelo comodatário (art. 1138°) e pelo usufrutuário (art. 1450°); são acessões os melhoramentos feitos por qualquer terceiro, não relacionado juridicamente com a coisa, podendo esse terceiro ser um simples detentor ocasional” – “Código Civil Anotado”, vol. III, 2ª ed., 163.

Defendem estes autores a concepção subjectiva para distinguir os conceitos referidos.

No Ac. do STJ, de 27.5.1999, in CJSTJ, Tomo II, 1999, págs. 125/126, consta de maneira aprofundada, a citação das posições de vários comentadores acerca da distinção entre tais figuras, à luz, quer do critério subjectivo – que é o perfilhado pelos civilistas aí citados – quer, do critério objectivo, adoptado entre outros, por Vaz Serra (como aí se refere, e é sufragado no aresto em apreço).

“O conceito de acessão tem sido definido em confronto com o de benfeitorias, que são “as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa” (artigo 216º, nº1, do Código Civil), e enquanto uns classificam os melhoramentos como benfeitoria ou acessão conforme o seu autor está ou não relacionado juridicamente com a coisa (P. Lima e A. Varela, no “Código Civil Anotado”, em comentário ao citado artigo 1340º, e várias decisões judiciais), outros seguem o critério objectivo e tradicional de haver um simples melhoramento ou antes uma obra inovadora, com alteração da substância da coisa (Revista dos Tribunais, 92º, página 306), e outros ainda seguem esse critério objectivo, como directiva geral, mas que pode ser excluído, “para determinados efeitos e casos”, pelo respectivo regime jurídico ou mesmo por convenção das partes (Vaz Serra, na RLJ 108, página 265).
Entende-se que a última é a solução preferível, em face das noções dadas pelos citados artigos 216º, nº1, e 1325º e do regime legal fixado para certas hipóteses, de tal modo que a mesma obra poderá ser qualificada como acessão ou benfeitoria conforme o regime jurídico que lhe deva ser aplicado.” – Ac. STJ, de 4.4.1995, número convencional JSTJ00027197, no sítio da Internet www.dgsi.pt.

“A directiva geral da distinção entre benfeitorias e a acessão é aquela que se encontra enunciada nos artigos 216º e 1325º do Código Civil (que adopta o critério objectivo da distinção), e segundo a qual a 1ª é uma despesa feita para a conservação ou melhoramento da coisa, enquanto a 2ª supõe a união e incorporação de uma coisa com outra pertencente a proprietário diverso…” – Ac. do S.T.J. de 27.5.1999, in CJSTJ, 1999, II, 123.

O Prof. Manuel Rodrigues, in “A Posse”, pág. 312, distingue as benfeitorias da acessão na medida em que, havendo em ambas a valorização do objecto possuído, “os actos de acessão distinguem-se daquelas, porque alteram a substância do objecto da posse, porque inovam”.

Como se refere no Acórdão da Relação de Évora de 10.11.82, in CJ, Ano de 1982, Tomo V, pág. 264:

“…A aquisição na acessão industrial imobiliária é potestativa pois depende da manifestação de vontade dos seus possíveis beneficiários (dono do terreno ou autor da incorporação) e ainda, normalmente, da efectivação de determinado pagamento.
Nesta perspectiva, até ao exercício da acessão, recaem sobre o prédio duas propriedades separadas, uma do solo, outra da obra nele incorporada”.

Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Vol. III, em anotação ao art. 1340°, pág. 163, escrevem:

“A benfeitoria consiste num melhoramento feito por quem está ligado à coisa, em consequência de uma relação ou vínculo jurídico, ao passo que a acessão é um fenómeno que vem do exterior, de um estranho, de uma pessoa que não tem contacto jurídico com ela”.

Dispõe o art. 216° do Código Civil que:

“Consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa (n°1). As benfeitorias são necessárias, úteis ou voluptuárias (n° 2).
São benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor; voluptuárias as que, não senão indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante” (n° 3).

O art. 1340º do Código Civil consigna:

“1. Se alguém, de boa fé, construir obra em terreno alheio, ou nele fizer sementeira ou plantação, e o valor que as obras, sementeiras ou plantações tiverem trazido à totalidade do prédio for maior do que o valor que este tinha antes, o autor da incorporação adquire a propriedade dele, pagando o valor que o prédio tinha antes das obras, sementeiras ou plantações.
2. Se o valor acrescentado for igual, haverá licitação entre o antigo dono e o autor da incorporação, pela forma estabelecida no nº 2 do artigo 1333º.
3. Se o valor acrescentado for menor, as obras, sementeiras ou plantações pertencem ao dono do terreno, com obrigação de indemnizar o autor delas do valor que tinham ao tempo da incorporação.
4. Entende-se que houve boa fé, se o autor da obra sementeira ou plantação desconhecia que o terreno era alheio, ou se foi autorizada a incorporação pelo dono do terreno.”

São requisitos da acessão industrial imobiliária, a incorporação de obras em terreno alheio, que essas obras tragam à totalidade do prédio um valor superior ao que tinha anteriormente a elas, e que haja boa-fé do incorporante.

A palavra incorporação vertida no art. 1340º, nº1, do Código Civil e o fundamento do preceito – não destruir a obra feita sugerem que, por mor da acessão, deve formar-se um único corpo e que “dela há-de resultar uma ligação material, definitiva e permanente, entre a coisa acrescida e o prédio, que torne impossível a separação, sem alteração de substância da coisa” – Carvalho Martins, “Acessão”, pág. 124.

A boa-fé, nos termos nº4 do citado art. 1340º, pode resultar do facto do incorporante desconhecer que o terreno – ou imóvel por interpretação extensiva – onde construiu era alheio ou, então, advir do facto de as obras terem sido autorizadas pelo dono.

Importa, desde logo, indagar se a Autora tinha uma ligação jurídica ao prédio onde foram feitas as obras, ou se tal ligação inexistia, para à luz de um dos critérios possíveis superarmos a dicotomia “benfeitoria/acessão”.

Ora, como consta dos autos, a Autora foi casada com o Réu E.........., desde 30.3.19971 até 29.9.1994, data em que transitou em julgado a sentença que dissolveu o casamento por divórcio.

Na constância do casamento o seu marido foi instituído único e universal herdeiro de seu tio H.........., por testamento de 9.1.95.

Aquele faleceu em 14.12.1995.

Por sua vez a mãe do E.......... e ex-sogra da Autora, doou ao filho o direito à herança de que era titular por morte da mulher do H.......... .

Dessa herança fazia parte o imóvel – cfr. fls. 120 e verso – e, pese embora, o facto de por via, quer do testamento, quer da doação do direito à herança, o então marido da Autora não se ter tornado dono do imóvel, o certo é que passou a ter uma forte expectativa de que tal poderia vir a suceder, tanto mais que esse imóvel passou a ser morada do casal então formado pela Autora, e pelo marido E.........., com eles vivendo a mãe do E.......... e sogra da Autora – cfr. I) dos factos provados – o que leva à conclusão, por ilação, que, ao menos tacitamente, a doadora consentiu na realização das obras – cfr. O) dos factos provados, já que não é razoável que, continuando a viver ali, ignorasse a existência de obras cuja execução perdurou no tempo.

Ora, tendo o casamento sido celebrado no regime supletivo da comunhão de adquiridos, o direito doado passou a ser bem próprio do cônjuge donatário – art. 1733º, nº1, b) do Código Civil, mas tem de se considerar que, por via do casamento, a Autora passou a ter uma ligação jurídica ao imóvel, já que se tratava de casa de morada de família.

A lei confere protecção jurídica à casa de morada de família, pelo que se tem de considerar que, enquanto a Autora esteve casada e residiu no prédio em questão, tinha uma ligação jurídica ao imóvel onde investiu em obras.

E tanto tinha o casal a expectativa de que o prédio viria a ser propriedade sua, que iniciou obras de vulto, desde 1971 e até 1994, a fazer fé na declaração de bens apresentada no inventário para partilha dos bens após o divórcio – cfr. verba nº2 – e F) dos factos provados.

É certo que, após o divórcio da Autora, em 10.1.1996, a doadora e o donatário seu filho acordaram na revogação da doação, revertendo, assim, o direito doado ao património da doadora, acabando a partilha do imóvel que integrava a sua herança por ser feita entre os herdeiros da doadora, agora RR., conforme documento inserto no apenso de habilitação.

Ora, esta ligação da Autora ao prédio, resolve a, nosso ver, [por perfilharmos o critério subjectivo, para distinguir o que é benfeitoria e o que é acessão], a questão de saber se tais obras constituem acessão – art. 1325º do Código Civil – ou benfeitorias – art. 216º do citado diploma.

Perfilhando o critério seguido pela maioria da jurisprudência e dos doutrinadores, defendido por Pires de Lima e Antunes Varela, no “Código Civil Anotado”, entendemos que as obras levadas a cabo pela Autora foram benfeitorias.

Importa, então, classificá-las à luz do critério legal do art. 216º do Código Civil.

Provou-se que o prédio estava degradado e, durante as obras, as pessoas que aí moravam continuaram a ali residir, pelo que, mesmo tendo a sua execução perdurado por vários anos, o estado do imóvel não seria tão inabitável, caso contrário os residentes teriam de se ausentar dali.

As obras fizeram com o que o imóvel passasse a ter a seguinte descrição física:

“Prédio de dois andares, separados por placa de separação de pisos e placa de telhado executada com estrutura em madeira, com entradas separadas para o rés-do-chão e 1° andar, no rés-do-chão possui 2 salas, 2 quartos, cozinha, despensa, casa de banho, garagem, no 1° andar possui uma sala, 2 quartos, cozinha dispensa, casa de banho e corredor, e um pequeno quintal.

Tal configuração resultou da realização de obras necessárias à consolidação e melhoria do imóvel como resulta da colocação de placa de piso do primeiro andar, colocação de placa de tecto do primeiro andar, divisórias do primeiro andar, bem como os respectivos acabamentos.

Por isso, e para quem perfilhe a concepção objectiva, não se pode considerar que houve alteração orgânica da coisa; era um imóvel destinado a habitação, em mau estado de conservação, e após as obras, continuou a sê-lo, sendo que, inclusivamente, manteve o mesmo artigo matricial.

Tais benfeitorias devem ser consideradas necessárias já que o imóvel estava deteriorado e sem elas continuaria a perder valor e comodidade, não repugnando, contudo, que possam ser consideradas úteis, porque indispensáveis à conservação do local como habitável – o seu destino natural como resulta do processo.

Seja como for, o certo é que tais obras pela sua natureza – colocação de placa do piso e tecto e divisórias – não podem ser levantadas sem detrimento da coisa – o prédio – onde foram “incorporadas” – como é das regras da experiência comum.

Nos termos do art. 1273º do Código Civil:

“1. Tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela.
2. Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculando segundo as regras do enriquecimento sem causa”.

Sendo necessárias ou úteis, o certo é que, “in casu”, a Autora tem direito a ser indemnizada, sendo patente que as benfeitorias não poderiam ser levantadas sem detrimento do prédio, que ruiria, porque seria afectado nas suas partes estruturais.

Essa indemnização deve ser calculada segundo as regras do enriquecimento sem causa [O Professor Menezes Leitão, na recentíssima obra, “O Enriquecimento Sem Causa no Direito Civil – Estudo Dogmático Sobre e a Viabilidade da Configuração Unitária do Instituto, face à Contraposição entre as diferentes categorias de Enriquecimento sem Causa” – Colecção Teses – Almedina – Setembro de 2005 – em hipótese aparentada com a dos autos, configura-a como espécie peculiar, a que apelida de “Enriquecimento por incremento de valor em coisa alheia”. Escreve na pág.798: “O enriquecimento por incremento de valor em coisa alheia tem lugar quando o empobrecido, sem a colaboração ou concordância do enriquecido, efectua, com os seus próprios meios, despesas numa coisa móvel ou imóvel do devedor, com as quais aumenta o valor da coisa e, consequentemente, o património do enriquecido na medida correspondente. Esta categoria de enriquecimento sem causa normalmente ocorre quando alguém aplica dinheiro, trabalho ou materiais numa coisa alheia que se encontra na posse do agente ou que, não se encontrando na sua posse, ele acredita que a coisa lhe pertence […]”], nos termos o normativo citado.

Segundo Pompónio o instituto do enriquecimento sem causa – Digesto 50, 17, 206 – “iure naturae aequum est neminem cum alterius detrimento et iniuria fieri locupletiorem” [por direito natural, é justo que ninguém se enriqueça com prejuízo e ofensa de outrem] – visa evitar que alguém avantaje o seu património à custa de outrem, sem motivo que o justifique.

Do art. 473°, nº1, do Código Civil consagra a cláusula geral de enriquecimento sem causa.
“Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”.

O nº2 do art. 473° integra três situações:

- o que foi indevidamente recebido (condictio indebiti);
- o que foi recebido em virtude de causa que deixou de existir (condictio ob causam finitam);
- o que foi recebido com base em efeito que não se verificou (condictio causa data causa non secuta, também chamada condictio ob rem).

O art. 473°, nº2, é meramente exemplificativo – cfr. Pedro Romano Martinez, “Direito das Obrigações – Programa 2004/2005”, Apontamentos, págs. 60/61.

“O enriquecimento sem causa depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: existência de um enriquecimento; que esse enriquecimento não tenha causa que o justifique; que ele seja obtido à custa do empobrecimento de quem pede a restituição; que a lei não faculte ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído” – Acs. do S.T.J., de 23.4.1998, in BMJ, 476-370 e de 14.5.1996, CJST, 1996, II, 71.

As benfeitorias levantam-se ou indemnizam-se, em virtude do princípio de direito que proíbe o enriquecimento com a despesa alheia.

Dispõe o art. 473º, nº1, do Código Civil:

“A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”.

Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I, pág. 466, escrevem:

“[…] O objecto da obrigação de restituir é determinado em função de dois limites: em primeiro lugar, o beneficiado não é obrigado a restituir todo o objecto da deslocação patrimonial operada (ou o valor correspondente, quando a restituição em espécie não seja possível).
Deve restituir apenas aquilo com que efectivamente se acha enriquecido, podendo haver diferença — e diferença sensível — entre o enriquecimento do beneficiado à data da deslocação patrimonial e o enriquecimento actual […].
[…] O enriquecimento assim delimitado corresponderá à diferença entre a situação real e actual do beneficiado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria, se não fosse a deslocação patrimonial operada […]
[…] Em segundo lugar, o objecto da obrigação de restituir deve compreender “tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido”.
[…] Além do limite baseado no enriquecimento (efectivo e actual), a doutrina corrente tem aludido a um outro limite da obrigação de restituir, que consistiria no empobrecimento do lesado”.

Como se considerou na sentença, e não vislumbramos motivo para discordar, coincidem os valores do enriquecimento dos RR. e do empobrecimento da Autora, devendo atender-se à data da citação para computação do valor, já que outro não foi indicado pela demandante.

Assim, não tem razão a Autora quando sustenta que o valor fixado na sentença, € 4.978,00 - a manter-se - implica enriquecimento injustificado dos RR., considerando que, no processo de inventário, o valor das benfeitorias foi de € 66.344,63 tendo a Autora pago ao seu ex-marido, a título de tornas, a quantia de 6.450.000$00, equivalente € 32.172,46.

Ora, não foi esse o valor que o Tribunal considerou como o valor despendido a título de benfeitorias, mas antes o de € 4.987,00 – cfr. x) dos factos provados.

Por outro lado, e ao invés do que a apelante insinua, o valor indicado como sendo o das benfeitorias, indicado no processo de inventário, não é invocável neste processo, já que os RR. não foram parte no inventário, que apenas opôs a Autora ao seu ex-marido, e, como resulta da acta, a fls. 28/29, tal valor foi obtido por consenso; não houve licitações, tendo as partes acordado, ainda, que as benfeitorias ficavam adjudicadas à cabeça-de-casal, ora apelante.

O ali decidido e acordado entre os interessados, não faz caso julgado no processo de onde promana o recurso, razão pela qual apenas ao valor apurado na acção há que atender.

Quanto à litigância de má-fé.

Não indica a apelante porque considera que a Ré – litigou de maneira a enquadrar tal conceito.

Dispõe o art. 456º do Código de Processo Civil:

“1 – Tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2 – Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
3 – Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má fé.”

As partes, recorrendo a Juízo para defesa dos seus interesses, estão sujeitas ao dever de cooperação, mormente, com o Tribunal, visando a obtenção de decisões conformes à Verdade e ao Direito, sob pena de a protecção jurídica que reclamam não corresponder à realidade, no que muito saem desacreditadas a Justiça e os Tribunais.

Daí que o legislador, no art. 265º, nº1, do Código de Processo Civil, imponha aos magistrados, partes e mandatários o dever de cooperarem com vista à justa composição do litígio.

O art. 266º-A reafirma tal princípio ao aludir ao dever de actuação com boa-fé processual, inerente ao dever de cooperação.

A actuação processual do litigante de boa-fé postula uma actuação verdadeira, uma informação correcta, no tempo e modo processuais ajustados, não se compadecendo com subterfúgios e “meias-verdades”, que mais não visam senão uma egoísta defesa de posições próprias, que prejudicando o opositor, acabam por não conduzir o Tribunal à correcta percepção da realidade e, logo, a correr o risco, induzido, de “decidir mal”.

Uma das condutas em que se exprime a litigância de má-fé consiste na alegação, voluntária e consciente, de factos que seriam relevantes para a decisão da causa, mas que a parte sabe que, ao alegar como alega, desvirtua a realidade por si conhecida, visando, por isso, um objectivo censurável.

Trata-se de litigar com má-fé material.

Como ensina o Conselheiro Rodrigues Bastos, obra citada, Vol. II, 3ª Edição – 2000 – págs.221/222:

“A má fé processual tinha, entre nós, como requisito essencial o dolo, não bastando a culpa, por mais grave que fosse.
A reforma processual de 95/96 mudou esse estado de coisas, considerando reveladora da má fé no litígio tanto o dolo, como a culpa grave, que designa por negligência grave.
A parte tem o dever de não deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; de não alterar a verdade dos factos ou de não omitir factos relevantes para a decisão da causa; de não fazer do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão; de não praticar omissão grave do dever de cooperação, tal como ele resulta do disposto nos arts. 266.° e 266º-A.
Se intencionalmente, ou por falta da diligência exigível a qualquer litigante, a parte violar qualquer desses deveres, a sua conduta fá-lo incorrer em multa, ficando ainda sujeito a uma pretensão indemnizatória destinada a ressarcir a parte contrária dos danos resultantes da má fé.
A doutrina tem classificado a má fé de que trata o preceito em duas variantes: a má fé material e a má fé instrumental, abrangendo a primeira os casos das alíneas a) e b) do nº2, e a segunda, os das alíneas c) e d) do mesmo número”.

Os RR. limitaram-se a defender uma tese contrária à da Autora, na acção, o que de modo algum, exprime litigância de má-fé.

A sua actuação não infringiu, a nosso ver, a violação dos deveres de probidade, cooperação e boa-fé na lide.

Pelo quanto dissemos a sentença não merece censura.

Decisão:

Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela Autora sem prejuízo do apoio judiciário com que litiga.

Porto, 9 de Janeiro de 2006
António José Pinto da Fonseca Ramos
José da Cunha Barbosa
José Augusto Fernandes do Vale