Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
35459/14.0YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: COMPRAS EM GRUPO
PRESCRIÇÃO
PRAZO
QUOTAS DE ADMINISTRAÇÃO
PRESTAÇÕES PERIÓDICAS
Nº do Documento: RP2015091435459/14.0YIPRT.P1
Data do Acordão: 09/14/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – O prazo de prescrição das quotas de administração referidas no n.º 3, do artigo 3.º, do Decreto-Lei n.º 393/87, de 31 de Dezembro (regime jurídico das compras em grupo) e artigo 17.º, n.º 1, al. b), do Decreto-Lei n.º 237/91, de 2 de Julho, é de cinco anos, nos termos previstos no artigo 310.º, alínea g), do Código Civil.
II – No âmbito do mesmo regime legal das compras em grupo, o prazo de prescrição das prestações periódicas de natureza pecuniária constitutivas do fundo comum (equivalentes ao preço do bem ou serviço a atribuir ou a prestar) é de vinte anos, nos termos previstos no artigo 309.º do Código Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Tribunal da Relação do Porto – 5.ª secção.
Recurso de Apelação.
Processo n.º 35459/14.0YIPRT do Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Vila Nova de Gaia – Instância Central – 3.ª Secção Cível – J3.
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Juiz relator – Alberto Augusto Vicente Ruço.
1.º Juiz-adjunto……Joaquim Manuel de Almeida Correia Pinto.
2.º Juiz-adjunto…….Ana Paula Pereira de Amorim.
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Sumário:
I – O prazo de prescrição das quotas de administração referidas no n.º 3, do artigo 3.º, do Decreto-Lei n.º 393/87, de 31 de Dezembro (regime jurídico das compras em grupo) e artigo 17.º, n.º 1, al. b), do Decreto-Lei n.º 237/91, de 2 de Julho, é de cinco anos, nos termos previstos no artigo 310.º, alínea g), do Código Civil.
II – No âmbito do mesmo regime legal das compras em grupo, o prazo de prescrição das prestações periódicas de natureza pecuniária constitutivas do fundo comum (equivalentes ao preço do bem ou serviço a atribuir ou a prestar) é de vinte anos, nos termos previstos no artigo 309.º do Código Civil.
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Recorrente/Réu…………………......B…, com residência em …, Lt…, R/c direito, … ….-… Lisboa.
Recorrida/Autora……………………C…, S.A., com domicílio na Rua …, …, …, ….-… Vila Nova de Gaia.
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I. Relatório
a) A autora C…, S. A., instaurou a presente acção declarativa de condenação contra o autor com o fim de obter a condenação do mesmo a pagar-lhe a quantia de 30 675,48 EUR (capital, cláusula penal e juros), com fundamento num contrato de participação para aquisição de um bem imóvel, em vigor por 150 meses, não tendo o réu pago 147 quotas de administração.
O réu contestou alegando a ineptidão da petição da por falta de causa de pedir, erro na forma de processo e prescrição do crédito em causa, alertando ainda para um erro de cálculo relativamente à cláusula penal.
Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«…decide-se, julgando-se parcialmente procedente o pedido, condenar o Réu a pagar à Autora a quantia de 9678€, acrescido de I.V.A. às taxas legal e sucessivamente vigentes desde a data de vencimento de cada um das quotas de administração acima referidas bem como de juros à taxa definidas pelas Portarias nº 1105/04, de 16/10 (2ª série) e artigo 2.º, da Portaria n.º 277/13, de 26/08 desde a data da citação do Réu até efetivo e integral pagamento».
b) É desta decisão que recorre o réu, tendo formulado estas conclusões:
«I) O Mmo. Juiz “a quo” considerou que não ocorreu falta de causa de pedir, uma vez que no requerimento de injunção havia sido indicado o contrato em causa, com o número, data de celebração e o número de prestações em dívida e que com o aperfeiçoamento da Recorrida a fls. 56 ficou-se a saber quais os meses em dívida.
II) Mais considerou o Mmo Juiz “a quo”, na sentença proferida, que o prazo de prescrição aplicável ao caso concreto é de vinte anos, conforme previsto no artº 309º do Código Civil e não o de cinco anos previsto no artº 310º, alínea g) do C.C. e que o mesmo se encontrava interrompido, nos termos da alínea c) do artº 318º do C.C.
III) Para além do mais, deu o douto Tribunal “a quo” como provado que o Recorrente aderiu a um contrato denominado de “contrato de participação” “(...) com a duração de 150 meses, com a quota de administração de %0,1200 do Fundo de Reserva de %0,020 e %0,065 de seguro, a pagar mensalmente até ao 3º dia útil de cada mês, nos termos constantes do contrato junto a fls. 40 a 42. e que o “o Réu pagou três quotas de administração referentes a Julho, Agosto e Setembro de 1991.”
IV) Tudo conforme consta dos pontos 1 e 3 dos factos provados da douta sentença.
V) Com o devido respeito, não pode o Recorrente concordar com a decisão proferida a respeito das execepções por si invocadas e acima mencionadas, nem com os factos dados como provados pelo Mmo. Juiz “a quo”, designadamente nos pontos 1 e 3, pelas razões que adiante explanaremos.
VI) A Recorrida não refere em que momento se iniciaria o pagamento da primeira mensalidade, nem provou em que data se venceram as restantes mensalidades, elemento indispensável para averiguar da exigibilidade das diversas mensalidades e de eventual prescrição.
VII) Tais elementos eram essenciais para averiguar da exigibilidade de cada uma das mensalidades o que não é assim sequer possível e, de outro modo, para verificar a existência de eventual prescrição, impossibilitando assim a defesa do Recorrente de forma cabal.
VIII) De acordo com a cláusula 1) da Proposta de Adesão (fls. 40 a 42), a Administradora, após a sua recepção enviaria aos proponentes cópia do contrato de Participação devidamente assinado pela gerência, o que não ficou provado ter sido efectuado pela Recorrida.
IX) De acordo com a Cláusula 1) da Proposta de Adesão, dessa comunicação, constaria ainda o valor da 1ª mensalidade e a sua data de pagamento.
X) Pelo que sequer a Recorrida logrou demonstrar que a aceitação da proposta tivesse sido comunicada ao Recorrente.
XI) É assim manifesta a insuficiência (ineptidão) do requerimento de injunção da Recorrida quanto à existência do contrato de participação e, consequentemente, quanto à data de início de pagamento da primeira mensalidade e bem assim, por maioria de razão, das demais mensalidades.
XII) Tornando assim impossível ao Recorrente refutar o pedido e a causa de pedir da Recorrida nos presentes autos, por inexistência de elementos que se afiguram essenciais à defesa do Recorrente.
XIII) Existe assim uma manifesta falta dos elementos da causa de pedir, o que configura uma excepção dilatória que deveria ter tido como consequência o indeferimento liminar da mesma.
XIV) Ao não fazê-lo o Mmo. Juiz “a quo” violou o disposto nos artºs 186º, nºs 1 e 2, alínea a), 576º, nºs 1 e 2 e 577º alínea b) do C.P.C
XV) Igualmente, não se conforma o Recorrente com o indeferimento da excepção da prescrição por si invocada.
VI) Isto porque, o pagamento de cada uma das mensalidades, de acordo com a Claúsula 10) do documento de fls. 40 a 42, deveria ocorrer até ao 3º dia útil do mês em que se realizasse a Assembleia a que aquela respeitasse.
XVII) Ou seja, cada uma das mensalidades apenas seria exigível quando e se realizasse a Assembleia a que a mesma respeitasse, assembleias essas que deveriam ser notificadas ao Recorrente, conforme refere a Cláusula 16) da Proposta de Adesão (fls. 40 a 42).
XVIII) Significa assim que o plano das prestações não se encontrava obrigatoriamente definido mas antes dependente da realização de cada uma das Assembleias, das quais o Recorrente nunca foi notificado.
XIX) Assim, as prestações em causa apenas seriam devidas, ou seja, renovar-se-iam, caso fossem realizadas as respectivas Assembleias a que as mesmas diziam respeito, pelo que as mensalidades constantes do contrato subscrito pelo Recorrente tratavam-se de prestações periodicamente renováveis e não de prestações meramente fraccionadas.
XX) Como tal, deveria o Mmo. Juiz “a quo”, com o devido respeito, ter considerado aplicável ao caso concreto a prescrição de cinco anos prevista na alínea g) do artº 310º do Código Civil, disposição que violou ao não fazê-lo e bem assim violou também os nºs 1 e 3 do artº 576º do C.P.C.
XXI) Ainda que assim não fosse sempre deveria ter o Mmo. Juiz “a quo” ter considerado verificada a prescrição ordinária prevista no artº 309º do C.C., pois, não é aplicável ao caso concreto, com o devido respeito a alínea c) do artº 318º do C.C. pois aquela respeita a situações que se constituam por via legal, ordem judicial ou determinação de terceiro, pois a administração das mensalidades por parte da Recorrida resultaria sempre de negócio jurídico celebrado com o Recorrente, pelo que não se verificou a alegada suspensão da prescrição.
XXII) Assim, ainda que se considerasse que a última mensalidade se venceria a 3 de Dezembro de 2003, o que como já referimos não é sequer possível determinar, a prescrição de cinco anos teria ocorrido em Dezembro de 2008, ou seja muito antes da citação do Recorrente para a injunção, a qual foi instaurada apenas em 2014.
XXIII) Mas ainda que se considerasse aplicável a prescrição de vinte anos e não de cinco, sempre se têm de considerar prescritas as mensalidades, pois não tendo, de acordo com o alegado pela Autora e dado como provado pelo Mmo. Juiz “a quo” que o Recorrente não pagou qualquer umas das mensalidades posteriores à terceira, a partir de 3 de Outubro de 1991, o não pagamento de uma delas implicou o vencimento das restantes, conforme o disposto no artº 781º do Código Civil.
XXIV) Pelo que o prazo de prescrição ter-se-ia de considerar iniciado em Outubro de 1991, ou seja, em momento muito anterior à data da instauração da injunção.
XXV) Não tendo ocorrido qualquer suspensão da prescrição.
XXVI) O douto Tribunal “a quo” deu como provado que o Recorrente aderiu a um contrato denominado de “contrato de participação” “(...) com a duração de 150 meses, com a quota de administração de 0,1200 do Fundo de Reserva de 0,020 e 0,065 de seguro, a pagar mensalmente até ao 3º dia útil de cada mês, nos termos constantes de fls. 40 a 42.”
XXVII) Mais considerou provado o Mmo. Juiz “a quo” que “o Réu pagou três quotas de administração referentes a Julho, Agosto e Setembro de 1991.”
XXVIII) Não pode o Recorrente concordar com a decisão proferida quanto os factos dados como provados pelo Mmo. Juiz “a quo.
XXIX) No que respeita ao ponto 1 dos factos dados como provados deveria o Mmo Juíz “a quo” ter dado ainda como provado que, de acordo com o documento junto a fls. 40 a 42, cada uma das 150 mensalidades, com excepção da primeira, deveriam ser pagas até ao 3º dia útil do mês em que se realizasse a Assembleia a que respeitavam, ou seja, que cada uma das mensalidades apenas seria devida caso se realizasse a respectiva Assembleia, conforme consta da Cláusula 11) da Proposta de Adesão junta a fls. 40 a 42.
XXX) Incumbia à Recorrida a comunicação ao Recorrente, por escrito, do dia, hora e local em que se realizariam as Assembleias, facto de que esta não fez qualquer prova, nem se poderá presumir que as mesmas ocorreram mensalmente, conforme refere o Mmo Juiz “a quo” na fundamentação de direito.
XXXI) De igual modo, não foi feita qualquer prova do pagamento de três quotas de administração pelo Recorrente referentes aos meses de Julho, Agosto e Setembro de 1991, e bem assim que o Recorrente não pagou 147 quotas de administração referentes aos meses de Outubro de 1991 a Dezembro de 2003.
XXXII) A Recorrida não fez qualquer prova, ou prova suficiente que possibilitasse dar como provado o facto 3), sendo que o documento junto pela Recorrida a fls. 56 não passa de uma tabela elaborada a computador, com as alegadas datas de vencimento de cada uma das quotas de administração, o qual não se mostra assinado, datado ou com qualquer reconhecimento por parte do Recorrente no que respeita à sua veracidade.
XXXIII) Acresce que as datas de vencimento das mensalidades nele constantes não respeitam o disposto no contrato subscrito pelo Recorrente e junto aos autos a fls. 40 a 42.
XXXIV) Pelo que nunca o mesmo poderia ter sido valorado pelo Mmo Juiz “a quo” para dar como provado que todas as mensalidades se venceram nos dias 3 de cada um dos meses compreendidos entre Outubro de 1991 e Dezembro de 2003.
XXXV) Não poderia assim o Tribunal “a quo” ter dado como provado que foram pagas três mensalidades e que se encontravam em dívida as restantes 147, motivando a prova deste facto na admissão da Recorrida.
XXXVI) Mas, ainda que assim se não entenda, a presente acção configura um verdadeiro enriquecimento sem causa e abuso de direito por parte da Recorrida.
XXXVII) Conforme esta refere e é demonstrado pelo contrato de Participação junto aos autos a fls. 40 a 42, o mesmo visava, no sistema de compras em grupo, à aquisição de um bem imóvel por parte do Recorrente.
XXXVIII) Sucede que a Recorrente nunca realizou quaisquer assembleias para o sorteio de qualquer bem imóvel nem em momento algum foi entregue tal imóvel ao Recorrente.
XXXIX) Aliás, convém referir que a Recorrida se encontra em processo judicial de liquidação, não se encontrando sequer em condições de atribuir ao Recorrente o imóvel que este visava adquirir com a celebração do contrato de Participação.
XL) Pelo que a pretensão da Recorrida configura ainda um verdadeiro abuso de direito, procurando locupletar-se à conta do Recorrente.
XLI) Face às questões invocadas deve assim ser revogada a douta sentença proferida no que respeita à condenação do Recorrente no pagamento à Recorrida do montante de €9.678,00, acrescido de IVA e juros de mora, sendo substituída por outra que absolva o Recorrente da totalidade do pedido.
Termos em que V. Excias dando provimento ao presente recurso de Apelação, revogando a douta sentença proferida, substituindo-a por outra que absolva o Recorrente da totalidade do pedido farão como sempre BOA JUSTIÇA!».
c) A recorrida (autora) contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão sob recurso.
Finalizou as contra-alegações da seguinte forma:
«A. O recurso ora interposto pelo Recorrente versa sobre a sentença condenatória da aqui Recorrida e proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo, a fls. …, a qual determinou a condenação do aqui Recorrente no pagamento à Recorrida da quantia de 9.678,00€, acrescido de I.V.A. às taxas legal e sucessivamente vigentes desde a data de vencimento de cada uma das quotas de administração acima referidas, correspondentes a 59,86 € por 150 meses; juros à taxa definidas pelas Portarias n.º 1105/04, de 16/10 (2ª série) e artigo 2.º, da Portaria n.º 277/13, de 26/08, desde a citação do Réu até efectivo e integral pagamento.
B. Entende o aqui Recorrente que a tribunal a quo deveria ter decidido pela falta de causa de pedir e, em consequência, ineptidão do requerimento de injunção, bem como prescrição dos créditos peticionados pela Recorrente, entendendo que em causa está uma prescrição de cinco anos ao abrigo do art. 310.º do Código Civil, não sendo de aplicar, em qualquer dos casos, a causa de suspensão prevista no art. 318.º, al. c) do C.P.C.
C. Em primeiro lugar, cumpre salientar que a petição inicial é inepta quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir ao abrigo do art. 186.º do C.P.C.
D. E certo é que a Recorrida concretizou a sua pretensão com o aperfeiçoamento do articulado inicial junto em audiência prévia, referindo e identificando o contrato em questão, a data da celebração, o número de prestações e o valor correspondente à quota de administração mensal a que o Recorrente estaria obrigado.
E. Factos esses que permitiram ao Recorrente, por si só, percepcionar aquilo que se invoca como causa de pedir e exercer o pleno contraditório.
F. Considerando os exemplos dados pelo Recorrente, e sempre com o devido respeito pela posição do mesmo, importa esclarecer que 150 meses correspondem, efectivamente e “matematicamente”, a 12 anos e 6 meses.
G. Mais: Refere ainda o Recorrente que não há precisão do início e terminus do contrato, inexistindo concretização quanto ao momento em que se iniciaria o pagamento da primeira mensalidade.
H. Ora, também aqui, com o devido respeito, este facto é irrelevante na medida em que, tendo o Recorrente pago as três primeiras quotas de administração, estas obviamente não estão em causa.
I. Facto é que o Recorrente não pagou 147 quotas de administração, correspondentes ao período entre Outubro de 1991 e Dezembro de 2003 que teriam de ser pagas até ao 3º dia útil do mês em que se realizar a assembleia a que respeitar (art. 11 do Regulamento a fls. 33) as quais se realizam mensalmente (art. 16.º do mesmo regulamento).
J. Das Alegações ora apresentadas, parece-nos evidente que o Recorrente desconhece, propositadamente, ou talvez não, o teor do Regulamento anexo ao contrato que celebrou com a Recorrida.
K. O qual, relembramos, constitui um meio de prova não impugnado por si.
L. No entanto, sem prejuízo do que se acaba de referir, se efectivamente o Recorrente visse, com a alegada falta ou imprecisão da matéria de facto, o seu direito de defesa limitado, poderia desde logo, i.e., aquando a junção da concretização factual pela aqui Recorrida, ter-se pronunciado pela falta de concretização ou deficiência da petição inicial que agora alega.
M. Dúvidas inexistem que, face ao exposto supra, bem andou o juiz a quo ao considerar que não há lugar à situação de ineptidão da petição inicial, considerando como provados os factos alegados pela aqui Recorrida.
N. Quanto à prescrição, alega que estão em causa prestações periodicamente renováveis e não prestações meramente fraccionadas, razão pela qual entende que deveria o juiz a quo ter considerado aplicável o regime previsto no art. 310º, al. g) do Código Civil.
O. Mas, ainda que assim não fosse, pugna pela não aplicação da causa de suspensão prevista no art. 318.º, al. c) do Código Civil.
P. Mais uma vez entendemos que esteve bem o juiz a quo ao decidir pela aplicação daquela causa de suspensão, considerando que in casu a obrigação do Recorrido não se encontra prescrita.
Q. Desde importa referir que não estamos perante prestações periódicas representativas do correspectivo do gozo de uma coisa alheia, da utilização de um capital ou de outra obrigação cujo objecto se prolongue no tempo ou se renove por períodos consecutivos, como sucede efectivamente nos casos previstos do art. 310º do Código Civil.
R. Estamos, ao invés, perante uma modalidade de pagamento de bens ou serviços, em que inexiste a “autonomia entre a prestação periódica e a relação jurídica unitária de que a prestação deriva” que justifica a analogia a que faz apelo a norma residual.
S. O que significa que as prestações pecuniárias ou mensalidade devidas pelos participantes nos contratos de compras em grupo (e nisto se inclui os respectivos juros e cláusula penal) não estão abrangidas no prazo prescricional de 5 anos, devendo antes ser-lhes aplicável o prazo ordinário de 20 (vinte) anos, estatuído no art. 309º do mesmo diploma legal.
T. Para fins de contagem do prazo prescricional, o mesmo só teria lugar com a liquidação do grupo, ao abrigo do art. 38.º das Portarias n.º 317/88 e 942/92, de 28 de Setembro, liquidação essa que só teria lugar com a assembleia de aprovação das contas finais – o que ainda não aconteceu.
U. A este propósito, realça-se, para o efeito, o disposto no art. 318.º, al. c) do Código Civil, segundo o qual o prazo de prescrição não começa nem corre entre as pessoas cujos bens estejam sujeitos, por lei ou por determinação judicial ou de terceiro, à administração de outrem e aquelas que exercem a administração, até serem aprovadas as contas finais. (sublinhado nosso).
V. Facto é que o dinheiro entregue pelos participantes à administradora passa a ser gerido por esta e as contas finais ainda não foram aprovadas.
W. Não podendo iniciar ou correr o prazo de prescrição enquanto tal situação se mantiver, i. e., enquanto houver uma relação entre administradora e participante e até serem aprovadas as contas finais.
X. Considerando que efectivamente o Recorrente não logrou fazer prova de que as contas finais foram já aprovadas, o prazo de prescrição continua suspenso, não tendo começado nem corrido pelo que não ocorre a alegada prescrição.
Y. Pelo que, salvo melhor entendimento, em matéria de direito, não se vislumbra qualquer sustentação jurídica na posição defendida pelo Recorrente.
Z. Conclui-se, então, que não poderá proceder a interpretação do Recorrente, pelo que deverá manter-se a sentença recorrida nos exactos moldes proferidos.
Nestes termos e nos melhores de direito …».
II. Objecto do recurso
De acordo com a sequência lógica das matérias, cumpre começar pelas questões processuais, prosseguindo depois com as questões relativas à matéria de facto e, por fim, resolvidas estas, com as atinentes ao mérito da causa.
Tendo em consideração que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), as questões colocadas no recurso são as seguintes:
1. A primeira questão consiste em verificar se a petição inicial é inepta por falta de causa de pedir.
2. Em segundo lugar, cumpre analisar a impugnação da matéria de facto quanto aos factos 1 e 3.
3. Em terceiro lugar, se a questão não tiver ficado prejudicada, analisar-se-á a questão relativa ao prazo da prescrição: se é de vinte anos, conforme previsto no artigo 309.º do Código Civil, ou de cinco anos, nos termos previstos no artigo 310.º, alínea g), do mesmo código.
4. Por fim, averiguar-se-á se o prazo de prescrição foi interrompido, nos termos da alínea c) do artigo 318.º do Código Civil.
III. Fundamentação
a) Vejamos se a petição inicial é inepta por falta de causa de pedir.
A resposta é negativa.
Como resulta do artigo 186.º (Ineptidão da petição inicial) do Código de Processo Civil, «1 - É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial.
2 - Diz-se inepta a petição:
a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;
b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;
c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
3 - Se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial.
4 - No caso da alínea c) do n.º 2, a nulidade subsiste, ainda que um dos pedidos fique sem efeito por incompetência do tribunal ou por erro na forma do processo».
Verifica-se que a petição contém uma causa de pedir, ou seja, o contrato que aí é identificado e o respectivo incumprimento por parte do réu.
Verifica-se também que o réu, como se refere no n.º 3 deste artigo, «interpretou convenientemente a petição inicial», pelo que, mesmo que existisse ineptidão, esta seria julgada procedente.
Improcede, pelo exposto, a pretensão do recorrente.
b) Em segundo lugar, cumpre analisar a impugnação da matéria de facto quanto aos factos provados n.º 1 e 3.
A matéria de facto vem impugnada pelo réu sob o argumento de que não há prova nos autos no sentido do contrato em causa ter sido subscrito pela autora.
Com efeito, o réu alega que assinou o contrato, mas que a perfeição do mesmo ficou ainda dependente da aceitação da autora, facto que não se mostra provado nos autos.
Não assiste razão ao réu quanto a esta impugnação.
Com efeito, a autora alegou a existência do contrato entre as partes na petição, nos seguintes termos: «…2. No âmbito da sua actividade comercial, a Requerente celebrou com a Requerida, a 20 -06-1991, o contrato de participação n.º 14037, para aquisição de bem imóvel, tendo a Requerida formalizado o ingresso no grupo 48, como participante n.º 252, nos termos do Regulamento da Requerente e das Condições Particulares do contrato, assumindo a aqui requerente a posição de administradora nesse mesmo contrato.
3. O contrato celebrado entre a Requerente e a Requerida determina a duração do grupo por 150 meses e o pagamento de mensalidades durante a vigência do mesmo».
Verifica-se que o réu não impugnou estes factos, isto é, a existência do contrato entre ambas as partes.
Por conseguinte, a existência do contrato mostra-se admitida por acordo, isto é, provada, nos termos do n.º 2 do artigo 574 do Código de Processo Civil («Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito; a admissão de factos instrumentais pode ser afastada por prova posterior» - n.º 2 do mencionado artigo).
Improcede, pelo exposto, a impugnação da matéria de facto.
c) Matéria de facto provada
1. Entre autora, actualmente em liquidação, e réu foi celebrado em 20 de Junho de 1991 um acordo denominados de «contrato de participação» através do qual este aderiu a um grupo de pessoas que pretendia adquirir um bem imóvel, com a duração de 150 meses, com quota de administração a pagar na percentagem de 0,1200 do Fundo de reserva de 0,020 e 0,065 de seguro, a pagar mensalmente até ao 3.º dia útil de cada mês, nos termos constantes de fls. 40 a 42.
2. O valor a pagar de quota de administração era de 59,85 EUR/mês acrescido de IVA.
3. O réu pagou três quotas de administração referentes a Julho, Agosto e Setembro de 1991.
d) Apreciação das restantes questões objecto do recurso.
1. Vejamos se o prazo da prescrição é de 20 anos, conforme previsto no artigo 309.º do Código Civil, ou de 5 anos, nos termos previstos no artigo 310.º, alínea g), do mesmo código.
O prazo é de 5 anos, pelas seguintes razões:
(I) Vejamos, antes de mais, o tipo de prestação que está em dívida e é exigida pela autora ao réu.
Como resulta do «facto provado n.º 1» a dívida respeita a «quotas de administração», a pagar mensalmente até ao 3.º dia útil de cada mês.
Consultando a legislação em vigor à data da celebração do contrato, portanto o já revogado Decreto-Lei n.º 393/87 de 31 de Dezembro, verifica-se que no n.º 3 do seu artigo 3.º, se alude a esta quota de administração referindo-se o seguinte: «São ainda requisitos fundamentais do sistema de compra em grupo: 1. (…); 2 (…); 3. Que os encargos a recair sobre os participantes a favor da sociedade administradora se limitem a uma quota de inscrição e uma quota de administração, uma e outra determinadas em função do preço do bem ou serviços a atribuir».
O artigo 2.º deste diploma define a compra em grupo como «…sistema pelo qual um conjunto previamente determinado de pessoas, designadas por participantes, constitui um fundo comum, mediante a entrega de prestações periódicas de natureza pecuniária, obrigando-se a sociedade administradora de gerir esse fundo por forma a que cada um dos participantes venha a adquirir os bens ou serviços a que se reportar o contrato».
Temos, pois três tipos de prestações:
(1) prestações periódicas de natureza pecuniária constitutivas de um fundo comum (equivalentes ao preço do bem ou serviço a atribuir ou a prestar);
(2) quota de inscrição (determinada em função do preço do bem ou serviço a atribuir); e
(3) quota de administração (determinada em função do preço do bem ou serviço a atribuir).
Relativamente a estas duas últimas quotas, o n.º 3, do artigo 3.º, do Decreto-Lei n.º 393/87, referia «Que os encargos a recair sobre os participantes a favor da sociedade administradora se limitem a uma quota de inscrição e a uma quota de administração, uma e outra determinadas em função do preço do bem ou serviço a atribuir)».
Verifica-se, por conseguinte, que estas quotas se destinam a custear as despesas de funcionamento da sociedade administradora.
O Decreto-Lei n.º 237/91, de 2 de Julho revogou e substituiu o referido Decreto-Lei n.º 393/87, mas não alterou a noção de compra em grupo, não prevendo, porém, a existência de quota de inscrição e das quotas de administração (cfr. seu artigo 4.º).
No entanto, no «Regulamento Geral de Funcionamento dos Grupos», aprovado pela Portaria n.º 942/92, de 28 de Setembro, que regulamentou o Decreto-Lei n.º 237/91, de 2 de Julho, prevê o pagamento de uma quota de inscrição [cfr. seu artigo 3.º, n.º1, e 17.º, n.º 1, al. a)] e a existência de quotas de administração [cfr. artigo 17.º, n.º 1, al. b)].
Concluindo este ponto, coloca-se em relevo dois pontos:
Primeiro – A prestação exigida ao réu é uma quota de administração e a função desta quota era a de custear as despesas de funcionamento da sociedade administradora.
Segundo – Existiam prestações periódicas de natureza pecuniária constitutivas de um fundo comum cuja função era a de aquisição dos bens referidos no contrato.
(II) Vejamos agora se esta prestação relativa à quota de administração se enquadra nos tipos de prestação cujo prazo de prescrição é de 5 anos.
Nos termos do artigo 310.º (Prescrição de cinco anos) do Código Civil, «Prescrevem no prazo de cinco anos:
a) As anuidades de rendas perpétuas ou vitalícias;
b) As rendas e alugueres devidos pelo locatário, ainda que pagos por uma só vez;
c) Os foros;
d) Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades;
e) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros;
f) As pensões alimentícias vencidas;
g) Quaisquer outras prestações periodicamente renováveis».
O caso dos autos, a inserir-se em alguma das alíneas, inserir-se-á na alínea g), cumprindo verificar se as quotas de administração são «prestações periodicamente renováveis».
Relativamente a esta matéria, os autores PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA referiram que
«Na alínea g) estão compreendidas, entre outros, os créditos por fornecimento de energia eléctrica, água ou aquecimento, por utilização de aparelhos de rádio, televisão ou telefones, ou relativos a prémios de seguros. Não é necessário que as prestações se vençam em dias determinados para que haja analogia (cfr. os juros legais a que acima fizemos referência); mas é necessário que as prestações não importem o pagamento parcial do crédito sujeito à prescrição ordinária. A analogia só existe havendo autonomia entre a prestação periódica e a relação jurídica unitária de que essa prestação deriva» [1].
No que respeita às prestações em geral, estas podem ser instantâneas ou duradouras. As instantâneas são as que se executam de uma vez só e num só momento; as duradouras são as que se cumprem em mais que um momento temporal.
Nas palavras de ANTUNES VARELA,
«Não se confundem com as obrigações duradouras as obrigações fraccionadas ou repartidas. Dizem-se fraccionadas ou repartidas as obrigações cujo cumprimento se protela no tempo, através de sucessivas prestações instantâneas, mas em que o objecto da prestação está previamente fixado, sem dependência da duração da relação contratual (preço pago em prestações; fornecimento de certa quantidade de mercadoria ou de géneros a efectuar em várias partidas).
Nas obrigações duradouras, a prestação devida depende do factor tempo; nas prestações fraccionadas, o tempo não influi na determinação do seu objecto, apenas se relacionando com o modo da sua execução» [2].
No caso dos autos, não há dúvida que não estamos perante uma prestação instantânea.
Nem perante uma prestação definida, mas antes fraccionada para efeitos de cumprimento, como no caso da venda a prestações.
Como referiu o mesmo autor, no âmbito das obrigações duradouras há duas modalidades:
«…umas, as prestações de execução continuada, são aquelas cujo cumprimento se prolonga ininterruptamente no tempo – quotidie et singulis momentis debetur; outras, as prestações reiteradas, periódicas ou com trato sucessivo, são as que se renovam, em prestações singulares sucessivas, por via de regra ao fim de períodos consecutivos» [3].
Um exemplo de obrigação de execução continuada, sem interrupções, é dado pela obrigação do senhorio de assegurar ao inquilino, durante o prazo estabelecido, o uso do prédio arrendado ou, em regra, as obrigações de facto negativas.
As prestações periódicas, nas palavras de INOCÊNCIO GALVÃO TELLES «…resolvem-se em actos sucessivos, com intervalos regulares ou irregulares, como a obrigação do inquilino pagar a rendas ou a do fornecedor de fazer entregas à medida que forem solicitadas» [4].
É este o caso das prestações relativas às quotas de administração.
As prestações relativas às quotas da administração venciam-se todos os meses é certo, mas não eram prestações que existissem continuamente no tempo, segundo a segundo, como é o caso da referida obrigação do senhorio assegurar o uso do prédio arrendado.
Eram prestações que se iam renovando, sucessivamente, à medida que os meses iam decorrendo, com periodicidade, sim, mas descontinuamente no tempo, não se sabendo, à partida, que montante global iriam atingir, as quais se destinavam a financiar os gastos de funcionamento da administração ao longo dos meses.
Conclui-se, por conseguinte, que as prestações relativas às quotas da administração se incluem no conceito de prestações periódicas a que se refere a al. g) do artigo 310.º do Código Civil.
(III) Não foi esta a qualificação seguida na sentença.
Argumenta-se na sentença nos seguintes termos:
«Não se tratam de prestações periódicas representativas do correspetivo do gozo de uma coisa alheia, da utilização de um capital ou de um outra obrigação cujo objeto se prolongue no tempo ou se renove por períodos consecutivos, como sucede no previsto no artigo 310.º, do C. C..
Estamos perante uma modalidade de pagamento de bens ou serviços e não perante prestações periódicas renováveis no sentido contemplado na citada alínea g) do preceito, inexistindo a «autonomia entre a prestação periódica e a relação jurídica unitária de que a prestação deriva» - a prestação não pode servir para pagar o crédito - que justifica a analogia a que faz apelo a norma residual (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, página 281 e Ac. da R. L. de 25/10/2005, www.dgsi.pt que aqui seguimos de perto)».
Alude-se na sentença ao «Ac. da R. L. de 25/10/2005», mas tratar-se-á do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-10-2005 (Alves Velho), em www.dgsi. pt, sob o documento n.º 05A2695 que contém o seguinte texto, na sua parte final, idêntico ao da sentença:
«Não se trata, no caso, de prestações periódicas representativas do correspectivo do gozo de uma coisa alheia, da utilização de um capital ou de um outra obrigação cujo objecto se prolongue no tempo ou se renove por períodos consecutivos, como sucede nos previstos no art. 310º C. Civil.
Estamos, insiste-se, perante uma modalidade de pagamento de bens ou serviços e não perante prestações periódicas renováveis no sentido contemplado na al. g) do preceito, inexistindo a "autonomia entre a prestação periódica e a relação jurídica unitária de que a prestação deriva" que justifica a analogia a que faz apelo a norma residual (P. DE LIMA e A. VARELA, "C. Civil, Anotado", I, 281)».
Verifica-se, com efeito, que neste acórdão se decidiu que «As prestações pecuniárias ou mensalidades devidas pelos participantes em contratos de compras em grupo não são de considerar "prestações periodicamente renováveis" no sentido contemplado na al. g) do art. 310º C. Civil e, consequentemente, incluídas no prazo prescricional de 5 anos referido nesse preceito» (sumário)
Porém, as prestações consideras neste acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, não são prestações relativas às quotas de administração, como no caso destes autos, mas sim prestações relativas às «‘mensalidades’ devidas pelos participantes correspondem basicamente ao valor do bem, repartido por certo número de prestações pecuniárias, a liquidar durante um lapso de tempo fixado no contrato, que, por sua vez, correspondem a um plano de pagamento ou amortização».
O acórdão versou sobre prestações de natureza pecuniária constitutivas do fundo comum (equivalentes ao preço do bem ou serviço a atribuir ou a prestar).
Referiu-se neste acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que a prestação aí considerada se encontra «…pré-fixada, ou seja, é, em si mesma, uma obrigação unitária, encontrando-se apenas fraccionada quanto ao seu cumprimento, de harmonia com o plano de pagamento também previamente acordado», não se tratando, por isso, de prestações periódicas representativas do correspectivo do gozo de uma coisa alheia, da utilização de um capital ou de um outra obrigação cujo objecto se prolongue no tempo ou se renove por períodos consecutivos, como sucede nos previstos no art. 310.º Código Civil.
Verifica-se, por conseguinte, que na sentença se consideraram as prestações pedidas pela autora, indevidamente, como tratando-se de prestações relativas à aquisição do bem ou serviço, equivalentes ao preço do bem ou serviço a atribuir ou a prestar, destinadas, por isso, à constituição do fundo comum.
2. Concluindo-se que as prestações pedidas são prestações periódicas, enquadradas na al. g) do artigo 310.º do Código Civil, sujeitas, por isso, ao prazo de prescrição de 5 anos, então tal prazo já decorreu, há muitos anos.
Com efeito, o contrato, com a duração de 150 meses (12 anos e 6 meses), iniciou-se em 20 de Junho de 1991, terminou em 20 de Dezembro de 2004 e a presente acção foi instaurada em 3 de Junho de 2014.
3. Vejamos, por fim, se o prazo de prescrição se encontra suspenso, nos termos da alínea c) do artigo 318.º do Código Civil.
A autora invocou o disposto na al. c) do artigo 318.º do Código Civil, onde se dispõe que «A prescrição não começa nem corre: «…c) Entre as pessoas cujos bens estejam sujeitos, por lei ou por determinação judicial ou de terceiro, à administração de outrem e aquelas que exercem a administração, até serem aprovadas as contas finais».
Fê-lo no requerimento escrito que juntou aos autos na audiência de 3 de Novembro de 2014.
A resposta é negativa.
As prestações aqui em causa, pedidas ao réu, são quotas de administração e constituem remuneração da administração da sociedade autora, autorizada a exercer a actividade de administração de compras em grupo (D…) – cfr. artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 237/91, de 2 de Julho.
Estas prestações pertencem à sociedade administradora; não são um valor ou um bem pertencente ao réu ou aos membros do grupo; algo, portanto, que fizesse parte do fundo comum.
Este fundo comum é que é liquidado, como diz a autora, nos termos previstos no artigo 38.º da Portaria n.º 942/1992, de 28 de Setembro («Operada a liquidação de cada grupo, será o remanescente do fundo comum, bem como o de quaisquer outros fundos [5], se existentes, distribuídos proporcionalmente pelos participantes, ainda que hajam antecipadamente amortizado a sua posição»).
Por conseguinte, estas quotas não são um bem pertencente ao réu e que a autora administre.
Por outro lado, o contrato entre a autora e o réu terminou em 20 de Dezembro e 2004 e não consta dos factos provados que a autora tenha continuado a administrar bens do réu.
Aliás, nem se sabe pelo teor dos autos se alguma vez a autora administrou bens do réu.
Se a Autora estivesse a administrar algum bem do réu, então sim, justificava-se a suspensão da prescrição enquanto existisse essa relação entre ambas as partes, mas tal relação não se mostra existente, pelo menos desde a data em que terminou o contrato entre as partes.
Não ocorreu, por isso, a invocada suspensão da prescrição.
IV. Decisão
Considerando o exposto, julga-se o recurso procedente e revoga-se a sentença recorrida, absolvendo-se o réu do pedido.
Custas da acção e do recurso pela autora.
*
Porto, 14 de Setembro de 2015
Alberto Ruço
Correia Pinto
Ana Paula Amorim
______________
[1] Código Civil Anotado, Vol. I, 3.ª edição. Coimbra Editora, 1982, pág. 279.
[2] Ibidem, pág. 82/83.
[3] Das Obrigações em Geral, Vol. I, 3.ª edição. Almedina, 1980, pág. 81
[4] Direito das Obrigações, 3.ª edição. Coimbra Editora, 1980, pág. 28.
[5] Na al. b) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 237/91 prevê-se a constituição de outros fundos: «Fundos de grupo – conjunto formado pelo fundo comum e por outros fundos previstos no contrato ou no regulamento interno, constituído por contribuições dos participantes ou por outros recursos a que o grupo tenha direito».