Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
175/14.1T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: AÇÃO DE RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
TRANSACÇÃO
Nº do Documento: RP20150413175/14.1T8PNF.P1
Data do Acordão: 04/13/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: Na ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho a que se reporta a Lei nº 63/2013 de 27.08, proposta pelo Ministério Público, não é passível de homologação a transação em que os alegados contraentes da relação material controvertida acordam em que aquela consubstancia um contrato de prestação de serviços.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 175/14.1T8PNF.P1 Apelação
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 826)
Adjuntos: Des.Rui Penha
Des. Maria José Costa Pinto

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

O Digno Magistrado do Ministério Público intentou a presente ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho contra B…, SA, pedindo que a ação seja julgada procedente, por provada, e por via disso, seja reconhecido que o contrato que a Ré assumiu e mantém com a alegada “trabalhadora” C… em 19.03.2014 é um contrato de trabalho de trabalho por tempo indeterminado.
Arrolou prova testemunhal.

A Ré contestou impugnando aceitando uns factos e impugnando outros, concluindo, pelas razões que invoca, que o vínculo contratual existente consubstancia u contrato de prestação de serviços e não um contrato de trabalho. Sob a epígrafe de defesa por “Excepção”, alega que: a ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho prossegue apenas o interesse privado de que é titular o alegado trabalhador, constituindo a ação em causa violação dos princípios da autonomia privada e liberdade contratual (art. 405º do Cód. Civil) e sendo inconstitucional por violação do princípio do Estado de Direito Democrático, na sua vertente da segurança jurídica e do princípio da confiança, da liberdade de escolha do género de trabalho, da igualdade, do direito de ação e livre desenvolvimento da personalidade, previstos, respetivamente, nos arts. 2º, 47º, nº 1. 13º, 20º, nºs 1 e 4, 26º, nº 1 e 27º, nº 1, da CRP; entendimento contrário, que atribuísse ao MP o poder de promover a presente ação em representação e no interesse próprio ou de terceiro determinaria a incompetência material do Tribunal do Trabalho.
Conclui no sentido da procedência da “exceção inominada de inconstitucionalidade”, declarando-se, consequentemente, extinta a extinção a instância e a ré dela absolvida ou, caso assim se não entenda, no sentido da total improcedência da ação, com a sua absolvição do pedido.
Juntou prova documental e arrolou testemunhas.

Foi proferido despacho saneador, com dispensa da enunciação dos temas da prova, ordenado o cumprimento do art. 186º-l, nº 4, do CPC e designada data para julgamento.

Na audiência de julgamento, e na qual estiveram presentes o MP, a referida C… e a ilustre mandatária da Ré, com procuração com poderes especiais, foi tentada a conciliação das partes, no âmbito do que se exarou em ata o seguinte:
“Em obediência ao disposto no artº 186º-O nº 1 do C.P.Trabalho, pela Mmª. Juíz foi declarada aberta a audiência de partes e tentada a concliação entre as mesmas, tendo pela Ilustre Mandatária da Sociedade B…, SA., munida de poderes especiais para o acto e pela Srª. Enfermeira C… sido dito o seguinte:--------------------------
Que acordam que a relação contratual existente entre ambas se desenvolve desde o início nos seguintes termos:-----------------------
- A Srª. Enfermeira C… faz os turnos que pretende e no período que pretende, comunicando previamente à B…, SA as suas disponibilidades ou indisponibilidades podendo trocar livremente os turnos com outros enfermeiros da B…, SA que também prestam serviços à B…, S.A .-----------------------------------------------------------
- Para efectuar tais trocas não carece de qualquer autorização da B…, SA nem tem que justificar o motivo das mesmas, tendo já feito trocas sem sequer ter avisado a B…, SA.. As trocas são feitas directamente com os enfermeiros.----------------------------------------
- Se não pode comparecer a um turno não tem a obrigação contratual de justificar a ausência.-------------------------------------------
- Por se encontrar a realizar Mestrado com especialidade em medico-cirurgica a Srª. Enfermeira C…, em Outubro de 2014 manifestou à B…, SA a sua indisponibilidade temporária para prestar a sua actividade, não lhe tendo sido, por esse motivo, atribuídos turnos desde aquela data, situação que se mantém actualmente, sendo que lhe voltarão a ser atribuídos turnos a partir do momento em que comunicar a sua disponibilidade para os realizar à B…, SA.---------------------------------------------------------------
- Aufere uma quantia pecuniária valor/hora pelos serviços prestados sendo os valores auferidos mensalmente variáveis e dependentes do número de horas efectivamente prestados, nada recebendo nos meses em que não presta a sua actividade.--------------------------------------------------------------
- Não aufere subsídio de Natal nem de férias.------------------------
- Não está sujeita ao poder disciplinar da B…, SA..--------------------
- Não obedece a ordens da B…, SA tendo que seguir somente as orientações da Direcção Geral de Saúde, exercendo as suas funções com total autonomia.-----------------------------------------------
- Não desempenha a sua actividade em regime de exclusividade com a B…, SA, pois tem um contrato de trabalho com a Escola Secundária …, com um período normal de trabalho de 17 horas semanais e presta também serviços no Hospital Particular … em regime de prestação de serviços.--------------------------------------
10º- O atrás referido verifica-se desde o início da relação contratual entre as partes (19-03-2014), entendendo as partes que a mesma relação configura um contrato de prestação de serviços tal como decorre do contrato celebrado. ---------------------------------
As partes declaram assim estar conciliadas nos termos e para os efeitos do artº 186º-O do C.P.Trabalho porquanto ambas as partes quiseram celebrar um contrato de prestação de serviços e é nesses precisos termos que se desenvolve a relação contratual que mantém, estando portanto de acordo em que a relação contratual em causa não é um contrato de trabalho mas sim um contrato de prestação de serviços e que tal acontece desde o seu início. ------------------------------------------------------------------------------
As partes requerem assim a homologação do presente acordo.----
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De seguida foi dada a palavra ao Digno Magistrado do Ministério público, que no uso da mesma disse o seguinte: ---------------------
O Estado, através de órgão seu, verificou a existência de indícios duma situação de prestação de actividade aparentemente autónoma em condições análogas às do contrato de trabalho relativamente à Trabalhadora C…. e relativamente à Ré.--------------
Consequentemente, no âmbito do quadro normativo contra-ordenacional levantou o respectivo auto e no âmbito do quadro jurídico-civil remeteu esse auto ao Ministério Público para propositura da competente acção.----------------------------------------
O Ministério Público, no âmbito da competência própria e dando expressão a interesses, interesses esses defendidos pelo legislador como interesses públicos, intentou a presente acção.----
A relação material controvertida estabeleceu-se pois entre o Estado e a Ré e, não sendo a Trabalhadora parte dessa relação material controvertida, embora a decisão a afecte ou possa afectar, não tem poder de "per si" dispor como bem entende dessa mesma relação.----------------------------------------------------------------
Daí que se entenda que o Tribunal tem o poder/dever de decidir a pretensão formulada acolhendo-a ou negando-a, pelo que a Trabalhadora carece de legitimidade para por termo ao processo mediante transacção pois é de todo em todo estranha e contrária ao pedido formulado com a aceitação de factos cuja veracidade o Tribunal tem obrigação de averiguar.---------------------------------------
Entende-se que na óptica do legislador a declaração de vontade da Trabalhadora ainda que corresponda ou traduza uma vontade livre e esclarecida ou que seja determinada pela defesa dos seus interesses necessita de ser compatibilizada com interesses públicos.---------------------------------------------------------------------------
Nestes termos, e face ao exposto, manifesta-se oposição à homologação da transacção.------------------------------------------------
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Seguidamente, a Mm.ª Juiz proferiu o seguinte:------------------------
D E S P A C H O
Face à posição do Digno Procurador da República e das demais partes nesta acção a questão que desde logo importa decidir consiste em saber se pode ou não haver transacção no âmbito desta acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, questão tanto mais pertinente quanto é certo que o Digno Procurador se opõe à homologação do acordo alcançado entre a sociedade B…, SA e a Srª. Enfermeira C…, no que respeita a considerarem a relação contratual em causa nestes autos como um contrato de prestação de serviços desde o seu início.-----------
Sendo este tipo de acção intentada pelo Ministério Público coloca-se desde logo a questão de saber em que qualidade age, se em defesa do interesse da "trabalhadora" referenciada nos autos ou/ e se age igualmente no interesse público de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado, em conformidade com o disposto nos artºs. 1º e 3º nº 1 al. p) do Estatuto do Ministério Público aprovado pela Lei Nº47/86 de 15/10, republicado pela Lei 60/98 de 27/8 e alterado pelas Leis 42/2005 de 29/8, 67/2007 de 31/12, 52/2008 de 28/8, 37/2009 e 20/7, 55-A/2010 de 31/12 e 9/2011 de 12/4.
Com efeito, determina o artº 1º do mencionada Estatuto que "o Ministério Público representa o Estado, defende os interesses que a lei determinar, ... defende a legalidade democrática nos termos da Constituição e da Lei" competindo especialmente conforme resulta do artº 3º nº 1, além do mais, "p) exercer as demais funções conferidas por lei".--------------------------------------------------
Ora, conforme aliás é notado no douto acordão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-09-2014 proferido no âmbito do processo Nº 1050/14.5TTLSB.L1/4 disponível em www.dgsi.pt, entre as funções conferidas ao Ministério Público por lei conta-se, nos termos dos artºs. 186º- K e 186º - L do C.P.Trabalho, a propositura desta acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, sempre que a ACT - Autoridade para as Condições de Trabalho lhe participe factos que indiciem que determinada relação sobre a aparência de prestação de serviços ou de trabalho autónomo configura na realidade uma situação análoga ao contrato de trabalho.-------------------------------------------
Consideramos, na linha da posição defendida no já citado acórdão que essa intervenção do Ministério Público faz-se em primeiro lugar em defesa do interesse do próprio "Trabalhador" a que a acção diz respeito e só secundariamente em defesa do interesse público de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado, com a consequente precariedade no emprego.----------------------------------
Apesar de a lei conferir legitimidade processual ao Ministério Público para intentar tal acção, a verdade é que também previu, no artº 186º - O do C.P.Trabalho a obrigatoriedade do Juiz realizar a audiência de partes procurando conciliar "Empregador” e “Trabalhador" quando estes estão presentes ou devidamente representados.------------------------------------------------------------------
Com tal previsão, entendemos que foi intenção do legislador deixar claro para o intérprete que o direito em causa - de ver jurisdicionalmente definida a qualificação jurídica do contrato - é disponível, pois de outro modo não se compreenderia a previsão legal de tal tentativa de conciliação, sendo certo que o que está em causa nesta acção é apenas e tão só o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho, configurando assim uma acção de simples apreciação positiva.------------------------------------
Com efeito, não faria sentido, como se nota no já citado acórdão prever a realização de uma tentativa de conciliação se a única conciliação possível passasse apenas pela confissão, por parte do empregador, da pretensão formulada nos autos.-----------------------
A tentativa de conciliação visa alcançar uma transacção através de cedências recíprocas. É certo que a liberdade das partes em alguns casos está limitada, como no caso do processo especial de acidente de trabalho, mas em tais casos essa limitação tem consagração legal, como é disso exemplo o disposto no artº 12º da Lei Nº 98/2009.-------------------------------------------------------------
Ora, em nenhum dos artigos respeitantes a este tipo de acção - artº 186º-K a 186º - R do C.P.Trabalho encontramos alusão a qualquer limitação.--------------------------------------------------------------
Como tal, sendo um direito disponível, consideramos que nada impede que a pretensa "Empregadora" e pretensa "Trabalhadora" possam transigir nos termos supra expostos.--------------------------
Com efeito não obstante o Ministério Público invocar como um dos fundamentos da oposição a tal transacção, a defesa do interesse público que lhe é conferido, não encontramos na lei razões que imponham que tal interesse deva sobrepor-se à manifestação de vontade livremente manifestada pela Srª. Enfemeira C…, primeira titular do interesse directo na propositura da presente acção.--------------------------------------------------------------
Acresce que, face ao que consta do supra mencionado acordo, consideramos que a manifestação expressa por aquela Srª. Enfermeira é consciente e livre, e nenhum facto ou indício é do conhecimento deste Tribunal que permita concluir que com o referido acordo as partes nele intervenientes visem iludir as disposições previstas na lei aplicáveis ao contrato de trabalho, em prejuízo do interesse e dos direitos da identificada Srª. Enfermeira. --------
Sempre se diga que, embora com o devido respeito por opinião distinta, defender a falta de legitimidade das partes que são as intervenientes na relação contratual em causa, para transigirem no âmbito desta acção, e designadamente a falta de legitimidade da Srª. Enfermeira para efectuar o acordo supra mencionado, sempre esbarraria, no nosso ponto de vista, com os princípios constitucionais do Estado de Direito democrático, na sua vertente do princípio da segurança jurídica e da confiança, da liberdade de escolha do género de trabalho e da igualdade, levando o poder do Estado a intervir e intrometer-se numa relação jurídica estabelecida entre duas pessoas, de natureza absolutamente privada, obrigando-as a celebrar um contrato de trabalho que não querem ou proibindo-as de celebrarem um contrato de prestação de serviços que corresponda à vontade de ambas, entendimento esse que do nosso ponto de vista sempre conduziria a uma interpretação inconstitucional do disposto nos artºs. 186º - K a 186º- R do Código do Processo de Trabalho. --------------------------
Pelo exposto concluímos pela validade, quer quanto ao seu objecto, que não respeita a direitos indisponíveis, quer quanto à qualidade das partes que nele intervieram, do acordo celebrado entre a Srª. C… e a B…, SA. pelo que se procederá à sua homologação.-------------------------------------------------------------------
Assim sendo, julgo válido tal acordo, nos termos do qual as identificadas partes acordaram, tendo em consideração os factos referidos nas cláusulas 1ª a 10ª, que a relação que existe entre a B…, SA. e a Srª. Enfermeira C…, que teve o seu início em 19-03-2014, consubstancia um contrato de prestação de serviços e não um contrato de trabalho, acordo esse válido quer quanto à capacidade das partes nele intervenientes, quer quanto à legalidade do resultado da conciliação, homologando-o ao abrigo do disposto no artº 52º nº 2 do C.P.Trabalho.-------------------------------
Sem custas (cfr. artigo 186º Q, do C.P.Trabalho).---------------------
Fixa-se o valor da acção em € 2.000,00.--------------------------------
Dê cumprimento ao disposto no artº 186º-O nº 9 do C.P.Trabalho.---------------------------------------------------------------------
Registe e Notifique.”

Inconformado, o Ministério Público recorreu, formulando, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
“O legislador, no âmbito da sua liberdade de conformação legislativa, criou ou pretendeu criar um quadro normativo adequado a reforçar mecanismos de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviço.

Instituiu mecanismos através dos quais se pretendeu estancar o fenómeno de dissimular verdadeiras situações de contrato de trabalho com o recurso a figuras contratuais diferentes em que predomina o contrato de prestação de serviços.

Neste tipo de contratos a empresa ou empregadora não paga contribuições à segurança social, não paga seguros, não paga direitos relativos a férias e feriados e para ou com o fim da relação contratual não há lugar a procedimentos e pagamentos e daqui resulta uma poupança de custos potenciadora duma concorrência desleal.

É de louvar a intenção do legislador em punir quem esconde verdadeiros contratos de trabalho sob falsos nomes e daí retira proventos que doutra forma não obteria, como é de louvar a intenção de, tanto quanto possível, ser reposta a situação que existiria caso o contrato não fosse celebrado em fraude à lei.

A ACT verificou a existência de indícios duma prestação de actividade aparentemente autónoma em condições análogas às do contrato de trabalho e consequentemente levantou o respectivo auto, posteriormente remetido ao MºPº que instaurou a acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho criada pela Lei 63/2013.

Ao propor a acção o MºPº age em representação do estado, na defesa dos interesse públicos que cabe ao estado prosseguir, enquanto titular de relações de poder e enquanto ordenador e regulador dos interesses colectivos e daí que tais interesses, na óptica do legislador, devam sobrepor-se, superiorizar-se ou pelo menos compatibilizar-se com os interesses de cada um dos contratantes, ou seja trabalhadora e ré.

Com a propositura da acção a relação material controvertida estabelece-se entre o estado e a ré e não entre a trabalhadora e a ré e ainda que aquela possa ser afectada pela decisão não tem o poder, carece de legitimidade para por termo ao processo em termos estranhos e contrários ao pedido formulado.

Se a vontade da trabalhadora foi estranha à elaboração do auto e foi estranha à instauração da própria acção não é compreensível que tenha o poder e tenha a legitimidade processual para por termo ao processo em termos contrários ao pedido formulado.

Por receio ou conveniência a trabalhadora prefere que o seu contrato seja classificado como contrato de serviços, o que não pode afastar o interesse prevalente de ver definido esse contrato à luz dos princípios que o regulam.

Com o pedido formulado pretende-se fazer corresponder a realidade fáctica à realidade jurídica e caso a relação se desenvolva em termos de ser classificada como contrato de trabalho essa qualificação deve impor-se também à própria trabalhadora, que por ela passa a estar vinculada, o que não significa que seja ou esteja obrigada a exercer os direitos correspondentes à nova qualificação jurídica efectuada.

Exercê-los-á caso seja essa a sua vontade e não será o estado a impor-lhe ou a exigir-lhe que altere os termos da prestação que vem exercendo e que quer e pretende continuar a exercer da mesma forma.

Daí que se nos afigure que da eventual procedência da acção não resulta necessariamente uma intromissão injustificada, abusiva e lesiva dos direitos fundamentais da trabalhadora.

Ante a indefinição ou incerteza jurídica dos termos em que se desenvolve a relação contratual, o tribunal, confrontado com o pedido efectuado, tem o poder dever de averiguar os factos alegados e concluir pela procedência ou improcedência da acção, não tendo a trabalhadora legitimidade para por termo ao processo em termos contrários e estranhos ao pedido.

A decisão recorrida violou por erro de interpretação o disposto no artigo 1249º do C.Civil, artigo 1º da Lei 63/2013 de 17 de Agosto, artigo 15-A da Lei 107/2009 de 14 de Setembro, artigos 52º, 186-K nº 1 e 186º - O nº 1 do CPT e artigo 289 nº 1 do CPC, normativos que devem ser interpretados e aplicados com o sentido e alcance acima referidos.

Nesse termos, V.Excias revogando a decisão recorrida e substituindo-a ou mandando substituí-la por outra que determine o prosseguimento dos autos com a designação de data para a realização do julgamento (…)”.

A Recorrida contra-alegou, tendo formulado, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
“1.ª
A consagração no processo do trabalho da acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho constituiu instrumento para enfrentar a tendência para a fuga ilícita ao Direito do Trabalho, por via da contratação de falsas prestações de serviços.
2.ª
Não se trata, porém, de prosseguir interesse público, de toda a colectividade, mas de conferir a cada putativo trabalhador outro meio para a obtenção da tutela legal que lhe é devida, com eficácia acrescida por efeito de tramitação processual mais célere e do patrocínio pelo Ministério Público.
3.ª
Uma vez iniciada a instância, o interesse protegido em cada acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho é o do sujeito da concreta relação jurídica em apreço, que na forma se apresenta como trabalho autónomo, mas relativamente à qual há indícios de subordinação jurídica.
4.ª
Assim sendo, o titular do interesse processualmente protegido e autor da acção é o putativo trabalhador, cujo contrato de trabalho pretende ver reconhecido.
5.ª
Na acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, o legislador não estatuiu que o Ministério Público actua em representação do Estado, nem que lhe caiba a defesa de interesse público, que não surge identificado.
6.ª
Ao invocar nos autos o interesse público, o Recorrente importa considerações próprias do Direito das condições do trabalho, de reconhecida natureza pública, para o plano do Direito individual do trabalho, em que está em causa a relação jurídica emergente de contrato celebrado entre dois sujeitos de Direito Privado.
7.ª
Porém, os autos esgotam-se no pedido de declaração da existência de vínculo de natureza contratual, pelo que o interesse neles prosseguido só pode ser o de uma ou de ambas as partes do contrato, por serem as únicas cujas situações jurídicas podem (ou não) conhecer mudança por efeito da decisão da causa.
8.ª
O Ministério Público não tem poder para conformar todas as relações jurídicas, designadamente as de natureza privada, com o ordenamento jurídico vigente em cada momento.
9.ª
Justificar a possibilidade de recusa do acordo obtido e homologado nos autos com a “defesa da legalidade”, obriga a que o Ministério Público intervenha em todas as acções judiciais, de qualquer natureza, cuja causa de pedir inclua a infracção de comando legal, pois em qualquer uma delas está em causa a tutela do cumprimento da lei.
10.ª
O entendimento preconizado pelo Recorrente é contrário ao sustentado pelo Tribunal Constitucional no que respeita à relevância da vontade do alegado trabalhador na presente acção e forma como a mesma pode ser manifestada, na medida em que este já afirmou que o que se pretende com o regime legal da acção especial de reconhecimento de contrato de trabalho “é combater a utilização indevida do contrato de prestação de serviços em situações em que, apesar de determinada relação ser formalmente titulada pelas partes como contrato de prestação de serviço, corresponda, substancialmente, a uma situação de trabalho subordinado, à qual deveria, por isso, ser aplicado o regime laboral”, sendo que, “nas situações […] em que uma pessoa não quer estar sujeita a nenhuma relação de subordinação jurídica ou em que está vinculada a uma relação jurídica de um específico tipo contratual que não lhe permite ter uma ou outra relação jurídica de natureza laboral, não se verifica um caso de utilização indevida do contrato de prestação de serviço, visto que nenhuma das partes (e, concretamente, quem presta a outrem determinada actividade remunerada) pretende que a relação jurídica em causa esteja sujeita ao regime laboral” (acórdão n.º 94/2015, de 3 de Fevereiro, p. 25).
11.ª
Prossegue o Tribunal Constitucional no sentido de que, “nessas situações, o referido regime contém suficientes garantias de esta vontade do trabalhador poder ser expressa nos autos e levada em conta, de modo a que tal situação não seja tratada como sendo um caso de trabalho subordinado”, dando como exemplo o artigo 186.º-O do Código de Processo do Trabalho relativo à realização de audiência de partes entre os alegados empregador e trabalhador para sustentar que o regime “garante a intervenção nos autos, quer do trabalhador, quer da entidade empregadora, sendo facultada ao trabalhador a oportunidade processual de tomar posição quanto às circunstâncias concretas em que desenvolve a sua actividade, podendo, além do mais, invocar que se pretendeu vincular num regime que não o do contrato de trabalho (designadamente por não querer estar sujeito a nenhuma relação de subordinação jurídica ou por estar vinculado a uma relação jurídica de um específico tipo contratual que não lhe permite ter outra relação jurídica de natureza laboral)” (cfr. p. 26 do referido acórdão).
12.ª
O reconhecimento ao Ministério Público de direito autónomo de acção e prosseguimento da mesma, alheio e contrário aos interesses privados que estão na origem da celebração do contrato sujeito a qualificação, infringiria, pois, os valores da autonomia privada e da liberdade contratual, acolhidos no artigo 405.º do Código Civil e, bem assim, os princípios da liberdade de escolha do género de trabalho e do direito de acção, previstos, respectivamente, nos artigos 47.º/1 e 20.º/1 e 4 da Constituição da República.
13.ª
Sendo de simples apreciação positiva e, por isso, limitando-se à declaração da existência ou inexistência de direito ou facto jurídico, a acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho justifica-se apenas quando há interesse específico em clarificar ou esclarecer determinada situação jurídica.
14.ª
Quando os titulares da relação jurídica estão de acordo quanto à configuração desta, não há questão a clarificar ou esclarecer, nem há outros interesses a satisfazer em processo judicial cujo pedido se limita à declaração da natureza do vínculo estabelecido.
15.ª
A declaração da existência de contrato de trabalho só pode socorrer-se da presunção prevista no artigo 12.º do Código do Trabalho se o processo correspondente visar a protecção do interesse individual do putativo trabalhador e este nele ocupar a posição de autor, o que constitui razão adicional para concluir pela incompatibilidade entre o interesse público ou do Estado-Colectividade e a forma de processo sob a qual tramitam os presentes autos.
16.ª
Ao preconizar que na conciliação realizada nos autos, “a trabalhadora não tem o poder, carece de legitimidade para pôr termo ao processo em termos estranhos e contrários ao pedido formulado”, o Recorrente rejeita a relevância de qualquer manifestação de vontade contrária a determinada configuração do vínculo contratual, seja do putativo trabalhador, seja do alegado empregador.
17.ª
Do que decorre a possibilidade de haver contrato (in casu, de trabalho) sem vontade de nenhum dos contraentes, em acção judicial cujos efeitos respeitam apenas àqueles e se limitam à declaração da existência de vínculo entre eles.
18.ª
De acordo com o artigo 186.º-O/1 do Código do Processo do Trabalho, a conciliação faz-se entre empregador e trabalhador, em audiência de partes, sem referência alguma ao Ministério Público, cuja intervenção na diligência se limita à representação do autor, no respeito pela vontade deste.
19.ª
Como em processo comum e nos processos especiais, assim como nos procedimentos cautelares e na legislação subsidiária do processo do trabalho, a conciliação pode resultar na desistência do pedido, na confissão deste ou em transacção.
20.ª
Pelo que o entendimento do Recorrente, ao não reconhecer outro desfecho da conciliação que não seja a aceitação da pretensão formulada na petição inicial, não respeita o sentido do texto legislativo, tal como verbalmente expresso, é incoerente com as soluções previstas pelo sistema jurídico para situações semelhantes e conduz a resultados distintos para pretensões iguais, sem justificação adequada.
21.ª
O que constituiria violação dos princípios constitucionais da igualdade e do direito a processo equitativo, previstos respectivamente nos artigos 13.º/1 e 20.º/4 da Constituição da República.
22.ª
Ao homologar o acordo firmado nos autos e, consequentemente, ao absolver a Apelada do pedido, o Tribunal a quo decidiu conforme o Direito, decisão que deve manter-se.
Nestes termos, deve ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida (…)”.

Aberta vista ao Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto junto desta Relação, o mesmo não emitiu parecer dado haverem a ação e o recurso sido, respetivamente, intentada e interposto pelo Ministério Público.

Deu-se cumprimento ao disposto no art. 657º, nº 2, 1ª parte, do CPC/2013.
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II. Matéria de facto assente

Tem-se como assente a tramitação que consta do relatório precedente.
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III. Do Direito

1. Nos termos do disposto nos arts 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º nº 2 al. a) do CPT (redação do DL 295/2009), as conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o objeto do recurso, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
Assim, a única questão a apreciar consiste em saber se o Mmº Juiz a quo não poderia ter homologado o “acordo” celebrado entre a Ré e a alegada “trabalhadora”, C….

2. A questão não é nova e já foi apreciada por esta Relação, designadamente, nos Acórdãos de 17.12.2014, proferidos nos Processos 309/14.6TTGDM.P1 e 1083/14.1TTPNF.P1 (1), ambos in www.dgsi.pt, bem como nos Acórdãos de 09.02.2015, proferido no Processo 1082/14.3TTPNF.P1(2) e de 23.02.2015 e 23.03.2015, proferidos no Processos 846/14.2TTPRT.P1 e 645/14.1T8MTS.P1(3), em que, em todos eles, era demandada a ora Ré.

2.1. No Acórdão de 17.12.2014, proferido no Processo 309/14.6TTGDM.P1referiu-se o seguinte, que se passa a transcrever [omitimos as notas de rodapé]:
«A Lei nº 63/2013, de 27 de Agosto veio «instituir mecanismos de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado» [artigo 1º], procedendo, ainda, à primeira alteração à Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, e à quarta alteração ao Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro, ou seja, veio combater os chamados falsos recibos verdes.
Esta Lei teve a sua origem na iniciativa legislativa de um grupo de cidadãos apelidada de “Lei contra a precaridade”, de 16 de Janeiro de 2012.
(…)
Vincamos que a Lei n.º 63/2013, de 27 de Agosto, tem como finalidade intensificar o combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado. Para o êxito de tal finalidade a lei concebeu dois mecanismos:
a) Reforçou a competência inspectiva da Autoridade para as Condições do Trabalho; e
b) Criou uma acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.
Relativamente ao primeiro desses mecanismos – reforço da competência inspectiva da ACT – alterou-se o artigo 2º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, aditando-se o nº 3 e criou-se o artigo 15º-A.
(…)
Destes normativos resulta que sempre que a ACT, no âmbito das suas competências, detectar uma situação de prestação de actividade, aparentemente autónoma [ou seja, prestação de serviço], que indicie características de contrato de trabalho, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho, deve lavrar um auto e notificar o empregador para, no prazo de 10 dias, regularizar a situação, mediante a apresentação do contrato de trabalho ou de documento comprovativo da existência do mesmo, reportada à data do início da relação laboral, ou, então, se pronunciar dizendo o que tiver por conveniente.
Caso o empregador faça prova, no prazo de 10 dias que lhe foi concedido para o efeito, da regularização da situação do trabalhador [designadamente mediante a apresentação do contrato de trabalho ou de documento comprovativo da existência do mesmo, reportada à data do início da relação laboral], o procedimento é imediatamente arquivado.
Caso contrário, e decorrido o aludido prazo de dez dias, a ACT remete, em cinco dias, participação dos factos para os serviços do Ministério Público da área de residência do trabalhador, acompanhada de todos os elementos de prova recolhidos, para fins de instauração de acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.
A ACT apenas deve dar início ao procedimento previsto no artigo 15º-A nos casos em que detecte uma situação de prestação de actividade, aparentemente autónoma [ou seja, prestação de serviço], que indicie características de contrato de trabalho, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho.
Trata-se de uma presunção de laboralidade que advém da existência de pelo menos duas das características elencadas em tal normativo. Daí a expressão “se verifiquem algumas das seguintes características”. Não basta a existência de uma característica, têm de verificar-se pelo menos duas delas.
Assim, e caso o inspector do trabalho, numa das suas visitas inspectivas, constate a existência de, pelo menos, duas das características acima enunciadas, deve lavrar o respectivo auto e proceder de acordo com o já aludido, uma vez que existem indícios de se estar perante uma relação laboral e não de mera prestação de serviços.
Esta é uma fase administrativa da competência da ACT. E tanto assim é, que o Ministério Público, por força do disposto no nº 2 do artigo 186º-K do Código de Processo de Trabalho, caso tenha conhecimento, por qualquer meio, da existência de uma situação de prestação de serviços que indicie a existência de prestação de trabalho subordinado, deve comunicá-la à ACT, no prazo de 20 dias, para que esta instaure o procedimento previsto no artigo 15º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro.
Acrescentamos ainda que nada impede, que o empregador, que não tenha feito a prova da regularização da situação, nomeadamente, não tenha feito a apresentação do contrato de trabalho ou de documento comprovativo da existência do mesmo, reportada à data do início da relação laboral, no prazo que lhe foi concedido pela ACT, [não] faça essa mesma prova ou apresentação na fase judicial. E mais diremos, que caso essa prova tenha sido feita ainda na fase administrativa, mas já depois do decurso do prazo de 10 dias que foi concedido pela ACT, não deve o Ministério Público instaurar a acção especial de acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, porque inútil. Se o objectivo da acção é o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho, seria de todo descabido intentar algo que já está reconhecido.
Já no que diz respeito ao prazo de cinco dias que a ACT dispõe para remeter a participação ao Ministério Público, no caso de o empregador não ter feito prova da regularização da situação do trabalhador, não se trata de um prazo peremptório, cujo incumprimento tornaria nulos os actos praticados após o seu termo (cfr. artigo 139º, nº 3 do CPC). Na verdade, este prazo, assim como outros, por exemplo, o prazo a que alude o artigo 24º da mesma Lei, é um prazo meramente aceleratório e disciplinador, cujo incumprimento apenas pode levar a eventual responsabilidade disciplinar para os funcionários[1].
Já quanto ao prazo de 20 dias que o Ministério Público dispõe para intentar a acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, a que alude o nº 1 do artigo 186º-K do Código de Processo do Trabalho, parece-nos que não é tão liquida a sua qualificação como prazo meramente aceleratório, ordenador ou disciplinador[2]. No entanto, tendemos a considerar que também estamos perante um prazo meramente aceleratório, até porque só assim faz sentido o nº 6 do artigo 26º do Código de Processo do Trabalho, ao prescrever que na acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, a instância inicia-se com o recebimento da participação.
No que concerne ao segundo dos mecanismos criou-se uma nova acção: a acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, cujos trâmites estão previstos nos artigos 186º-K a 186º-R, todos do Código de Processo do Trabalho.
Como vimos, nesta acção a instância inicia-se com o recebimento da participação prevista no nº 3 do artigo 15º-A da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro (aditado pela Lei nº 107/2009, de 27 de Agosto), dispondo o Ministério Público, após essa recepção, do prazo de 20 dias para instaurar a respectiva acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho. É assim uma ação de natureza oficiosa.
Esta acção tem natureza urgente – artigo 26º, nº 1, alínea e) do Código de Processo do Trabalho.
De forma breve vamos descrever os trâmites desta acção:
Na petição inicial, o Ministério Público expõe sucintamente a pretensão e os respectivos fundamentos, devendo juntar toda a documentação recolhida até ao momento (artigo 186º-L, nº 1 CPT).
O empregador é citado para no prazo de 10 dias para apresentar a contestação (artigo 186º-L, nº 2 CPT).
Quer a petição inicial, quer a contestação, não carecem de forma articulada, devendo ser apresentados em duplicado (artigo 186º-L, nº 3 CPT).
Se o empregador não contestar, é proferida, no prazo de 10 dias, decisão condenatória, a não ser que ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias ou que o pedido seja manifestamente improcedente (artigo 186º-M do CPT).
Se a acção tiver de prosseguir, é marcada data para audiência de julgamento, que se realizará dentro de 30 dias (artigo 186º-N, nº 2 do CPT).
O trabalhador é notificado da petição inicial e da contestação (duplicados), bem como da data da audiência de julgamento, com a expressa advertência de que pode, no prazo de 10 dias, aderir aos factos apresentados pelo Ministério Público, apresentar articulado próprio e constituir mandatário (artigo 186º-L, nº 3 do CPT).
Na data designada para o julgamento e, caso, o empregador e o trabalhador estejam presentes ou representados, é realizada a audiência de partes com intuitos conciliatórios (artigo 186º-O, nº 1 do CPT).
Frustrada a conciliação, inicia-se imediatamente o julgamento, produzindo-se as provas que ao caso couberem (artigo 186º-O, nº 2 do CPT), as quais são oferecidas na audiência, podendo cada parte apresentar até três testemunhas (artigo 186º-N, nº 3 do CPT).
O carácter urgente desta acção está ainda espelhada no facto de não ser aplicável o disposto nos nºs 1 a 3 do artigo 151º do Código de Processo Civil (marcação do julgamento com prévio acordo dos mandatários), nem ser motivo de adiamento a falta, ainda que justificada, de qualquer das partes ou seus mandatários (artigos 186º-N, nº 2 e 186º-O, nº 3, ambos do CPT).
Finda a produção de prova, pode cada um dos mandatários fazer uma breve alegação oral (artigo 186º-O, nº 6 do CPT).
A sentença, sucintamente fundamentada, é logo ditada para a acta, devendo, no caso de reconhecer a existência de um contrato de trabalho, fixar a data de início da relação laboral, a qual é comunicada à ACT e ao Instituto da Segurança Social, I.P. (artigo 186º-O, nºs 7, 8 e 9 do CPT).
É sempre admissível recurso de apelação para a Relação, cujo terá efeito meramente devolutivo (artigo 186º-P do CPT).
O juiz deve a final fixar o valor da causa, tendo em conta a utilidade económica do pedido e, caso tenha sido interposto recurso antes desse momento, deve tal valor ser fixado no despacho que admita o recurso (artigo 186º-Q, nºs 2 e 3 do CPT).
O trabalhador apenas será responsabilizado pelo pagamento das custas se tiver apresentado articulado próprio e se houver decaimento (artigo 186º-Q, nº 3 do CPT).
Por fim, não deixa de ser importante salientar que os prazos previstos no nº 1 do artigo 337º (prescrição dos créditos emergentes de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação) e no nº 2 do artigo 387º (prazo de 60 dias que o trabalhador dispor para se opor ao despedimento), ambos do Código do Trabalho, contam-se a partir da decisão final transitada em julgado (artigo 186º-R do CPT).
Saltemos agora para a resolução da questão que nos é trazida pelo presente recurso (…).
A solução desta questão depende da forma como interpretamos as normas e a finalidade que está consagrada na Lei nº 63/2013, 27 de Agosto.
Não restam quaisquer dúvidas que da leitura dos vários preceitos legais insertos na aludida lei resulta que a finalidade primordial consagrada pelo legislador foi «instituir mecanismos de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado» [artigo 1º], ou seja, combater os chamados falsos recibos verdes.
Utilização indevida essa que há muito mina as relações laborais e tem ajudado de forma significativa a que vivamos num mundo onde a precaridade do trabalho predomina e assim, se estabelecendo, desigualdades sociais. Na verdade, os falsos recibos verdes que encobrem a existência de um contrato de trabalho, criam instabilidade no emprego, diminuem as garantias dos trabalhadores (que a qualquer altura podem ser «despedidos», não têm direito a férias, nem aos subsídios de férias e de Natal, nem horário), apenas o trabalhador contribui para a Segurança Social, inexiste qualquer proteção na doença, tem de ser o trabalhador a suportar os pagamentos dos prémios de seguro por acidentes de trabalho, criam, ainda, uma concorrência desleal em relação às empresas cumpridoras da lei. São um verdadeiro flagelo social.
O combate a este flagelo social é de interesse público[3]. Assim, quando na acção de reconhecimento de existência de contrato de trabalho se determina o reconhecimento de uma relação laboral de uma determinada entidade empregadora com um trabalhador concreto, está-se, além de proteger a situação deste trabalhador, a proteger essencialmente um interesse público, um interesse social em ver-se consagrada uma sociedade justa e em que o cumprimento da lei faz com que não tenhamos de ser todos penalizados pelo incumprimento de alguns[4].
Combata-se na essência a fraude à lei plasmada na ocultação de contratos de trabalho, demovendo a precaridade.
A Lei nº 63/2013, de 27 de Agosto consagra, assim, no seu âmago uma política de combate ao trabalho dissimulado e à precaridade na sua veste de falsos recibos verdes. Combate esse de interesse público e geral, razão pela qual o legislador, numa primeira fase administrativa, incumbiu a ACT, que, caso, no âmbito das suas competências, detecte uma situação de prestação de actividade, aparentemente autónoma, que indicie características de contrato de trabalho, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho, lavre um auto e notifique o empregador para, no prazo de 10 dias, regularizar a situação, e, criou, já numa segunda fase, após essa intervenção da ACT, uma acção própria, de instauração oficiosa pelo Ministério Público.
Esta instauração da acção por parte do Ministério Público é independente quer da vontade do empregador, quer da vontade do trabalhador, entrando este em palco já numa fase adiantada da acção. Assim independentemente da vontade ou consentimento do trabalhador o Ministério Público terá de instaurar a acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho – o que demostra desde logo que o Ministério é parte principal, tem legitimidade activa, não representando, nem patrocinando o trabalhador. Este apenas tem intervenção na acção já após a apresentação dos articulados pelo Ministério Público e pelo empregador, com a notificação da data de julgamento e simultaneamente com a advertência expressa de que pode, no prazo de 10 dias, aderir aos factos apresentados pelo Ministério Público, apresentar articulado próprio e constituir mandatário (artigo 186º-L, nº 4 do CPT). E se não intervier nesta qualidade o trabalhador tem um papel duplo de testemunha e “parte de facto”. Testemunha porque não vemos outra qualidade processual em que ele possa intervir, caso não venha a aderir aos factos apresentados pelo Ministério Público, não apresente articulado próprio e não constituía mandatário. E “parte de facto” porque, não tendo a verdadeira veste de parte, seja principal ou acessória, se estiver presente ou se fizer representar na audiência de partes, além de testemunha, porque tem um interesse no desfecho da causa, tem participação activa na tentativa de conciliação presidida pelo Juiz (artigo 186º-O, nº 1 do CPT).
Resulta assim de forma inequívoca que o Ministério Público não patrocina o trabalhador nesta acção. Aliás, dificilmente se compreenderia que o patrocinador instaurasse uma acção sem a vontade e o consentimento do patrocinado, o qual não é tido nem achado sobre a instauração da acção e dos respectivos fundamentos. O chamamento num momento posterior do trabalhador à acção mais não é o reconhecimento por parte do legislador de que, além do interesse público que está subjacente à lei, existe também um interesse particular da pessoa afectada com a situação. E se de forma conciliatória puderem evitar o julgamento trazendo à ribalta a legalidade antes omitida nada impede que esse acordo seja homologado, pois ambos os interesses defendidos pela lei estão salvaguardados.
O Ministério Público só patrocinaria o trabalhador se o interesse principal tutelado fosse (ou fosse só) o do trabalhador, o que, como já vimos, não é. Assim, não há lugar ao chamamento da alínea a) do artigo 7º do CPT, nem a constituição de mandatário por parte do trabalhador, tem a implicação prevista no artigo 9º. Mesmo nesta situação (constituição de mandatário), o Ministério Público mantem a sua veste de parte principal.
E tanto não é o interesse do trabalhador o primordialmente tutelado que esta acção não permite discutir outras questões conexas com o reconhecimento da existência de contrato de trabalho, tais como, a petição de créditos salariais advenientes desse mesmo reconhecimento. Nesta situação o trabalhador terá de intentar acção própria.
Segundo o artigo 219º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa «[a]o Ministério Público compete representar o Estado e defender os interesses que a lei determinar (…)». Princípio este densificado nos artigos 1º e 3 do Estatuto do Ministério Público (EMP) e harmonizado pelo artigo 3º da Lei nº 62/2013 de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário).
Se o artigo 3º do EMP estabelece a competência do Ministério Público, o seu artigo 5º adjectiva a intervenção, principal e acessória, estatuindo o nº 1 que o Ministério Público tem intervenção principal nos processos quando representa o Estado [alínea a)] e nos demais casos em que a lei lhe atribua competência para intervir nessa qualidade [alínea g)].
A legitimidade do Ministério Público – como parte activa - para instaurar a acção especial de reconhecimento de existência de contrato de trabalho, resulta, assim, da própria Lei n.º 63/2013, de 27 de Agosto, do artigo 291º, nº 1 da CRP e do seu Estatuto Legal [artigos 1º, e 3º, alíneas a) e l)], que lhe dão competência própria, e tem como pressuposto a existência de um interesse público determinado – o combate à precaridade laboral fruto dos chamados falsos recibos verdes. Interesse público assente, assim, no reconhecimento por parte do Estado de uma sociedade justa e equilibrada. Mais do que um interesse do Estado, do trabalhador, está o interesse geral da comunidade, ou seja, um interesse público relevante.
É verdade que a Lei n.º 63/2013, de 27 de Agosto, não é um exemplo da arte de bem legislar, suscitando imensas dúvidas e questões. Todavia, resulta da apreciação global do mesmo diploma e da sua finalidade, que o Ministério Público nesta acção tem uma legitimidade activa, tem intervenção principal, ou seja, figura como Autor. Esta legitimidade activa que lhe é conferida pelo artigo 186º-K, nº 1 do CPT (aditado pela dita Lei nº 63/2013) e artigo 5º, nº 1, alínea g) do EMP, mais não é do que um aditamento de uma acção em que essa legitimidade activa está prevista no artigo 5º-A do CPT[5]. E tanto assim é, que é a única entidade que pode instaurar a acção de reconhecimento de contrato de trabalho, estando o trabalhador impedido de o fazer. Este, caso queira ter iniciativa na instauração da acção e no reconhecimento da sua qualidade como trabalhador, terá de instaurar uma acção de processo comum (artigo 51º e ss. do CPT).
Já quanto ao trabalhador, além do que já dissemos quanto à sua qualidade de testemunha e “parte de facto”, face ao estatuído no artigo 186º-L, nº 4 do CPT, parece-nos que a figura jurídica, para qualificar a sua posição processual na acção, que melhor se enquadra no panorama da lei, será, como defendem Viriato Reis e Diogo Ravara[6], a de assistente (artigos 326º e ss. do CPC). E, nesse caso, como é óbvio, não pode o trabalhador defender ou ter uma posição processual conflituante com aquela que é defendida pela parte principal, no caso o Ministério Público e o efeito de caso julgado só o afecta se intervier no processo (nessa qualidade) - artigos 327º, nº 1, 328º, nºs 1 e 2, 331º e 332º, todos do CPC.
E a posição do trabalhador é tão secundária nesta acção, dispensando-se a sua opinião e vontade, que a acção, além de instaurada, como já vimos, sem a sua vontade ou acordo, também pode terminar sem sequer ele ter tido qualquer intervenção processual. É que, de acordo com o disposto no artigo 186º-M, se o empregador não contestar, o juiz profere decisão condenatória. Aliás, como pode terminar a qualquer altura do processo (ou até na fase administrativa e/ou pré-judicial), mesmo sem a vontade do trabalhador, caso a ré reconheça ou confesse a existência de um contrato de trabalho. Mesmo que o trabalhador se oponha a este reconhecimento ou confissão, não vislumbramos que processualmente esta oposição seja relevante.
É por isso que entendemos que o trabalhador não tem legitimidade para desistir do pedido ou pura e simplesmente acordar, à revelia do Ministério Público, com o empregador que a relação estabelecida entre eles constitui um contrato de prestação de serviços e não de trabalho.
Se o empregador e o trabalhador são livres de negociar à luz do artigo 405º, nº 1 do Código Civil, espelhando-se essa liberdade na escolha da forma e modo de prestação da «actividade laboral», a mesma (liberdade) esgota-se na livre qualificação do contrato celebrado. O que queremos dizer com isso é que, se, dentro dos limites da lei, as partes são livres de negociar, na qualificação jurídica desse negócio, não podem impor ao mundo jurídico uma qualificação que não está de acordo com os parâmetros reais e legais. Assim, não é pelo facto de ambas as partes dizerem que o contrato é um contrato de prestação de serviços que faz com que o mesmo na realidade o seja. Se a realidade concreta, ou seja, se a actividade desenvolvida pelo trabalhador, apreciada à luz de estritos critérios legais, corresponde a um contrato de trabalho e não ao que as partes dizem corresponder, não se pode à luz da liberdade contratual ou do princípio da autonomia privada, aceitar essa qualificação das partes. Passar-se-ia por cima da legalidade e da defesa do interesse público, que está além do mero interesse privado.
Não está aqui em causa qualquer atropelo ou limite à liberdade contratual, ao princípio da autonomia privada, mas somente um acerto jurídico da qualificação das partes que não correspondem à realidade dos factos. As partes são livres de escolher o modelo contratual regulador da sua relação profissional, mas não podem é adulterar as normas legais e pretender que, independentemente da realidade fáctica, essa regulação corresponda a um determinado contrato, que na realidade o não é. As partes foram e são livres de contratar, têm é de se submeter às regras legais. A liberdade contratual e a autonomia privada não podem estar à margem do ordenamento jurídico, já que é este que as reconhece e protege. É no ordenamento jurídico que o contrato se vai refletir e ter repercussões. Este é um dos limites à liberdade contratual e à autonomia privada.
Como é salientado no acórdão da Relação de Coimbra de 11/02/2014[7] «a teoria contratual contemporânea já não se funda apenas nos princípios liberais (autonomia privada, força obrigatória, relatividade dos efeitos), segundo uma concepção tradicional, falando-se hoje de novos princípios, chamados “princípios sociais contratuais” (princípio da função social do contrato, da boa fé objectiva, da justiça contratual), com o objectivo de adequar os contratos aos valores ético-jurídicos vigentes, com a chamada “socialização do direito civil”. Daqui decorre o entendimento de que o contrato não pode ser mais concebido pelo primado individualista da utilidade para os contraentes, mas no sentido da utilidade para a comunidade e a necessidade de o perspectivar no seu contexto social vinculante, com implicações não apenas quanto à conformação do objecto negocial, mas também quanto à sua interpretação/integração, servindo ainda de parâmetro para o controlo judicial».
Na autonomia privada existem duas valorações jurídicas e normativas diferentes: uma correspondente à valoração pelo legislador acerca do comportamento das partes e outra anterior que as partes fazem os seus próprios interesses[8]. Autonomia privada que não se confunde com autonomia de vontade. E o que a empregadora e a trabalhadora «acordaram» é expressão da autonomia de vontade e não tanto da autonomia privada. É essa autonomia de vontade que tem de ser valorada pelo tribunal quando aquelas acordam estar-se, no caso concreto, perante um contrato de prestação de serviços e saber se está na disponibilidade das mesmas, face aos interesses em causa protegidos pela lei, fazer tal qualificação de forma discricionária.
A lei está cheia de incongruências[9] [10], é verdade.
Assim, ao estatuir no nº 1 do artigo 186º-O do CPT que «[s]e o empregador e o trabalhador estiverem presentes ou representados, o juiz realiza a audiência de partes, procurando conciliá-los», parece excluir dessa conciliação o Ministério Público, dispensando a sua opinião. Mas, tal não é defensável. Não só porque o Ministério Público é parte e, portanto, tem de ser ouvido e tomar posição, como teria sempre legitimidade para intervir na defesa da legalidade. E a defesa da legalidade, do interesse público e até do trabalhador, não é manter viva, nem deixar correr, uma situação jurídica contrária aos imperativos legais[11].
Isso não implica, que o decurso da acção, nomeadamente, o julgamento, não possa levar à conclusão, após produção da prova, que no caso não se está perante uma utilização indevida de contrato de prestação de serviços, e, como tal, a acção terá de improceder.
Estamos assim de acordo com o que escrevem Viriato Reis e Diogo Ravara[12], que «estando em causa interesses de ordem pública na ARECT, afigura-se que da conciliação prevista no art.º 186.º-O do CPT, apenas pode resultar um acordo de “estrita legalidade”, à semelhança do que sucede no processo emergente de acidente de trabalho, não podendo relevar a eventual manifestação de vontade das partes contrária aos indícios de subordinação jurídica e, por isso, à verificação da presunção de laboralidade que motivaram a participação dos factos feita ao Ministério Público pela ACT e integram a causa de pedir invocada na petição inicial da acção.
Sendo os factos de que se dispõe na acção até esse momento da tramitação processual os mesmos que a ACT havia apurado, enquanto indícios da subordinação jurídica, aquando da elaboração do auto previsto no n.º 1, do art.º 15.º-A, do RPCLSS, a conciliação a realizar no processo judicial apenas pode ter como objetivo a “regularização da situação do trabalhador” que o empregador podia ter efetuado antes de a participação ter sido remetida pela ACT ao Ministério Público.
Nesta perspectiva, o Ministério Público deverá manifestar a sua oposição a um eventual acordo entre o trabalhador e o empregador que passe pela recusa da aceitação da existência de uma relação de trabalho subordinado e, por sua vez, o juiz não poderá dar como verificada a legalidade de um acordo celebrado nesses termos (cfr. o disposto no art.º 52.º, n.º 2, do CPT).».
Por outro lado, ficando o procedimento contraordenacional suspenso até ao trânsito em julgado da decisão (cfr. artigo 15º-A, nº 4 do CT), num caso em que haja desistência do pedido por parte do trabalhador, ou o reconhecimento pelas partes de que se está perante um contrato de prestação de serviço, o prosseguimento daquele procedimento contraordenacional pode levar a um final em que se reconheça que o contrato em causa é afinal de trabalho.
No caso em apreço, o Mº Juiz a quo aberta a audiência de partes e na procura da conciliação das partes, ao abrigo do nº 1 do artigo 186º-O, proferiu o seguinte despacho:
“Atento o acordo firmado entre a Sra. Enfermeira C… e a Ré de que o contrato em causa nos autos consubstancia um contrato de prestação de serviços e não um contrato de trabalho e por entender que a matéria não tem natureza de direito indisponível, homologo o acordo alcançado e consequentemente absolvo a Ré "B…, S.A." do pedido.
Sem custas dado não ter sido apresentado articulado próprio pela enfermeira C… - artigo 186º-Q, n.º 4 do Código de Processo de Trabalho.
Comunique à A.C.T..”
Acontece que, pelas razões acima enunciadas, entendemos que o acordo (se acordo se pode chamar ao que se passou na audiência de partes) não deveria ter sido homologado pelo Mº Juiz a quo, na medida em que o mesmo é ilegal, já que tem por base uma manifestação de vontade das partes contrária aos fins visados e protegidos pela Lei nº 63/2013, de 27 de Agosto, conforme lhe é imposto pelo nº 2 do artigo 52º do CPT, ao obrigar à certificação da legalidade do resultado da conciliação.»

2.2. Por sua vez, no Acórdão de 09.02.2014 [Proc. 1082/14.3TTPNF.P1], após a transcrição, em termos similares, do Acórdão acima transcrito, referiu-se o seguinte:
“Estas considerações, produzidas numa acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho instaurada pelo Ministério Público precisamente contra a ora ré B…, SA., e relativamente a um contrato pela mesma firmado com uma sra. enfermeira comunicadora, têm inteira aplicação ao presente caso, não se vendo razões ponderosas para deixar de aderir à posição que reflectem e para decidir de modo diverso situações materiais equivalentes e verificadas no mesmo contexto empresarial.
E, sendo assim, não se anui ao que foi vertido nas contra-alegações de recurso no sentido de que o entendimento do Ministério Público, ao não reconhecer outro desfecho da conciliação que não seja a aceitação da pretensão formulada na petição inicial, não respeita o sentido do texto legislativo, ou que é incoerente com as soluções previstas pelo sistema jurídico para situações semelhantes e conduz a resultados distintos para pretensões iguais, sem justificação adequada.
Deve apenas acrescentar-se que não se vislumbra que o reconhecimento ao Ministério Público de um direito autónomo de acção alheio aos interesses privados que estão na origem da celebração do contrato, infrinja os valores da autonomia privada e da liberdade contratual, acolhidos no artigo 405.º do Código Civil e, bem assim, os princípios da liberdade de escolha do género de trabalho e do direito de acção, previstos, respectivamente, nos artigos 47.º/1 e 20.º/1 e 4 da Constituição da República, nem que a circunstância de não reconhecer outro desfecho da conciliação que não seja a aceitação da pretensão formulada na petição inicial, viole os princípios constitucionais da igualdade e do direito a processo equitativo, previstos respectivamente nos artigos 13.º/1 e 20.º/4 da Constituição da República (conclusões 10.ª, 18.ª e 19.ª das contra-alegações).
O facto de se considerar prevalecente o interesse de ver judicialmente averiguada e qualificada a verdadeira natureza do contrato firmado à luz das regras que regulam os diferentes tipos contratuais – in casu a natureza de contrato de trabalho ou de contrato de prestação de serviço – fazendo corresponder o nomen iuris do convénio à real caracterização das relações negociais efectivamente estabelecidas entre as partes, com o inerente reconhecimento ao Ministério Público de um direito autónomo de acção, não afronta a autonomia privada e a liberdade contratual acolhidas no artigo 405.º do Código Civil pois que a acção é de simples apreciação positiva, limitando-se a qualificar o contrato livremente celebrado e executado, não interferindo com os seus contornos fácticos.
E não interfere, também, com a liberdade de escolha de género de trabalho previsto no artigo 47.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa. A instauração e prossecução da acção sob o impulso do Ministério Público não contende com a dinâmica das relações contratuais efectivamente estabelecidas, que podem continuar a desenvolver-se nos exactos termos em que anteriormente se desenvolviam, persistindo o “género de trabalho” livremente escolhido, cabendo apenas ao juiz, dentro da sua liberdade de qualificação jurídica, caracterizar juridicamente aquele “género de trabalho” escolhido e efectivamente desempenhado, conferindo-lhe um nomen face às regras legais que disciplinam os dois tipos de convénio.
O mesmo se deve dizer quanto ao direito de acção consagrado no artigo 20.º da mesma Lei Fundamental. O reconhecimento ao Ministério Público de um direito autónomo de acção para ver judicialmente declarado qual a natureza do contrato (artigos 186.º-K e ss. do Código de Processo do Trabalho) não implica que, caso o juiz venha na decisão final a concluir que o convénio em causa configura um contrato de trabalho – o que constitui apenas uma das hipóteses possíveis de desfecho da acção –, o trabalhador seja obrigado a fazer valer perante o empregador quaisquer direitos inerentes à qualificação jurídica efectuada. Quer persista no entendimento de que é diversa a qualificação, quer adira à nova qualificação, nada impõe ao trabalhador que faça valer perante o empregador direitos de natureza laboral.
Quanto aos princípios constitucionais da igualdade e do direito a processo equitativo, que a recorrida entende serem violados caso se não admita a possibilidade de transacção nos termos em que a mesma foi feita nesta acção, também a não a podemos acompanhar.
Desde logo, e como é pacífico, as exigências do princípio da igualdade reconduzem-se, no fundo, à proibição do arbítrio, não impedindo em absoluto, toda e qualquer diferenciação de tratamento, mas apenas as diferenciações materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou justificação objectiva e racional. Como escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira “[a] proibição do arbítrio constitui um limite externo da liberdade de conformação ou de decisão dos poderes públicos, servindo o princípio da igualdade como princípio negativo de controlo: nem aquilo que é fundamentalmente igual deve ser tratado arbitrariamente como desigual, nem aquilo que é essencialmente desigual deve ser tratado arbitrariamente tratado como igual. Nesta perspectiva, o princípio da igualdade exige positivamente um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes. Porém, a vinculação jurídico-material do legislador ao princípio da igualdade não elimina a liberdade de conformação legislativa, pois a ele pertence, dentro dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão-de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente. Só quando os limites externos da «discricionariedade legislativa» são violados, isto é, quando a medida legislativa não tem adequado suporte material, é que existe uma «infracção» do princípio da igualdade enquanto proibição do arbítrio”(4).
Ora, procedendo à comparação entre a defendida impossibilidade de haver uma transacção, desistência ou confissão nesta acção especial que acarrete o reconhecimento de que a relação contratual em causa é um contrato de prestação de serviço e os termos em que é admissível a realização de uma transacção, desistência ou confissão numa acção comum em que se igualmente se coloque uma questão da qualificação contratual, encontra-se justificação objectiva e racional para tal diferenciação.
Desde logo, a diferenciação não é total, pois que não há uma absoluta liberdade de transigir na acção comum (onde há que atender, designadamente, aos direitos de natureza indisponível).
Mas, essencialmente, a ratio e a estrutura desta acção especial (que resulta das considerações expressas no aresto que se transcreveu parcialmente) denota que os interesses a prosseguir na mesma não são rigorosamente os mesmos que estão presentes numa acção comum instaurada pelo trabalhador contra o empregador. Nesta última estão apenas em causa interesses privados entre dois sujeitos de direito privado (apesar de previsto o patrocínio dos trabalhadores pelo Ministério Público nas acções comuns), ao invés do que sucede na primeira em que, além do interesse privado do concreto trabalhador, estão em causa os interesses públicos já acima identificados cuja defesa a lei cometeu ao Ministério Público.
Não se mostra, pois, violado o artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.
Quanto ao direito ao processo equitativo, também se não vê que, com a não admissão da transacção efectuada e prosseguindo a acção para apuramento dos factos efectivamente sucedidos – com observância do contraditório e com vista à prolação de uma decisão final fundamentada e orientada para a justiça material –, seja o mesmo posto em causa(5).
E, por isso, entendemos também não se mostrar violado o artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.
*
Em suma, sem prejuízo de se virem a apurar na audiência de julgamento os factos em que agora acordaram a demandada e a prestadora de actividade, ou outros que indiciem uma vinculação autónoma, cabe revogar a decisão sob censura e determinar o prosseguimento dos autos para julgamento.» [fim de transcrição].

2.3. E, no nosso acórdão de 23.03.2015, Proc. 645/14.1T8MTS.P1, referimos o seguinte que se passa a transcrever:
«(…)
De todo o modo, sempre se dirá que o interesse público subjacente à instituição desta ação especial passa não apenas pela tutela do interesse do trabalhador, pelo combate à precariedade e pela tutela de uma sã concorrência, mas também pela salvaguarda dos interesses do Estado em matéria fiscal e de segurança social, como decorre do art. 12º, nº 2, do CT/2009, nos termos do qual “constitui contra-ordenação muito grave imputável ao empregador a prestação de actividade, por forma aparentemente autónoma, em condições características de contrato de trabalho, que possa causar prejuízo ao trabalhador ou ao Estado.” [sublinhado nosso].
O prejuízo do Estado a que se reporta a mencionada norma não é outro que não o associado a matéria fiscal e de contribuições para a Segurança Social que possam decorrer de uma verdadeira relação de trabalho subordinado “camuflada” em outro tipo contratual. Naturalmente que, como já referido, a sentença que venha a ser proferida neste tipo de ação não tem natureza condenatória, muito menos naquelas matérias. Mas define o tipo contratual que vincula ou vinculou as partes.
Diga-se que esse interesse público é acentuado no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 94/2015, de 03-02-2015 (Proc. n.º 822/2014,disponível em www.tribunalconstitucional.pt), em que se refere que «[e]ste recurso indevido à figura da prestação de serviços em situação de existência de uma verdadeira relação de trabalho subordinado tem diversas implicações negativas laterais, entre as quais, o prejuízo que as mesmas acarretam para a sustentabilidade dos sistemas de pensões em face da entrada tardia dos jovens no mercado de trabalho propriamente dito e pela menor entrada de contribuições que o trabalho dissimulado (e também o trabalho não declarado) representam, para além de implicar uma concorrência desleal entre empresas (sobre esta matéria e, em geral, sobre o regime da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, cfr. Pedro Petrucci de Freitas, Da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho: breves comentário, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 73 - Vol. IV - Out./Dez -2013, pp. 1423 e ss.).”.
Por outro lado, o prosseguimento da ação também não é destituído de utilidade em matéria contraordenacional, sendo que na economia da Lei 63/2013 a definição do tipo contratual constitui um pressuposto do prosseguimento, ou não, do processo de contraordenação. Com efeito, e como decorre do art. 15º-A, nº 4, da Lei 107/2009, de 14.09, aditado pelo art. 4º da Lei 63/2013, a ação especial por esta instituída suspende até ao trânsito em julgado da decisão que nela venha a ser proferida o procedimento contraordenacional. (…)». [fim de transcrição].

3. O caso ora em apreço nos presentes autos é, em tudo, similar aos demais a que se reportam os acórdãos transcritos, arestos estes com os quais estamos de acordo, não se vendo igualmente razões ponderosas que levem a diferente entendimento(6), designadamente o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 94/2015, de 03.02.2015, proferido no Processo 822/2014, in www.tribunalconstitucional.pt., de que a Recorrida transcreve um excerto em abono da sua tese.
Com efeito, e desde logo, neste se decidiu “não julgar inconstitucionais as normas do art. 26º, nº 1, al. i), e 6, e dos arts. 186º-K a 186-R, todos do Código de Processo de Trabalho”, acórdão esse que apreciou da questão, nele suscitada, da alegada violação do princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição, na sua vertente do princípio da segurança jurídica e do princípio da confiança, do princípio da liberdade de escolha do género de trabalho, consagrado no artigo 47.º, n.º 1 da Constituição, e do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição, concluindo no sentido da não violação de tais nomas e princípios constitucionais.

Por outro lado, o entendimento por nós preconizado não colide, a nosso ver, com as considerações tecidas no mencionado aresto do Tribunal Constitucional 94/2015, de 03.02, citadas pela Recorrida, na parte em que aprecia da alegada violação do princípio da «liberdade de escolha do género de trabalho».
É certo que, aí, nele se diz que:
<< Como salientam Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada, I, 2.ª ed., Coimbra, 2010, pág. 967) «não obstante o artigo 47.º, n.º 1, só se referir ao direito de escolha livre da profissão ou do género de trabalho, a escolha, que toca a questão do se uma profissão é assumida, continuada ou abandonada (realização de substância), pressupõe o exercício, que se refere à questão do como (realização da modalidade), da mesma maneira que a segunda de nada valeria sem a primeira».
E ainda segundo estes autores (Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª Edição, p. 965-966), numa dimensão positiva, a liberdade de escolha de profissão compreende diversas pretensões específicas, entre as quais «o direito de escolher o regime de trabalho – o trabalho independente, o trabalho subordinado por conta de qualquer empresa, a função pública ou trabalho subordinado por conta do Estado ou de outra entidade pública e a própria iniciativa económica (artigo 61.º), esta na medida em que a iniciativa ou a gestão de uma atividade empresarial (provada, cooperativa ou autogestionária) pressupõe, além de outras, uma escolha do género ou tipo de trabalho».
Conforme decorre da respetiva fundamentação, é esta a dimensão do direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho que a decisão recorrida entende ter sido violada pelo regime da «ação de reconhecimento de existência de contrato de trabalho».
No entanto, é manifesto que tal regime legal não coloca em causa este direito. Com efeito, o que se pretende com o mesmo não é impor a quem presta determinada atividade remunerada que o faça, contra a sua vontade, em regime de contrato de trabalho, mesmo que o pretenda fazer em regime de trabalho independente.
Conforme se viu, o que se pretende é combater a utilização indevida do contrato de prestação de serviço nas situações em que, apesar de determinada relação ser formalmente titulada pelas partes como contrato de prestação de serviço, corresponda, substancialmente, a uma situação de trabalho subordinado, à qual deveria, por isso, ser aplicado o regime laboral. Nas situações problematizadas na decisão recorrida (os casos em que uma pessoa não quer estar sujeita a nenhuma relação de subordinação jurídica ou em que está vinculada a uma relação jurídica de um específico tipo contratual que não lhe permite ter uma ou outra relação jurídica de natureza laboral), não se verifica um caso de utilização indevida do contrato de prestação de serviço, visto que, nenhuma das partes (e, concretamente, quem presta a outrem determinada atividade remunerada) pretende que a relação jurídica em causa esteja sujeita ao regime laboral.
Nestas situações, o referido regime contém suficientes garantias de esta vontade do trabalhador poder ser expressa nos autos e levada em conta, de modo a que tal situação não seja tratada como sendo um caso de trabalho subordinado.
Com efeito, o artigo 186.º-L, n.º 4, do Código de Processo de Trabalho, determina que, simultaneamente com a notificação da data da audiência de julgamento, sejam remetidos ao trabalhador o duplicado da petição inicial e da contestação, simultaneamente «com a expressa advertência de que pode, no prazo de 10 dias, aderir aos factos apresentados pelo Ministério Público, apresentar articulado próprio e constituir mandatário» e o artigo 186.º-O, também do Código de Processo de Trabalho prevê, no seu n.º 1, que «[s]e o empregador e o trabalhador estiverem presentes ou representados, o juiz realiza a audiência de partes, procurando conciliá-los».
Independentemente das eventuais deficiências técnicas deste regime apontadas pela decisão recorrida (matéria sobre a qual não compete ao Tribunal Constitucional pronunciar-se), a verdade é que o mesmo garante a intervenção nos autos, quer do trabalhador, quer da entidade empregadora, sendo facultada ao trabalhador, a oportunidade processual de tomar posição quanto às circunstâncias concretas em que desenvolve a sua atividade, podendo, além do mais, invocar que se pretendeu vincular num regime que não o do contrato de trabalho (designadamente, por não querer estar sujeito a nenhuma relação de subordinação jurídica ou por estar vinculado a uma relação jurídica de um específico tipo contratual que não lhe permite ter outra relação jurídica de natureza laboral).
Face ao exposto, não se nos afigura que o regime da «ação de reconhecimento de existência de contrato de trabalho» viole a liberdade de escolha de profissão, consagrada no artigo 47.º, n.º 1, da Constituição, concretamente na dimensão em que consagra o direito de escolher o regime de trabalho.”.
Não colocamos em causa a liberdade de escolha do tipo contratual pelos contraentes, seja ele o contrato de prestação de serviços, de trabalho ou outro. No entanto, o que não podem é os contraentes denominarem um determinado vínculo contratual, mas, não obstante, submeter a sua execução ao modelo de um outro tipo contratual. Os contratos são o que são e não o que os contraentes dizem que são.
Naturalmente que o nomen juris será, a par de muitos outros elementos indiciários, um dos fatores a atender na definição do tipo contratual concretamente em causa (designadamente na medida em que poderá indiciar a vontade contratual) e, nessa, perspetiva, serem atendidas as declarações que o trabalhador possa vir a prestar na audiência de partes ou em depoimento que venha a prestar, tal como, pelo menos aparentemente, admitido no referido acórdão. Não obstante, essa definição, mediante a avaliação global e sopesados todos os factos, incluindo, a par dos demais, o mencionado elemento indiciário, competirá ao Tribunal, após a produção da prova.
Consigna-se, por fim, o que refere Albertina Pereira, em comentário ao art. 186º-O, Código de Processo do Trabalho, Anotado à Luz da Reforma do Processo Civil, Almedina 2015, págs. 332/333:
“Considerando, porém, a natureza eminentemente pública dos interesses prosseguidos por esta acção (…); e que o seu objecto é o apuramento de factualidade tendente a reconhecimento da existência de contrato de trabalho, afigura-se-nos que o sentido útil a atribuir a referida diligência [reportando-se à audiência de partes tendente à conciliação das mesmas] residirá, essencialmente, em permitir que através dela tenha lugar a confissão do pedido por banda do empregador ou a realização de um acordo (transação) que permita pôr termo ao processo, mas, ainda assim, no pressuposto da existência de um contrato de trabalho. Deste modo, afigura-se-nos inócuo, por exemplo, que nesta sede se declare que entre as partes existe ou existiu um contrato de prestação de serviços a que se pretende pôr fim, ou já se rescindiu, pretendendo-se, com isso e sem mais, colocar um “ponto final” à acção, quando foi intenção do legislador combater através dela o falso trabalho autónomo – o que se poderá alcançar através do apuramento da realidade contratual em causa, da posterior intervenção da ACT, e da regularização fiscal e contributiva por parte da entidade empregadora, como decorre, entre o mais, dos nºs 8 e 9, do normativo em apreciação.
Importa ainda realçar, de acordo com o princípio da primazia da realidade, que na qualificação contratual relevante é o modo como o contrato é executado e não o nome que as partes lhe atribuem, pelo que a acção em qualquer das referidas circunstâncias deveria prosseguir a fim de se apurar a factualidade tendente à qualificação do contrato, a apurar pelo tribunal. Podendo, naturalmente, o trabalhador no âmbito do julgamento, e nos termos referidos, vir a prestar esclarecimentos (factuais) relevantes, no sentido da existência (ou não) de um contrato de trabalho.”.

4. Em conclusão, procedem as conclusões do recurso, impondo-se a revogação da decisão recorrida e devendo os autos prosseguirem os seus termos se outro fundamento não objeto do recurso a tal não obstar.
*
IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e determinando-se, em consequência, se outro fundamento não objeto do recurso a tal não obstar, o prosseguimento dos autos.

Custas pela Recorrida, que ficou vencida no recurso.

Porto, 13.04.2015
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Maria José Costa Pinto
______________
(1) Relatados, respetivamente, pelos Exmºs Srs. Desembargadores António José Ramos e Eduardo Petersen Silva.
(2) Relatado pela ora 2ª Adjunta.
(3) Estes relatados pela ora relatora, tendo o segundo dos mencionados acórdãos por objeto a situação particular de cessação da relação contratual entre a Ré e a alegada “trabalhadora” em data anterior à do início da instância da ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho. Também versando sobre a situação em que a relação contratual havia cessado pronunciaram-se, em sentido no essencial similar, os Acórdãos desta Relação de 23.02.2015, proferidos nos Processos 1113/14.7T8PRT.P1 e 788/14.5T8PRT.P1, relatados pelo Exmº Sr. Desembargador João Nunes.
(4) In Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, 2007, p. 339.
(5) Vide Gomes Canotilho e Vital Moreira, in ob. citada, pp. 415-416.
(6) Em sentido similar pronunciou-se também a Relação de Lisboa, nos seus acórdãos de 08.10.2014, Proc. 1330/14.0TTLSB.L1-4, de 10.09.2014, Proc. 1344.0TTLSB.L1-4 e de 17.12.2014, Proc. 1332/14.6TTLB.L1-4. Todavia, apontam-se também, em sentido divergente, os Acórdão da Relação de Lisboa de 24.09.2014, Processos 1050/14.5TTLSB.L1-4 e 4628/13.0TTLSB.L1-4.