Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
12/11.1PEMAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MOURAZ LOPES
Descritores: PROCESSO SUMÁRIO
SENTENÇA ORAL
TRANSCRIÇÃO
Nº do Documento: RP2012053012/11.1PEMAI.P1
Data do Acordão: 05/30/2012
Votação: SINGULAR
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: REMESSA AO TRIBUNAL RECORRIDO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: Cabe ao tribunal recorrido proceder à transcrição do registo da sentença proferida oralmente, no âmbito de um processo sumário, para que seja assegurado o direito ao recurso.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
Processo 12/11.1PEMAI.P1


Efectuado o exame preliminar, profere-se decisão sumária nos termos do artigo 417º n.º 6 alínea d) do CPP.
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Decide-se, de forma sumária, no Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO.
No processo sumário acima identificado B….. foi condenado como autor de um crime de condução em estado de embriaguês, p.p. pelo artigo 292º do Código Penal na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de 6 € e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por três meses, para além da taxa de justiça em 2 Ucs.
Não se conformando com a decisão, o arguido recorreu para este Tribunal.
O Ministério Público pronunciou-se pelo não provimento do recurso.
O Exmo. Senhor Procurador Geral-Adjunto neste Tribunal da Relação pronunciou-se pela procedência do recurso embora por razões diversas do recorrente.
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Questão Prévia.
A sentença proferida nos presentes autos, tramitados em processo sumário, foi elaborada nos termos do artigo 389º A do CPP, ou seja oralmente, conforme determina a nova disposição legal, após a entrada em vigor da Lei n.º 26/2010 de 30 de Agosto, tendo sido ditada para acta o dispositivo. Não foi, entanto, após a interposição do recurso, objecto de transcrição.
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A questão que se suscita foi por nós já decidida em anteriores acórdãos, (cf. o Acordão da Relação de Coimbra de 18 de Maio de 2011, Processo n.º 137/10.8GASBC.C1 -A.C1 publicado in www.itij.pt) e igualmente em anteriores decisões sumárias proferida neste Tribunal da Relação (vide, por todas, Processo n.º 92/11.7.PASJM.P1).
Não se desconhecendo a circular n.º 16/2011 do Conselho Superior da Magistratura, de 7 de Outubro de 2011, tratando-se, nesta questão, de matéria jurisdicional, é aos Tribunais e concretamente a este Tribunal da Relação que compete decidir sobre a mesma.
Nesse sentido, replica-se nestes autos a fundamentação apresentada nos acórdãos e decisões sumárias citadas.
«O novo regime de elaboração obrigatória da sentença oral, introduzido pela n.º Lei n.º 26/2010 de 30 de Agosto assumiu o princípio da diferenciação processual no sentido de que, também na sentença, não pode continuar a tratar-se da mesma forma o que estruturalmente não é igual.
Neste sentido há que atentar em alguns tópicos que decorrem claramente do regime normativo introduzido (e dos princípios e exemplos dogmáticos que estão na sua origem) e que devem por isso ser objecto de aplicação prática.
Assim, o primeiro tópico configura o alargamento do princípio da oralidade, como princípio estrutural do processo penal, agora extensível à fase sentencial.
O que se diz agora é que terminada a produção da prova, as alegações e a fase deliberativa, a sentença é logo proferida oralmente.
Daqui deve retirar-se a imposição inequívoca de que a sentença, no processo sumário e abreviado é uma sentença oral e não uma sentença escrita. Ou seja, o princípio da oralidade, como um dos princípios estruturantes do processo penal é agora assumido como condicionante da sentença nos processos especiais sumário e abreviado. Há nesta parte uma inversão do paradigma até agora vigente nesta fase processual.
Um segundo tópico prende-se com a estrutura da sentença.
A relevância da sentença como acto processual autónomo sujeito a um regime normativo próprio e rigorosamente estabelecido, impõe que o tribunal, na elaboração da sentença oral não possa omitir, sob pena de nulidade, a estrutura definida no n.º 1 do artigo 371º A.
O tribunal deve assim efectuar em primeiro lugar uma indicação sumária dos factos provados, garantia fundamental que permite dar a conhecer o objecto do processo. O tribunal pode, no entanto, efectuar esta indicação dos factos provados para a acusação e para a contestação por remissão. Pode assim limitar-se a referir «considero provados os factos x e y que constam na acusação» e «não considero provados os factos xx e yy que constam na acusação e na contestação».
Importa referir que a remissão deve ser efectuada com algum cuidado nomeadamente garantindo sempre que a sentença seja compreendida por parte dos destinatários da sentença (tanto os destinatários directos – o sujeitos processuais – como os cidadãos em geral) nomeadamente tudo o que foi decidido.
Em segundo lugar o tribunal tem que indicar quais as provas em que se sustentou para dar como provados os factos e efectuar um exame crítico das mesmas.
Importa, sobre este tópico efectuar uma explicitação. Do que se trata, nestas duas alíneas é de concretizar na sentença oral a proferir nos processos sumário e abreviado a imposição constitucional do princípio da fundamentação das decisões a que se refere o artigo 205º da CRP.
A sentença oral é sempre uma sentença fundamentada, na medida em que não dispensa as razões que o tribunal tem que dar sobre as suas opções decisórias fundadas nas provas. O modo de fundamentação é, no entanto, oral ou seja é efectuado pelo juiz sem necessidade de escrever ou ditar esse processo de «dar as razões» pelas quais decidiu de determinada maneira.
Num terceiro tópico importa referir que o princípio da fundamentação se aplica quando a decisão consistir numa condenação e for aplicada uma pena.
A aplicação de uma pena implica que o tribunal fundamente também oralmente a escolha e a medida da pena que aplica, tendo por critério as normas estabelecidas nos artigos 40º, 70º e 71º do Código Penal. Trata-se, também aqui, no domínio da pena, de uma fundamentação oral em que o tribunal tem que dizer ( e não ditar ou escrever) as razões que o levaram a escolher determinada pena e as razões que justificam a medida concreta a que se chegou.
Num quarto tópico importa referir que a estrutura da sentença tem que conter o «dispositivo» exactamente nos termos que constam no artigo 374º n.º 3 alíneas a) a e) do CPP.
Trata-se, neste tópico, da «questão nuclear» ou «ponto nevrálgico» do regime sentencial agora estabelecido. Contrariamente aos restantes elementos estruturais da sentença, nomeadamente o relatório e a fundamentação, o dispositivo tem sempre que ser ditado para a acta ou ser escrito imediatamente pelo juiz. Não vigora, quanto ao dispositivo o princípio da oralidade da sentença.
Num quinto tópico importa salientar a excepção consagrada no número 5 do artigo, relativa às situações em que o princípio da oralidade cede perante outras exigências e a sentença deve ser escrita.
Desde logo a concretização de uma pena de prisão ou a execução de uma medida de segurança, sobretudo quando assume um patamar que já tem ínsito uma dimensão de uma gravidade mediana, como é o caso de uma pena de prisão superior três anos, deve levar em consideração no programa de execução subsequente todo o condicionalismo que o tribunal ponderou, nomeadamente, algumas das razões que sustentam o processo justificativo que consubstancia a fundamentação e que levaram à aplicação dessa pena concreta.
Por outro lado, em qualquer situação, incluindo os casos de aplicação de penas de prisão mais curtas ou mesmo de outro tipo de penas aplicadas pelo tribunal, seja de multa, de suspensão da execução da pena de prisão, de trabalho a favor da comunidade ou outras, deve deixar-se ao tribunal de condenação – e aqui sem qualquer restrição – a possibilidade de, se assim for entendido, ser elaborada uma decisão fundamentada nos termos em que esta está, actualmente, estabelecida no artigo 374º n.º 2 do CPP.
A decisão de fundamentar uma decisão deve ainda ser deixada ao critério do Tribunal mesmo nos casos em que tenha sido expressamente manifestada vontade de não recorrer por todos os intervenientes com legitimidade para o efeito.
A opção do tribunal, nestes casos, justifica-se por razões de natureza extraprocessual subjacentes à finalidade da fundamentação, nomeadamente em sede de legitimação da decisão, de acordo com as exigências do auditório mais amplo que ultrapassa aqueles que directamente são afectados pela decisão.
A relevância social de uma decisão ou o impacto que a mesma possa ter em qualquer dos auditórios a que se destina, pode condicionar uma opção jurisdicional que leve ao não funcionamento da compressão da fundamentação.
A decisão do tribunal de concretizar a fundamentação da sentença será, nesta perspectiva, soberana e por isso, insusceptível de ser sindicada por recurso.
Num sexto tópico, eliminando as possíveis dúvidas sobre a natureza da fundamentação oral como uma forma de fundamentação constitucionalmente legítima, à luz do artigo 215º da Constituição da República, o artigo 379º nº. 1 alínea a) do CPP é muito claro ao estabelecer que a omissão da decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389º-A e 391º F implica a nulidade da sentença.
O que se quer dizer é que o direito de dar as razões que fundaram a decisão é um direito essencial e indisponível e, por isso não pode, a nenhum título, ser dispensado.
Finalmente num sétimo e último tópico, importa sublinhar que a admissibilidade das sentenças abreviadas (ou com fundamentação oral) assenta no pressuposto da emergência da celeridade processual, sem no entanto pôr em causa os direitos de defesa. Daí que o direito ao recurso não seja posto em causa pelo modelo agora implementado ( é assim, aliás, em modelos processuais penais onde vigoram soluções aproximadas ao regime agora implementado, como no novo CPP suíço no seu artigo 82º ou no § 275 do StPO, germânico).
Neste sentido é importante atentar nos números 3 e 4 do artigo 389º do CPP.
A afirmação inequívoca de que a sentença oral é sempre documentada, nos termos dos artigos 363º e 364º do CPP impõe que a sentença oral fique sempre e integralmente registada no sistema de gravação do Tribunal.
Como consequência directa deste normativo o exercício constitucional do direito de recurso está garantido. Se e quando os sujeitos processuais pretenderem recorrer da sentença, no prazo legalmente estabelecido para a interposição do recurso, poderão fazê-lo sem qualquer limitação.
O que os sujeitos processuais podem fazer, desde que presentes no momento da proferição/leitura da decisão, é prescindir do direito de recorrer e nessa medida prescindirem da entrega da cópia da sentença que ficou registada no sistema.
Relativamente à questão do exercício do direito de recorrer e sobretudo o modo como o recurso é posteriormente conhecido pelo Tribunal Superior, é evidente que aquele conhecimento do recurso terá que incidir sobre a transcrição do registo da sentença oralmente proferida a ser efectuado pelos serviços do Tribunal e depois de confirmada pelo juiz que elaborou a decisão.
Efectuada esta operação que naturalmente irá permitir, efectivamente, a garantia do direito constitucional ao recurso através o seu conhecimento pelo Tribunal Superior, a plenitude do direito de recorrer fica assim consagrada».
Pelo que vem sendo exposto e porque nos presentes autos não foi concretizada a transcrição do registo da sentença importa que os serviços do Tribunal recorrido efectuem essa transcrição de modo a ser assegurado o direito de recurso nos termos expostos.
III. DECISÃO
Pelo exposto decide-se remeter os autos ao Tribunal recorrido para ser efectuada a transcrição da sentença oral efectuada pelo Tribunal de modo a ser possível conhecer do recurso.
Notifique.
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (artigo 94º nº 2 CPP).

Porto, 30 de Maio de 2012
Mouraz Lopes