Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1476/04.2JAPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE LANGWEG
Descritores: RECLAMAÇÃO DA CONTA
PRAZO
INEXISTÊNCIA
Nº do Documento: RP201612151476/04.2JAPRT-A.P1
Data do Acordão: 12/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 702, FLS.205-209)
Área Temática: .
Sumário: I – O prazo de dez dias para a elaboração da conta constitui um mero prazo processual ordenador, não implicando o seu desrespeito qualquer caducidade (prazo de natureza civil).
II - A reclamação de uma conta apenas pode ter por objeto a conformidade desta com os preceitos legais e as custas fixadas nos autos.
III – Se um despacho que aprecia uma reclamação de conta reformar esta, alterando o montante e o modo de repartição das custas já anteriormente fixado nos autos, o mesmo decide matéria que está fora do âmbito do poder jurisdicional, tornando-se juridicamente inexistente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1476/04.2JAPRT.P1
Data do acórdão: 15 de Dezembro de 2016

Relator: Jorge M. Langweg
Adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa

Origem:
Comarca do Porto
Instância Central | 1ª Secção Criminal

Sumário:
1 – O prazo de dez dias para a elaboração da conta constitui um mero prazo processual ordenador, não implicando o seu desrespeito qualquer caducidade (prazo de natureza civil).
2 - A reclamação de uma conta apenas pode ter por objeto a conformidade desta com os preceitos legais e as custas fixadas nos autos.
3 – Se um despacho que aprecia uma reclamação de conta reformar esta, alterando o montante e o modo de repartição das custas já anteriormente fixado nos autos, o mesmo decide matéria que está fora do âmbito do poder jurisdicional, tornando-se juridicamente inexistente.
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Acordam os juízes acima identificados do Tribunal da Relação do Porto

Nos presentes autos acima identificados, em que figuram como recorrentes o Ministério Público e os arguidos B… e C…;
I - RELATÓRIO
1. Em 14 de Junho de 2016 foi proferido nos presentes autos um despacho judicial, que decidiu a reclamação da conta de custas dos arguidos, determinando que a cargo dos reclamantes apenas ficasse metade da remuneração arbitrada a favor do L.N.E.C., por entender ser tal solução equitativa, imputando ao Estado o pagamento da quantia restante.
2. Inconformado com o despacho, o Ministério Público interpôs recurso do mesmo, motivando este, no essencial, com base na circunstância da remuneração da perícia ter sido determinada por quem tinha competência e o facto dos arguidos B… e C… terem sido condenados no pagamento solidário das custas do processo, nas quais se incluem os encargos (artigos 3º, nº 1, 16º, nº 1, a) e e), do Regulamento das Custas Processuais).
3. Os arguidos B… e C… também interpuseram recurso do despacho, motivando o seu recurso, no essencial:
a) manifestando discordância sobre o montante fixado a título de remuneração ao L.N.E.C. para a realização da perícia;
b) entendendo que o juízo de equidade que presidiu à determinação do montante a cargo dos arguidos é desproporcional;
c) invocando a caducidade da liquidação das custas, uma vez que há muito que expirou o prazo de dez dias para a elaboração da conta de custas (artigo 29º, nº 1, do Regulamento das Custas Processuais);
4. Na mesma peça processual, os recorrentes responderam à motivação de recurso do Ministério Público, pugnando pela sua improcedência.
5. O Ministério Público também respondeu à motivação de recurso dos arguidos, pugnando pela sua improcedência.
6. O recurso foi liminarmente admitido no tribunal a quo, subindo nos próprios autos e com efeito suspensivo.
5. Nesta instância, o Ministério Público emitiu parecer, expressando concordância com as alegações já produzidas na primeira instância, tanto motivação de recurso, como na resposta.
6. Não houve resposta ao parecer.
7. Não tendo sido requerida audiência, o processo foi à conferência, após os vistos legais, respeitando as formalidades legais [artigos 417º, 7 e 9, 418º, 1 e 419º, 1 e 3, c), todos do Código de Processo Penal].

Questões a decidir
Do thema decidendum dos recursos:
Para definir o âmbito do recurso, a doutrina [1] e a jurisprudência [2] são pacíficas em considerar, à luz do disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que o mesmo é definido pelas conclusões que os recorrentes extrairam da sua motivação, sem prejuízo, forçosamente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.
A função do tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que foi colocado à apreciação do tribunal ad quem, mediante a formulação de um juízo de mérito.
Das questões a decidir neste recurso:
Atento o teor do relatório atrás produzido, importa decidir se o tribunal a quo incorreu em erro em matéria de direito, ao reduzir as custas a cargo dos arguidos, ou se as mesmas deveriam ter sido ainda mais reduzidas, ou mesmo eliminadas.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
Os factos processuais:
Por acórdão datado de 21 de Dezembro de 2011, os arguidos D…, B… e C… foram condenados, nomeadamente, no pagamento solidário das custas (vide fls. 7469 dos autos principais).
Em 18 de Maio de 2016 foi feita a conta, incluindo a liquidação do montante a reembolsar ao I.G.E.F.J., por pagamento de uma perícia efetuada pelo L.N.E.C. no âmbito dos presentes autos, no valor de 29.523,96€.
Em 3 de Junho de 2016, os arguidos B… e C… apresentaram reclamação da conta de custas, apenas na parte que diz respeito ao reembolso do IGFEJ, no valor de €29.523,96, por entenderem que tal montante, reportando-se a perícia ordenada pelo Ministério Público, não respeitou os limites estabelecidos na tabela IV, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, para a remuneração dos peritos e que não há nexo de causalidade entre a prova resultante da perícia e a condenação que lhes foi imposta.
Na sequência da tramitação regular neste tipo de incidente – em que a Exma. Escrivã de direito reiterou os termos da conta, por corresponder ao documentado nos autos e o Ministério Púbico propugnou, de forma fundamentada, pelo indeferimento da reclamação, foi proferido o despacho recorrido que reduziu os encargos a cargos dos dois arguidos reclamantes, determinando que a cargo dos reclamantes – e do outro arguido não reclamante, D… - apenas ficasse metade da remuneração arbitrada a favor do L.N.E.C., por ser tal solução equitativa, imputando ao Estado o pagamento da quantia restante.
Cumpre apreciar e decidir.
De jure
Nos termos da lei, a conta deve ser elaborada no prazo de dez dias após o trânsito em julgado da decisão final. Tendo sido concretizada mais tarde, os arguidos recorrentes sustentam que caducou o direito à liquidação das custas.
Porém, sem razão.
A caducidade é própria dos prazos civis, enquanto o prazo de dez dias para a elaboração da conta é um mero prazo processual ordenador ou procedimental[3].
Mostrando-se, então, validamente elaborada a conta, resta determinar se a mesma foi realizada com a observância das regras legais e respeitando as importâncias a liquidar nos autos.
Na conta foi liquidada a importância de 29.523,96€, a pagar pelos três arguidos, sendo referente a reembolso de despesa cujo custo foi adiantado pelo I.G.E.F.J., para pagamento de uma perícia efetuada pelo L.N.E.C. no âmbito dos presentes autos, uma vez que a decisão final – transitada em julgado – condenou D…, B… e C… no pagamento solidário das custas.
Esse reembolso é devido por força da decisão condenatória e em obediência ao disposto nos artigos 16º, nº 1, al. a), i) e b), 2 e 30º, nº 3, al. c), ambos do Regulamento das Custas Processuais.
A reclamação da conta que originou o despacho recorrido apenas podia impugnar a legalidade da elaboração da conta – v.g. o número 2 do artigo 31º do Regulamento das Custas Processuais apenas permite ao juiz reformar a conta, se não estiver elaborada de harmonia com as disposições legais -, sendo ainda certo que o montante das custas já se encontrava devidamente fixado nos autos, bem como a responsabilidade pelo seu pagamento.
Ao alterar o montante e o modo de repartição das custas, já anteriormente fixado nos autos, o tribunal recorrido apreciou e decidiu matéria que estava fora do âmbito do seu poder jurisdicional, produzindo assim uma decisão juridicamente inexistente (uma outra forma de invalidade, para além da nulidade), não valendo, por isso, enquanto decisão jurisdicional.[4]
Por razão idêntica, este Tribunal não poderá reapreciar a justeza do montante arbitrado ao L.N.E.C. a título de honorários pela realização de uma perícia, nem quem são os responsáveis pelo seu reembolso ao I.G.E.F.J., uma vez que essa matéria já se encontrava adquirida nos autos e definitivamente estabilizada com o trânsito em julgado da decisão final, mostrando-se assim prejudicada a apreciação das questões a esse respeito suscitadas em sede recursória.
Por conseguinte, resta apenas confirmar a correção da conta elaborada nos autos, o que determina o indeferimento da reclamação da conta efetuada pelos arguidos B… e C… [5], julgando-se assim procedente – embora com fundamentação acrescida - o recurso do Ministério Público e não provido o recurso dos arguidos B… e C….
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Das custas:
Sendo indeferida a reclamação da conta, os reclamantes deverão ser condenados no pagamento da taxa de justiça referente ao decaimento no incidente, fixando-se a respetiva taxa de justiça individual em 1 (uma) unidade de conta (artigo 7º, nº 4, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela II anexa ao mesmo texto legal).
Sendo o recurso do Ministério Público julgado provido, com a oposição dos arguidos B… e C… que responderam à motivação, propugnando pela sua improcedência, estes suportarão as custas, nos termos previstos nos artigos 513°, 1, do Código de Processo Penal e 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais.
A taxa de justiça individual é fixada em 3 (três) unidades de conta, nos termos da Tabela III anexa àquele Regulamento, tendo em conta o objeto do recurso.
Sendo o recurso dos mesmos arguidos julgado não provido, estes suportarão também as as custas respetivas, nos termos previstos nos artigos 513°, 1, do Código de Processo Penal e 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais.
A taxa de justiça individual é fixada em 3 (três) unidades de conta, nos termos da Tabela III anexa àquele Regulamento, tendo em conta, igualmente, a simplicidade do objeto do recurso.
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III – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes subscritores em julgar provido o recurso do Ministério Público e negar provimento ao recurso dos arguidos B… e C… e, em consequência:
a) Declarar o despacho recorrido juridicamente inexistente, que é substituído:
a. pelo indeferimento da reclamação da conta apresentada pelos arguidos B… e C…; e
b. pela condenação de cada um dos reclamantes no pagamento de 1 (uma unidade de conta) de taxa de justiça individual, pelo decaimento no incidente;
b) Condenar os arguidos B… e C… no pagamento das custas pelo decaimento no recurso do Ministério Público, fixando a taxa de justiça individual em 3 (três) unidades de conta; e
c) Condenam cada um dos mesmos dois arguidos no pagamento das custas pelo decaimento no seu próprio recurso, fixando a taxa de justiça individual em 3 (três) unidades de conta.
Nos termos do disposto no art. 94º, 2, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 97º, 3, do mesmo texto legal, certifica-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator.

Porto, em 15 de Dezembro de 2016.
Jorge Langweg
Maria Dolores da Silva e Sousa
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[1] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V.
[2] Como decorre já de jurisprudência datada do século passado, cujo teor se tem mantido atual, sendo seguido de forma uniforme em todos os tribunais superiores portugueses, até ao presente: entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995 (acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória), publicado no Diário da República 1ª-A Série, de 28 de Dezembro de 1995, de 13 de Maio de 1998, in B.M.J., 477º,-263, de 25 de Junho de 1998, in B.M.J., 478º,- 242 e de 3 de Fevereiro de 1999, in B.M.J., 477º,-271 e, mais recentemente, de 16 de Maio de 2012, relatado pelo Juiz-Conselheiro Pires da Graça no processo nº. 30/09.7GCCLD.L1.S1, este pesquisável, nomeadamente, através do aplicativo de pesquisa de jurisprudência disponibilizado, pelo ora relator, em http://www.langweg.blogspot.pt.
[3] Um prazo processual meramente ordenador ou procedimental é aquele que estabelece um limite temporal para a prática de um ato processual e o seu incumprimento não determina a invalidade do ato, sendo apenas suscetível de gerar responsabilidade disciplinar.
[4] Um exemplo de inexistência jurídica de uma decisão judicial é aquela que é proferida por quem não tem poder jurisdicional para o fazer e o de, já depois de lavrada a sentença no processo, o Juiz lavrar segunda decisão sobre a mesma matéria (Paulo Cunha, Da Marcha do Processo: Processo Comum De Declaração, Tomo II, 2ª edição, pág. 360).
[5] A elaboração da conta respeitou o montante das custas já fixadas nos autos, bem como a distribuição da responsabilidade pelo seu pagamento, que foi decidida pelo acórdão da primeira instância, transitado em julgado.