Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6154/23.0T8VNG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: MANDATÁRIO FORENSE
CONFLITO DE INTERESSES
Nº do Documento: RP202511246154/23.0T8VNG-A.P1
Data do Acordão: 11/24/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A previsão do conflito de interesses no Estatuto da Ordem dos Advogados tem como finalidade essencial impedir que um profissional forense viole a confiança que uma parte anteriormente nele depositou e que se aproveite de “informação privilegiada” que essa relação de confiança lhe proporcionou assumindo o patrocínio da parte contrária na causa em que essa relação se estabeleceu ou em causa conexa.
II - Como decorre da primeira parte do nº 1 do artigo 99º do Estatuto da Ordem dos Advogados para a verificação do conflito de interesses não é essencial a qualidade de mandatário forense na causa ou na primeira causa instaurada, à semelhança do que se prevê em sede de sigilo profissional no nº 7 do artigo 92º do Estatuto da Ordem dos Advogados.
III - A ação de cessação de alimentos é conexa com o processo de divórcio por mútuo consentimento que é fonte da obrigação alimentar cuja cessação se pretende.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 6154/23.0T8VNG-A.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 6154/23.0T8VNG-A.P1 elaborado pelo relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:

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Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório

Em 11 de dezembro de 2024, nos autos de que estes foram extraídos, foi proferido o seguinte despacho[1]:

Na presente ação de alteração/cessação da pensão de alimentos movida por AA, contra BB, aquele afirmou que a Ex.ma Mandatária da requerida colaborou consigo na elaboração do requerimento de divórcio e dos respetivos acordos, entregou-os na Conservatória do Registo Civil e agendou data para conferência, no âmbito da qual veio a ser decretado o divórcio entre ele e a requerida, o que constitui violação manifesta do disposto no artigo 99.º, n.º 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados.

Respondeu a requerida através daquela Ex.ma Mandatária, alegando que não foi mandatária do requerente, defendendo que não existe qualquer conflito de interesses.

Em reação, o requerente confirmou que a Ex.ma Mandatária não foi sua mandatária, mas que quando tramitou o processo de divórcio entre si e a requerida, tinha escritório consigo e reiterou que a mesma colaborou na elaboração do requerimento e dos diversos acordos.

Foi emitido parecer do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, nos seguintes termos “resulta claro estarmos aqui em face de situação de conflito de interesses, podendo fazer perigar valores da lealdade, isenção, independência, confiança e mesmo decoro, fundamentais no exercício da advocacia. (…)

Configura uma situação de conflito de interesses aquela em que o advogado, que colaborou com uma das partes em processo de divórcio por mútuo consentimento, seu colega de escritório, aceitasse patrocinar, findo o divórcio, a parte contrária em processo de alteração/cessação da pensão de alimentos.”.

Notificados do parecer, apenas respondeu a requerida se pronunciou, reiterando não ter patrocinado nenhuma das partes no processo de divórcio, mas que apenas obteve as informações junto da Conservatória do Registo Civil que elenca, e que procedeu à anotação das mesmas, manualmente, na cópia já assinada pelos interessados.

Cumpre apreciar e decidir.

Dispõe o artigo 99.º, do Estatuto da Ordem dos Advogados, com a epígrafe Conflito de interesses que “1 - O advogado deve recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade ou seja conexa com outra em que represente, ou tenha representado a parte contrária.

2 - O advogado deve recusar o patrocínio contra quem, noutra causa pendente, seja por si patrocinado.

3 - O advogado não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses desses clientes.

4 - Se um conflito de interesses surgir entre dois ou mais clientes, bem como se ocorrer risco de violação do segredo profissional ou de diminuição da sua independência, o advogado deve cessar de agir por conta de todos os clientes, no âmbito desse conflito.

5 - O advogado deve abster-se de aceitar um novo cliente se tal puser em risco o cumprimento do dever de guardar sigilo profissional relativamente aos assuntos de um anterior cliente, ou se do conhecimento destes assuntos resultarem vantagens ilegítimas ou injustificadas para o novo cliente.

6 - Sempre que o advogado exerça a sua atividade em associação, sob a forma de sociedade ou não, o disposto nos números anteriores aplica-se quer à associação quer a cada um dos seus membros.”.

Resulta dos autos que o requerente AA é Advogado, portador da cédula profissional n.º ...98..., tendo domicílio profissional na Rua ..., ..., no Porto.

A mandatária da requerida é a Dra. CC, portadora da cédula profissional n.º ...84... que, após o término do período de estágio, passou a exercer a sua atividade enquanto Advogada no escritório do Dr. AA, o que se verificou até finais do ano de 2007, data em que aquela alterou o seu domicílio profissional.

Em finais de 2006, o requerente AA foi parte em processo de divórcio por mútuo consentimento que correu termos na 1.ª Conservatória do Registo Civil do Porto.

Divergem as partes sobre qual o efetivo papel assumido pela Dra. CC, sendo que:

i) segundo o requerente, a mesma colaborou consigo na elaboração do requerimento de divórcio, acordo quanto ao destino da casa de morada de família, relação de bens e contrato-promessa de partilha, corrigiu e anotou manualmente (pelo seu próprio punho) os referidos documentos, procedeu à sua entrega na Conservatória e acertou a data para a respetiva conferência, a qual foi agendada para 13 de novembro de 2006 e

ii) segundo a Ex.ma mandatária da requerida, o requerente apenas lhe solicitou que contactasse a Conservatória de Registo Civil, na pessoa do seu funcionário, de nome DD, acerca da data para a Conferência de Divórcio e, bem assim, que a signatária informasse o referido funcionário do n.º do cheque e respetivo banco, para proceder ao pagamento dos emolumentos.

Que assim fez e obteve as seguintes informações, cuja anotação fez manualmente na cópia, já assinada pelos intervenientes, que o requerente lhe deixara, tendo escrito o seguinte:

- Que o Requerimento estava mal endereçado, porquanto aquela era a Primeira Conservatória de Registo Civil do Porto e, não a Segunda; o Participante teria de corrigir tal articulado;

- Qual a morada exacta da Conservatória, porquanto estava agora na Rua ..., no Porto e, não no Largo ..., no Porto.

- Que a data para a Conferência de Divórcio poderia ser marcada para o dia 13 de Novembro de 2006, pelas 10H30M;

- Que no Acordo sobre o destino da Casa de Morada de Família, estava errado no seu ponto 3º, porquanto no seu teor não poderia constar uma inverdade, ou seja, que o imóvel não passaria a constituir propriedade do cônjuge mulher, como o Requerente marido pretendia, uma vez que sobre o imóvel ainda incidia uma hipoteca e na Conferência de Divórcio, não se faziam partilhas de bens;

- Que o Cônjuge marido não tinha indicado os elementos da Descrição Predial nem matriciais da Casa de Morada de Família;

- Que o Requerente marido, no Acordo da Relação de Bens, não apresentou valores e que tal documento deveria ser corrigido em conformidade.

No âmbito dos presentes autos de alteração/cessação da pensão de alimentos, intentada pelo Ex.mo Sr. Dr. AA, é mandatária da requerida a Dra. CC, ex-cônjuge daquele.

Não obstante a divergência quanto à atuação da Dra. CC, resulta demonstrado que a mesma corrigiu e anotou manualmente (pelo seu próprio punho) os referidos documentos, procedeu à sua entrega na Conservatória e acertou a data para a respetiva conferência, a qual foi agendada para 13 de novembro de 2006. Em suma, a Dra. CC colaborou com o requerente, seu colega de escritório, no seu processo de divórcio por mútuo consentimento, em que se divorciou da requerida.

Findo o divórcio, a Dra. CC encontra-se a patrocinar, a parte contrária no presente processo de alteração/cessação da pensão de alimentos.

O escopo do artigo 99.º, do Estatuto da Ordem dos Advogados é evitar o risco sério (ainda que meramente potencial) de colisão entre os interesses dos clientes do Mandatário, quando um determinado interesse de um é contrário ao do outro, acautelando-se, assim, os valores da legalidade, dignidade, independência, segredo profissional, lealdade, confiança e ética. – vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 19-05-2020, no processo 759/19.1T8LRA-A.C1, relator Fonte Ramos, disponível in www.dgsi.pt.

Por conseguinte, atenta a participação da Dra. CC no processo de divórcio do requerente e da requerida e estando, agora, a patrocinar a requerida nos presentes autos de alteração/cessação de alimento, entende-se que essa situação configura uma situação de conflito de interesses, nos termos do disposto no artigo 99.º, do Estatuto da Ordem dos Advogados.

Verificando-se uma situação de conflito de interesses, a Dra. CC não pode manter-se nos autos enquanto mandatária da requerida, devendo esta outorgar procuração a advogado, com poderes especiais para ratificar o processado, ratificação essa a efetuar pelo mandatário a constituir relativamente aos atos praticados pela Dra. CC.


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Decisão:

Nestes termos e em face do exposto, verificando-se uma situação de conflito de interesses, nos termos do disposto no artigo 99.º, do Estatuto da Ordem dos Advogados, a Dra. CC não pode manter-se nos autos enquanto mandatária da requerida, devendo a requerida, querendo, no prazo de 20 dias, outorgar procuração a advogado com poderes especiais para ratificar o processado, ratificação essa a efetuar pelo mandatário a constituir relativamente aos atos praticados pela Dra. CC.

Em 16 de janeiro de 2025, inconformadas com a decisão que precede, BB e CC interpuseram recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1ª- O recurso vem interposto do despacho proferido em 11-12-2024, o qual decidiu pela verificação de uma situação de conflito de interesses, nos termos do disposto no artigo 99.º, do Estatuto da Ordem dos Advogados, e consequentemente que a apelante CC não pode manter-se nos autos enquanto mandatária da apelante BB, devendo esta, querendo, no prazo de 20 dias, outorgar procuração a advogado com poderes especiais para ratificar o processado, ratificação essa a efetuar pelo mandatário a constituir relativamente aos atos praticados pela apelante CC.

2ª- É questão a conhecer incide na verificação do conflito de interesses a que alude o artigo 99º do E.O.A.

3ª- Por confissão de recorrentes e recorrido, é pacifico nestes autos que (i) o requerente AA e a requerida BB subscreveram processo de divórcio por mútuo consentimento que correu termos na 1.ª Conservatória do Registo Civil do Porto, e que (ii) a recorrente CC não teve intervenção como mandatária em tal processo de divorcio por muto consentimento, seja do requerente, seja da requerida, seja de ambos.

4ª- A aplicação da norma do artigo 99º do E.O.A. exige a verificação cumulativa de dois pressupostos, a saber (i) a existência de dois ou mais clientes, e (ii) a intervenção da ora mandatária “… no mesmo assunto ou em assunto conexo.”.

5ª- O recorrido AA nunca foi cliente da recorrente mandatária, CC, o que conduz à falta de um dos requisitos de aplicação da norma.

6ª- A recorrente CC nunca teve intervenção nestes autos como mandatária do recorrido AA, sendo ainda patente, atenta as posições espelhadas, que a recorrente CC nunca teve intervenção naqueles autos de divorcio como mandatária do recorrido AA ou da recorrente BB.

7ª- É ainda visível que o assunto conexo trazido à colação, que consiste na ação de divorcio por muto consentimento entre o recorrido e a recorrente BB não consubstancia assunto conexo, pela simples razão de que a presente ação de alteração/cessação da pensão de alimentos traduz uma ação judicial autónoma e independente daquele divorcio por mutuo consentimento, sendo certo que a decisão do divorcio não tem qualquer efeito jurídico na presente ação de alteração/cessação da pensão de alimentos, e também qualquer que seja a decisão nesta ação ela em nada afeta os efeitos já produzidos e resultantes dos direitos consignados naquela outra ação de divorcio, o que conduz à falta do outro dos requisitos de aplicação da norma.

8ª- A recorrente mandatária não teve qualquer participação no processo de divorcio, limitando-se à prática dos descritos atos burocráticos de anotação do que um funcionário da conservatória de registo civil lhe transmitiu quando fez o transporte da “papelada” do divórcio, sendo certo que a aplicação da norma do artigo 99º do E.O.A. exige que a participação da recorrente CC tenha um cunho de “ … aconselhar, representar ou agir por conta …”, como prevê a norma, e nunca uma conduta própria de um mero amanuense, no âmbito de favor prestado de simples entrega de “papeis” e anotação neles de falhas tal como ditado por funcionário da conservatória do registo civil.

9ª- Ao invés do decidido, a recorrente CC não teve qualquer participação como advogada e mesmo como jurista no processo de divorcio a que alude o recorrido AA.

10ª-Não obstante entendermos que não se trata, como caso, de um real e substancial conflito de interesses, concederemos que, quando muito e em face do referido enquadramento fáctico e normativo, de um mero conflito aparente, competindo à aqui mandatária recorrente a possibilidade de avaliar da manutenção dos valores e princípios inerentes ao patrocínio judiciário.

11ª-No caso dos autos, caberá à recorrente CC aquilatar se a relação de confiança pode ficar em causa, enfim se existe tal conflito de interesses entre clientes, sendo certo que a resposta é totalmente negativa, desde logo, pelo simples facto de o recorrido AA nunca ter sido cliente da recorrente CC em circunstância alguma.

12ª- Destarte, o douto despacho em apreço viola a indicada norma do artigo 99º do E.O.A., e por isso deve ser revogado, mantendo-se o patrocínio judiciário da requerida na titularidade da recorrente mandatária.

Em 17 de janeiro de 2025, BB constituiu nova mandatária e ratificou todo o processado praticado pela sua anterior mandatária.

Convidadas para esclarecerem se mantinham interesse no recurso, BB e CC declararam manter interesse no conhecimento do recurso que interpuseram.

Não foi oferecida resposta ao recurso.

O recurso foi admitido como apelação, com subida em separado e no efeito meramente devolutivo.

Atenta a natureza estritamente jurídica do objeto do recurso, com o acordo dos restantes membros do coletivo, dispensaram-se os vistos, cumprindo agora apreciar e decidir.

2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelas recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil

A única questão a decidir é a da existência ou não de conflito de interesses obstativo da aceitação do mandato forense pela recorrente CC de BB, nos autos de que estes foram extraídos.

3. Fundamentos de facto

Os factos necessários e suficientes para conhecimento do objeto do recurso constam do relatório deste acórdão e resultam dos autos de que estes foram extraídos e que, nesta vertente estritamente adjetiva, têm força probatória plena.

4. Fundamentos de direito

Existe conflito de interesses obstativo da aceitação do mandato forense pela recorrente CC e BB, nos autos de que estes foram extraídos?

As recorrentes pugnam pela revogação do despacho recorrido porque, na sua perspetiva, não se verificam os pressupostos de aplicação da previsão legal que regula o conflito de interesses de advogados: em primeiro lugar, nunca o recorrido foi cliente da recorrente CC; em segundo lugar, a causa de que estes autos de recurso foram extraídos não tem qualquer conexão com aquela em que a recorrente CC teve intervenção.

Cumpre apreciar e decidir rememorando o disposto no artigo 99º do Estatuto da Ordem dos Advogados[2], na redação atualmente vigente[3]:

1 – O advogado deve recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade ou seja conexa com outra em que represente, ou tenha representado, a parte contrária.

2 – O advogado deve recusar o patrocínio contra quem, noutra causa pendente, seja por si patrocinado.

3 – O advogado não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses desses clientes.

4 – Se um conflito de interesses surgir entre dois ou mais clientes, bem como ocorrer risco de violação do segredo profissional ou de diminuição da sua independência, o advogado deve cessar de agir por conta de todos os clientes, no âmbito desse conflito.

5 – O advogado deve abster-se de aceitar um novo cliente se tal puser em risco o cumprimento do dever de guardar sigilo profissional relativamente aos assuntos de um anterior cliente, ou se do conhecimento destes assuntos resultarem vantagens ilegítimas ou injustificadas para o novo cliente.

6 – Sempre que o advogado exerça a sua atividade em associação, sob a forma de sociedade ou não, o disposto nos números anteriores aplica-se quer à associação quer a cada um dos seus membros.

O preceito que se acaba de transcrever tem como finalidade essencial impedir que um profissional forense viole a confiança que uma parte anteriormente nele depositou e que se aproveite de “informação privilegiada” que essa relação de confiança lhe proporcionou assumindo o patrocínio da parte contrária na causa em que essa relação se estabeleceu ou em causa conexa.

Porém, logo da primeira parte do nº 1 do artigo 99º do Estatuto da Ordem dos Advogados resulta inequívoco que à verificação do conflito de interesses não é essencial a qualidade de mandatário forense na causa ou na primeira causa instaurada, à semelhança do que se prevê em sede de sigilo profissional no nº 7 do artigo 92º do Estatuto da Ordem dos Advogados.

Por isso, se tem entendido que o advogado estagiário, à semelhança do seu patrono, está sujeito a sigilo profissional, ainda que não estabeleça uma relação de mandato forense com a parte representada pelo seu patrono[4].

No caso em apreço, a recorrente CC, então advogada estagiária, teve intervenção direta no divórcio por mútuo consentimento instaurado pelo seu patrono, enquanto divorciando e pela então esposa deste, tendo sido fixada nesses autos a pensão de alimentos a favor da recorrente BB e que o recorrido pretende ver cessada nos autos de que estes foram extraídos.

Embora a recorrente pretenda reduzir a sua intervenção naqueles autos à de uma mera amanuense, certo é, como já vimos, não é tanto a qualidade processual que releva para efeitos de conflito de interesses e de sigilo profissional de advogado, mas antes a proximidade com pelo menos uma das partes, a relação de confiança daí emergente e o acesso a informação que essa relação de proximidade e confiança propicia.

Ora, no caso em apreço, existem provas físicas que atestam o envolvimento da recorrente CC no processo de divórcio por mútuo consentimento em que era parte o seu patrono, tendo agido por conta deste.

A nosso ver, tanto basta para, atenta a teleologia legal, enquadrar a atuação da recorrente CC na figura do conflito de interesses obstativa da aceitação de patrocínio da outra parte no referido processo por divórcio por mútuo consentimento.

Importa agora ajuizar se a causa para que a recorrente CC aceitou o patrocínio da ex-esposa do seu patrono é conexa com o processo de divórcio por mútuo consentimento em que aquela teve intervenção, por conta do seu patrono.

A pensão de alimentos cuja cessação é pretendida pelo recorrente foi acordada no processo de divórcio por mútuo consentimento em que a recorrente CC teve intervenção.

É do conhecimento comum que nos processos de divórcio as questões patrimoniais são amiúde fonte de intensos e prolongados conflitos e de negociações entre os cônjuges.

O acordo sobre a prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça é um dos acordos que instrui o requerimento para divórcio por mútuo consentimento (artigo 1775º, nº 1, alínea c) do Código Civil).

A ação de cessação de alimentos que hajam sido judicialmente fixados corre por apenso à ação em que tenham sido fixados (artigo 936º, nº 4 do Código de Processo Civil).

A ação de que estes autos foram extraídos só não corre por apenso ao processo de divórcio por mútuo consentimento em que foi acordada a prestação alimentar porque correu termos na Conservatória do Registo Civil.

Tudo sopesado, afigura-se-nos que a ação de cessação de alimentos não pode deixar de se considerar conexa com o processo de divórcio por mútuo consentimento que é fonte da obrigação alimentar cuja cessação se pretende.

Pelo que antes se expôs, as duas objeções das recorrentes à aplicação da figura de conflitos de interesses não procedem.

Conclui-se assim pela total improcedência do recurso, sendo as custas do mesmo da responsabilidade solidária das recorrentes, mas sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia a recorrente BB.

5. Dispositivo

Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar improcedente o recurso de apelação interposto por BB e CC e, em consequência, em confirmar a decisão recorrida proferida em 11 de dezembro de 2024.

Custas solidárias a cargo das recorrentes sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso, mas sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia a recorrente BB.


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O presente acórdão compõe-se de oito páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 24-11-2025.

Carlos Gil

Eugénia Cunha

José Nuno Duarte

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[1] Notificado às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 12 de dezembro de 2024.
[2] Este artigo é idêntico ao que constava do Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pela Lei nº 15/2005 de 26 de janeiro.
[3] Aprovado pela Lei nº 145/2015 de 09 de setembro.
[4] A este propósito veja-se Do Segredo Profissional na Advocacia, Centro Editor Livreiro da Ordem dos Advogados, 1998, Augusto Lopes Cardoso, páginas 52 e 53.