Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4605/22.0T8MAI-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA SÁ LOPES
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR DE ARBITRAMENTO DE REPARAÇÃO PROVISÓRIA
JUÍZO LIMINAR E CONHECIMENTO DO MÉRITO
ALEGAÇÕES DE FACTOS QUE CONSUBSTANCIAM OS PRESSUPOSTOS DO PROCEDIMENTO
Nº do Documento: RP202310304605/22.0T8MAI-A.P1
Data do Acordão: 10/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE. REVOGAÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA.
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO SOCIAL
Área Temática: .
Sumário: I - No procedimento cautelar não pode decidir-se a questão que irá ser objeto da ação principal, devendo apenas apurar-se se ocorre uma probabilidade seria da existência do direito e ainda se há o perigo de lesão, dificilmente reparável, desse direito.
II - Quanto ao procedimento para «Arbitramento de reparação provisória» - artigo 388º do Código de Processo Civil - “Trata-se de uma providência antecipatória que visa obviar a uma situação de carência, antecipando-se a satisfação do direito”.
III - Importa aferir se foram alegados factos no requerimento inicial que consubstanciem os respetivos pressupostos: existência de indícios da obrigação de indemnizar por parte do requerido; existência de uma situação de necessidade; existência de um nexo causal entre os danos sofridos e a situação de necessidade.
IV - Coisa diversa é resultarem indiciados os alegados pressupostos, face aquele que for o resultado de toda a prova apresentada, uma vez produzida. Tal só em sede de decisão de mérito é possível.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 4605/22.0T8MAI-A.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho da Maia, Juiz 1

Recorrente: AA
Recorrida: A... – Companhia de Seguros, S.A.
4ª Secção


Relatora: Teresa Sá Lopes
1º Adjunto: Desembargador Nélson Fernandes
2ª Adjunta: Desembargadora Rita Romeira




Acordam no Tribunal da Relação do Porto


1. Relatório (com base no relatório efetuado na decisão recorrida):
AA, residente na rua ..., ... ..., intentou o presente procedimento cautelar comum contra B..., S.A., com sede no aeroporto ..., Edifício ..., ..., ...01 Lisboa e; A... – Companhia de Seguros, S.A., com sede no largo ..., ... Lisboa, pedindo a condenação das Requeridas, em regime de solidariedade, até à decisão final transitada em julgado do processo decorrente de acidente de trabalho que corre os seus termos:
a) A garantir ao Requerente uma retribuição mensal equivalente à do dia do sinistro (ou outra equivalente que decorra das negociações de concertação social para a carreira de piloto e categoria profissional de comandante);
b) Garantir ao Requerente a integração em categoria profissional e funções compatíveis com a sua formação, histórico profissional e quadro clínico, cessada/reduzida que possa vir a ser a situação de incapacidade para o trabalho;
c) A assunção de todas as despesas decorrentes das consultas, exames complementares de diagnóstico, tratamentos médicos e medicamentosos, cirurgias e tudo demais que seja necessário ao Requerente;
d) Pagar a quantia de €250,00 por cada dia de incumprimento de qualquer das obrigações supra.
Alega como causa de pedir um acidente de trabalho que o deixou incapaz para o trabalho, que as Requeridas não reconhecem e; que em maio de 2023 ficará sem qualquer rendimento, tendo em consideração que termina o período máximo de atribuição de subsídio por doença que é de 1095 dias.
*
Foi proferido despacho datado de 18/04/2023 a explicar ao Requerente que nos autos de acidente de trabalho nunca o Tribunal iria condenar fosse quem fosse nos dois primeiros pedidos e, apenas o terceiro pedido (identificado na alínea c)) poderia ser apreciado desde que se verificassem os factos necessários para o efeito.
Explicou-se o regime específico do artigo 121.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho que apenas se aplica à fase contenciosa do processo, que não é o caso dos autos, e por isso, aventou-se a possibilidade de convolação deste procedimento cautelar comum em procedimento cautelar nominado de arbitramento de reparação provisória previsto no artigo 388.º e seguintes do Código de Processo Civil, atento o terceiro pedido formulado pelo Requerente. Mais se citaram Decisões do Tribunal Superior relativamente a esta matéria, para que o Requerente pudesse consultar.
Tudo explicado, concedeu-se o contraditório ao Requerente no que tange ao indeferimento liminar do procedimento cautelar no estado em que se encontra; concedendo-se ainda a possibilidade de convolação deste procedimento cautelar em procedimento cautelar nominado de arbitramento de reparação provisória, desde que fossem articulados os factos necessários para o efeito.
*
O Requerente apresentou o requerimento datado de 24/04/2023, através do qual nada diz quanto ao indeferimento liminar e, tão só pede a convolação do procedimento cautelar para procedimento cautelar nominado de arbitramento de reparação provisória, culminando com os seguintes pedidos:
Condenação das Requeridas, em regime de solidariedade – até à decisão final transitada em julgado – do processo decorrente de acidente de trabalho que corre termos, a:
a) Garantir ao Requerente o pagamento da quantia mensal de €10.000,00;
b) Garantir o pagamento de todas as despesas do Recorrente decorrentes de diagnósticos, tratamentos médicos e medicamentosos, cirurgias e tudo o mais que seja necessário ao seu tratamento e cuidados;
c) Pagar a quantia de €250,00 por cada dia de incumprimento de qualquer das obrigações supra.’

Em 27.04.2023, a Mmª Juiz a quo proferiu despacho liminar, no qual se lê:
“O procedimento cautelar comum deduzido pelo Requerente no requerimento inicial datado de 14/04/2023 é para indeferir liminarmente porquanto o Tribunal não está autorizado a conhecer dos pedidos descritos, nas alíneas a) e b), por se tratar de matéria excluída da ação com processo especial emergente de acidente de trabalho a que este procedimento cautelar corre por apenso.
Com efeito, o objeto da ação com processo especial emergente de acidente de trabalho consiste grosso modo, tal como explicado no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, com o n.º de processo 4037/20.5T8LRA-A.C1, com o n.º convencional JTRC, relatado pelo Venerando Juiz Desembargador Felizardo Paiva, disponível para consulta in www.dgsi.pt/jtrc “I - No caso específico dos acidentes de trabalho, as indemnizações a garantir aos sinistrados são as previstas na Lei n.º 98/2009, de 04/09, que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, incluindo a reabilitação e reintegração profissionais, nos termos do artigo 284.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro”.
Nesta conformidade, justifica-se plenamente o despacho liminar de indeferimento destas providências cautelares por manifesta e indiscutível improcedência do pedido.
Relativamente, ao terceiro pedido deduzido (descrito sob a alínea c)), inexiste a articulação de qualquer facto a identificar a necessidade de consultas, que consultas, qual o custo, que exames complementares de diagnóstico, qual o custo, que exames médicos e medicamentados, que cirurgias e, respetivo nexo de causalidade.
Nesta conformidade, relativamente à providência requerida sob a alínea c) também se justifica o despacho liminar de indeferimento por manifesta e indiscutível improcedência do pedido atenta a inexistência de factos para sustentar este pedido.
Tal como decidiu o Tribunal da Relação do Porto no Acórdão de 22/02/2021, com o n.º de processo 5196/20.2T8VNG.P1, com o n.º convencional JTRP000, relatado pelo Venerando Juiz Desembargador Jerónimo Freitas, disponível para consulta “III – Os despachos liminares de indeferimento das providências cautelares terão de ser reservados para situações de manifesta e indiscutível improcedência do pedido”.
Não tem dúvida o Tribunal que se verifica a manifesta e indiscutível improcedência do pedido no âmbito do procedimento cautelar comum deduzido pelo Requerente, razão pela qual o procedimento cautelar tem de ser liminarmente indeferido.
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Da convolação do procedimento cautelar comum em procedimento cautelar nominado de arbitramento de uma reparação provisória.
Relembremos que a justificação do Tribunal para esta possibilidade reporta-se ao pedido deduzido na alínea c) do requerimento inicial “A assunção de todas as despesas decorrentes das consultas, exames complementares de diagnóstico, tratamentos médicos e medicamentosos, cirurgias e tudo demais que seja necessário ao Requerente”, subjacente ao qual nenhum facto foi alegado.
No requerimento agora apresentado alega o Requerente a este propósito que “77.º E, designadamente os cuidados médicos que necessita para a sua sobrevivência, tais como diálise (três meses por semana) e custos com acompanhamento médico que vem assumindo do seu próprio bolso.
78.º Já que não beneficia do apoio de nenhum das Requeridas, nem para esse feito”.
Como se vê, desde logo, o Requerente não alega um único facto quanto à despesa que suporta com a diálise, que se supõe assegurada pelo SNS, nem identifica qual o acompanhamento médico e respetivo custo.
Continuamos na mesma relativamente ao pedido agora identificado na alínea b).
Significa isto que o pedido deduzido pelo Requerente no requerimento inicial que serviu de ponte para a ponderação à convolação do procedimento cautelar não serve para fundamentar tal convolação porquanto o Requerente não alega factos para o suportar.
Quanto ao pagamento da quantia mensal de € 10.000,00 (pedido próprio do procedimento cautelar nominado de arbitramento de uma reparação provisória, através de renda mensal que não tinha sido deduzido no requerimento inicial), o Requerente fundamenta o seu pedido com o facto de em maio de 2023 perder o direito a qualquer retribuição/subsídio de doença. Não é assim, esgotados os 1095 dias de baixa médica, o doente é apresentado a junta médica, se for considerado apto para o trabalho, vai trabalhar e recebe a sua retribuição, caso contrário, será reformado por invalidez ganhando a pensão. Entre a realização da junta média e o período em que pode discordar até que se verifique uma decisão definita, o Requerente tem direito a receber uma pensão provisória.
Nesta conformidade, o fundamento para a convolação do procedimento cautelar não se verifica porquanto o Requerente nunca ficará sem qualquer rendimento, pois desde que termina a baixa prolongada até à decisão definitiva da junta médica recebe uma pensão provisória. Aliás, verifica-se do requerimento inicial que o Requerente não concorda com as hipóteses que lhe são propostas para resolução da questão enquanto a ação de acidente de trabalho é tramitada, tendo-se gorado as negociações (artigos 96.º a 99.º do requerimento inicial), razão pela qual, o Requerente intentou este procedimento cautelar comum por apenso à ação principal com processo especial de acidente de trabalho para garantir a sua posição nas negociações em curso.
Finalmente, como se verifica do requerimento apresentado, o Requerente não cumpriu o convite do Tribunal pois não alegou os factos necessários e adequados para a convolação do procedimento apesar do Tribunal citar um Acórdão no qual se identificam os requisitos necessários para o efeito.
Este incumprimento ao convite do Tribunal determina naturalmente a impossibilidade de convolação do procedimento cautelar comum deduzido pelo Requerente em procedimento cautelar nominado de reparação, com o consequente indeferimento liminar do procedimento cautelar comum deduzido pelo Requerente.
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Decisão.
Nos termos e fundamentos expostos, decide o Tribunal indeferir liminarmente o procedimento cautelar comum deduzido pelo Requerente.
Custas a cargo do Requerente, nos termos do artigo 539.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Valor - € 80.000,00 (o indicado pelo Requerente).”


O Requerente, inconformado, interpôs recurso desta decisão, terminando as respetivas alegacões com as seguintes CONCLUSÕES:
[A] O presente procedimento cautelar inominado foi intentado com vista à obtenção da garantia do recebimento pelo Requerente/Recorrente da retribuição mensal equivalente à do dia do acidente de trabalho sofrido em 28 de Janeiro de 2020, acrescido da garantia da integração profissional em categoria e funções compatíveis com a sua formação, histórico profissional e quadro clínico, cessada que seja a situação de incapacidade para o trabalho.
[B] Ainda que não concordando inteiramente com os argumentos doutamente aduzidos pelo Tribunal ad quo no despacho proferido sob a referência 447519567, mas atenta a emergente situação de estrangulamento financeiro, o Requerente/Recorrente promoveu pela convolação do procedimento cautelar tal como sugerido, tendo apresentado articulado inicial aperfeiçoado a tal efeito.
Vide artigos 1º a 5º supra
[C] Através do despacho proferido sob a referência 447822186 veio o Tribunal ad quo indeferir liminarmente o procedimento cautelar requerido, sustentando que
Não tem dúvida o Tribunal que se verifica a manifesta e indiscutível improcedência do pedido no âmbito do procedimento cautelar comum deduzido pelo Requerente, que o fundamento para a convolação do procedimento cautelar não se verifica porquanto o Requerente nunca ficará sem qualquer rendimento e que o Requerente não cumpriu o convite do Tribunal pois não alegou os factos necessários e adequados para a convolação do procedimento apesar do Tribunal citar um Acórdão no qual se identificam os requisitos necessários para o efeito.
[D] No que ao indeferimento liminar do procedimento cautelar comum respeita, aponta o Tribunal ad quo um suposta divergência entre o peticionado e os fins visados com a ação principal, deixando implícito o entendimento de que a ação emergente de acidente de trabalho só poderá ter como incidente cautelar o arbitramento de reparação provisória.
[E] Seja na ação seja na ação emergente de contrato de trabalho ou em qualquer outra, o procedimento cautelar pode ter como objetivo não apenas o arbitramento de reparação provisória mas também outras medidas cautelares que visem garantir a efetividade da ação principal.
[F] O arbitramento de reparação provisória é uma das possíveis medidas cautelares que podem ser requeridas na ação emergente de contrato de trabalho, mas não é a única, sendo que a escolha da medida cautelar adequada dependerá das circunstâncias do caso concreto e do objetivo pretendido pelo autor/sinistrado.
[G] A definição do concreto procedimento cautelar adequado a antecipar e garantir os interesses a tutelar depende da causa de pedir, isto é, dos fundamentos em que se sustenta o efeito jurídico que se pretende assegurar antecipadamente, bem assim a esse mesmo efeito, traduzido no pedido.
Vide artigos 9º a 20º supra
[H] A vontade manifestada pelo Requerente/Recorrente era no sentido de que até à caraterização das maleitas sofridas como decorrentes do acidente de trabalho e à determinação da responsabilidade pela sua reparação – fito da pendente ação emergente de acidente de trabalho -, a entidade empregadora fosse responsabilizada pela garantia do pagamento da retribuição equivalente à do dia do sinistro.
[I] O Requerente/Recorrente não peticionou, nem podia peticionar, considerada a alta clínica dada pela seguradora e a ausência de fixação de incapacidade, qualquer pensão provisória, cabendo-lhe outrossim exigir a garantia do recebimento da sua retribuição até ao momento da fixação da incapacidade ou decisão final daquela ação emergente de acidente de trabalho.
Vide artigos 21º a 24º supra
[J] Acresce que a cessação do pagamento de subsídio de doença no termo do prazo dos 1095 dias não impõe a transferência imediata do Requerente/Recorrente para a situação de aposentação por invalidez, sendo-lhe permitido manter atividade profissional adequada à sua concreta situação clínica, contanto que se respeitem quer a formação e histórico profissional quer a retribuição auferida no momento do acidente de trabalho.
Vide artigos 25º a 28º supra
[K] Além do mais, assumindo que se prove o nexo de causalidade entre o sinistro e os danos entretanto emergentes, a seguradora apenas será obrigada a indemnizar o Requerente/Recorrente pela incapacidade para o trabalho após a sua fixação.
[L] Não menos relevante se afere, porém, a consideração das obrigações, designadamente retributivas, que a seguradora deveria ter assumido entre o momento em que foi dada alta ao Requerente/Recorrente (08 de Maio de 2020) e o momento da fixação da incapacidade.
Vide artigos 29º a 32º supra.
[M] O caso sub judice não se encaixa na típica situação de fixação duma indemnização pela incapacidade enquanto o sinistrado se encontra em tratamento, pois a requerida seguradora atribuiu alta clínica ao Requerente/Recorrente sem incapacidade para o trabalho.
[N] A concreta situação de perigo que o Requerente/Recorrente pretende acautelar é a subsistência do seu agregado familiar até à fixação da incapacidade e/ou assunção de responsabilidade pela requerida seguradora, pelo que lhe restava peticionar o pagamento dum valor mensal, equivalente à sua retribuição à data do acidente, como compensação pelo dano provocado pela situação de incapacidade para o trabalho.
Vide artigos 33º a 37º supra.
[O] Na ótica do Requerente/Recorrente o procedimento cautelar comum tem cabimento jurídico e merecida procedência na presente situação, até porque se encontram demonstrados os requisitos impostos para a sua procedência e o arbitramento de reparação provisória – destinado à fixação de quantia certa como reparação provisória dum dano – não se adequa à sua pretensão.
Vide artigos 38º a 47º supra.
*
[P] Se assim não se entender, sempre se diga que infundada se afere também a improcedência do arbitramento de reparação provisória.
Vide artigos 48º e 49º supra.
[Q] No que ao rendimento do Requerente/Recorrente concerne, mesmo que fosse automático o recebimento duma pensão de invalidez – que não é! -, sempre seria a mesma de valor manifestamente inferior ao rendimento do Requerente/Recorrente e insuficiente a prover às essenciais necessidades do seu agregado familiar.
[R] O arbitramento de reparação provisória visa garantir a subsistência do sinistrado enquanto aguarda o desfecho da ação principal, nele se acautelando não apenas as situação de ausência total de rendimento mas também qualquer diminuição que coloque a subsistência do sinistrado e sua família em risco.
[S] E por subsistência não se tem o limiar da indigência, mas uma insuficiência atual e manifesta de rendimentos para fazer face às despesas inerentes à vida do sinistrado e seu agregado familiar, de acordo com um padrão de vida condigno e decorrente do que era o seu antes da ocorrência do sinistro.
Vide artigos 50º a 59º supra.
[T] Já os pressupostos/requisitos da concessão de arbitramento de reparação provisória foram demonstrados pelo Requerente/Recorrente no seu articulado aperfeiçoado/de convolação, tal como legalmente impostos e jurisprudencialmente descritos.
[U] Não se exigia, porém, ao Requerente/Recorrente uma perfeita e absoluta demonstração da existência do seu direito e perigo decorrente da cessação do pagamento do subsídio de doença, mas outrossim a demonstração indiciária desses requisitos – o que fez.
Vide artigos 60º a 74º supra.
[V] Por outro lado, mas não menos relevante, é que o arbitramento de reparação provisória não se reconduz exclusivamente aos casos de fixação provisória de pensão para reparação de um dano, cabendo igualmente em situações em que urja acautelar a situação de emergência financeira do sinistrado e seu agregado familiar.
Vide artigos 75º a 79º supra.
[W] Considere-se processualmente adequado o procedimento cautelar comum ou o arbitramento de reparação provisória, resulta evidente que o Requerente/Recorrente deu satisfação às exigências indiciárias legalmente impostas, demonstrando, cremos que mais do que indiciariamente, a existência, ou potencial, do direito em que se arroga, da obrigação de reparação das requeridas e da eminente situação de rutura financeira/risco de subsistência.
[X] Cumpria admitir liminarmente o mesmo e dar seguimento ao processado.
Vide artigos 80º a 86º supra.
Termos em que, julgando o presente recurso procedente, por provado, com a consequente:
(a) revogação da decisão de indeferimento liminar do procedimento cautelar comum constante do despacho com a referência 447822186, e substituição por outra que, admitindo liminarmente o mesmo, determine o prosseguimento dos autos como legalmente consagrado; ou
(b) revogação da decisão de indeferimento liminar do arbitramento de reparação provisória constante do despacho com a referência 447822186, e substituição por outra que, admitindo liminarmente o mesmo, determine o prosseguimento dos autos como legalmente consagrado, farão V/ Exªs, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA!" (realce e sublinhado nossos).


A Requerida/Seguradora contra-alegou sem formular conclusões (transcrevem-se as contra-alegações, não nos competindo a respetiva síntese):
“1. A Recorrente restringe o objeto inicial do recurso com as conclusões da alegação, nos termos do n.º 4 do art.º 635.º do CPCiv.
Daquelas resulta ser seu entendimento que andou mal o tribunal a quo aquando da prolação das seguintes decisões:
- Decisão vertida no despacho de refª Citius 447519567, pela qual foi aquela convidada a exercer o contraditório quanto ao pretenso indeferimento liminar do procedimento cautelar comum, a ocorrer caso tal forma se mantivesse, tendo sido convidado, caso entendesse que se encontravam preenchidos os requisitos para tal, a articular os factos necessários para a convolação daquele em procedimento cautelar nominado de arbitramento de reparação provisória, tendo em conta o pedido de despesas clínicas;
- Decisões vertidas no despacho de refª Citius 447822186, pelo qual foram liminarmente indeferidos o procedimento cautelar comum originalmente desencadeado, bem como o procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória, após apresentação de requerimento inicial aperfeiçoado.
Vejamos porque devem as decisões impugnadas ser mantidas:
A) DA DECISÃO DO CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO DO ARTICULADO PARA CONVOLAÇÃO DO PROCEDIMENTO CAUTELAR INTERPOSTO
2. No que à decisão agora posta em cheque contende, e conforme admite o Recorrente quer nas alegações, quer nas conclusões do recurso, ainda que “não concordando inteiramente com os argumentos doutamente aduzidos” foi o Requerente/ Recorrente notificado da douta decisão, tendo sido convidado a pronunciar-se sobre o pretenso indeferimento liminar do procedimento cautelar comum.
Acontece que, acerca da sobredita questão, nada disse o Recorrente, não tendo recorrido ou reclamado de tal despacho, tendo, antes, apresentado requerimento inicial aperfeiçoado, assumindo a forma de procedimento cautelar nominado de arbitramento de reparação provisória, concretamente regulado nos termos dos art.º 388.º e ss. do CPCiv.
3. Assim, tendo o Recorrente sido notificado para tal, nada tendo dito acerca do pretenso indeferimento liminar – tendo a referida decisão transitado em julgado – mas antes aperfeiçoado o seu articulado, conformou-se o Recorrente com aquela forma procedimental, não podendo, agora, insurgir-se contra a mesma, devendo o Venerando Tribunal da Relação conhecer da sobredita extemporaneidade, que obsta ao conhecimento do recurso tout court, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 652.º e art.º 655.º do CPCiv.
A.1) DA INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
4. No seguimento do silêncio face a iminência do indeferimento liminar e do consequente aperfeiçoamento do articulado para convolação do procedimento cautelar comum interposto, o Requerente/ Recorrente não só se conformou com aquela forma processual tout court, como alterou o seu articulado e os pedidos formulados à realidade juridicamente relevante no que à sua pretensão indemnizatória cautelar contende, não lhe sendo admissível insurgir-se, agora, com a forma processual que configurou como a acertada.
Pelo que, tal silêncio e consequente aperfeiçoamento de articulado munem a sede recursiva de inutilidade superveniente da lide, no que ao pedido de revogação do indeferimento liminar e consequente ordem de prosseguimento dos autos de procedimento cautelar comum contende, devendo tal inutilidade dar causa à extinção dos presentes autos.
A.2) DA IMPUGNAÇÃO DO INDEFERIEMNTO LIMINAR DO PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM
5. Como se não bastasse a inutilidade superveniente de tal discussão nos termos sobreditos, as alegações de que o referido indeferimento teve na sua base “o entendimento de que a ação emergente de acidente de trabalho só poderá ter como incidente cautelar o arbitramento de reparação provisória” são absolutamente infundadas.
O que resulta do douto despacho – e bem – do qual o Recorrente recorre é que os pedidos (1) de retribuição mensal equivalente à auferida aquando do acidente, (2) de integração profissional em categoria e no cumprimento de funções nas condições elencadas e (3) da consequente sanção pecuniária compulsória por dia de incumprimento, não são pedidos com cabimento legal, quer no âmbito do procedimento cautelar, quer na regulamentação da ação especial emergente de acidente de trabalho instaurada, tanto a nível processual, como a nível substantivo.
6. Quanto ao alegado facto de o Recorrente não ter lançado mão de outros expedientes jurídicos para fazer face à eventual cessação do pagamento de subsídio de doença (e não à eventual incapacidade que lhe adveio do acidente de trabalho), é uma consequência dos princípios da Preclusão e da Autorresponsabilização das Partes que assiste ao Rte./Recorrente, sendo tais eventuais omissões, exclusivamente imputáveis ao próprio.
Neste sentido, a caducidade da ação instaurada já invocada em sede de oposição ao procedimento cautelar (advinda da assumida comunicação formal da alta clínica a 8/5/2020 – cfr. doc.9 com o RI), abala qualquer que fosse – porque não foi, nem sumariamente – a aparência do direito a qualquer indemnização por parte da Recorrida.
É que o ónus de demonstrar quais as lesões e as sequelas que poderão ter advindo ao Rte./ Recorrente em razão do acidente de trabalho invocado, bem como as imensas despesas e que alega ter com os tratamentos daquelas compete ao próprio, sendo-lhe exclusivamente imputável a ausência de meios de prova que sustentem e quantifiquem a indemnização que entende ser-lhe devida, conforme fundamentou o tribunal a quo, não bastando a mera formulação de pedidos sem qualquer base fáctica ou legal que os suportem.
7. Já no que à causa de pedir contende, a alegada não transferência imediata do Rte./Recorrente para uma eventual situação de invalidez não preenche, nem de longe nem de perto, face os factos alegados e documentalmente demonstráveis, a situação de lesão grave e dificilmente reparável, capaz de exigir a tutela cautelar jurídica.
8. Pelos múltiplos fundamentos até então elencados, andou bem o tribunal a quo ao indeferir liminarmente o procedimento cautelar comum que lhe fora apresentado, por não se mostrar adequado quanto aos pedidos, quanto à causa de pedir invocada, e face a pretensão indemnizatória específica que se pretende desencadear, e que ora se encontra ferida de inutilidade superveniente, em razão da opção pela convolação do procedimento cautelar para nominado, devendo o Venerando Tribunal da Relação conhecer da inutilidade e extinguir a instância recursiva, mantendo a decisão proferida.
B) DA IMPUGNAÇÃO DO INDEFERIMENTO LIMINAR DO PROCEDIMENTO CAUTELAR DE ARBITRAMENTO DE REPARAÇÃO PROVISÓRIA
9. Quanto à impugnação da decisão do indeferimento liminar do procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória – a qual se mostra, também, bastante contraditória, por ser rejeitada no início das alegações e das conclusões de recurso – mostra-se, também, carecida de fundamentos de facto e de direito que lhe confiram procedência.
Senão, vejamos,
Impõe o CPCiv. que o Rte./ Recorrente tivesse requerido o arbitramento de quantia certa como reparação provisória do dano, identificado ou, no mínimo, identificável, e demonstrada uma situação de necessidade em consequência daqueles danos sofridos, estando já indiciada a obrigação de indemnização.
Ora, conforme resulta do articulado já aperfeiçoado – no sentido de demonstrar o dano até a discussão definitiva, as alegadas despesas a incorrer em razão da incapacidade e o seu nexo com o acidente de trabalho – os referidos elementos inexistem, não sendo, em momento algum, qualquer situação de necessidade.
Tanto assim é que, o Rte./ Recorrente, invoca como causa de pedir, não um concreto dano, mas sim, o facto da não automaticidade da eventual situação de invalidez!
10. No que à aferição do eventual facto de estar em causa o sustento ou habitação do lesado, recordam-se os Venerandos Desembargadores que, nos termos do alegado no RI, o Rte./Recorrente entende estar numa posição que lhe permite rejeitar a proposta da Empregadora, pela qual lhe disponibilizou uma reconversão profissional que, para além de lhe assegurar uma retribuição base de € 7.871,56, acrescido de um complemento de €1.000,00/mês à sua reforma por invalidez.
Sendo os pedidos formulados nos presentes autos, para além de carecerem de fundamento de facto e legal, um mero capricho do Rte./ Recorrente, que sabe, desde a comunicação do certificado da ANAC de 10/1/2022 (cfr.doc.17 com o RI), que não pode exercer a profissão de piloto de aviação.
A inverosimilidade adensa-se quando se constata que as despesas com o empréstimo para a habitação que o Rte./ Recorrente pretende comprovar com o extrato que junta como doc.36 com o RI é demonstrativo do facto de que o mesmo foi contraído – em 24/7/2020 (com capital de €600.000,00) – e reforçado – em 2/3/2023 (com capital de €205.718,00) – após o alegado sinistro, e mais que instalada a incapacidade daquele advinda.
É, por isso, gritante, a incorreção vertida nas conclusões do recurso quando afirma que, com o procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória tem como finalidade garantir a subsistência do Rte./ Recorrente e da sua família, tendo o mesmo ao seu dispor, e que rejeita, oportunidades da manutenção da garantia da subsistência do próprio e sua família, associadas à manutenção da empregabilidade na mesma área e
11. Por tudo o exposto, teve inteiro acerto a douta decisão recorrida decidiu indeferir liminarmente a sua pretensão, uma vez que o Rte./ Recorrente não logrou alegar, quanto mais demonstrar, ainda que indiciária e documentalmente, os elementos clínicos da pretensa incapacidade advinda e o seu nexo com o alegado acidente, nem das despesas em que incorreu, incorre e se prevê que incorra, até à decisão definitiva da causa, com os tratamentos e medicamentos que invoca genericamente.
Pelo contrário, o recorrente demonstra encontrar-se numa situação de doença crónica em evolução já desde 2016, tendo, apenas, após o alegado evento, contraído mútuos bancários que reforçou, ao passo que rejeita a reconversão profissional adequada à sua situação, e que lhe renderia o salário mensal de montante que peticionou, devendo, também por isso, ser liminarmente indeferido o procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória.
Com a prolação das doutas decisões proferidas, objeto de recurso de Apelação, fê-lo o Tribunal a quo em estrito cumprimento da lei.
NESTES TERMOS E MAIS FUNDAMENTOS DE DIREITO, DEVEM V. EXAS.:
A) DESDE LOGO, CONHECER DA EXTEMPORANEIDADE QUE OBSTA AO CONHECIMENTO DA IMPUGNAÇÃO DO CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO DO ARTICULADO PARA CONVOLAÇÃO DO PROCEDIMENTO CAUTELAR;
B) CONHECER DA INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE QUANTO À IMPUGNAÇÃO DO INDEFERIMENTO LIMINAR DO PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM, OU, CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, CONFIRMAR A REFERIDA DECISÃO DE INDEFERIMENTO LIMINAR QUANTO A TAL QUESTÃO;
C) CONFIRMAR A DECISÃO DE INDEFERIMENTO LIMINAR DO PROCEDIEMNTO CAUTELAR DE ARBITRAMENTE DE REPARAÇÃO PROVISÓRIA;
DEVENDO, CONSEQUENTEMENTE, SER NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO INTERPOSTO PELO RECORRENTE, CONFIRMADANDO-SE AS DOUTAS DECISÕES RECORRIDAS, POR SER DE INTEIRA JUSTIÇA!” (realce e sublinhado nossos).
Em remate pronuncia-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.


O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e efeito suspensivo.

Subidos os autos a esta Relação, o Exmº. Procurador Geral-Adjunto manifestou-se no sentido da procedência do recurso, aí se lendo:
“(…)
4. No processo do trabalho prevê-se, nos artigos 121º a 123º do CPT, uma verdadeira providencia cautelar, especifica dos processos emergentes de acidentes de trabalho ou de doenças profissionais, que se orienta pelos requisitos gerais dos procedimentos cautelares.
Atenta, porém, a sua inserção sistemática, entende-se que é aplicável, apenas na fase contenciosa do processo.
Na fase conciliatória entende-se, porém, que podem ter aplicação os procedimentos cautelares especificados regulados no Código de Processo Civil que forem aplicáveis ao foro laboral seguindo o regime estabelecido nesse Código – art.º 47º do CPT.
Embora este preceito não especifique/diga quais são esses procedimentos, pela natureza das coisas, na prática, face à especificidade das relações de trabalho subordinado, poderão aplicar-se os procedimentos de (i)suspensão de deliberações sociais de associações sindicais (art.º 380º e segs), (II)arbitramento de reparação provisória (art.º 388º e segs), (iii)arresto (art.º 391º e segs), e (iv)arrolamento (art.º 403º e segs).
Atento ainda o disposto no art.º 52º da LAT, “Sem prejuízo do disposto no Código de Processo do Trabalho, é estabelecida uma pensão provisória por incapacidade permanente entre o dia seguinte ao da alta e o momento de fixação da pensão definitiva; a pensão provisória destina-se a garantir uma protecção atempada e adequada nos casos de incapacidade permanente sempre que haja razões determinantes do retardamento da atribuição das prestações; a pensão provisória por incapacidade permanente inferior a 30 % é atribuída pela entidade responsável e calculada nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 48.º, com base na desvalorização definida pelo médico assistente e na retribuição garantida; a pensão provisória por incapacidade permanente igual ou superior a 30 % é atribuída pela entidade responsável, sendo de montante igual ao valor mensal da indemnização prevista na alínea e) do n.º 3 do artigo 48.º, tendo por base a desvalorização definida pelo médico assistente e a retribuição garantida; os montantes pagos nos termos dos números anteriores são considerados aquando da fixação final dos respetivos direitos, entende-se que é aplicável, nestes casos o procedimento de arbitramento de reparação provisória, previsto no art.º 388º e segs., do CPC.
Efectivamente, na providência de arbitramento de reparação provisória tutelam-se antecipadamente os danos que, além de afetarem a vida ou a integridade física, determinam para o lesado direto ou para certos familiares uma situação de carência de meios económicos a colmatar imediatamente pelo requerido, enquanto responsável pela obrigação indemnizatória.
A quantificação da renda mensal será feita pelo juiz com base em critérios de equidade, sem deixar de ponderar obviamente o valor provável da indemnização que será determinado na sentença definitiva.
Para tanto é necessário que (i)se verifique a aparência ou probabilidade de existência do direito à pensão (fumus boni iuris), (ii)que ocorra o risco de a demora da ação poder provocar dificuldades económicas consideráveis ao sinistrado (periculum in mora), (iii)assentando a decisão do juiz numa “apreciação sumária dos respetivos pressupostos”.
5. No caso presente também foi entendido do mesmo modo, proferindo-se Despacho a convidar o requerente a apresentar novo pedido, com vista à convolação do procedimento cautelar em arbitramento de reparação provisória a que se refere o art.º 388º do CPC.
Porém, entendeu a Decisão recorrida que o Recorrente, embora convidado a aperfeiçoar o requerimento inicial, “tão só pede a convolação do procedimento cautelar para procedimento cautelar nominado de arbitramento de reparação provisória”.
Porém, o Requerente/Recorrente alegou (i)a existência de um acidente (inalação de gás), de trabalho que lhe determinou lesões, e já, também, sequelas que o incapacitam para o trabalho habitual (IPATH), pois está incapaz de exercer a profissão de “piloto aviador”, (ii) as dificuldades económicas que sente e se irão agravar a partir de Maio de 2023, (iii)está junto o recibo de vencimento do sinistrado, pelo que, salvo melhor opinião, estarão alegados os pressupostos mínimos para poder ser decretada a providência e calculada a pensão/indemnização.
Assim, salvo sempre melhor opinião, levando em conta a vontade de o requerente pretender a convolação do procedimento cautelar em arbitramento de reparação provisória a que se refere o art.º 388º do CPC, o evento referido, a partir do qual o Recorrente se sentiu mal, as necessidades invocadas, para ele e agregado familiar deveria aceitar-se este requerimento como procedimento cautelar em arbitramento de reparação provisória a que se refere o art.º 388º do CPC.
*
6. Pelo que, ressalvando sempre diferente e melhor opinião, se emite parecer no sentido de que deveria merecer provimento o recurso do sinistrado.”

A Requerida respondeu nos seguintes termos:
“Os factos que motivam a rejeição do procedimento interposto pelo Recorrente/Autor advêm do concreto não preenchimento dos requisitos da tutela cautelar que aquele pretende desencadear e, portanto, aferidas por referência ao caso sub judice.
Esclarecida que está a premissa para o Tribunal a quo, da admissibilidade legal da tutela cautelar no seio da ação especial emergente de acidente de trabalho, vejamos os requisitos que o Recorrido não logrou preencher, apesar de com isso onerado.
2. Desde logo, quanto ao critério da “existência de obrigação de indemnizar a cargo do requerido” (cfr. n.º 2 do art.º 388.º do CPCiv), não demonstrou, nem que indiciariamente, a aparência de um direito a qualquer indemnização por parte da Recorrida, a qual lhe comunicou formalmente a alta clínica a 8/5/2020 (cfr. doc. 9 junto com o RI), único elemento clinico que não estabelece, nem indiciariamente, nenhuma relação entre o estado de saúde alegadamente incapacitando do recorrente e o evento de inalação de fumos que descreve ter ocorrido num avião.
3. Nenhum elemento clínico afirma e muito menos demonstra, cientificamente, que o Estado clínico do A. com doença renal grave e em evolução para uma fase muito avançada é consequência directa e adequada da dita inalação de fumo.
O próprio recorrente, trás aos autos elementos comprovativos de, apesar da doença renal de que padece, a sua entidade patronal procurou requalifica-lo com uma profissão adequada às suas habilitações e com retribuição base de €7.871, 56 (sete mil, oitocentos e setenta e um euros e cinquenta e seis cêntimos), a que acresceria ainda um complemento mensal de €1.000,00 (mil euros) à reforma por invalidez, o que o mesmo recusou???!!!!!...
4. Se estes factos, alegados pelo próprio, contrariam que o mesmo esteja incapacitado de trabalhar e auferir rendimentos do trabalho, tal não ocorre manifestamente, por razões alheias à sua própria vontade.
O A. tem capacidade de trabalho para auferir mensalmente cerca de 9000 euros, mas, não quer. Ponto.
5. A par do referido critério, não logrou, também, o Recorrente, alegar e demonstrar a necessidade do n.º 1 do art.º 122.º do CPT, quanto mais uma eventual “situação de necessidade em consequência dos danos sofridos”, como exige o normativo constante do n.º 2 do art.º 388.º do CPCiv.
Pelo contrário, não invoca uma situação de necessidade em razão da incapacidade advinda do alegado acidente de trabalho ocorrido, mas, do facto da alegada não transferência imediata para uma pretensa situação de invalidez, a atribuir pelo ISS, I.P., em razão de uma avaliação clínica a levar a cabo por aqueles serviços, e portanto, procedimento externo e independente, e a correr a par da presente demanda.
6. Acresce que, ainda quanto ao requisito da “necessidade” para o decretamento da providência requerida, e quanto ao risco de a demora da ação poder provocar tal necessidade, sempre se teria que os julgar como incongruentes com a própria alegação do Rte., quendo é este no seu RI, quem confirma que rejeitou a proposta de reconversão profissional pela Entidade Empregadora acima referida e o rendimento correspondente.
Aos factos sobreditos trazidos à presente demanda, bastantes para julgar como não provados os factos necessários para o decretamento da providência requerida acrescem os demais factos vertidos nas contra-alegações de recurso da Recorrida, que se reiteram integralmente, e que espelham a intenção abusiva do Recorrente com os pedidos de ação especial e de providência cautelar desencadeados, desde logo, sabendo desde 10/1/2022 (cfr. doc. 17 junto com o RI) que não pode exercer a profissão de piloto de aviação, mas, tendo reforçado, a 2/3/2023 (com € 205.718,00), o mútuo bancário para a habitação (cfr. doc. 36 junto com o RI).
Criando assim, ele próprio, uma situação de empolamento da dívida que agora invoca para justificar a insuficiência para a pagar?!...
7. Por último, foi ainda invocada a exceção da caducidade de ação, que, assentando em elementos documentais demonstrados, é ainda suscetível de fazer antever a bondade da exceção e a consequente inviabilidade da pretensão, além do mais, por extemporaneidade.
Isto posto, foi com inteiro acerto de constatação da evidência que a Mmª Juiz a quo não teve a menor hesitação e rejeitar, liminarmente, o que não tem pernas para andar.
E, salvo devido respeito, não se afigura que o douto parecer a que se responde – que não versa sequer os fundamentos da sentença para a rejeição – lhe possa assegurar o andamento que não tem.”
*
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
- Questão prévia:
Extemporaneidade do recurso relativamente à decisão de indeferimento liminar do processo cautelar comum.
A Requerida/Seguradora/Apelada, concluiu, em suma, a este respeito:
- admite o Recorrente que “não concordando inteiramente com os argumentos doutamente aduzidos” foi convidado a pronunciar-se sobre o indeferimento liminar do procedimento cautelar comum.
- nada tendo dito o Recorrente acerca do indeferimento liminar, antes aperfeiçoado o seu articulado - apresentado requerimento inicial aperfeiçoado, assumindo a forma de procedimento cautelar nominado de arbitramento de reparação provisória, regulado nos termos dos art.º 388.º e ss. do Código de Processo Civil (CPC)-, conformou-se o Recorrente com tal forma procedimental, não podendo, agora, insurgir-se contra a mesma, devendo o Venerando Tribunal da Relação conhecer da sobredita extemporaneidade, que obsta ao conhecimento do recurso tout court, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 652º e artigo 655º do CPC.
Vejamos:
Não ocorre a invocada extemporaneidade, já que só ulteriormente à audição do Requerente, foi proferida a decisão de indeferimento liminar do procedimento cautelar comum, decisão sob a qual o Recorrente recorreu, sendo uma das questões objeto do presente recurso.
Assim e sem prejuízo do que infra se decide quanto a tal segmento do recurso, entendemos que não se verifica a invocada extemporaneidade.
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O objeto do recurso, consubstancia-se nas seguintes questões:
- saber se o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao indeferir liminarmente o procedimento cautelar comum;
- saber se o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao indeferir liminarmente o procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória.
- sendo esse o caso, saber se ocorre a exceção da caducidade do procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória.


2. Fundamentação:
2.1. Fundamentação de facto:
Os factos tidos por relevantes são os que resultam do relatório que antecede.


2.2. Fundamentação de direito:
2.2.1. Num primeiro segmento, o Recorrente insurge-se quanto ao indeferimento liminar do procedimento cautelar comum.
Em tal procedimento, foi peticionado pelo Requerente:
a) A garantir ao Requerente uma retribuição mensal equivalente à do dia do sinistro (ou outra equivalente que decorra das negociações de concertação social para a carreira de piloto e categoria profissional de comandante);
b) Garantir ao Requerente a integração em categoria profissional e funções compatíveis com a sua formação, histórico profissional e quadro clínico, cessada/reduzida que possa vir a ser a situação de incapacidade para o trabalho;
c) A assunção de todas as despesas decorrentes das consultas, exames complementares de diagnóstico, tratamentos médicos e medicamentosos, cirurgias e tudo demais que seja necessário ao Requerente;
d) Pagar a quantia de €250,00 por cada dia de incumprimento de qualquer das obrigações supra.
A este respeito, lê-se na decisão recorrida:
“O procedimento cautelar comum deduzido pelo Requerente no requerimento inicial datado de 14/04/2023 é para indeferir liminarmente porquanto o Tribunal não está autorizado a conhecer dos pedidos descritos, nas alíneas a) e b), por se tratar de matéria excluída da ação com processo especial emergente de acidente de trabalho a que este procedimento cautelar corre por apenso.
(…)
Nesta conformidade, justifica-se plenamente o despacho liminar de indeferimento destas providências cautelares por manifesta e indiscutível improcedência do pedido.
Relativamente, ao terceiro pedido deduzido (descrito sob a alínea c)), inexiste a articulação de qualquer facto a identificar a necessidade de consultas, que consultas, qual o custo, que exames complementares de diagnóstico, qual o custo, que exames médicos e medicamentados, que cirurgias e, respetivo nexo de causalidade.
Nesta conformidade, relativamente à providência requerida sob a alínea c) também se justifica o despacho liminar de indeferimento por manifesta e indiscutível improcedência do pedido atenta a inexistência de factos para sustentar este pedido.
(…)
Não tem dúvida o Tribunal que se verifica a manifesta e indiscutível improcedência do pedido no âmbito do procedimento cautelar comum deduzido pelo Requerente, razão pela qual o procedimento cautelar tem de ser liminarmente indeferido.”
O que resulta deste despacho, como assinala a Recorrida, é que os pedidos:
(1) de retribuição mensal equivalente à auferida aquando do acidente,
(2) de integração profissional em categoria e no cumprimento de funções nas condições elencadas e
(3) da consequente sanção pecuniária compulsória por dia de incumprimento, não são pedidos com cabimento legal, quer no âmbito do procedimento cautelar, quer na regulamentação da ação especial emergente de acidente de trabalho instaurada, tanto a nível processual, como a nível substantivo.
Já no que concerne ao terceiro pedido deduzido (descrito sob a alínea c)), existe insuficiência da matéria de facto - falta articulação de qualquer facto a identificar a necessidade de consultas, que consultas, qual o custo, que exames complementares de diagnóstico, qual o custo, que exames médicos e medicamentados, que cirurgias e, respetivo nexo de causalidade.
Concluiu o Recorrente, em suma, a este respeito:
- Até à caraterização das maleitas sofridas como decorrentes do acidente de trabalho e à determinação da responsabilidade pela sua reparação, considerada a alta clínica dada pela seguradora e a ausência de fixação de incapacidade, não peticionou qualquer pensão provisória, cabendo-lhe exigir a garantia do recebimento da sua retribuição até ao momento da fixação da incapacidade ou decisão final da ação emergente de acidente de trabalho.
- a cessação do pagamento de subsídio de doença no termo do prazo dos 1095 dias não impõe a transferência imediata do Requerente/Recorrente para a situação de aposentação por invalidez, sendo-lhe permitido manter atividade profissional adequada à sua concreta situação clínica, contanto que se respeitem quer a formação e histórico profissional quer a retribuição auferida no momento do acidente de trabalho.
- a seguradora apenas será obrigada a indemnizar o Requerente/Recorrente pela incapacidade para o trabalho após a sua fixação.
-a concreta situação de perigo que o Requerente/Recorrente pretende acautelar é a subsistência do seu agregado familiar até à fixação da incapacidade e/ou assunção de responsabilidade pela requerida seguradora, pelo que lhe restava peticionar o pagamento dum valor mensal, equivalente à sua retribuição à data do acidente, como compensação pelo dano provocado pela situação de incapacidade para o trabalho.
- o procedimento cautelar comum tem cabimento jurídico e merecida procedência na presente situação porque se encontram demonstrados os requisitos impostos para a sua procedência e o arbitramento de reparação provisória – destinado à fixação de quantia certa como reparação provisória dum dano não se adequa à sua pretensão.
Entendemos que neste segmento, a pretensão do Recorrente se mostra prejudicada por aquela que foi a sua conduta processual, já que tendo apresentado novo requerimento inicial assumindo a forma de procedimento cautelar nominado de arbitramento de reparação provisória, não pode agora vir bater-se pelo procedimento cautelar comum que deduziu no seu requerimento inicial.
Ou seja, ao aceitar o convite ao aperfeiçoamento e a convolação do procedimento cautelar comum no procedimento cautelar nominado de arbitramento de reparação provisória, não pode o Recorrente pretender que nada sucedeu, valendo-se do primeiro articulado.
Como conclui a Recorrida/Seguradora, em suma, no seguimento do silêncio face a iminência do indeferimento liminar e do consequente aperfeiçoamento do articulado para convolação do procedimento cautelar comum interposto, o Requerente/Recorrente não só se conformou com aquela forma processual, como alterou o seu articulado e os pedidos formulados, à realidade juridicamente relevante no que à sua pretensão indemnizatória cautelar contende, não lhe sendo admissível insurgir-se, agora, com a forma processual que configurou como a acertada.
Improcede assim nesta parte a pretensão do Requerente/Recorrente.

2.2.2. Analisando agora a decisão de indeferimento do procedimento cautelar nominado de arbitramento de uma reparação provisória.
Na decisão do Tribunal a quo, ficou decidido:
“Da convolação do procedimento cautelar comum em procedimento cautelar nominado de arbitramento de uma reparação provisória.
Relembremos que a justificação do Tribunal para esta possibilidade reporta-se ao pedido deduzido na alínea c) do requerimento inicial “A assunção de todas as despesas decorrentes das consultas, exames complementares de diagnóstico, tratamentos médicos e medicamentosos, cirurgias e tudo demais que seja necessário ao Requerente”, subjacente ao qual nenhum facto foi alegado.
No requerimento agora apresentado alega o Requerente a este propósito que “77.º E, designadamente os cuidados médicos que necessita para a sua sobrevivência, tais como diálise (três meses por semana) e custos com acompanhamento médico que vem assumindo do seu próprio bolso.
78.º Já que não beneficia do apoio de nenhum das Requeridas, nem para esse feito”.
Como se vê, desde logo, o Requerente não alega um único facto quanto à despesa que suporta com a diálise, que se supõe assegurada pelo SNS, nem identifica qual o acompanhamento médico e respetivo custo.
Continuamos na mesma relativamente ao pedido agora identificado na alínea b).
Significa isto que o pedido deduzido pelo Requerente no requerimento inicial que serviu de ponte para a ponderação à convolação do procedimento cautelar não serve para fundamentar tal convolação porquanto o Requerente não alega factos para o suportar.
Quanto ao pagamento da quantia mensal de €10.000,00 (pedido próprio do procedimento cautelar nominado de arbitramento de uma reparação provisória, através de renda mensal que não tinha sido deduzido no requerimento inicial), o Requerente fundamenta o seu pedido com o facto de em maio de 2023 perder o direito a qualquer retribuição/subsídio de doença. Não é assim, esgotados os 1095 dias de baixa médica, o doente é apresentado a junta médica, se for considerado apto para o trabalho, vai trabalhar e recebe a sua retribuição, caso contrário, será reformado por invalidez ganhando a pensão. Entre a realização da junta média e o período em que pode discordar até que se verifique uma decisão definita, o Requerente tem direito a receber uma pensão provisória.
Nesta conformidade, o fundamento para a convolação do procedimento cautelar não se verifica porquanto o Requerente nunca ficará sem qualquer rendimento, pois desde que termina a baixa prolongada até à decisão definitiva da junta médica recebe uma pensão provisória. Aliás, verifica-se do requerimento inicial que o Requerente não concorda com as hipóteses que lhe são propostas para resolução da questão enquanto a ação de acidente de trabalho é tramitada, tendo-se gorado as negociações (artigos 96.º a 99.º do requerimento inicial), razão pela qual, o Requerente intentou este procedimento cautelar comum por apenso à ação principal com processo especial de acidente de trabalho para garantir a sua posição nas negociações em curso.
Finalmente, como se verifica do requerimento apresentado, o Requerente não cumpriu o convite do Tribunal pois não alegou os factos necessários e adequados para a convolação do procedimento apesar do Tribunal citar um Acórdão no qual se identificam os requisitos necessários para o efeito.
Este incumprimento ao convite do Tribunal determina naturalmente a impossibilidade de convolação do procedimento cautelar comum deduzido pelo Requerente em procedimento cautelar nominado de reparação, com o consequente indeferimento liminar do procedimento cautelar comum deduzido pelo Requerente.”
Desde já se refere que são coisas distintas:
Uma o convite que foi dirigido para apresentação de novo requerimento inicial, com um procedimento cautelar distinto, convite que foi aceite e que por si só justificaria a convolação.
Outra, aferir-se se são alegados factos que a indicarem-se justificariam o decretamento desse ‘novo’ procedimento cautelar, ou seja, o procedimento cautelar nominado de arbitramento de uma reparação provisória.
O convite foi aceite e foi apresentado esse novo procedimento para arbitramento de uma reparação provisória.
Concluiu a este respeito, em suma, o Apelante:
- o arbitramento de reparação provisória não se reconduz aos casos de fixação provisória de pensão para reparação de um dano, visa garantir a subsistência do sinistrado enquanto aguarda o desfecho da ação principal, nele se acautelando não apenas as situação de ausência total de rendimento mas também qualquer diminuição que coloque a subsistência do sinistrado e sua família em risco.
- por subsistência não se tem o limiar da indigência, mas uma insuficiência atual e manifesta de rendimentos para fazer face às despesas inerentes à vida do sinistrado e do seu agregado familiar, de acordo com um padrão de vida condigno e decorrente do que era o seu antes da ocorrência do sinistro.
- mesmo que fosse automático o recebimento duma pensão de invalidez, sempre seria a mesma de valor manifestamente inferior ao rendimento do Requerente/Recorrente e insuficiente a prover às essenciais necessidades do seu agregado familiar.
- os pressupostos/requisitos da concessão de arbitramento de reparação provisória foram demonstrados pelo Requerente/Recorrente no seu articulado aperfeiçoado/de convolação.
Também assim, isto é, no sentido de que estarão alegados os pressupostos mínimos para poder ser decretada a providência e calculada a pensão/indemnização se manifesta o Ministério Público no parecer:
- o Requerente/Recorrente alegou (i)a existência de um acidente (inalação de gás), de trabalho que lhe determinou lesões, sequelas que o incapacitam para o trabalho habitual (IPATH), pois está incapaz de exercer a profissão de “piloto aviador”, (ii)as dificuldades económicas que sente e se irão agravar a partir de Maio de 2023, (iii)está junto o recibo de vencimento do sinistrado.
A este respeito foi esta, em suma, a posição da Requerida/Seguradora e Recorrida:
- os factos que motivam a rejeição do procedimento interposto pelo Recorrente/Autor advêm do não preenchimento dos requisitos da tutela cautelar que aquele pretende desencadear - o Recorrente não logrou alegar, quanto mais demonstrar, ainda que indiciária e documentalmente, os elementos clínicos da pretensa incapacidade advinda e o seu nexo com o alegado acidente, nem das despesas em que incorreu, incorre e se prevê que incorra, até à decisão definitiva da causa, com os tratamentos e medicamentos que invoca genericamente.
- não demonstrou, nem indiciariamente, a aparência de um direito a qualquer indemnização por parte da Recorrida, a qual lhe comunicou formalmente a alta clínica a 8/5/2020.
- nenhum elemento clínico afirma que o Estado clínico do Requerente, com doença renal grave e em evolução para uma fase muito avançada, é consequência direta e adequada da dita inalação de fumo.
- alega o Recorrente que a Entidade patronal procurou requalifica-lo com uma profissão adequada às suas habilitações e com retribuição base de €7.871,56 a que acresceria ainda um complemento mensal de €1.000,00 (mil euros) à reforma por invalidez, o que o mesmo recusou, factos que contrariam que o mesmo esteja incapacitado de trabalhar e auferir rendimentos do trabalho.
- o Recorrente não invoca uma situação de necessidade (nº 1 do artigo 122º do CPT) em razão da incapacidade advinda do alegado acidente de trabalho ocorrido como exige o normativo constante do nº 2 do artigo 388º do Código de Processo Civil.
Vejamos:
0 procedimento cautelar constitui um meio processual de caracter instrumental ou indirecto, "... no sentido de que uma qualquer das suas formas facilita apenas os meios de alcançar os fins que visa outro processo de diferente natureza" - Rodrigues Bastos, "Notas do Código de Processo Civil", vol. II, 2ª ed., pág. 219.
Dai que na providência não possa decidir-se a questão que irá ser objecto da ação principal, devendo apenas apurar-se se ocorre uma probabilidade seria da existência do direito e ainda se há o perigo de lesão, dificilmente reparável, desse direito.
A providência cautelar é, pois, posta ao serviço da posterior atividade jurisdicional que virá a estabelecer, de forma definitiva, os direitos que assistem às partes. Porque relacionada com uma ação é necessário que a providência se ajuste, ponto por ponto, ao conteúdo da ação.
A providência aparece, deste modo, como anúncio, antecipação e preparação da outra medida jurisdicional, de modo a que esta possa chegar a tempo.
0 procedimento cautelar, tendo por fim prevenir o "periculum in mora", não pode ter por função a condenação por ofensa do direito "acautelado", ou seja, não se propõe dar realização directa e imediata ao direito substancial, mas tomar medidas que assegurem a eficácia duma providência subsequente, esta destinada a actuação do direito material. Portanto, a providência cautelar é posta ao serviço de uma outra providência, que há-de definir, em termos definitivos, a relação jurídica litigiosa (cfr. Prof. Alberto dos Reis, "Código de Processo Civil Anotado", Vol. I, pag. 623).
Como resulta da decisão recorrida, o regime específico do artigo 121º e seguintes do Código de Processo do Trabalho apenas se aplica à fase contenciosa do processo, que não é o caso dos autos.
No procedimento para «Arbitramento de reparação provisória», o artigo 388º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe «Fundamento», estipula:
«1 - Como dependência da ação de indemnização fundada em morte ou lesão corporal, podem os lesados, bem como os titulares do direito a que se refere o n.º 3 do artigo 495.º do Código Civil, requerer o arbitramento de quantia certa, sob a forma de renda mensal, como reparação provisória do dano.
2 - O juiz defere a providência requerida desde que se verifique uma situação de necessidade em consequência dos danos sofridos e esteja indiciada a existência de obrigação de indemnizar a cargo do requerido.
3 - A liquidação provisória, a imputar na liquidação definitiva do dano, é fixada equitativamente pelo tribunal.
4 - O disposto nos números anteriores é também aplicável aos casos em que a pretensão indemnizatória se funde em dano suscetível de pôr seriamente em causa o sustento ou habitação do lesado.»
“Trata-se de uma providência antecipatória que visa obviar a uma situação de carência, antecipando-se a satisfação do direito (cfr. José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 2.ª edição, pág. 114).
Segundo estes autores[2], “o titular do direito a indemnização tem a possibilidade de pedir que lhe seja arbitrada uma quantia mensal, a título de reparação provisória do dano sofrido, até que a decisão definitiva, a proferir na ação de indemnização, transite em julgado: quando, em consequência do facto ilícito, tenha ocorrido morte ou lesão corporal; quando, em consequência do facto ilícito, tenha ocorrido dano susceptível de pôr seriamente em causa o sustento ou habitação do lesado”.
Confrontando o n.º 1 com o n.º 4 do citado normativo, constata-se que este tem um âmbito de previsão simultaneamente mais amplo, no que respeita ao tipo de dano, e mais restrito, no que se refere ao tipo de necessidade a considerar.
O dano causado pelo ato ilícito pode ser agora de qualquer natureza, mas só desde que possa pôr seriamente em causa, direta ou indiretamente, o sustento ou a habitação do lesado”[3].
Aqui, não interessa considerar este fundamento de reparação provisória, visto que o requerente fundou o seu pedido nas lesões corporais que sofreu em consequência do acidente de viação de que foi vítima.
Seja como for, na medida em que o n.º 4 manda aplicar o disposto nos números anteriores aos casos nele previstos, podemos afirmar que, face ao preceituado no n.º 2, em qualquer das aludidas situações, o decretamento da providência de arbitramento de uma reparação provisória prevista no art.º 388.º está dependente da verificação cumulativa de três requisitos fundamentais:
a) Existência de indícios da obrigação de indemnizar por parte do requerido;
b) Existência de uma situação de necessidade;
c) Existência de um nexo causal entre os danos sofridos e a situação de necessidade.[4]
(…)
3] Lebre de Freitas e outros, obra citada, pág. 116.
[4] Célia Sousa Pereira, Arbitramento de Reparação Provisória, pág. 125 e Cura Mariano, A Providência Cautelar de Arbitramento de Reparação Provisória, 2.ª ed., pág. 55, ambos citados no acórdão deste Tribunal de 12/6/008, processo n.º0833448, disponível em www.dgsi.pt.”(Acórdão desta Relação de 01.04.2014, Relator Desembargador Fernando Samões, sublinhado e realce nossos)
Importa aferir se foram alegados factos no requerimento que consubstanciem tais pressupostos e que a indiciarem-se, uma vez produzida a prova em sede cautelar, fundamentem o decretamento da providência, em causa.
Assim não sucedendo, justificar-se-ia o indeferimento liminar.
Ora, no requerimento inicial, lemos que foi alegado pelo Requerente:
- Quanto a indícios da obrigação de indemnizar que entre a Requerida B... e a Requerida A... vigorava um seguro de acidentes de trabalho para os trabalhadores ao seu serviço, através do qual a Requerida B... havia transferido para a Requerida A... a responsabilidade decorrente de eventuais acidentes de trabalho.
Ainda que em 28 de Janeiro de 2020, encontrava-se escalado para realizar o voo Porto-Amesterdão com o número ..., no avião com a matrícula ..., estando já no cockpit, quando surgiu na aeronave um odor estranho, intenso e desagradável e ato contínuo, o Requerente começou a manifestar náuseas e vómitos, irritação nos olhos, sensação de ardor/queimação ao engolir e dificuldades em respirar, ficando a aeronave imediatamente dada como inoperacional.
Até ao presente momento mantém-se a sua total incapacidade para continuar a exercer as funções e afetada sua qualidade de vida e mesmo sobrevivência, assim como se mantêm as situações recorrentes de derrame ocular, náuseas, vómitos e fadiga extrema, apresentando um galopante agravamento do seu quadro clínico, como, por exemplo:
(a) desenvolvendo nefropatia (insuficiência renal), que atualmente exige a realização de três sessões semanais de diálise;
(b) redução da visão por hipermetropia (dificuldade de visão ao perto), com perda de cerca de 20% da capacidade de visão num dos olhos;
(c) náuseas e vómitos constantes, agravados se em contato com odores fortes;
(d) infertilidade, com redução da produção de espermatozóides.
Quadro clínico que os médicos que o acompanham não têm dúvidas - face á inexistência de quaisquer antecedentes que os pudessem explicar e causar, bem como a não ocorrência de outro qualquer factor ou causa de que pudessem resultar - em associar, inelutavelmente, a intoxicação decorrente do sucedido naquele dia 28 de Janeiro de 2020 que se carateriza como acidente de trabalho – por se ter verificado no local e no tempo de trabalho e ter produzido diretamente lesão corporal, perturbação funcional e doença de que resulta a incapacidade do Requerente para o trabalho, verificando-se uma relação de causalidade entre o sinistro e o quadro clínico de que padece o Requerente.
- Quanto à existência de uma situação de necessidade, o Requerente alega factos onde descreve a sua situação económica e agregado familiar - composto pelo Requerente, cônjuge e três filhos menores -, o rendimento médio mensal, nos últimos meses anteriores ao acidente, o rendimento mensal, nos primeiros e posteriores dias de incapacidade, que em Maio deste ano de 2023 vai perder o direito a qualquer retribuição/subsídio de doença, os cuidados médicos que necessita para a sua sobrevivência, tais como diálise (três vezes por semana), os custos com acompanhamento médico, quantificando ainda as despesas com a educação dos filhos, encargos com a habitação, viaturas, custos com alimentação, higiene, saúde e dia a dia, concluindo que os rendimentos auferidos pela sua cônjuge são manifestamente insuficientes para, por si só, cobrir as despesas e encargos do agregado familiar que quantifica, quanto mais acudir aos tratamentos e acompanhamento médico de que o Requerente necessita e daí o periculum in mora.
- Quanto ao nexo de causalidade entre os danos sofridos e a situação de necessidade, é alegado pelo requerente que como consequência direta da incapacidade do Requerente para o trabalho – a qual refere “pressupõe desde logo a impossibilidade de prestação do trabalho e recebimento da respetiva retribuição” - decorrente do sinistro ocorrido em 28 de Janeiro de 2020, que a respetiva situação económica e familiar, traduz uma situação de necessidade.
Concordamos assim com o Parecer do Exmº Procurador Geral Adjunto, no sentido de que estão alegados os pressupostos mínimos para poder ser decretada a providência e calculada a pensão/indemnização, já que “o Requerente/Recorrente alegou (i)a existência de um acidente (inalação de gás), de trabalho que lhe determinou lesões, e já, também, sequelas que o incapacitam para o trabalho habitual (IPATH), pois está incapaz de exercer a profissão de “piloto aviador”, (ii)as dificuldades económicas que sente e se irão agravar a partir de Maio de 2023, (iii)está junto o recibo de vencimento do sinistrado”.
É certo que o Recorrente também alega que no decurso do processo negocial que manteve com a sua entidade patronal, a Requerida B... propôs ao Requerente uma de duas hipóteses:
- assunção de funções como flight auditor na área de compliance, com uma retribuição base bruta de 7.871,56€; ou
-pagamento de complemento à eventual reforma por invalidez, no valor mensal de 1.000,00€ (com a duração máxima de 3 anos ou até ao termo do processo identificado em 42º supra)
Porém o requerente justifica que nenhuma das soluções propostas se adequa à situação clínica, profissional e financeira do Requerente, desde logo porque, no caso da assunção de funções como flight auditor, implica:
i)incumprimento da ocupação em funções compatíveis com a sua formação e histórico profissional
ii) redução superior a 14.000,00€ no rendimento de carreira do Requerente
iii) perda do estatuto de piloto, o que impedirá o Requerente de aceder aos benefícios futuros, designadamente reforma, por via do fundo de pensões dos pilotos,
iv) desadequação à situação de incapacidade/diminuta capacidade do Requerente para a prestação do trabalho;
Já a pensão por invalidez proposta pelos serviços de previdência social fixa-se em cerca de 2.000,00€ mensais, pelo que o acréscimo de 1.000,00€ pela Requerida B... é manifestamente insuficiente para assegurar o estatuto retributivo devido ao Requerente.
O Requerente não concorda com hipóteses que lhe foram propostas, é certo, porém perante a justificação apresentada, não pode sem mais concluir-se como faz a Requerida/Recorrida que aquele entende estar numa posição que lhe permite rejeitar a proposta da Empregadora, sendo os pedidos formulados nos presentes autos um capricho daquele que sabe, desde a comunicação do certificado da ANAC de 10/1/2022 que não pode exercer a profissão de piloto de aviação.
O direito que globalmente o Requerente pretende ver declarado e salvaguardado pressupõe uma medida jurisdicional que pode ser resolvida num procedimento cautelar.
Coisa diversa é resultarem indiciados os alegados pressupostos, face aquele que for o resultado de toda a prova apresentada, uma vez produzida.
Tal só em sede de decisão de mérito é possível.
Quanto ao pagamento da quantia mensal de €10.000,00, cumpre tão só referir que a quantificação da renda mensal deverá ser feita, nesta sede, com base em critérios de equidade, como previsto no nº3 do artigo 388º do Código de Processo Civil.
E também que só em sede de decisão de mérito deve ser ponderado, se for esse o caso, que o Requerente nunca ficará sem qualquer rendimento por assim que “termina a baixa prolongada até à decisão definitiva da junta médica recebe uma pensão provisória”.
Já quanto ao pedido formulado em b) - Garantir o pagamento de todas as despesas do Recorrente decorrentes de diagnósticos, tratamentos médicos e medicamentosos, cirurgias e tudo o mais que seja necessário ao seu tratamento e cuidados, na decisão recorrida foi entendido que “o Requerente não alega um único facto quanto à despesa que suporta com a diálise, que se supõe assegurada pelo SNS, nem identifica qual o acompanhamento médico e respetivo custo” e assim quanto a tal pedido que “o Requerente não alega factos para o suportar.”
Atendendo à finalidade do procedimento cautelar, em causa - «arbitramento de quantia certa, sob a forma de renda mensal, como reparação provisória do dano» - temos que as alegadas despesas, uma vez identificadas e quantificado em termos de custos, justificariam quanto muito a sua consideração na decisão de mérito, ou seja, indiciados os respetivos pressupostos, no arbitramento de tal renda mensal e não autonomamente.
Ora, assim não o fez o Requerente, não obstante o convite anteriormente formulado para alegação dos factos necessários como pressuposto para o decretamento do procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória.
Ou seja, deveria o Requerente ter desde logo concretizado o montante das despesas que já teve com os alegados diagnósticos, tratamentos médicos, medicamentosos, cirurgias e tudo o mais necessário ao seu tratamento e cuidados, desde logo por, conforme alega, ter assumido do seu próprio bolso tais despesas.
O reparo feito quanto à insuficiência na alegação a respeito da não quantificação das despesas incluídas no pedido formulado em b), não justifica, porém, face ao que ficou dito, o indeferimento liminar do procedimento cautelar, tão só que tal seja considerado em sede de decisão de mérito.
Com efeito, o requerimento inicial, atento o primeiro pedido aí formulado, não enferma da desconformidade evidenciada na decisão recorrida, pelo que o presente procedimento não deveria ter sido indeferido liminarmente, impondo-se a revogação da mesma decisão, considerando a garantia constitucional relativa à adoção de medidas cautelares adequadas.
Com efeito, prevê-se no artigo 20º, nº4 da Constituição da República Portuguesa «a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos».
Impõe-se, como tal, revogar a decisão recorrida.
Procede em conformidade a Apelação.


3. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta secção em julgar o recurso procedente e em conformidade revogar a decisão que indeferiu liminarmente o procedimento cautelar de arbitramento de uma reparação provisória, determinando-se que o Tribunal a quo assegure o prosseguimento do mesmo.

Custas pela Requerida.




Porto, 30 de Outubro de 2023.
Teresa Sá Lopes
Nelson Fernandes
Rita Romeira