Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3825/23.5T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA SÁ LOPES
Descritores: EXTINÇÃO DA SOCIEDADE EXTINTA
PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO
SUCESSÃO SUBJETIVA PELO COLETIVO DOS SÓCIOS
CITAÇÃO DOS SÓCIOS
Nº do Documento: RP202403043825/23.5T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 03/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE. DECRETADA A NULIDADE PARCIAL DO PROCESSADO
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO SOCIAL
Área Temática: .
Sumário: I - Nas ações pendentes contra a sociedade, à data da sua extinção, ocorre uma sucessão subjetiva, sem suspensão da instância, considerando-se a mesma, automaticamente substituída pelos ex-sócios, ou seja, não é necessária habilitação, sendo que este “coletivo dos sócios”, passa a ser parte na ação, representado pelos liquidatários, «os membros da administração da sociedade» - artigos 151º e 162º do Código das Sociedades Comerciais.
II - Facultando o legislador a possibilidade da ação prosseguir desde logo contra generalidade dos sócios, representados pelo liquidatário(s), resulta expressamente do artigo 163º do Código das Sociedades Comerciais, a necessidade de citação daquele(s) últimos, nessa qualidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 3825/23.5T8PRT-A.P1


Recorrente: A..., Lda
Recorrida: AA


Relatora: Teresa Sá Lopes
1ª Adjunto: Desembargador Nélson Fernandes
2ª Adjunta: Desembargadora Germana Ferreira Lopes





1. Relatório:

Nos presentes autos de ação especial de Impugnação Judicial da Regularidade e Licitude do Despedimento, após a Entidade empregadora, A..., Lda, apresentar articulado a motivar o despedimento, veio a Trabalhadora, AA, apresentar contestação, deduzindo pedido reconvencional.
Pede que seja o alegado e peticionado pela Entidade empregadora julgado improcedente, devendo o despedimento ser considerado ilícito por preterição das exigências legais para a verificação do despedimento/caducidade.
Ser a Reconvenção julgada provada e procedente e, em função de tal, ser a Empregadora, ou os seus sócios, obrigada a proceder ao pagamento à Trabalhadora da indemnização, computada em € 14.805,00 (catorze mil oitocentos e cinco euros), tendo a trabalhadora também direito às retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento.

A Ré veio juntar aos autos documento comprovativo de haver sido registado o encerramento da sua liquidação, requerendo que se declare a extinção da instância.
O Ministério Público, em representação da Trabalhadora, veio requerer que a instância prossiga contra os sócios da Ré sociedade.

Após a prolação do despacho saneador:
Foram admitidos os pedidos reconvencionais deduzidos pela Autora.
Foi proferida a decisão:
“(…) julga-se procedente exceção de falta de personalidade jurídica da R sociedade absolvendo-se tal R da instância.
Custas, nesta parte, pela R Sociedade, fixando-se o seu decaimento a final.
(…)
Declaro a substituição da R Sociedade pelos seus sócios BB, CC ...77, NIF ...75, CC, CC ...82, NIF ...83, e DD, CC ...16, NIF ...97, todos residentes na Rua ...., ..., ... Vila Nova de Gaia.”
Foi ainda proferida a decisão:
“Assim sendo, como é, julgo improcedente a exceção de compensação deduzida.”
Custas nesta parte pelos RR.”
Por último, foi proferida a decisão:
“(…) nos termos do disposto nos artigos 381.º, al. c) do Código do Trabalho e 98.º-J/3 do Código de Processo do Trabalho, declara-se a ilicitude do despedimento de que a trabalhadora foi alvo pela comunicação junta aos autos com o formulário.”

Notificada, recorreu a Entidade empregadora, concluindo no final:
A) A douta sentença recorrida encontra-se ferida de vícios e nulidades que, entre outras consequências, importam a sua anulação e substituição por acórdão que extinga a instância por inutilidade superveniente da lide, como abaixo se demonstrará;
B) A Recorrente é uma microempresa, com 2 trabalhadores, pelo que, as normas e os procedimentos jurídicos citados pelo Tribunal a quo não se aplicam, tendo havido erro notório na interpretação e aplicação da lei;
C) Resulta da certidão junta no requerimento de 13/04/2023, que a dissolução e encerramento da sociedade Ré foi registada em 27/03/2023. O registo da dissolução e encerramento da sociedade Ré só ocorreu em momento posterior ao da comunicação efetuada à trabalhadora porque a contabilidade da Ré se atrasou e no dia 31/12/2022 ainda não tinha as contas fechadas e todos os documentos tramitados em termos contabilísticos para se efetuar tal registo;
D) A Recorrente a partir de 31/12/2023 não praticou qualquer ato de comércio, não exerceu o seu objeto social, tendo a sua atividade em termos de transações ativas e passivas encerradas desde 31/12/2022 e encontrava-se em processo de dissolução e encerramento, tal como resulta da declaração da contabilista certificada nº ...33 – EE, junta com o articulado de 06/06/2023 – doc. nº 5;
E) Este documento não foi impugnado nem foi alegada a sua falsidade pelo MP, pelo que, o mesmo tem força probatória plena, por via disso, teria que ter sido dada como provada a factualidade dele constante;
F) O Tribunal a quo não pode considerar e declarar ter havido despedimento ilícito da trabalhadora só porque existiu atraso da contabilidade na tramitação documental, pois em momento algum a Autora alegou o prosseguimento da atividade económica da Ré, tendo havido erro clamoroso na sentença recorrida;
G) Com o articulado para fundamentar o despedimento da FF foi junta uma declaração fiscal de cessação de atividade com data de 31/12/2022 – doc. nº 1, o qual não foi impugnado pelo MP, nem alegada a sua, pelo que, o mesmo tem força probatória plena, por via disso, teria que ter sido dada como provada a factualidade dele constante e errou o Tribunal a quo ao não considerar tal documento e ao dar como assente que a trabalhadora foi despedida ilicitamente o Tribunal a quo errou em toda a linha, em raciocínio, na aplicação da lei e na análise documental, sendo nula e de nenhum efeito tal decisão;
H) Com a extinção da sociedade, esta perdeu a sua personalidade jurídica e judiciária. Porém, as relações jurídicas de que a sociedade era titular não se extinguem, como flui do disposto nos artigos 162º, 163º e 164º do Cód. Das Sociedades Comerciais (CSC);
I) Esta ação deu entrada em juízo antes do registo do encerramento da liquidação, logo a mesma apenas poderia prosseguir com a habilitação contra a generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários (cfr. artigo 162º, nº 1 e 160º, nº 2 do CSC);
J) A referida habilitação não foi requerida pelo MP – na forma que a lei prevê, tendo de imediato sido proferida sentença de habilitação, sem audição prévia dos interessados/sócios da recorrente, com violação absoluta do princípio do contraditório, do princípio da certeza e segurança jurídica, com violação manifesta dos mais elementares princípios de defesa dos Réus;
K) Os sócios da Recorrente não foram citados e ou notificados de qualquer articulado que consta dos autos, logo todo o processado é nulo e de nenhum efeito, o que se invoca e pretende ver declarado;
L) Está consagrada responsabilidade dos sócios, de acordo com o disposto no artigo 163º do CSC está limitada ao montante que receberem na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada, não abrangendo obviamente o seu património pessoal. Esta norma consagra a responsabilidade dos antigos sócios pelo passivo social não satisfeito, responsabilidade esta limitada ao montante que receberem na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada, não abrangendo obviamente o seu património pessoal;
M) É entendido de forma uniforme na jurisprudência, que é o credor que tem que alegar e provar a verificação dos pressupostos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 163º do CSC, ou seja, que, aquando do encerramento da liquidação da extinta sociedade, esta possuía bens e/ou valores e que esses bens e/ou valores foram distribuídos pelos sócios demandados na execução - cfr. o Acórdão do STJ de 26/06/2008 e da RC de 5/05/2015, ambos disponíveis em www.dgsi.pt;
N) A Autora intentou a ação em 27/02/2023, a audiência de partes apenas ocorreu no dia 20/04/2023, data em que o registo de dissolução, enceramento e liquidação da Ré já tinha sido pedido – 27/03/2023;
O) No dia 05/05/2023 tal facto foi alegado e documentado no articulado junto a juízo para fundamentar o despedimento lícito da Autora, pelo que, mesmo que se entendesse que o processo deveria prosseguir, teria de ter sido deduzido o incidente da habilitação dos sócios da Ré – o que não ocorreu, facto que determina a nulidade da sentença recorrida.
Da compensação/pedido reconvencional
P) A sentença recorrida indeferiu a compensação de eventuais créditos que pudessem vir a ser reconhecidos à Autora porque a Ré não deduziu pedido reconvencional contra a Autora – nada mais errado porque está escrito a partir do artigo 34º do articulado da Ré que foi deduzido um pedido reconvencional contra a Autora, tendo faltado apenas inscrição das palavras “pedido reconvencional por” compensação;
Q) O julgador bem percebeu de que se tratava de um pedido reconvencional e sem mais indeferiu a compensação por entender existir as 3 palavras supra – a não inscrição no articulado das palavras “pedido reconvencional por” compensação e novamente o Tribunal recorrido errou porque tendo verificado a apontada falta, mas decorrendo do articulado e do pedido deduzido a dedução de pedido reconvencional contra a Autora por compensação, poderia e deveria ter convidado a Ré a reformular o seu articulado e voltou a errar quando entendeu que pelo facto de a Ré afirmar que nada deve à Autora é causa de exclusão do pedido reconvencional por compensação de créditos. Nada mais errado!
R) É que feitas as contas, após o artigo 50º do articulado da Ré de 05/05/2023, a Ré no artigo 51º afirma que nada deve à Autora, porque o seu direito de crédito é superior ao débito que a Autora afirma deter sobre a mesma!
S) O Julgador deveria ter apreciado a exceção de compensação invocada pela Ré. Em primeiro lugar, porque o legislador estabeleceu, na alínea c) do n.º 2 do artigo 266º do Código de Processo Civil, a mera faculdade (e não a obrigatoriedade) de lançar mão da reconvenção para fazer valer a compensação de créditos e a reconvenção constitui, assim, apenas um dos meios processuais através dos quais a compensação pode ser invocada (e não o único);
T) Em segundo lugar, mesmo que se considerasse que para tornar eficaz a compensação por via judicial seria necessário fazê-lo através de reconvenção sempre deveria o Tribunal a quo convidar a Recorrente ao aperfeiçoamento da sua peça processual, convidando-a a fazê-lo através da Reconvenção ao invés de automaticamente o julgar improcedente;
U) O comando do artigo 590º nº4 do CPC, sendo uma incumbência do juiz, traduz um seu dever funcional, estando assim afastada quanto a ele qualquer discricionariedade do tribunal, ou seja, qualquer ponderação do seu exercício ou não exercício segundo critérios de oportunidade ou de conveniência [neste sentido, Acórdão da Relação do Porto de 8/1/2018, proc. nº1676/16.2T8OAZ.P1 e disponível em www.dgsi.pt, citando Teixeira de Sousa, in “Omissão do dever de cooperação do Tribunal: que consequências”, Blog do IPPC, disponível em http://blogippc.blogspot.pt];
V) O Tribunal a quo não podia deixar de dirigir o convite ao aperfeiçoamento do articulado tendo desconsiderado por completo o dever de cooperação do tribunal. A omissão de tal convite configura uma nulidade processual, consubstanciada pela omissão de um ato que a lei impunha – o despacho de aperfeiçoamento – com influência na decisão da causa, que acarreta a nulidade da sentença como ato subsequente a tal omissão (art. 195º nºs 1 e 2 do CPC) – Cfr a título de exemplo os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 15/12/2016 (proc. nº4158/08.2TBMTS.P1) e de 15/5/2020 (proc. nº4475/16.8T8MAI.P1), disponíveis em www.dgsi.pt;
W) Entende a Ré que o Julgador perdeu imenso tempo a citar doutrina e jurisprudência e esqueceu-se do essencial, pelo que tal decisão terá de ser revogada.
Da regularidade e licitude do despedimento:
X) Decidiu ainda o Tribunal a quo declarar a ilicitude do despedimento da trabalhadora alegando dois motivos:
- Que a extinção da pessoa coletiva não ocorreu em 31/12/2022, data em que se verificou o despedimento da A.
- E que o Código do Trabalho prevê que o encerramento da empresa (voluntário ou involuntário) determina a caducidade do contrato, devendo em tal caso seguir-se o procedimento previsto no art.º 419 e seguintes, com as necessárias adaptações (art.º 390º nº 3);
Y) O Tribunal fez uma errada aplicação do direito, invocando normas que já não existem ou que desatualizadas em face do atual CT aplicável. Se não vejamos:
Z) O legislador manteve a classificação de caducidade do contrato de trabalho por força do encerramento da empresa (artigo 346º nº 3 do CT), embora sujeitando tal caducidade ao procedimento do despedimento coletivo, “com as necessárias adaptações”;
AA) No Código de trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2209 de 12 de Fevereiro (na sua versão atual a distinção entre a cessação do contrato de trabalho por despedimento coletivo ou por caducidade deixou de basear-se na diferença entre o encerramento programado por vontade do empregador, e o encerramento imprevisto ou por facto estranho ao empregador. Assim, se o encerramento é total ou definitivo há caducidade do contrato de trabalho;
BB) A extinção da pessoa coletiva empregadora, quando não se verifique a transmissão da empresa ou do estabelecimento determina a caducidade dos contratos de trabalho;
CC) Tratando-se de empresas que empreguem menos de 10 trabalhadores, as chamadas microempresas, a cessação dos contratos de trabalho decorrentes do encerramento definitivo da empresa apenas exige que tal seja informado aos trabalhadores com o aviso prévio previsto no artigo 363º nº 1 ex vi artigo 346º nº 4 do CT e apenas quando a empresa tenha mais de 10 trabalhadores será necessário observar o procedimento do despedimento coletivo com as necessárias adaptações;
DD) A Ré apenas tinha 2 trabalhadores – logo classificada como microempresa. Sendo uma microempresa, não era exigível o procedimento referido pelo Tribunal a quo.
Mas unicamente a observância do aviso prévio previsto no artigo 363º nº 1 ex vi artigo 346º nº 4 do Código de Trabalho o qual foi observado;
EE) Acresce que, estando em causa uma empresa que tinha apenas dois trabalhadores, e estando em causa um procedimento que tem subjacente o encerramento definitivo da empresa, não será possível encontrar soluções dentro da própria estrutura empresarial, pelo que, a fase de negociação ficaria confinada ao despedimento por caducidade do contrato de trabalho;
FF) O alegado pelo Tribunal a quo para fundamentar a ilicitude do despedimento da trabalhadora não é aplicável à Ré por a mesma se tratar de uma microempresa constituída por 2 trabalhadores e o gerente da Ré;
GG) A sentença recorrida violou, por errónea interpretação e aplicação, pelo menos o disposto nos artigos 3º nºs 5, 346º nº 3 e 4, 360º, 363º, 381º 1 al c), 389º, 390º, 391º do Código do Trabalho; o principio do contraditório – artigo 3.º n,º 3 CPC; o direito a um processo equitativo, cf. artigo 20º nº3 do CRP; o princípio geral e fundamental da igualdade das partes, imposto pelo artigo 4º do C. P. Civil; omitiu a citação dos sócios da Ré o que importa a nulidade – artigo 187.º, al. a) do C.P.Civil; violou o disposto no artigo 607º nº 4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência; violou o disposto no artigo 674.º n.º 3 – Erro na apreciação das provas; violou o dever de convite ao aperfeiçoamento da peça/reconvenção que acarreta a nulidade da sentença como ato subsequente a tal omissão (art.º 195º nºs 1 e 2 do CPC), pelo que, deverá ser revogada e substituída por acórdão que julgue totalmente procedente por provada o presente recurso com as legais consequências, designadamente a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide;
HH) A sentença recorrida deverá ser revogada e substituída por acórdão que julgue totalmente procedente por provados os factos alegados no articulado destinado a fundamentar o despedimento, e ou que decrete a nulidade, anulabilidade e aprecie as invalidades da sentença recorrida, com as legais consequências.
Nestes termos, E nos melhores de direito, e com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, sendo esta substituída por acórdão que julgue totalmente procedentes por provados os factos alegados no articulado destinado a fundamentar o despedimento da Autora, e ou que decrete a nulidade, anulabilidade e aprecie as invalidades da sentença recorrida, com as legais consequências;
Em qualquer dos casos, deverá a Autora ser condenada no pagamento das custas, custas de parte e no mais legal.
Desta forma, Farão Vossas Excelências, Serena e objetiva Justiça!”, (realce e sublinhado nossos)

Respondeu a Trabalhadora, representada pelo Ministério Público, referindo em conclusão:
1) A presente ação teve origem com a apresentação do Formulário pela trabalhadora AA em 27 de Fevereiro de 2023.
2) Assim, face ao registo do encerramento da liquidação da sociedade “A..., Lda.” ocorrido em 13 de Abril de 2023, é evidente a falta de personalidade jurídica da mesma.
3) Não obstante, e tal como requerido pela trabalhadora, a ação pode prosseguir contra os sócios da “A..., Lda.”, de imediato e no próprio processo, sem qualquer justificação e sem necessidade de recorrer ao incidente de habilitação.
4) Por sua vez, a exceção de compensação deduzida não pode proceder, por um lado, porque, in casu, teria de ser apresentada reconvenção – cfr. artigos 266, n.º 2, do C. P. Civil, 30, n.º 1, do C.P. Trabalho e 126, al. o), da Lei 62/2013, de 26/08.
5) E por outro lado, porque no caso presente, a reconvenção nunca poderia ser admitida, desde logo porque tal pedido reconvencional não decorre do facto jurídico que serviu de fundamento à ação.
6) Com efeito, tais alegados créditos estribam-se, segundo a entidade empregadora em ter efetuado descontos indevidos para a Segurança Social, durante 6 (seis) anos e em empréstimos concedidos à trabalhadora e ao filho desta no valor de vários milhares de euros.
7) Desta forma, parece evidente que entre tais alegados créditos da entidade empregadora e a impugnação do despedimento suscitada pela trabalhadora – facto jurídico que fundamenta a presente ação – não se verifica uma relação de acessoriedade, complementaridade ou dependência, não sendo, por isso, admissível a compensação por reconvenção.
8) Finalmente, a Ré, na comunicação datada de 31/10/2022 efetuada à trabalhadora dando conta da intenção de fazer cessar o contrato de trabalho que as ligava em 31/12/2022, alude, de forma muito clara, à extinção da empresa.
9) Ora, tendo esta ocorrido apenas em 13/04/2023, a cessação do contrato de trabalho em 31/12/2022, consistiu, sem sombra para dúvidas, num despedimento.
10) Despedimento esse que deve ser considerado ilícito porque não cumpriu as exigências previstas na lei, e desde logo, porque omitiu uma formalidade essencial, concretamente a colocação à disposição da trabalhadora, até à data da cessação do contrato, quer da compensação prevista no artigo 366, ex vi artigos 346 e 372, todos do Código do Trabalho, quer dos demais créditos vencidos ou exigíveis em virtude da cessação do contrato de trabalho – cfr. artigo 384, al. d), a contrario, do C. do Trabalho.
11) Aliás, incumpriu também o prazo de aviso a que alude o artigo 363, n.º s 4 e 5, primeira parte, ex vi artigos 346 e 372, todos do C. T., porquanto, atenta a antiguidade da trabalhadora (admitida em 01/06/2003), a comunicação de despedimento teria de ser feita com uma antecedência mínima de 75 dias sobre a data de concretização do despedimento, e não de apenas 60 dias como se verificou.
12) Em face do que ficou dito, deve, pois, ser julgado improcedente o recurso, mantendo-se, na íntegra, a sentença ora recorrida.
V. Exas. decidindo, farão, como sempre, a habitual JUSTIÇA”

Em 05.01.2024, a Mm.ª Juiz a quo proferiu os seguintes despachos:
“Fixo à ação o valor de € 17.526,69 (dezassete mil quinhentos e vinte e seis euros e sessenta e nove cêntimos) – cfr art.º 306º, n.º 3 CPC, aplicável “ex vi” art.º 1º, n.º 2 al. a) CPT.
***
Por estar em tempo, e ter legitimidade, admito o recurso interposto pela R. A..., Lda, a 18/12/2023, o qual é de apelação, e subirá imediatamente, em separado, com efeito devolutivo (arts. 79º-A, 2, al. g, 83º, n.º 1 e 83º-A CPT e 645º, ns 1 e 2 CPC).
*
Segue despacho a que aludem os arts. 615º nº 4 e 617º do C.P.C.
*
A recorrente invocou, além do mais, padecer a mesma de nulidades, sem concretizar o alegado por reporte a qualquer das alíneas do nº1 do artigo 615º do C.P.C.
Olhando a sentença em apreciação, não se vislumbra, em nossa opinião, qualquer vício ou nulidade a que alude o referido preceito.
Assim, considerando tudo o anteriormente explanado, e face aos pedidos formulados pela A. e respetivos fundamentos, bem como à contestação deduzida, as “questões” sobre que, na sentença, nos teríamos de pronunciar foram analisadas, não se vislumbrando que se tenha ocorrido em vício.
Face ao exposto, em nossa modesta opinião, de nenhuma nulidade padece a sentença recorrida, tendo em atenção, desde logo, aos fundamentos nela constantes.
No entanto, V.Excas. farão, como sempre Justiça.”

Objecto do recurso:
- Nulidade da sentença.
- Exceção de compensação invocada pela Ré.
- Da regularidade e licitude do despedimento.


2. Fundamentação:
2.1. Fundamentação de facto:
Constata-se que nas decisões objeto do recurso não é foi efetuado o elenco da factualidade considerada assente, nomeadamente atenta aquela que foi a posição das partes assumida nos respetivos articulados e prova documental carreada para os autos que não foi objeto de impugnação, o que se justificaria, o que se consigna, sendo que de nossa parte, como tribunal ad quem, ainda assim, se impõe aferir se tal matéria foi aí considerada e ponderada, atentos os três segmentos do recurso, o que se efetuará infra.


2.2. Fundamentação de direito:
2.2.1. Nulidade da sentença:
É invocada a nulidade do processado e da decisão relativa à extinção da instância, por encerramento e liquidação da Entidade empregadora, por esta requerida, com documento comprovativo do seu registo, tendo o Ministério Público, em representação da Autora, requerido que a instância prossiga contra os sócios da mesma sociedade.
Invoca a Apelante como factualidade a atender:
- A Recorrente é uma microempresa, com 2 trabalhadores;
- Em 31/12/2022 foi efetuada declaração fiscal de cessação de atividade, tendo a Recorrente tido a sua atividade em termos de transações ativas e passivas encerradas desde então – cfr. declaração fiscal de cessação de atividade com data de 31/12/2022, doc. nº1, junto com o articulado para fundamentar o despedimento;
- A Recorrente encontrava-se em processo de dissolução e encerramento quando a Autora intentou a ação em 27/02/2023 - cfr. declaração da contabilista, doc. nº 5, junto a 06/06/2023, não impugnado;
- A dissolução e encerramento da sociedade Ré foi registada em 27/03/2023 - cfr. doc. junto a 13/04/2023;
A este respeito, mais concluiu, em suma, a Apelante:
- Em momento algum a Autora alegou o prosseguimento da atividade económica da Ré;
- O registo da dissolução e encerramento da sociedade Ré só ocorreu em momento posterior ao da comunicação efetuada à trabalhadora porque a contabilidade da Ré se atrasou e no dia 31/12/2022 ainda não tinha as contas fechadas e todos os documentos tramitados em termos contabilísticos para se efetuar tal registo;
- A ação deu entrada em juízo antes do registo do encerramento da liquidação;
- A ação apenas poderia prosseguir com a habilitação contra a generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários (cfr. artigo 162º, nº 1 e 160º, nº 2 do CSC);
- O incidente da habilitação dos sócios da Ré, na forma que a lei prevê, não foi deduzido. Os sócios da Recorrente não foram citados e ou notificados de qualquer articulado que consta dos autos;
- A sentença de habilitação, sem audição prévia dos interessados/sócios da recorrente, foi proferida com violação absoluta do princípio do contraditório, do princípio da certeza e segurança jurídica e com violação manifesta dos mais elementares princípios de defesa dos Réus.
Concluiu por seu turno o Ministério Público, em representação da Trabalhadora:
- O formulário no qual a presente ação teve origem foi apresentado pela trabalhadora em 27 de Fevereiro de 2023.
- Face ao registo do encerramento da liquidação da sociedade “A..., Lda.”, ocorrido em 13 de Abril de 2023, é evidente a falta de personalidade jurídica da mesma.
- A ação pode prosseguir contra os sócios daquela de imediato e no próprio processo, sem qualquer justificação e sem necessidade de recorrer ao incidente de habilitação.
Foi esta a fundamentação da decisão recorrida, (não se incluem alguns dos excertos da “jurisprudência dos tribunais superiores” aí transcritos):
“Sobre a temática da liquidação de sociedades, o Código das Sociedades Comerciais (aprovado pelo D.L. n.º 262/86, de 2 de setembro, na redação em vigor, abreviadamente, CSC) em vigor, ocupa-se nos artigos 146.º a 165.º.
A sociedade dissolve-se nos casos previstos no contrato de sociedade e, bem assim:
b) Por deliberação dos sócios;” (cfr. artigo 141.º do CSC e artigo 142.º do CSC).
A sociedade dissolvida entra imediatamente em liquidação, mas mantém a personalidade jurídica, devendo ser aditada à firma a menção “sociedade em liquidação” ou “em liquidação” (artigo 146.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CSC).
Conforme refere António Pereira de Almeida (Sociedades Comerciais, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2003, p. 525), a “liquidação é a situação em que se encontra a sociedade em consequência da dissolução e tem por finalidade a partilha do ativo remanescente após liquidação do passivo”.
Relativamente à liquidação e salvo nos casos em que o contrato de sociedade contenha cláusula diversa ou nos casos em que os sócios deliberem de outra forma, os administradores da sociedade assumem a posição de liquidatários (artigo 151.º, n.º 1, do CSC), detendo, em geral, os deveres, os poderes e a responsabilidade dos membros do órgão de administração da sociedade.
O “sistema de continuidade de pessoas” legalmente previsto no artº. 151º, do CSC, “recomenda-se por dois motivos: o conhecimento que os administradores ou gerentes já têm da sociedade que administraram ; a possibilidade de imediato começo das tarefas de liquidação”, decorrendo que “os administradores ou gerentes, mudam de qualidade (…), passando a exercer funções de liquidatários; o órgão é outro, mas os novos cargos são, por força da lei, providos nas pessoas que exerciam os cargos anteriores” (assim, Raúl Ventura; Dissolução e Liquidação de Sociedades, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Almedina, 1993, pp. 463 e 467).
Como regra geral, as funções dos liquidatários cessam com a extinção da sociedade, caso não tenha ocorrido qualquer anterior hipótese excecional, nomeadamente pela expiração do prazo de nomeação, pela morte, incapacidade ou inabilidade superveniente do liquidatário, por renúncia e por destituição.
Todavia, a intervenção dos liquidatários nem sempre cessa com a extinção da sociedade, cessação que, de facto, não tem lugar na hipótese de existirem ações pendentes, passivo ou ativo superveniente (arts. 162º a 164º do CSC), situações em que o liquidatário prolonga as suas funções.
Concluído o processo de liquidação, os liquidatários submetem a deliberação dos sócios as contas finais, acompanhadas por um relatório completo da liquidação e por um projeto de partilha do ativo restante, devendo ser declarado, naquele, que estão satisfeitos ou acautelados os direitos dos credores (artigo 157.º do CSC).
Aprovadas que sejam as contas finais pelos sócios, em conformidade com o disposto no artigo 160.º do CSC, incumbe aos liquidatários requerer o registo do encerramento da liquidação, com o qual “(…), finalmente, a sociedade exala o último suspiro, isto é, se considera extinta, mesmo entre os sócios e sem prejuízo das ações pendentes ou do passivo ou ativo superveniente” (assim, o Acórdão do STJ de 26-06-2008, in CJ STJ, Tomo II, p. 138).
A extinção da pessoa coletiva fá-la perder a personalidade jurídica, mas, nem por isso, cessam as relações jurídicas de que era sujeito ativo ou passivo.
Aliás, no que ao pagamento de responsabilidades respeita, a norma geral constante do artigo 1020.º do CC – de natureza geral e aplicável a qualquer contrato de sociedade – determina que “encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios continuam responsáveis perante terceiros pelo pagamento dos débitos que não tenham sido saldados, como se não tivesse havido liquidação”, situação que, assim, imporá a continuação das funções de liquidação.
O CSC distingue os casos em que existam ações pendentes, daqueles em que tais ações não existam ainda quando a sociedade é objeto de liquidação.
Dispõe o artigo 162.º do CSC – com a epígrafe “Acções pendentes” – o seguinte:
1 - As ações em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, n.ºs 2, 4 e 5, e 164.º, n.ºs 2 e 5.
2 - A instância não se suspende nem é necessária habilitação”.
Por seu turno, dispõe o artigo 163.º do CSC – com a epígrafe “Passivo superveniente” – o seguinte:
1 - Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada.
O artigo 164.º do CSC trata, por seu turno, do ativo superveniente da sociedade extinta.
(…)”
Da conjugação dos referidos normativos resulta que, havendo ações pendentes, as mesmas continuam o seu curso, só que com a substituição da sociedade por todos os sócios, que passam a ser representados pelos liquidatários (cfr. artigo 162.º do CSC).
Já se houver passivo social não satisfeito ou acautelado, é dos sócios a respetiva responsabilidade, até ao montante do que receberam na partilha, sendo as ações necessárias para tanto, propostas contra eles, mas na pessoa dos liquidatários, considerados, para o efeito, como seus representantes legais (artigo 163.º do CSC).
É esta a leitura que fazemos dos preceitos legais considerados:
A extinção de uma sociedade ocorre com o registo do encerramento da liquidação, perdendo aquela a sua personalidade jurídica e judiciária.
Com respaldo no acórdão desta secção proferido no processo nº15/14.1TTOAZ.1.P2, relatado pela Conselheira Paula Leal de Carvalho (in www.dgsi.pt):

“Como decorre das disposições legais transcritas, mormente da conjugação dos arts. 160º, nº 2, 162º e 163º, nºs 1 e 2, dissolvida a sociedade e efetuado o registo do encerramento da liquidação, esta considera-se extinta, facto este que determina a perda da personalidade jurídica e judiciária (cfr. art. 5º do CPC). Ou seja, perde a sociedade a suscetibilidade de ser parte na ação. Por essa razão é que a sociedade extinta, quanto às ações que contra ela se encontrem pendentes, é substituída pela generalidade dos sócios (representados pelos liquidatários) e, relativamente às ações a instaurar por dívidas sociais, deverão elas ser intentadas contra a generalidade dos sócios. É que, como também decorre dessas disposições, mormente do art. 163º, nº 1, a extinção da sociedade não determina a extinção dos créditos, não satisfeitos ou acautelados aquando da liquidação, de que sejam titulares os credores sociais.
(…)
Sobre esta temática (…) no que aqui releva, Salvador da Costa [“Os Incidentes da Instância”, 11.ª edição, 2020, Almedina, p. 215 a 217], defende o seguinte:
“Na situação em análise, todavia, apenas releva o disposto no artigo 163º, nºs 1 e 2, e no artigo 164º, nºs 1 e 2, do referido Código.
(…) Conjugando o disposto na primeira parte do normativo em análise – for parte sociedade que se extinga – com as normas do CSC acima referidas, propendemos a considerar ser a seguinte a solução nesta matéria relativa às sociedades comerciais:
No caso de a extinção das sociedades comerciais ocorrer durante a pendência de ações, independentemente de figurarem do lado ativo ou do lado passivo, são substituídas pelos liquidatários a título de representantes legais da generalidade dos ex-sócios.
(…) Extinta a sociedade na pendência da ação em que figure como ré, o credor-autor, no requerimento para a ação prosseguir com os ex-sócios, representados pelos liquidatários, deve alegar e indicar a prova de que os mesmos receberam bens em partilha, condição do seu prosseguimento nos termos do nº 1 do artigo 163º do CSC.
Com efeito incumbe ao credor respetivo o ónus de alegação e de prova de que os ex-sócios da sociedade receberam em partilha bens da titularidade da sociedade em causa. Assim, a execução intentada contra a sociedade comercial extinta não pode prosseguir contra os ex-sócios se ao menos no requerimento executivo não foram invocados os pressupostos da sua responsabilidade, ou seja, que receberam bens ou direitos em partilha do património societário suficientes para o pagamento do crédito peticionado.
Mas o requerente tem o ónus de justificar, no respetivo requerimento, os factos reveladores de que, aquando do encerramento da liquidação da sociedade, esta era titular de bens ou valores e que foram distribuídos pelos ex-sócios.
Tendo a sociedade, antes da sua extinção, sido condenada em ação declarativa a pagar a um seu credor determinada quantia em dinheiro, na ação executiva por ele instaurada pendente aquando da sua referida extinção, o seu prosseguimento contra os ex-sócios depende da sua alegação e prova dos factos justificativos da sua responsabilidade pelo pagamento, nos termos acima referidos.
(…)
(…) Em suma, a existência de bens e a sua partilha entre os sócios são elementos constitutivos do direito do credor, cabendo a este o ónus da respetiva alegação e prova nos termos do artigo 342º, nº 1, do C.C., para efeitos do prosseguimento da execução contra a generalidade dos sócios, representados pelo liquidatário (art.º 162.º1 e 163.º1, do CSC).
Em elucidativa síntese e com inteira aplicabilidade ao caso, refere-se no sumário do Acórdão da Relação do Porto de 18-05-2017 (…) o seguinte:
I - Não obstante nas ações pendentes em que a sociedade seja parte a extinção desta determine a sua substituição pela generalidade dos sócios (representados pelo liquidatário) ao abrigo do art.º 162º do CSC, tal substituição não é automática nem ilimitada.
II - Se apenas a sociedade comercial de responsabilidade limitada, liquidada e extinta, foi condenada na ação declarativa no pagamento de determinada quantia pecuniária a favor da exequente, não pode fazer-se seguir a execução de sentença contra o seu ex-sócio (representado pelo liquidatário), ao abrigo do art.º 163º do CSC, sem que se aleguem (e provem oportunamente) em ação própria ou, pelo menos, em fase incipiente da execução (quando antes não pôde ser), os pressupostos da responsabilidade deste último e da sua sucessão à sociedade, desde logo como requisito de legitimidade passiva, por não figurar no título executivo como devedor, abrindo também o contraditório.
III - Tal alegação na execução passa pela concretização descritiva dos bens e valores da sociedade extinta partilhados em benefício do ex-sócio (potencial executado legitimável), a fim de permitir determinar a medida da sua responsabilidade relativamente ao crédito da exequente; porém, de modo compatível com as caraterísticas coercitivas do processo de execução, sem retardamento anormal ou complicação declarativa.>>(…)”, (realce sublinhado e alteração do tamanho da letra nossos).
Nas ações pendentes contra a sociedade, à data da sua extinção, ocorre uma sucessão subjetiva, sem suspensão da instância, considerando-se a mesma, automaticamente substituída pelos ex-sócios, ou seja, não é necessária habilitação, sendo que este “coletivo dos sócios”, passa a ser parte na ação, representado pelos liquidatários, «os membros da administração da sociedade» - artigos 151º e 162º do Código das Sociedades Comerciais.
Como se lê no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido no Processo nº 471/14.8T8SLV.E, em 31-01-2019 (Relator Silva Rato, in www.dgsi.pt), citado na decisão recorrida: “(…) Assegurando-se assim, de uma forma expedita, que os que sucederam no património da extinta sociedade e no limite dos direitos e das obrigações que lhes cabem nesse âmbito, em face do disposto nos art.ºs 163 e 164º do CSC, substituam processualmente a extinta sociedade. A habilitação dos sucessores da sociedade extinta, faz-se pela mera substituição processual da anterior parte, sociedade comercial extinta, pelos seus ex-sócios, representados pelos liquidatários, se os houver, ou pelos próprios sócios no caso de não haver liquidatários.”
Temos ainda como particularmente pertinente, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo nº 2538/15.6T8PDL-B.L1-2, em 11-02-2021 (Relatora Laurinda Gemas, in www.dgsi.pt), também citado na decisão recorrida: “(…) Com efeito, o legislador optou por facultar ao credor que já foi a juízo (para fazer valer o seu direito) um “caminho mais fácil”, o do n.º 2 do art. 163.º, ou seja, não determinou que o processo prosseguirá contra os próprios sócios (em sentido amplo entenda-se, incluindo, pois, os acionistas), que teriam de ser “habilitados”, mas sim contra a “generalidade dos sócios, representados pelo liquidatário”, reconhecendo assim a personalidade judiciária deste “coletivo dos sócios”.(…)”
No caso concreto, mais foi decidido na primeira decisão recorrida:
“Nos termos do referido regime legal estando comprovado o registo do encerramento da liquidação da R Sociedade –cfr certidão de registo comercial da R junta aos autos em 13/4/2023 -, julga-se procedente exceção de falta de personalidade jurídica da R sociedade absolvendo-se tal R da instância.
Custas, nesta parte, pela R Sociedade, fixando-se o seu decaimento a final.
(…)
Declaro a substituição da R Sociedade pelos seus sócios BB, CC ...77, NIF ...75, CC, CC ...82, NIF ...83, e DD, CC ...16, NIF ...97, todos residentes na Rua ...., ..., ... Vila Nova de Gaia.
(…)”.
Ou seja, foi determinado o prosseguimento da ação contra os próprios sócios.
Porém, facultando o legislador a possibilidade da ação prosseguir desde logo contra generalidade dos sócios, representados pelo liquidatário(s), resulta expressamente do artigo 163º do Código das Sociedades Comerciais, a necessidade de citação daquele(s) últimos, nessa qualidade.
Assim sendo, também a falta de citação para a ação, dos próprios sócios, BB, CC, e DD, como conclui a Apelante, gera a nulidade do processado quanto a estes, desde a prolação do despacho que determinou o prosseguimento da ação na pessoa dos mesmos, o que se determina.
Quanto aos ulteriores termos do processo, como resulta das considerações consignadas supra, anota-se que “(…) a existência de bens e a sua partilha entre os sócios são elementos constitutivos do direito do credor, cabendo a este o ónus da respetiva alegação e prova nos termos do artigo 342º, nº 1, do C.C., para efeitos do prosseguimento da ação contra a generalidade dos sócios, representados pelo liquidatário (art.º 162.º1 e 163.º1, do CSC).” (cfr. acórdão desta secção supra referenciado).
Ainda que a citação da generalidade dos sócios, deverá ser efetuada através do(s) liquidatário(s), constituindo a sentença a proferir, caso julgado em relação a cada um deles - artigo 163º do Código das Sociedades Comerciais.
***
Atento o assim decidido - nulidade do processado desde a prolação do despacho que determinou o prosseguimento da ação na pessoa dos sócios - considera-se prejudicado o conhecimento das demais questões, objeto do presente recurso.


3. Decisão:
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, decretando-se a nulidade do processado quanto aos sócios BB, CC, e DD, desde a prolação do despacho que determinou o prosseguimento da ação na pessoa dos mesmos.

Custas do recurso da Apelante, pela Trabalhadora.

D.n.




Porto, 04 de Março de 2024.
Teresa Sá Lopes
Nélson Fernandes
Germana Lopes Ferreira